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Categoria: Laicidade

31 de Janeiro, 2015 Carlos Esperança

Editorial do Charlie Hebdo de 14_1_2015

Será que ainda haverá muitos «sim, mas»?

Na semana que agora termina, o Charlie, jornal ateu, realizou mais milagres do que todos os santos e profetas reunidos. Aquele que nos faz sentir mais orgulhosos é o facto de o leitor ter entre as mãos o jornal que sempre fizemos, na companhia daqueles que sempre o fizeram. O que mais nos fez rir foi os sinos da Notre-Dame terem tocado em nossa homenagem… Na semana que agora termina, o Charlie ergueu por esse mundo fora muito mais do que montanhas. Na semana que agora termina, como o desenhou magnificamente Willem, o Charlie fez muitos amigos novos.

Anónimos e celebridades planetárias, humildes e abastados, incréus e dignitários religiosos, sinceros e jesuítas, aqueles que ficarão connosco para toda a vida e aqueles que estão só de passagem. Hoje, nós aceitamos todos, não temos tempo nem coragem para escolher. Mas não somos ingénuos. Agradecemos do fundo do coração àqueles milhões, simples cidadãos ou representantes de instituições, que estão verdadeiramente ao nosso lado, que, sincera e profundamente, «são Charlie» e que se reconhecerão. E estamo-nos nas tintas para os outros, que de qualquer modo não se importam…

Há uma questão que, ainda assim, nos atormenta: será que vai finalmente desaparecer do vocabulário político e intelectual o detestável qualificativo «laicistóide integrista»? Será que se vai deixar enfim de inventar sábias circunvoluções semânticas para classificar de forma equivalente os assassinos e as suas vítimas?

Nestes últimos anos, temo-nos sentido um pouco sós na tentativa de rejeitar à força do lápis as sabujices explícitas e as bizantinices pseudo-intelectuais que arremessavam à nossa cara e à dos nossos amigos que defendiam convictamente a laicidade: islamófobos, cristianófobos, provocadores, irresponsáveis, lançadores de achas para a fogueira, racistas, estavam-a-pedi-las… Sim, nós condenamos o terrorismo, mas. Sim, ameaçar de morte os desenhadores não está certo, mas. Sim, incendiar um jornal está errado, mas. Nós ouvimos de tudo, e os nossos amigos também. Tentámos muitas vezes rir do assunto, porque é o que sabemos fazer melhor. Mas gostaríamos muito, agora, de rir de outra coisa. Porque isto está a recomeçar.

Numa altura em que o sangue de Cabu, Charb, Honoré, Tignous, Wolinski, Elsa Cayat, Bernard Maris, Mustapha Ourrad, Michel Renaud, Franck Brinsolaro, Frédéric Boisseau, Ahmed Merabet, Clarissa Jean-Philippe, Philippe Braham, Yohan Cohen, Yoav Hattab e François-Michel Saada não tinha ainda secado e Thierry Meyssan explicava aos seus fãs no Facebook que se tratava, evidentemente, de uma conspiração judaico-americano-ocidental. Já se viam, aqui e ali, nalgumas bocas mais delicadas, caretas de cepticismo a propósito da manifestação do domingo passado, assim como, em surdina, os eternos argumentos que visam justificar, aberta ou implicitamente, o terrorismo e o fascismo religioso, e ainda a indignação por, entre outras coisas, termos homenageado agentes da polícia = SS. Não, neste massacre não há mortes mais injustas do que outras. Franck, morto nas instalações do Charlie, e todos os seus colegas abatidos durante esta semana de barbárie, morreram em defesa de ideias que talvez nem sequer fossem as suas.

