João César das Neves (JCN) excede-se no zelo com que divulga o pensamento oficial da Igreja católica. Na habitual homilia de segunda-feira, no DN, referiu-se ao discurso que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, pronunciou em 22 de Junho no Parlamento, facto inédito, em França, desde 1875.
JCN vituperou este excerto do discurso: “A burka não é um símbolo religioso, é um símbolo de servidão, é um símbolo de abaixamento. Quero dizer solenemente, ela não será bem-vinda no território da República.” O forte aplauso dos deputados franceses foi, segundo JCN, «da mais tacanha intolerância e incompreensão».
Convém esquecer a propensão beata de JCN e analisar o problema da burka ou, melhor ainda, a exibição ostensiva e provocatória de símbolos religiosos nos espaços públicos, sobretudo quando denunciam a submissão da mulher.
O Estado tem o direito de proibir em nome da liberdade e a obrigação de libertar através de uma proibição?
O problema divide as diversas famílias políticas, embora em França, apesar das graves cedências às religiões, feitas por Sarkozy, ao arrepio da Constituição, gere consenso a proibição da burka e do véu com que os mulás incitam as jovens a provocar a laicidade do Estado, nas escolas públicas, e a dar notório testemunho da submissão ao homem.
Os aplausos dos deputados sublinharam as afirmações de Sarkozy quando declarou que «…a tolerância tem limites e há muita coisa que não devemos permitir: crime, abuso, injustiça. A discriminação das mulheres e, pior ainda, a sua servidão e abaixamento são evidentemente intoleráveis».
É a supremacia da cidadania sobre o comunitarismo, a exigência da igualdade de género contra a tradição religiosa, a primazia das leis da República sobre os versículos do Corão.
JCN avalia a dignidade da mulher e a decência feminina pela porção de corpo oculto. É o direito de homem pio, que vê a mulher pelos olhos misóginos de Paulo de Tarso, mas as sociedades democráticas devem defender a igualdade de género e abolir o estigma do pecado original.
A sanha contra a laicidade dos sectores mais extremistas da Igreja católica fê-los aliados do islamismo cuja demência mística e vocação para o martírio admiram. O proselitismo está na matriz das religiões e serve de detonador das guerras que fomentam. Unem-se contra a laicidade e aguardam para se digladiarem, depois.
Há quem não perceba que a teocracia é o antónimo da democracia. É pena e é perigoso. Se o respeito pelas tradições fosse a bitola civilizacional teríamos ainda as monarquias absolutas, o esclavagismo, a tortura e, quiçá, a antropofagia, além de outras numerosas iniquidades. A civilização a que chegámos retrocederia para uma qualquer forma de tribalismo. Regressaria a barbárie. E o clero encarregar-se-ia de submeter as nossas vidas à vontade divina.
Há notícias que valem por si e outras pelo contexto. No segundo caso está a conversão de um cidadão, Magdi Alan, um italiano de origem egípcia que trocou o islamismo pelo catolicismo, um direito que qualquer democracia reconhece e que as religiões fomentam ou combatem conforme o sentido da mudança.
O referido cidadão nasceu numa sociedade que o fez muçulmano como outras o teriam feito católico, budista, adventista do sétimo dia, católico ortodoxo ou evangelista. Todos têm o direito de abandonar a religião que lhes impuseram, aderir a outra ou não querer nenhuma. E qualquer estado democrático é obrigado a defender, em nome da liberdade religiosa, a opção de cada um, sem quebra da neutralidade a que está obrigado.
O caso referido começou com uma cerimónia de apostasia, com pompa e circunstância, num legítimo espectáculo de marketing, baptizado por Bento XVI. O que é um direito elementar numa democracia é um pecado grave para uma religião. O neófito, graças à conversão, ganhou um lugar de eurodeputado por um partido democrata-cristão. Não estranhando os negócios da fé, repudio a ameaça islâmica que paira sobre este italiano cuja protecção pessoal exige oito seguranças.
Ninguém mata em nome da descrença e todos os dias morrem pessoas assassinadas por quem tem demasiada fé. Se uma religião estimula ou prevê a erradicação dos infiéis não é um sistema religioso é uma associação de malfeitores. Se o seu livro sagrado conduz à demência fascista é preciso mudar de livro e submeter ao código penal os que cometem crimes em obediência aos seus ensinamentos.
A laicidade é o vector de integração de todos os cidadãos numa sociedade plural. Assim, adquiriu na Constituição Francesa de 1946 um valor constitucional preciso: «A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Assegura a igualdade perante a lei de todos os cidadãos, sem distinção de origem, de raça ou de religião. Respeita todas as crenças». Ao contrário do proselitismo religioso.
Só um quadro laico tem a capacidade e os meios para que todos os homens e mulheres de convicções diferentes possam viver em paz e sem guarda-costas. É por isso que as referências confessionais nas constituições são um instrumento de ódio e de confronto.
Defender a laicidade é promover a paz, a tolerância e a democracia.
