A moral divina é impossível
Há alguns impedimentos filosóficos no dogma de pecado e salvação que se sustenta na construção do divino onipotente das três teologias monoteístas. Embora saibamos que paradoxalmente o deus judaicocristãoislâmico tenha personalidade divergente em cada uma dessas mitologias, no aspecto escatológico parece o mesmo.
Portanto, para simplificarmos, analisemos esses impedimentos pela ótica da teologia do deus abraâmico Javé, o absoluto.
Com o poder supremo elementar que engloba a onisciência e a misericórdia infinita, Javé, também conhecido por Cristo ou Alá, segundo a teologia triunfante, por ser perfeito e não tolerar a imperfeição em suas criações está moralmente legitimado em punir os imperfeitos com um inapelável castigo eterno de torturas em sua satânica fornalha incandescente depois do tribunal do juízo.
O primeiro impedimento nos salta aos olhos: a troco de quê uma entidade onisciente – e a prova está até mesmo nas suas escatológicas profecias apocalípticas de dor e provação -, prestar-se-ia ao papel de carrasco impiedoso daqueles que a contrariam? É que se deus é perfeito, e, por lógica inerente, impedido de dar existência a algo imperfeito, por que sua criação apresentase imperfeita, a ponto de merecer punição marcial? Segundo os crentes, deus concede a cada um o direito de buscar a perfeição. Há aqui outro impedimento.
Deus é perfeito porque escolhe ser perfeito ou é impossível para deus cometer imperfeição? Se deus escolhe sempre ser perfeito, ele não dispõe da onisciência, assim como também não poderia ter o poder supremo e único da criação, já que a possibilidade de imperfeição fugiria aos seus desígnios por ser concomitante ou anterior a ele. E por tabela desconstrói a lógica da moral absoluta. E se deus também criou a possibilidade da imperfeição implode-se a teologia da perfeição moral suprema divina, aquela que legitima a punição do imperfeito porque deus é moralmente perfeito para tal. Mas se para deus é impossível criar a imperfeição – e ainda assim suas criaturas a sujeitam-,temos um imenso problema às prerrogativas divinas, já que o poder supremo e absoluto é incompatível nesse cenário.
Há então que se admitir: algo imponderável escapa à vontade de deus e nem lhe é impossível criar algo imperfeito. Se segundo a teologia, o deus perfeito criou cada humano com a liberdade de escolher, ainda assim a onisciência divina invalida essa tese. Isso porque mesmo com o fabuloso privilégio de prever, deus só permitiu a possibilidade do imperfeito vir à existência, ao que parece, apenas para justificar uma sádica prerrogativa de punição que poderia ser evitada se a máxima de que o perfeito não produz imperfeição fosse uma verdade absoluta. Deus, nesse caso, é um sádico. Ou não dispõe da onisciência, e por isso rende-se a compulsão criativa na tentativa patética de alcançar a perfeição, ou não tem o menor controle da perfeição e da mesma forma vai criando sempre na busca inalcançável da obra perfeita. Mas se até de deus escapou a perfeição, que sentido moral tem a punição eterna a uma criação imperfeita?
O que se abstrai, portanto, dessa teologia é que se deus é perfeito fica impedido de parir – e consequentemente punir – criaturas com a capacidade de escolher entre o perfeito e o imperfeito por essa razão lógica: é que diante da onisciência de um observador absoluto toda e qualquer decisão humana reduz-se a um determinismo irrevogável. Punir a criatura imperfeita que nunca usará a plenitude da liberdade, posto que sua decisão já está definida na eternidade dos tempos, é moralmente inaceitável.
a) Carlos Tavares, jornalista, livre pensador da cidade de Três Rios – RJ – Brasil
Este ano foi pior. Não há ainda fotos na NET.
Não escrevo para que os leitores elogiem, mas para que leiam e pensem. Não é popular ser ateu, republicano e social-democrata. E sou. Defendo e promovo o republicanismo e a social-democracia, esta última sem confusões com a deriva neoliberal dos partidos que dela se reclamam e a traem.
E não promovo o ateísmo! É uma opção filosófica individual como o deveriam ser as religiões. Defendo, sim, a laicidade, e denuncio todos os ataques de que é vítima, sejam lambidelas presidenciais de anelões episcopais, cedências da República a atos pios ou a conivência estatal com o mais venerado embuste português do século XX – Fátima.