Vamos mesmo assim tentar ser optimistas, embora os tempos não estejam para isso. Vamos esperar que, a partir deste 7 de Janeiro de 2015, a defesa convicta da laicidade passe a ser um dado adquirido para todos e que se deixe de, por postura, por cálculo eleitoralista ou por cobardia, legitimar ou mesmo tolerar o comunitarismo e o relativismo cultural, que abrem a porta a uma e uma só coisa: o totalitarismo religioso. Sim, o conflito israelo-palestiniano é uma realidade, sim, a geopolítica internacional é uma sucessão de manobras e golpes baixos, sim, a situação social das, como se costuma dizer, «populações de origem muçulmana» em França é profundamente injusta, sim, o racismo e as discriminações devem ser combatidas sem descanso. Existem felizmente diversas ferramentas para tentar resolver estes problemas graves, mas elas são todas ineficazes se faltar uma delas: a laicidade. Não a laicidade positiva, não a laicidade inclusiva, não a laicidade-sei-lá-o-quê, a laicidade ponto final. Só ela permite, uma vez que preconiza o universalismo dos direitos, o exercício da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da igualdade. Só ela permite a plena liberdade de consciência, liberdade essa que é negada, de forma mais ou menos aberta em função do seu posicionamento de “marketing”, por todas as religiões a partir do momento em que abandonam o terreno da intimidade estrita para descer ao terreno da política. Só ela permite aos crentes e aos demais, ironicamente, viver em paz. Todos aqueles que afirmam defender os muçulmanos ao aceitar o discurso totalitário religioso estão na realidade a defender os seus carrascos. As primeiras vítimas do fascismo islâmico são os muçulmanos.

Os milhões de anónimos, todas as instituições, todos os chefes de Estado e de governo, todas as personalidades políticas, intelectuais e mediáticas, todos os dignitários religiosos que, nesta semana, proclamaram «Eu sou Charlie» devem saber que isso quer também dizer «Eu sou a laicidade». Estamos convencidos de que, para a maioria daqueles que nos apoiam, isso é óbvio. Deixamos os outros desenrascarem-se.

Uma última coisa, mas importante. Queríamos enviar uma mensagem ao papa Francisco que, também ele, «é Charlie» esta semana: só aceitamos que os sinos da Notre-Dame toquem em nossa homenagem se forem as Femen a fazê-los soar.

a) Gérard Biard

(Charlie Hebdo nº1178, 14 de Janeiro de 2015; tradução de Alexandre Andrade)

In Associação República e Laicidade

22 de Janeiro, 2015 Carlos Esperança

A burka e a liberdade

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou em 20-01-2014 “legítima” a proibição do uso de véu integral em França, rejeitando um pedido de uma francesa que reivindicava o direito a usar o niqab ou a burqa.

Parece um paradoxo que a decisão mereça o aplauso de quem defende as mais amplas liberdades e a censura dos que geralmente as negam, mas são os mais permissivos nos costumes que condenam o analfabetismo, a recusa de vacinas ou o uso da burka. Quanto a normas de higiene, a regras de saúde ou hábitos de educação, por exemplo, não devem permitir-se sistemas alternativos. Incoerência? A democracia proíbe e a teocracia impõe.

Há, quanto à burka, um argumento irrefutável se for comparada aos capacetes, máscaras ou outros adereços que impeçam, por motivos de segurança, o reconhecimento de quem os usa. Basta esse fundamento para legitimar a decisão proibitiva do Estado.

Mas vamos à sub-reptícia defesa da liberdade de religião, também apelidada de cultura. É natural que uma mulher criada numa sociedade ou família onde se incentive o uso, se sinta disponível para o aceitar ou defender, mas, por cada mulher a quem se recusa esse símbolo de humilhação, há milhares a quem é imposto, se a lei o não impedir. Os filhos de escravos adaptavam-se mal à liberdade e houve escravos que preferiam permanecer.

Não se trata do conflito entre culturas diferentes, digladiam-se a civilização e a barbárie, a modernidade e o anacronismo, a igualdade de género e a submissão da mulher.

Quem sustenta que não se pode satirizar uma religião, entende talvez que não se deva impedir o uso público da burka porque, depois, se persegue a excisão do clitóris, a seguir a lapidação de mulheres e, finalmente, se esvazia uma religião pacífica quando se impedir a amputação de membros, a decapitação de hereges e a venda de noivas.

A situação é diferente quanto ao uso da palavra e da imagem. Se hoje proibimos uma revista satírica, amanhã condenamos a pornográfica, depois o filme que é ofensivo e, finalmente o livro. Voltamos à censura e reiniciamos as guerras que nos outorgaram a liberdade.