O Presidente da República não percebe porque é que ainda não foi encontrada uma solução para o impasse criado em torno da Concordata.
Cavaco Silva sublinhou que já falou com o Vaticano e com as autoridades políticas portuguesas, razão pela qual não percebe porque é que o assunto não está ainda resolvido.
Comentário: Num país laico é lamentável que o PR seja agente dos interesses de uma religião particular.
“O Humanismo é uma postura de vida democrática e ética, que afirma que os seres humanos têm o direito e a responsabilidade de dar sentido e forma às suas próprias vidas. Defende a construção de uma sociedade mais humana, através de uma ética baseada em valores humanos e outros valores naturais, dentro do espírito da razão e do livre-pensamento, com base nas capacidades humanas. O Humanismo não é teísta e não aceita visões sobrenaturais da realidade.”
IHEU – Minimum Statement on Humanism
Após a manifestação de interesse ao longo dos últimos meses de um grande número de pessoas, foi aberta uma fase de pré-registo de associados para a recolha de manifestações de interesse na futura associação Humanista. Após ser atingido um número mínimo de interessados, irá ser marcada uma assembleia geral fundadora.
A associação terá como principais objectivos:
Caso esteja interessado em fazer parte do projecto, pode consultar o actual site “Humanismo Secular Portugal” e fazer o seu pré-registo (sem compromissos) em http://www.humanismosecular.org/inscricao.
O Presidente francês afirmou hoje que a ‘burqa’ islâmica é “uma marca de servidão e de rebaixamento” da mulher e “não é bem-vinda” em França, num discurso a senadores e deputados reunidos em Versalhes.
A ‘burqa’, que cobre a mulher da cabeça aos pés, “não é uma marca religiosa, é uma marca de servidão e de rebaixamento” da mulher, afirmou Nicolas Sarkozy, que anteriormente admitiu legislar para regulamentar o uso da ‘burqa’ em França.
“Quero afirmá-lo solenemente. A ‘burqa’ não será bem-vinda no território da República Francesa”, disse.
João César das Neves (JCN) exonerou a propensão mística da sua homilia de hoje no Diário de Notícias e enveredou pelos caminhos da história.
Reconhece que vivemos em democracia, em termos elogiosos, o que não é consensual nas hostes cavaquistas, onde há quem conjecture vantagens numa suspensão temporária.
O articulista só perde a compostura e a serenidade quando os padres da sua Igreja estão afastados do poder. É essa devota visão que o leva a creditar que:
– os regimes constitucionais, liberais e republicanos foram experiências vergonhosas;
– o absolutismo de D. Miguel foi pintado [injustamente] com cores negras;
– a ditadura de João Franco [que custou a vida a D. Carlos e ao filho], foi uma pseudo-ditadura;
– as mudanças de 1834 e 1910 criaram das piores calamidades políticas na nossa terra.
(Duvido que os Távoras, os que arderam em autos de fé, as vítimas do esclavagismo, os índios evangelizados ou os condenados ao degredo, tivessem consciência da sorte que lhes coube por terem nascido antes de 1834). JCN não fez referência aos esbirros de Pina Manique nem às taras da família de Bragança e, muito menos, à dissipação do ouro do Brasil a caminho do Vaticano. A devoçãotorna santas as patifarias.
O pio JCN esconjura Sócrates, Leite, Louçã, Jerónimo e Portas, a quem atribui pecados veniais comparados com os mortais que o escriba atribui a Fontes, Hintze, Afonso Costa e Brito Camacho. Claro que a figura enorme de Afonso Costa é de mais difícil digestão do que a rodela de pão ázimo com que quotidianamente alimenta a alma.
Aos males desta República não faltam as comparações antigas. A expulsão das ordens religiosas é comparada ao aborto e à eutanásia, males que não existiam quando D. João V, Senhor Fidelíssimo, ia dormir com a madre Paula ao Convento de Odivelas. A separação da Igreja e do Estado, um acto de higiene que Portugal deve a Afonso Costa, sabe-lhe a fel. O divórcio e o casamento dos homossexuais fá-lo entrar em histeria e revela a misoginia bebida em Paulo de Tarso e a homofobia que o corroem.
Finalmente, JCN vê no atraso da regulamentação dessa iniquidade que dá pelo nome de Concordata os fumos da Carbonária.
O bem-aventurado esforça-se por ganhar o Paraíso de cuja existência, embora prometida aos pobres de espírito, não há a mais ligeira suspeita nem o menor indício.
Advogados ajuizaram ação popular contra a União, o presidente Lula e a CNBB, para suspender os efeitos de um acordo celebrado entre o Brasil e o Vaticano, em dezembro de 2008, que ofenderia a separação constitucional entre Igreja e Estado (Processo nº 2009.61.19.001298-9, da 6ª Vara Federal de Guarulhos).
Bento XVI defendeu esta Quarta-feira que os líderes políticos mundiais devem perceber a “importância das religiões dentro do tecido social de cada sociedade“.
Comentário: Os políticos esquecem-se das guerras religiosas a troco de votos. É um mau caminho.
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