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Categoria: Laicidade

2 de Maio, 2014 Carlos Esperança

A democracia, o véu islâmico e os símbolos religiosos ostensivos

Depois da inaceitável indulgência com os pregadores do ódio nas mesquitas, situação que, por exemplo, não seria permitida – e bem – a dirigentes políticos, alguns países já europeus autorizam a proibição do véu islâmico dentro das escolas oficiais.

Há quem se oponha a esta decisão, em nome da democracia e da liberdade individual, acusando os opositores de intolerância. Esquecem-se de que a Europa tem vivido em paz graças à laicidade do Estado que jovens muçulmanas desafiam, estimuladas pela família e pelos pregadores religiosos. Os constrangimentos sociais e o domínio sobre as mulheres são de molde a impor-lhes o símbolo da sua própria escravidão.

Só a França sobrepõe claramente os direitos de cidadania aos desejos dos clérigos das diversas religiões. No exercício de funções públicas ou frequência de escolas do Estado não são permitidos os hábitos das freiras, as sotainas ou o véu islâmico. Alguém, de boa fé, receia a ausência de liberdade religiosa em França?

Ninguém duvida do proselitismo que devora as diversas confissões, todas desejosas de convencer os ímpios da bondade do seu Deus e da singular forma de salvação eterna – a sua –, impondo-a, se puderem, mesmo a quem a dispensa.

Sendo o Estado incompetente para se pronunciar sobre as convicções pessoais, só lhe resta manter a neutralidade que permita a efetiva liberdade religiosa e impedir qualquer religião de se apropriar de forma definitiva e permanente do espaço público.

A Europa só agora começa a sentir o perigo do proselitismo e a reagir às provocações de uma multinacional do ódio que usa as jovens com forte dependência da família, do clero e da tradição.

Duvidar da superioridade moral das democracias em relação à teocracia, e dos Estados laicos face aos confessionais, é renunciar à defesa dos direitos humanos sob o pretexto de cumprir a vontade de Deus.

A comunicação social, presente no vespeiro da Ucrânia, ignora a Turquia e a Nigéria.

30 de Abril, 2014 Carlos Esperança

Separação da Igreja e do Estado

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Artigo 1º
A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda aos estrangeiros que habitarem o território português.

 

Artigo 2º
A partir da publicação do presente decreto, com força de lei, a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito político português.

 

Artigo 3º
Dentro do território da República ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, nem perguntado por autoridade alguma acerca da religião que professa.

 

12 de Abril, 2014 David Ferreira

É preciso matar esta tristeza

 

Por coincidência, e após vários dias a discernir sobre uma matéria que sempre me suscitou reflexão, eis que deparo com o texto de um grande escritor, de seu nome Baptista Bastos, que vem precisamente ao encontro da linha de pensamento que procurei reproduzir em breves palavras, e que pode ser lido aqui: http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3802752&seccao=Baptista

Abordando a questão com a tenacidade, a cultura e a experiência de vida que caracterizam o escritor, julguei não ser necessário alongar-me demasiado na leiga elucubração que me propus desenvolver, uma vez que o texto de Baptista Bastos reflete na perfeição muito do que pretendia dizer. Fica, contudo, o apontamento de um assunto que julgo ter relevância para um debate sério.

 

 

Vivemos tempos difíceis. A crise económica abateu-se sobre o país com a força de um tsunami deixando a descoberto as nossas centenárias fragilidades, habilmente varridas para debaixo do tapete da ilusão e da esperança ao longo de vários mandatos políticos excessivamente populistas ou escandalosamente interesseiros.

Não obstante as esparsas manifestações de desagrado e o sentimento de revolta que alimenta frívolas conversas de ocasião ou acesas discussões em fóruns ou blogs da internet, a sensação com que se fica deambulando pelas ruas é a de uma incapacidade quase congénita para reagir de forma eficaz à adversidade que nos anestesia o espírito e nos açaima a vontade, tão bem retratada no dizer de uma célebre figura pública – “O país aguenta mais austeridade? Ai aguenta, aguenta!”. Como se o soubesse. Como se este fado que assumimos e cantamos fosse um dado adquirido, um protótipo de destino traçado a priori para um indulgente desgraçadinho.

Somente agindo se reage. Só que nós reagimos como um peixe-balão – inchamos o peito e mostramos ao predador que não estamos para brincadeira mas ficamo-nos por aí, o peito inflado de ar, a suster a respiração, ansiando que não nos devorem, confiando na nossa capacidade de apneia. E nunca questionamos de onde nos vem essa capacidade ou inclusive que necessidade temos de constantemente a exercitar.