18 de Janeiro, 2015 Carlos Esperança

O respeitinho é muito bonito

Ao correr da tecla – o respeitinho é muito bonito

“Temos a obrigação de falar abertamente, de ter esta liberdade, mas sem ofender. É verdade que não se pode reagir violentamente, mas se Gasbarri, grande amigo, diz uma palavra feia sobre minha mãe, pode esperar um murro. É normal!” (Papa Francisco)

Quando um ignaro ministro da economia é capaz de redigir um caderno de encargos de uma privatização em que atropela a lei e se vinga dos trabalhadores que não concordam com ele, tenho obrigação de o ofender, de lhe insultar a mãe (em pensamento, que é o meu registo) e de percorrer Gil Vicente para o adjetivar.

Se Paulo Portas diz que o CDS salvou o País, com uma dívida maior do que a herdada, a balança de transações correntes mais desequilibrada e o desemprego acrescido, tenho de lamentar que o aborto não possa ser retroativo.

Quando um líder religioso exige respeito por uma religião, só posso exigir-lhe respeito por quem a despreza. Se uma quiromante, um bruxo, um cartomante ou um profissional de um ofício correlativo exigem respeito pela sua profissão, só posso pedir-lhes que me convençam da sua verdade, utilidade ou interesse. E não deixarei de me rir!

Quando a religião manda matar infiéis, apedrejar mulheres ou decapitar apóstatas, deixa de ser uma associação respeitável e passa a ser um bando de criminosos. Quando apenas pretende persuadir as pessoas da bondade do incenso, da eficácia da água benta ou de que o batismo é um detergente para os pecados, apenas provoca o riso de quem não crê.

Quando um padre diz que um tsunami é castigo de Deus pelos pecados dos homens não é um ministro do culto, é um terrorista da palavra, um explorador do medo, um aldrabão que merece o nariz do tamanho da mentira e as orelhas na razão inversa da honestidade.

O respeito é uma forma subtil de censura. Porque há de um crente respeitar o ateísmo? Só não tem o direito de esmurrar os ateus. De resto, pode ofendê-los pela estupidez que lhes atribui, a insensibilidade que lhes imputa ou a maldade de que os julga capazes.

Ai de nós se esperarmos que nas madraças, sacristias, mesquitas e sinagogas vai nascer o respeito pela liberdade e imaginar que o cristianismo e o Islão desistem de converter os outros à fé que lhes ensinaram desde pequenos. A indulgência não é uma virtude evangélica, é uma conquista civilizacional adquirida com a laicidade e o secularismo.

Riam-se de mim que eu também me rio deles.

17 de Janeiro, 2015 Carlos Esperança

Francisco deixou cair a tiara

Por mais que se encoste à férula, não retomará o equilíbrio que parecia distingui-lo dos dois últimos antecessores. A nódoa das declarações sobre a liberdade são o corolário da tradição romana, a síntese entre a Inquisição e a liberdade religiosa, o Index Librorum Prohibitorum e a liberdade de expressão, o concílio de Trento e o Vaticano II.

O Papa saiu da Argentina do ditador Videla mas essa Argentina não saiu de dentro de si. Francisco tem o direito de pensar o que pensa, mas os livres-pensadores têm o direito de pensar de forma diferente. Ai de nós, se tivéssemos de nos comportar de acordo com o regedor de um bairro de 44 hectares, sem maternidade, constituição ou democracia. O líder da única teocracia europeia, nascida dos acordos de Latrão, entre Mussolini e o Papa de turno, não faz a lei dos países democráticos.

O Papa tem o direito de pensar que «Não podemos provocar, não podemos insultar a fé dos outros, não podemos ridicularizá-la» (…) e que «É legítimo usar esta liberdade, mas sem ofender». Eu é que reclamo, dentro das leis do meu país, o direito de rir das roupas femininas com que se veste, de gozar com o fenómeno alquímico dos sinais cabalísticos que transformam a água da rede em benta e a rodela de pão ázimo em carne e sangue de um profeta com dois milénios de defunção.

O passado das Igrejas só não é motivo de riso porque o horror e as lágrimas o impedem. Pensar que o Sol parou em Fátima e que durante séculos fez o movimento de translação à volta da Terra é tão cómico como a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus por D. Nuno Álvares Pereira, quando a cozinheira de Ourém o queimou com salpicos de óleo fervente de fritar peixe porque tinha uma pagela do herói medieval que logo beijou.

