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Categoria: Laicidade

4 de Maio, 2010 Ricardo Alves

Petição «Cidadãos pela Laicidade»

Senhor Presidente da República Portuguesa,
Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.
Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.
Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.
Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.
Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.
Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, autodeterminação sexual de adultos, e outras matérias políticas.
Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.
30 de Abril, 2010 Ricardo Alves

A Bélgica proíbe os véus integrais

O parlamento belga votou ontem favoravelmente a proibição dos véus integrais. Passa a ser crime uma pessoa apresentar-se em locais públicos com «a cara coberta ou dissimulada total ou parcialmente, de tal forma que não seja identificável». A pena por infracção será uma multa ou mesmo a prisão de um a sete dias.
Evidentemente, a lei é motivada pela escalada do islamismo radical – do qual os véus são a bandeira e o instrumento. A lei pretende ser um sinal de que não é aceitável o papel reservado para as mulheres nas interpretações mais fundamentalistas do Islão. De que a igualdade de direitos entre homens e mulheres não é restrita às mulheres brancas ocidentais. E de que o respeito pela liberdade individual não significa tolerar o aprisionamento de mulheres em prisões ambulantes.Escrevi abundantemente sobre este assunto, por exemplo aqui, ali e acolá. Há testemunhos de mulheres muçulmanas e ex-muçulmanas que defendem a proibição. E das que são espancadas por o retirar. Devem ser ouvidas.

Mas o melhor é mesmo dar a palavra a uma proponente da lei. A Associação República e Laicidade publicou, também ontem, a tradução de um artigo de uma deputada belga de origem muçulmana chamada Fatoumata Sidibé. Leia-se: «Declaro que o véu é o símbolo de um projecto político totalitário».

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28 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Tradução e adaptação a Portugal do manifesto francês

O Papa tem o direito de vir a Portugal. Longe de nós a ideia de nos opormos, porque somos laicos. Mas a recepção oficial, de forma reverencial e com fundos públicos, não é desejável.

Enquanto chefe de Estado, Bento XVI não merece entusiasmo de uma democracia laica e igualitária. À frente de um pequeno Estado teocrático e patriarcal ele usa o seu lugar de observador permanente da ONU para dificultar todos os programas a favor do planeamento familiar, dos direitos das mulheres, da luta contra a Sida, ou das minorias sexuais. Frequentemente ao lado das piores ditaduras da Organização da Conferência Islâmica.

Enquanto líder religioso, Bento XVI é um papa ultraconservador e reaccionário. A sua visão do catolicismo, promovida através dos movimentos como o Opus Dei ou a Legião de Cristo, é dogmática, estreita, anti-feminista, discriminatória, hostil a um ecumenismo efectivo e ao espírito modernista do Vaticano II. Não há qualquer razão para reverência. Mas é assunto dos crentes.

Enquanto cidadãos laicos, a nossa vigilância está noutro lugar. Nós temos de aproveitar esta visita para recusar e voltar a recusar a «laicidade positiva», um termo utilizado por Bento XVI e repetido por todos os beatos ao serviço do papa e do Vaticano.

Fiéis à CRP, que separa o Estado das Igrejas, nós estamos amarrados à laicidade sem adjectivo. Quer dizer a uma laicidade que distingue bem a esfera do domínio público da sociedade civil e da esfera privada. Esta separação mantém prudentemente à distância a política da religião, no interesse de ambas.

Recusamos a evolução desta laicidade para uma religião civil à americana, a subvenção pública dos locais de culto, assim como a brandura da vigilância para com as seitas.

Apelamos, pelo contrário, a uma vigilância face a todos os integrismos. Esta vigilância passa pela revalorização dos laços sociais com um modelo laico, o apoio às associações de bairro lutando por viver em conjunto e à defesa da escola pública. Nós dizemo-lo sem rodeios: na transmissão dos princípios da República, o padre, o pastor, o rabino ou o imã não poderão jamais substituir o professor.

Nós não pensamos que o perigo das comunidades imigrantes seja tornarem-se «desertos espirituais», mas de se tornarem guetos sofrendo do bloqueamento da ascensão social, da subida dos preços imobiliários, do recuo dos serviços públicos e da falta de miscigenação social.

Nós não temos a pretensão de crer, como afirmam os avençados do divino, que «Deus está no pensamento e no coração de cada homem». Mas nós estamos certos de uma coisa, por mais importante que seja, a questão espiritual não nos parece ser apanágio das funções do Estado cujo papel é antes o de se ocupar da questão sicial.

Se o catolicismo faz incontestavelmente parte do património cultural de Portugal, o País não é já a nação consagrada ao Imaculado Coração de Maria, depois de várias décadas de democracia, mas uma República separada das Igrejas como estabelece a CRP. O seu objectivo não é procurar que um grande número de portugueses acreditem mas que vivam melhor, cada vez mais livres e mais iguais. Tal deverá ser a missão que incumbe aos órgãos do Estado. Tal é a nossa esperança.

Adaptação e tradução por CBE

21 de Abril, 2010 Carlos Esperança

O niqab, a burqa e a sociedade laica

A defesa da liberdade e da democracia, tal como as entendemos na Europa, torna difícil contrariar o uso da burqa ou do niqab , enredando-nos no aparente paradoxo de proibir a liberdade.

