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28 de Fevereiro, 2004 André Esteves

Religião e Richard Feynman na BBC News e BBC World Radio Service.

Aproveite quem quiser. Um documentário biográfico sobre Richard Feynman na BBC News.

A primeira parte é este sábado com repetições depois do almoço e ao final do dia.

No próximo sábado a segunda parte.

O velho e querido farsante nas suas próprias palavras:

«Eu odiava morrer duas vezes. É tão aborrecido e desestimulante! »

Últimas palavras. Richard P.Feynman morreu de um cancro cerebral, depois de 3 décadas de luta com a doença.

«A primeira regra é não te enganares a ti próprio e que és sempre a pessoa mais fácil de enganar!»

Richard P. Feynman comentando como pensar objectivamente e viver utilizando o senso comum.

Também recomendável, amanhã, na rádio de ondas curtas (sou um amante do rádio de ondas curtas… é sempre interessante ouvir a rádio Vaticano e o contraste com as posições oficiais. Como difere a propaganda para os pobres e as declarações políticas…), BBC World Service, ás 13h00, a série “O que o mundo pensa sobre deus”.

Com perguntas tão interessantes como «Qual o peso da religião nos EUA» ou «Será deus responsável pela guerra?».

What the world thinks of God?

Este programa fez um inquérito sobre a religião, deus e os porquês em todo o mundo, podem-no encontar aqui.

(isto é que é serviço público!)

E claro… Qualquer oportunidade para ver mais um programa da excepcional série de divulgação científica Horizon, não deve ser desperdiçado. Horizon

27 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Separação entre religião e Estado

Vale a pena reflectir sobre este texto de um leitor, hoje publicado no Diário de Notícias:

Sr. ministro da Educação, quanto ao Projecto Bíblia Manuscrita Jovem, a ideia de fazer as crianças copiar a Bíblia nas escolas públicas, fora das aulas de Religião e Moral, é má por três razões fundamentais. A primeira e a mais séria é a mais óbvia: esta iniciativa é ilegal e um Estado que não faz cumprir a lei não merece o respeito de ninguém. A segunda razão diz respeito à democracia e à justiça. A partir de agora, o Estado deve autorizar todas as organizações religiosas que queiram fazer as criancinhas copiar o Alcorão, etc. Mas a terceira razão, a que eu não vejo nunca discutida em profundidade, é relativa à ideia generalizada de que a religião é uma coisa objectivamente boa. Será? Eu acho que não. Se pensarmos bem, a religião pode ser uma coisa boa, mas também pode ser uma coisa má. Com uma longa história de brutalidades, perseguições e autos-de-fé, a Igreja Católica não é uma organização com credenciais acima das nossas suspeitas. Durante o século XX, a Igreja Católica apoiou e aplaudiu ditadores e regimes hediondos: Mussolini, Salazar, Franco, Fulgêncio Baptista, Pinochet, Videla, e tantos outros. O papel do Papa Pio XII em relação aos crimes de Hitler está muito mais perto do de um homem de Estado do que do de um homem fé. E há uma semana os jornais americanos anunciavam que nos EUA cerca de 4450 padres estão acusados de abusos sexuais a menores desde 1950. Há cerca de 11 mil queixas a serem investigadas.(…) Bertrand Russel escreveu que as controvérsias mais selvagens são sempre sobre ideias que não se podem provar de forma irrefutável. A perseguição é usada em teologia, não em aritmética. Por que é que não investimos então na promoção da aritmética nas nossas escolas? – Filipe Vieira de Castro – Texas, EUA

26 de Fevereiro, 2004 André Esteves

As Mulheres, o islão e certa islamofilia do ocidente

Desde o século XVI, que existe esta corrente intelectual europeia que engrandece o islão, construindo uma visão ingénua (estilo “O bom selvagem”), que utilizava para criticar os erros e falhas morais da sociedade que a rodeava. Associada aos movimentos esotéricos que nasciam da maçonaria regular, procurava também encontrar as raízes do deus uno judaico-cristão-islâmico, reinventando os Templários, Baphomet, absorvendo a teologia sefardita e a Cabala judaica em doses q.b. Ou seja, o habitual e conhecido movimento de cultos de intelectuais, aristocracias e elites, que joga menos no dinheiro, mas mais nas influências, tornando-se, hoje, numa velha e triste tradição europeia e sinal da decadência cultural da velha Europa.

