17 de Fevereiro, 2015 Carlos Esperança
Portas, Machete e a dama do véu
Um luzido séquito, capitaneado pelo vice-PM e coordenador dos assuntos económicos e canónicos, assistiu anteontem no Vaticano à criação do único cardeal português dentro do prazo e que, sob o pretexto de haver em Lisboa um cardeal com direito a voto, manteve adiado o barrete cardinalício. Só agora, após o passamento do cardeal Policarpo, logrou aconchegar o cocuruto com o ambicionado adereço.
A tradição de criar cardeal o patriarca de Lisboa é um costume do rito romano da ICAR que vem do século XVIII, um estatuto conferido por inerência de funções numa diocese patriarcal. Que desta vez o Governo tenha mandado Paulo Portas, carregado com o casal Machete e o pio secretário de Estado da Cultura, em vez de um elefante com ouro, como fez D. João V, é sinal de penúria e da degradação zoológica da comitiva.
Surpreende que um país, com graves problemas financeiros, mantenha a embaixada do Vaticano, com a de Itália a poucas centenas de metros, num Estado onde, por falta de espaço, a representação diplomática está domiciliada fora.
Quanto à ida de Paulo Portas nada há a dizer. Salvo os colegas do Opus Dei, afligidos com cilícios e mais horas de genuflexão, poucos têm tantas missas no currículo e tanta devoção exibida.
O que surpreende num país laico, onde a Constituição obriga à separação da Igreja e do Estado, é o convite ao Papa para vir a Portugal no centenário das ‘aparições de Fátima’, como se o acesso à agência lhe fosse vedado, e como se o ministro tivesse competência para certificar a Cova da Iria como local de ‘aparições’, anjódromo ou laboratório para acrobacias solares.
O Sr. Duarte Pio descobriu que os cavalos de D. Nuno se ajoelhavam em Fátima quando as cabras não tinham ainda a guardá-las crianças com queda para a santidade. Agora é o imutável Paulo Portas que certifica a beatitude do local e as aparições que o Vaticano, para evitar o ridículo, prefere qualificar de ‘visões’.
Esta gente é mais dada à fé do que à realidade e às orações do que ao sentido de Estado.