Haverá ato de humor mais apropriado do que desenhar um preservativo no nariz de um Papa cuja teologia do látex se tornou responsável pela infeção de centenas de milhares de pessoas a quem dissuadiu do seu uso?

O Aiatolá Khomeini, na sua piedosa loucura, emitiu uma fatwa contra Salman Rushdie e o Papa, o arcebispo de Cantuária e o grande rabino de Jerusalém foram unânimes no silêncio cúmplice. Deviam ser respeitados? O falecido bispo de Coimbra, João Alves, escreveu no Diário de Coimbra que compreendia a fatwa contra o escritor porque este tinha ofendido o profeta que, para os muçulmanos, era sagrado.

Sagrada é a liberdade de rir e criticar. O que os papas disseram dos ateus era um direito, não o que lhes fizeram.

16 de Janeiro, 2015 Carlos Esperança

Contra a violência islâmica

Petição da Amnistia Internacional aqui:

“Arábia Saudita: Libertem o blogger Raif Badawi!”

5 de Dezembro, 2014 Carlos Esperança

A questão dos feriados é complexa

Por

E – Pá

Por um lado, trata-se de uma ‘imposição’ da troika, alegremente aceite por este Governo, em nome da produtividade (ou da competitividade?) que ninguém no País parece estar em condições de avaliar quanto aos resultados práticos.

Fica a dúvida se foi um imposição ou uma punição. Mas essa dúvida é endémica e transversal a todo o PAEF.

O sinal de derrogação da nossa soberania é difícil de apagar qualquer que seja a ‘ginástica’ de Portas ou o ‘assobiar para o lado’ do Governo.

Os portugueses terão sempre presente que, para este Governo, quer a Restauração da Independência, quer a Implantação da República, são factos históricos e identitários que foram submersos por gratuitas especulações económico-financeiras. E tal facto não os impede (ao actual Governo) de continuar a tentar empunhar a bandeira de um ‘patriotismo’ (manifestamente interesseiro).

Por outro lado, e por outras razões, muitos portugueses não sentirão motivação para exigir a reposição integral do ‘pacote dos feriados’, já que os feriados religiosos não têm (ou não deveriam ter) implicações públicas (para a República). Um deles o ‘corpo de Deus’ é um feriado móvel que tem (para os crentes) a ver com o calendário litúrgico sem qualquer obrigação oficial. Aliás, e difícil perceber como num Estado laico (e apesar da Concordata) não estão previstos feriados do Yon Kippur e/ou do Ramadão só para falar das religiões abraâmicas.

Outro, o extinto feriado de 1 de Novembro bem podia ser restabelecido (pelo menos em Lisboa) para relembrar o trágico episódio do terramoto de 1755 que relançou a ideia da reconstrução nacional sob o modelo pombalino. Seria a comemoração da entrada solene e prática do ‘Iluminismo’ na política da nossa terra (num terreno muito actual – as ‘obras públicas’).

Depois de tantos desaires históricos é caso para plagiar Henrique IV (de França) e argumentar que: “Lisbonne vaut bien une messe”… (passe a contradição).

19 de Novembro, 2014 Carlos Esperança

A ICAR e os privilégios

Parlamento não mexe em isenções fiscais religiosas

por Miguel MarujoOntem

Proposta levaria a rever ou suspender Concordata
Proposta levaria a rever ou suspender Concordata

Só BE acompanha Associação República e Laicidade na exigência de revogar isenção nas tributações no património e no IVA das comunidades religiosas.

O Parlamento não vai mexer nas atuais isenções fiscais das comunidades religiosas, apesar de todas as bancadas terem sido desafiadas a fazê-lo no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2015. Apenas o Bloco de Esquerda respondeu positivamente ao pedido da Associação República e Laicidade (ARL) – que defende a secularidade do Estado e quer que as várias religiões deixem de ter isenções de impostos patrimoniais e que seja revogada a devolução do IVA a estas comunidades religiosas.

3 de Novembro, 2014 Carlos Esperança

TUNÍSIA: BOA NOTÍCIA

Por

João Pedro Moura

O partido Apelo Tunisino (laico) obteve a maioria relativa dos lugares parlamentares, nas eleições legislativas realizadas em 26 de Outubro.

O Apelo Tunisino (“Nidaa Tounes”) obteve 85 lugares, num total de 217, a que acrescem os 39 lugares de mais 3 formações políticas laicas, perfazendo 124, constituindo assim uma maioria laica absoluta.