Interiorizámos o espírito de mártir, de exímio sofredor, um fardo obscuro e demasiado pesado que não raras vezes nos é apontado como característica digna de elogio apesar de nos condicionar a objectividade e a evolução.

A esta particularidade não estarão isentos de responsabilidade demasiados séculos sob o jugo do cristianismo, no nosso caso sob a vertente cristã em comunhão com a Igreja de Roma, cultivando uma experiência existencial demasiado assente no sofrimento, no julgamento, no arrependimento, no castigo, na aceitação acrítica do status de poder de quem inexorável e tiranicamente o define e, em particular, na adoração desprovida de racionalidade ao mito apocalítico da redenção e da salvação, fatores que moldaram uma identidade colectiva quase castradora que teima em emergir em períodos de maior dificuldade, embora se imponha ao imaginário social como reconfortante, otimista e esperançosa.

Apesar do sangue fresco injetado pelas recentes revoluções políticas e sociais, com destaque para o 05 de outubro de 1910 e para o 25 de abril de 1974, a transfusão que alvitrava rejuvenescimento nunca se chegou a concluir e os sintomas tendem a surgir a espaços como a recrudescência da malária. Há uma tristeza inatural que inexplicavelmente nos permeia a identidade sociocultural, tal como o olhar de comiseração das estátuas dos santos perpassa, condiciona e emociona o espírito dos crentes, reprimindo a liberdade do livre pensamento e comprometendo o espírito crítico necessário para a contraposição.

No mês em que se comemora a laxativa revolução dos cravos, sublevação adiada pela inanição colectiva e que nos libertou tardiamente de um longo inverno de opressão clerical fascista, urge refletir e repensar os objetivos capitais que estiveram na génese da mesma, sabendo nós de antemão que nenhuma revolução sobrevive eternamente em autofagia.

Todo o futuro se constrói sobre as ruínas do passado. E nada nos espera senão o futuro. É preciso matar esta tristeza!.

5 de Abril, 2014 Carlos Esperança

A posse do embaixador do Vaticano em 2010

O discurso de apresentação das Cartas Credenciais do novo Embaixador de Portugal junto do Vaticano em 21 de outubro de 2010 foi um ato de bajulação pia, sem ética republicana e de manifesta subserviência, em nome de um país laico e democrático.

O embaixador Manuel Fernandes Pereira esqueceu-se de que representava o país e não um grupo de peregrinos e de que Portugal é um Estado laico e não um protetorado do Vaticano.

Para o Sr. Embaixador podia ter sido a maior honra pessoal e profissional da sua vida dirigir-se ao «Beatíssimo Padre», mas não o foi para todos os portugueses, sobretudo para os que lhe reprovavam o mal feito à humanidade com a teologia do látex, em países onde a SIDA dizimava populações, e nas posições em relação à contraceção, planeamento familiar, saúde reprodutiva da mulher, sexualidade e igualdade de género.

A alegada emoção do Sr. Embaixador com a canonização de D. Nuno Álvares Pereira, devida ao milagre obrado em D. Guilhermina de Jesus a quem curou o olho esquerdo, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, foi para muitos portugueses um motivo de troça e não de comoção, por ter transformado o herói em colírio.

Ao recordar que «um Predecessor de [Sua] Santidade honrou Portugal, na pessoa do seu Rei, com o título de Fidelíssimo», lembrou quanto ouro custou a Portugal, que vivia na miséria, o título obtido por D. João V, o rei que mantinha a sua amante predileta, madre Paula, no convento de Odivelas. Devia ter-se esquivado a remexer no passado devasso e perdulário de Sua Majestade Fidelíssima, um dos reis que mais dinheiro dissipou e mais filhos bastardos legou ao reino.

O Sr. Embaixador não tinha o direito de se apresentar como «o intérprete da arreigada devoção filial do Povo Português à Igreja e a [Sua] Santidade …», por respeito ao pluralismo ideológico e à liberdade religiosa do País que o diplomata representava.

O que terão pensado os ateus, agnósticos, céticos, crentes de outras religiões, e mesmo católicos, do embaixador que se permitiu terminar o seu discurso solicitando ao Papa «que paternalmente se digne abençoar Portugal, os Portugueses e os seus Governantes e, se tal ouso pedir, a Embaixada, a minha Família e eu próprio»?