Tenho como aliadas a Constituição da República e a própria Lei da Liberdade Religiosa, e como adversários os autarcas que patrocinam excursões pias, os governos que deixam as Forças Armadas, bem ataviadas e luzidias, carregar andores e engrossar procissões, e todos os que usam as funções públicas para promover a fé individual.
A escola pública, onde tantas vezes as suas direções estão mais interessadas na salvação da alma do que no respeito pela neutralidade ideológica do ensino, é o lugar de eleição para a cidadania e não para o proselitismo. Hoje é a imagem pia que entra à sorrelfa pela porta das traseiras para a peanha de uma discreta sala, depois o regresso à separação dos sexos e à humilhação feminina e, finalmente, cinco pausas diárias para orações.
Os hospitais públicos enchem-se de crucifixos e senhoras de Fátima, com diretores que convidam os bispos para a cerimónia de posse. Amanhã terão um sheik a pôr em xeque a laicidade do hospital e a exigir que a sua mulher seja atendida apenas por uma médica. Antes, ainda encomendarão missas de ação de graças pelo cargo que lhes confiaram, o que, devido à leveza ética e indignidade cívica dos protagonistas, se justifica.
A subserviência à religião dita maioritária é a porta de entrada para a chantagem que as minoritárias, mais agressivas, não deixarão de fazer.
Cada vez que a mulher de um Presidente da República cobre a cabeça perante o Papa ou um aiatola, tapa o vácuo que a habita e insulta a luta das mulheres ao longo da História, eternas vítimas da misoginia e do tribalismo patriarcal que as condenou ao sofrimento e à subalternidade. O véu na cabeça oca do adereço de um PR é um retrocesso indecoroso ao tempo em que às mulheres eram vedados todos os direitos. E é também um sinal de aceitação de que o cargo é um direito do macho.
A iníqua discriminação da mulher por qualquer ideologia política, religiosa ou filosófica não pode ser uma questão cultural, deve ser um caso de polícia.
Malditas tradições!
Ontem, 24 de maio de 2017, um dia depois do trágico atentado de Manchester, surgiu a notícia da vandalização, no último domingo, da “Capela de Nossa Senhora de Fátima”, na localidade indiana de Godamakunta.
Fanáticos hindus atacaram o edifício, inaugurado a 13 de maio, e destruíram as imagens de Jesus, da Senhora de Fátima e restante iconografia católica. A demência pia contagia todas as religiões, ainda que o hinduísmo não seja propriamente um teísmo, com as suas 330 mil divindades diferentes cultuadas, e sendo raro o culto da trindade Brama, Shiva e Vixnu.
Desta crença, onde a permanência das castas e a desonra das viúvas que voltam a casar, (deviam acompanhar o marido na pira funerária), são os aspetos mais repulsivos, temos a ideia de que o pacifismo é a sua matriz imperecível.
Uma crença com mil milhões de seguidores apresenta fatalmente nuances pioradas pelo nacionalismo hindu. Não esqueçamos que é a terceira ‘religião’ do Planeta, rivalizando com o número de não crentes, depois do cristianismo e do islamismo.
A mais antiga tradição viva, onde não há formalidades litúrgicas nem congregações de crentes, é vulnerável ao nacionalismo.
Nas últimas eleições regionais, em março, depois da vitória dos nacionalistas hindus, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, figura pouco recomendável, decidiu nomear governador do estado de Uttar Pradesh (200 milhões de habitantes), Yogi Adityanath, execrável sacerdote comunitarista hindu militante, reacionário, que incita ao conflito e à violência contra os muçulmanos (20% da população) e defende a Índia exclusivamente hindu.
No berço da ‘dinastia’ Gandhi, onde nasceu o pacifista Mahatma Gandhi, emerge agora, pela via democrática, um déspota desejado, com delírios de grandeza, a atiçar medos e a instigar a violência, acirrando ódios, e capaz de edificar um templo hindu no local onde os extremistas arrasaram uma mesquita em 1992.
A maior democracia do mundo está ameaçada através do voto, paradoxo que começa a repetir-se das Filipinas à Índia, da Europa ao Médio Oriente, num mundo que a religião corrompe e o populismo insano aproveita.
Escaqueirar a imagem da Senhora de Fátima é uma ínfima metáfora do ódio sectário de que as religiões são capazes.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.