19 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança
O céu a seu dono – natal de 2003. A hierarquia é sagrada
No céu todos os dias são dias de ser bom. É por isso que o dia de natal é dia de ser infinitamente bom.
Deus lá está sentado entre a infinita corte celeste cuja única função é adorá-lo. À sua direita JC, perpetuamente sentado, para não desmentir o catecismo, diverte-se a ver serafins, querubins e tronos que ao fins de tarde vêm perguntar pela saúde de deus. De manhã é a vez das dominações, virtudes e potestades lhe tratarem os calos e catarem a barba. E, durante todo o dia e toda a noite os principados, arcanjos e anjos levam bolinhos e servem o chá.
A fauna celeste é muito bem organizada e nunca se mistura. Às vezes lá se vê uma virtude a acenar respeitosamente a um serafim, não mais do que isso, ou, numa curva do céu, um arcanjo a inclinar-se perante um velho querubim, conhecimento antigo, sem quebra do protocolo nem mistura que insubordine o espaço celeste. Foi uma birra que logrou o alvará de construção do inferno, coisa antiga de que nunca mais se falou.
No dia de natal deus deixa o seu amado filho J.C. jogar ao gamão com o espírito santo e autoriza a mãe beijar-lhe a mão. Jesus fica muito contente e pede ao pai para não o confundir com o mistério da trindade, coisa complicada para o seu grau de instrução, e não lhe perguntar pelo santo prepúcio. E todos bebem vinho novo enquanto as almas pulam de satisfação. Depois é a vez de o espírito santo retomar o voo e ficar a pairar por cima das almas que têm a obrigação de ser felizes.
No dia de natal os doze indefectíveis que lhe publicitaram as virtudes e divulgaram os milagres têm autorização para recordar-lhe os truques e falar do pasmo dos fregueses. Lucas lembra-lhe a dificuldade de convencerem Lázaro a ficar calado, Mateus o atrevimento de ir ao templo discutir com os doutores, coisas da adolescência, e Simão não se cansa de citar as dificuldades de tirar licenças e pagar o barco em segunda mão antes de terem aprendido a pescar e feito a sociedade.
Todos sublinham o papel que tiveram quando se lançaram no ramo religioso e só lhes é vedado falar do calvário, um período menos feliz de JC que o anjo rebelado atribuiu à falta de estratégia e défice de liderança. Às vezes, quando fazem muito barulho, deus aconselha-os a falarem baixo para não estragarem o negócio que JC deixou na Terra. Era uma chafarica quando morreu mas Pedro imprimiu-lhe carácter profissional enquanto Paulo se lançou à conquista do mercado. Graças à visão empresarial até a mudança da sede para Roma foi um golpe de génio como se pode ver dois mil anos depois, com os estabelecimentos iniciais a fecharem sob a concorrência agressiva dos negócios de Maomé.
Ás vezes apreciam as queixas do papa, sempre furioso com os ateus, e acham que ele está senil. Crêem que o preservativo é mau mas ignoram a função. Teresinha de Ávila pediu alguns, sentiu calores, foi fazer com eles alheiras para Jesus e apareceu corada a desculpar-se das cores e do sabor. Madre Teresa também fez uma encomenda, exigiu preto e branco e recusou sabores antes de os furar e entregá-los no hospital da SIDA.
S. José tem uma pequena oficina num vão de escada, não fala com ninguém e nunca mais entrega o berço que um trono lhe encomendou para deitar um anjo que partiu as asas e as tem engessadas.
Os profetas criam cenários e fazem previsões sobre o futuro. Deus acha-lhes graça e manda publicar os palpites no Observatore Celeste. Quem ganha tem direito, nessa semana, a refrescos servidos por Madalena, com um vestido transparente. A princípio JC fazia birras mas deus entendeu em seu entendimento que os ciúmes são incompatíveis com o lugar e o estatuto de príncipe. Por isso hoje todos são muito felizes no dia de natal e nos vulgares. Em 2003 houve apostas entre Jeremias e Isaías sobre a data de chegada de JP2 o que provocou grande agitação e fez surgir uma lotaria sob os auspícios da Santa Casa de Deus & C.ª, Lt.ª.