O discurso ofendeu os livres-pensadores com a linguagem beata e a falta de pudor com que, em ano do Centenário da República, o embaixador humilhou todos os portugueses que recusaram a bênção papal. A prédica foi uma oração rezada de joelhos em nome de Portugal, um ato de vassalagem e uma manifestação individual de quem preferia ganhar o Paraíso a defender a honra de Portugal.

22 de Março, 2014 Carlos Esperança

Laicidade traída

José Medeiros Ferreira teve direito a um voto de pesar da Assembleia da República e a um minuto de silêncio.

O patriarca emérito de Lisboa, teve direito a um dia de luto nacional e a vários dias de ruído com o governo de joelhos e o PR em oração.

Vale mais um dia ao serviço da religião do que uma vida ao serviço do País.

4 de Março, 2014 Carlos Esperança

A QUESTÃO DO FERIADO DE CARNAVAL

Por

A. Horta Pinto

Tem-se discutido muito se a terça-feira de Carnaval deve ou não ser feriado nacional. Até aqui, tem prevalecido a tese negativa, não sei porquê. A tradição de festejar o Carnaval está profundamente arreigada no povo português, que gosta de se divertir nesses dias. Assim, não vejo razão para que o dia de Carnaval não seja feriado.

Porém, nestes tempos de “austeridade” forçada, poderia objetar-se que seria mais um dia em que não se trabalharia, o que iria prejudicar a produtividade e a competitividade da nossa economia. Mas esse problema é fácil de resolver: bastaria que ao mesmo tempo se suprimisse outro feriado de menos relevância.

Passando em revista os feriados existentes, parece-me que o mais indicado para essa troca seria o da “Imaculada Conceição”. Com efeito, porque razão é feriado o dia 8 de dezembro? Porque foi nesse dia, em 1854, que foi proclamado o dogma da “Imaculada Conceição”. A tradição católica sempre aceitou como certo que Maria era virgem quando concebeu Jesus Cristo, e virgem ficou depois do nascimento deste. Ora, talvez porque o racionalismo do século XIX começasse a pôr em causa a possibilidade de tal ter acontecido, o Papa Pio IX, 1854 anos depois da referida “conceição”, resolveu cortar cerce as pretensões racionalistas, proclamando essa virgindade vitalícia como dogma da Santa Igreja, indiscutível “urbi et orbe”.

Ora, temos de convir que esta matéria é um tanto ou quanto obscena. Imagine-se que uma criança de seis ou sete anos perguntava ao pai: “Papá, o que é a Imaculada Conceição?” De certeza que o pai ficaria seriamente embaraçado para responder a tal pergunta. Trata-se pois de um feriado no mínimo inconveniente.

Por outro lado, se o dia da “Imaculada Conceição” não fosse feriado, pouca gente se importaria e ninguém faltaria ao trabalho para comemorar tal dogma. Pelo contrário, todos os anos há protestos por o dia de Carnaval não ser feriado, e muitos trabalhadores arranjam os mais variados pretextos para não irem trabalhar. E os que não conseguem escapar-se ficam frustrados, pelo que trabalham pouco e mal, tudo em prejuízo das tais produtividade e competitividade. Isto é: até o tão decantado “ajustamento” beneficiaria com a troca!

23 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

João Paulo II (JP2) – o santo encomendado

A devota adulação e o indulgente esquecimento dos defeitos de JP2 facilitaram a Bento XVI a reabilitação que a Comunhão e Libertação, os Legionários de Cristo e o Opus Dei desejavam. Estas seitas pouco estimáveis lembram – não sei porquê –, a PIDE, a Legião e a Mocidade Portuguesa, na defesa do salazarismo e da sinistra figura inspiradora.

O funeral de JP2, a instigar a rápida canonização, “santo súbito”, foi encenado por um padre polaco e outros membros da igreja do seu país natal, que distribuíram os cartazes e orquestraram os slogans.

JP2 viu em Pinochet e na dedicada esposa um «casal cristão exemplar», ministrou-lhes, embevecido, a eucaristia e apresentou-se à varanda do Palácio La Moneda com o frio torcionário, para ser ovacionado pelos devotos, sem se lembrar de que, naquele palácio, se tinha suicidado Salvador Allende, presidente eleito, deposto pelo seu amigo golpista.