É possível invocar razões de segurança para impedir a ocultação do rosto mas afigura-se difícil interferir nos costumes sem roçarmos a xenofobia e a arrogância civilizacional.

O Estado tem de usar a mesma bitola para os hábitos de freiras e frades católicos e para os adereços femininos islâmicos que são o símbolo de subordinação ao homem como os primeiros o são da entrega a deus.

Os Estados, que deviam ser cada vez mais laicos, vão cedendo no multiculturalismo que não passa de uma provocação religiosa orquestrada no seio das famílias, instigada por mulás e teleguiada das madraças e mesquitas de todo o mundo.

O controlo psicológico da sensibilidade no seio da família e nos guetos tribais de pendor patriarcal exercem uma intolerável coacção psicológica sobre mulheres a quem o Corão, a família e a tradição negam a modernidade e o acesso à autodeterminação.

Não espanta que as jovens que são pela primeira vez alvo de atenção, que deixam de ser por momentos mero objecto, afirmem sentir-se bem com as peças que são o símbolo da opressão feminina, sem pensarem que o mal não está no uso mas na obrigatoriedade de milhões de mulheres condenadas a fazê-lo, com risco de serem açoitadas e humilhadas.

Tal como não aceitamos discutir hábitos de higiene, vacinas ou obrigatoriedade escolar, não devíamos discutir símbolos que remetem para a humilhação e a discriminação de género. É de uma sociedade inclusiva e de cidadãos que precisamos não de provocações tribais onde a mulher é um objecto e a liberdade uma heresia.

A Europa não pode ser o alfobre de novas aventuras totalitárias de cariz religioso depois de liberta graças à repressão política exercida sobre o clero que a envolvia em guerras cruéis e intermináveis.

Enquanto a fé não for um direito inalienável, mas remetido para a esfera privada, não vão terminar as provocações do fascismo islâmico cujo proselitismo tem de ser parado como aconteceu ao nazismo, ao estalinismo e a outras derivas totalitárias.

14 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Tolerância de ponto? Não

Como se a crise se resolvesse com idas à missa, o Governo concedeu tolerância de ponto aos seus funcionários, atitude que alguns autarcas já haviam antecipado.

É surpreendente que a sociedade civil não se revolte com este atropelo à laicidade a que o Estado é obrigado, que não haja partidos que denunciem o abuso, que faltem cidadãos que se sintam envergonhados.

Quando o Estado se põe de joelhos perante o Papa católico, arrisca-se a ficar de rastos.

Não quererá a Comunicação Social ouvir vozes indignadas com esta deriva beata?

24 de Março, 2010 Carlos Esperança

Sobre a laicidade

Os monoteísmos odeiam o hedonismo. São misóginos e  homofóbicos, suspeitam da inteligência e da razão e combatem os prazeres do corpo, os desejos e as pulsões. Criaram interditos, alimentares e sexuais. Exaltam os jejuns e a castidade. São pela renúncia ao prazer e a favor do sofrimento como veículo para uma vida de felicidade que prometem depois da morte.

O que está em causa é uma questão de poder. É mais fácil dominar pessoas escravas do medo do que cidadãos livres da superstição. Por isso é tão importante que o pecado seja considerado crime e, agora que as fogueiras se apagaram, incluir no Código Penal os pecados que progressivamente vão sendo suprimidos como crimes (adultério, aborto, eutanásia) e outros que passam a ser direitos inalienáveis (apostasia, heresia , divórcio).

A afirmação de que “os Estados podem ser laicos, mas as sociedades não o são” é um subterfúgio com laivos de totalitarismo, é a defesa do poder das maioria em imporem a sua vontade ás minorias e, em última análise, impedirem a geometria variável das ideologias.
Não é por acaso que todas as religiões reclamam a laicidade quando são minoritárias e exigem ser tratadas de forma diferenciada o que é diferente quando se julgam em maioria, afirmando que não se deve tratar de forma igual o que é diferente.

Se os países muçulmanos, apesar dos constrangimentos sociais, respeitassem a laicidade, manteriam a unanimidade no horror ao toucinho, na aversão ao álcool e nos costumes? É altura de tratar as crenças que repudiam o pluralismo, que não admitem concorrência e que pretendem impor-se pela força das armas da mesma forma que as ideologias que apelem ao ódio, ao racismo, à xenofobia e à violência.

9 de Março, 2010 Carlos Esperança

Polónia: Vitória do livre-pensamento

Alicja Tysiac tinha processado um jornal católico, Gosc Niedzielny, e o Arcebispo de Katowice porque tinha sido insultada e comparada a uma criminosa por ter defendido o direito ao aborto. O processo, em primeira instância, tinha sido favorável a Alicja Tysiac.

Os clérigos recorreram. Perderam !

[O tribunal superior] rejeitou o recurso e confirmou a sentença da primeira instância favorável a Alicja Tysiac. A revista episcopal e o arcebispo de Katowice deverão publicar desculpas a Alicja Tysiac por a terem comparado aos criminosos nazis e por terem usado contra ela um discurso de ódio. Deverão igualmente pagar 30.000 zlotys (cerca de 8.000 euros) por danos assim como as custas judiciais.

Nota : DA agradece a informação ao leitor Eduardo C. Dias.