O partido islamita Ennahda, mais moderado que os seus congéneres árabes, obteve 69 assentos, ficando em segundo lugar.

O destaque vai para o facto de ser a primeira vez, em eleições livres, que um partido oficialmente não-islamita, obtém o primeiro lugar em eleições livres, no mundo árabe! Bravo!

 

A Tunísia já era o país árabe mais liberal e onde as turistas estrangeiras até podiam estar de mamas ao léu em praias… mesmo com a polícia a passar por perto…

Isto é uma grande lufada de ar fresco! Ah, grande Tunísia!

O próprio partido islamita, que vencera eleições anteriores, mas que se mostrara com uma prática política titubeante, até pela oposição laica que se manifestou nas ruas, não era muito conservador e revelava alguma capacidade de diálogo…

A ver vamos no que esta vitória “laica” vai dar…

http://expresso.sapo.pt/partido-laico-ligado-ao-antigo-regime-vence-legislativas-na-tunisia=f895967

22 de Outubro, 2014 Carlos Esperança

Notas Soltas

Estado Islâmico – O combate ao sectarismo é urgente e uma questão de sobrevivência civilizacional. Há quem confunda fobia, uma doença do foro psiquiátrico, com o medo, sobejamente justificado, de trogloditas medievais possuídos de demência pia.

Vaticano – As contradições internas, geridas com pinças pelo papa Francisco, revelam clivagens entre a ala reacionária e a ala conformada com a modernidade. A homofobia e o horror ao divórcio alimentam o furacão que abala os alicerces do catolicismo romano.

Paulo VI – A exigência de milagres para a santidade é uma tradição obscurantista, que explora a superstição popular, mas a beatificação do papa declaradamente antifascista é uma compensação para as distinções conferidas a Pio XII e João Paulo II.

Turquia – Quem pensava que Erdogan era um muçulmano moderado há de arrepender-se sem perceber porque prefere a destruição dos curdos do Iraque e da Síria à extinção do Estado Islâmico.

13 de Outubro, 2014 Carlos Esperança

A escola, a laicidade e a fé

Dedicatória:

A Malala, prémio Nobel da Paz, a quem a doçura do rosto juvenil esconde a afoiteza, e a ânsia do conhecimento se sobrepõe aos preconceitos da fé.

«Abrir uma escola é fechar uma prisão». A frase, atribuída a vários pensadores, teve a calorosa defesa de Vítor Hugo, num discurso inflamado, na Assembleia Constituinte Francesa, em 1848. A instrução que seduziu Malala é o ódio de estimação dos talibãs, que a impedem, sobretudo às mulheres, o alvo dos terroristas que julgam o Paraíso ao alcance da ignorância e como prémio da discriminação de género.

Abrir uma escola laica é uma impossibilidade nos pântanos onde germina o Islão, mas é a única forma de revezar madraças e rejeitar mesquitas, ainda que os trogloditas de Alá continuem a gritar que Deus é grande e Maomé o seu profeta. As democracias não são confessionais.

Hoje, um jornalista escreveu que a Turquia é o único país islâmico democrático. Não há democracias muçulmanas, cristãs, judaicas ou hindus. As democracias adjetivadas não o são. A Turquia é uma democracia porque é laico o país. Está em risco com o presidente, Erdogan, que se esforça na reislamização. Prefere um Estado Islâmico, com riscos para si próprio, a um Estado curdo na fronteira da Turquia.

Um Estado confessional não é democrático. Veja-se o Vaticano ou o Estado monástico do Monte Atos, autónomo da Grécia, a título de exemplo. São teocracias.

O ensino, tal como a ciência, não podem ser tutelados pela teologia, a exótica «ciência» sem método nem objeto. Não pode preparar almas para a morte, deve conduzir pessoas para a vida e ter como objetivo a felicidade humana e a autodeterminação individual.

Que muitas Malalas floresçam no pântano da boçalidade medieval dos dementes da fé e que as sementes da sabedoria frutifiquem em mulheres que arrasem os valores tribais de sociedades patriarcais onde a mulher continua a nascer com pecado original, vítima dos preconceitos ancestrais e da vontade divina interpretada por facínoras.