JP2 intercedeu pela libertação de Pinochet quando foi detido em Londres, por crimes contra a humanidade, por ordem do juiz Baltasar Garzon, usando argumentos jurídicos. Pediu a sua libertação, alegando que os crimes foram cometidos quando gozava da imunidade de Chefe de Estado, mas nunca censurou a sentença islâmica que condenou à morte Salmon Rushdie ou intercedeu por este.

JP2 não se limitou a proteger as ditaduras fascistas sul-americanas, apoiou o derrube de governos democráticos de esquerda numa cegueira insana de quem confundiu ditaduras estalinistas com o socialismo resultante de eleições e sujeito à alternância democrática.

Em 23 de Fevereiro de 1981, quando o grotesco tenente-coronel Tejero Molina tentou restabelecer a ditadura, deu-se a coincidência de estar reunida a Conferência Episcopal Espanhola. Nem o Papa, nem os bispos, nem o seu núncio apostólico, condenaram a tentativa de golpe de Estado, limitando-se a recomendar piedosamente, aos espanhóis, a oração, irrelevante para o fracasso do golpe.

Em relação à SIDA o defunto Papa portou-se como troglodita. Não se limitou a alvitrar a castidade, foi cúmplice da mentira que atribuía ao preservativo «minúsculos orifícios» permeáveis ao vírus e promoveu a difamação sobre a eficácia em países africanos onde o flagelo estava descontrolado. O arcebispo de Nairobi foi mais longe, atribuindo aos preservativos responsabilidade pela SIDA, sem ter sido desautorizado pelo Papa, apesar do ruído mediático feito à volta da estulta declaração.

Muitas violações de crianças se teriam evitado se em vez do silêncio cúmplice, exigindo discrição à ICAR sobre os casos de pedofilia de padres americanos, apesar das repetidas denúncias que lhe foram feitas, tivesse mandado comunicar os casos às autoridades dos EUA, evitando a recente censura, dura e inédita, feita pela ONU ao Vaticano.

João Paulo II era fã de Josemaria Escrivá, admirador do genocida Francisco Franco, que mandou fuzilar centenas de milhares de adversários, sem nunca ter faltado à missa ou à eucaristia. Não admira a pressa com que JP2 elevou a santo o indefetível franquista. É justo lembrar os factos no dia de hoje, 23 de fevereiro, 33 anos após a tentativa de golpe fascista em Espanha.

Papa-pomba

17 de Fevereiro, 2014 David Ferreira

Portugal. Um estado laico?

Fonte: DN de 17fev14.

Perante a impossibilidade legal de o Governo pagar um salário ao bispo das Forças Armadas – que já tem ao seu dispor gabinete, automóvel, motorista e secretária -, a solução encontrada foi a nomeação de D. Manuel Linda, que está reformado com 1429 euros, também para capelão-chefe da Igreja Católica. O titular do cargo passa a auferir 3518 euros e a decisão final cabe à ministra das Finanças.

D. Manuel Linda, nomeado bispo das Forças Armadas e de Segurança pelo Papa Francisco em outubro passado, reformou-se no mesmo mês e só poderá ser remunerado com autorização expressa das Finanças.

O prelado reformou-se como professor com uma pensão de 1429 euros. A sua situação de aposentado foi publicada a 9 de dezembro no Diário da República.

D. Manuel Linda admitiu existir um problema de legalidade quanto ao novo estatuto do bispo das Forças Armadas e de Segurança e a sua respetiva remuneração: “O problema económico também se põe, mas é muito secundário, porque a grande questão é legal: como ser reconhecido” pelo Estado e estar “autorizado a aceder às suas instalações”.

D. Manuel Linda, que entregou os papéis da reforma em dezembro de 2012, referiu que a Concordata entre o Estado e a Santa Sé é, em termos legislativos, de ordem superior à do decreto-lei que regulamenta o Serviço de Assistência Religiosa, pelo que a figura do bispo católico afeto às Forças Armadas deveria ter tido um reconhecimento que o Governo de então, socialista, não fez, adiantou.

Interrogado sobre a questão do limite de idade para aceder às fileiras (inferior aos 57 anos que tem) ou ser capelão militar (menor do que a permitida para chegar a bispo), D. Manuel Linda reconheceu em entrevista ao DN que “a omissão” legal que impede a sua remuneração como bispo das FA e de Segurança será ultrapassada com a nomeação para capelão-chefe, observando que “É um posto que está vago e deve existir, segundo a legislação” em vigor.