No século XIX, um dos defensores dessa «ideia vaga do islão», foi Sir Richard Burton, escritor e aventureiro inglês que visitou disfarçado de médico afegão, Meca e a Kasbah. No seu «Ensaio terminal» defende o islão contra a crítica ocidental, afirmando «o estatuto legal da mulher no islão é excepcionalmente alto» e que «A mulher muçulmana tem grandes vantagens em comparação com as suas irmãs ocidentais», chegando a afirmar que «os muçulmanos estudam a arte e o mistério de satisfazer a mulher».

Burton viu-se forçado, por si próprio, a calar-se…

Ao traduzir os livros que utilizava como exemplo de tal atitude de vanguarda, encontrou, não valores de liberdade sexual, mas um imenso oceano de preconceito masculino que via nas mulheres meras garrafas para o seu esperma…

No Jardim perfumado de Shaykh Nefzawi, que Burton pretendia traduzir, pode-se encontrar:

«- Sabias que a religião das mulheres encontra-se nas suas vaginas? – pergunta o Shaykh.- Elas são insatisfeitas em tudo o que estiver relacionado com as suas vulvas, e enquanto a sua luxúria for satisfeita, elas não se importam que seja um bufão, um negro, um criado, ou até mesmo um homem renegado. É satanás que faz o sumo correr das suas vaginas.» O Shaykh cita o poeta Abu Nuwas (famoso poeta islâmico) com aprovação:

As mulheres são demónios e nasceram como tal

Que ninguém pode confiar nelas, é o sabido por todos

Se amam um homem é por puro capricho

E para quem elas são mais cruéis, é quem elas amam mais

Seres de traição e engano, eu asseguro

Que o homem que ama verdadeiramente, é um homem perdido

E aquele que não acredita em mim, pode provar a minha palavra

Deixando o amor de uma mulher tomar conta dele, por anos

Se na tua disposição generosa, lhes deste

Tudo e tudo, por anos e anos

Elas dirão depois: «Eu juro por deus! Os meus olhos

nunca viram nada que ele me tenha dado!»

E depois de te teres empobrecido por causa delas,

Elas choram de dia e de noite, para sempre: «Dá-me!?

«Dá-me! Homem, levanta-te, compra e empresta»

Se não poderem lucrar contigo, contra ti se virarão

Dirão mentiras sobre ti e te irão caluniar.

Não se coíbem de usar um escravo na ausência do mestre

Uma vez as suas paixões acordadas, usam truques e enganos

De certeza, se alguma vez a sua vulva está molhada,

Só pensam em porem dentro um membro em erecção!

Preserva-nos, Allah! Dos truques das mulheres,

e das mulheres velhas em particular…

Assim seja.»

Temos aqui um inventário completo das falhas das mulheres, aos olhos dos homens muçulmanos:

Engano, gula, ingratidão, ganância, luxúria sem fim… ou seja uma porta para o inferno…

Poderão dizer-me: mas afinal, não é isso o que todos os homens em todas as épocas dizem das mulheres?

As guerras do esperma e do coração existem… E são uma constante da condição humana, mas enquanto que na Europa se compunham “cantigas de amor e bem dizer” e se inventava o conceito de «amor romântico», no islão, em todas as classes sociais e pela literatura das classes altas, temos o caminho contrário…

De uma península arábica beduína, onde as mulheres tinham um estatuto quase igualitário aos homens, temos depois da tomada de Meca por Maomé, a completa aniquilação da condição feminina.

E a culpa disto? Quem é que empurrou nesta direcção a civilização muçulmana?

Maomé, a sua família e os clérigos islâmicos, obviamente.

Para compreendermos o islão, é preciso ver que nas discussões sobre o assunto, confundem-se três islãos diferentes:

O islão que o profeta ensinou (ou seja os ensinamentos contidos no corão), o islão como religião, que nasce, é desenvolvido e refeito pela elite de teólogos e clérigos a partir das necessidades históricas, do corão e do hadith (o livro dos ditados do profeta), e o islão profundo, das culturas conquistadas, cultura poética, ciência e arte…

Muitas das “maravilhas” e tolerância, bem como algumas vicissitudes, que são atribuídas ao islão, são na realidade resultado das culturas locais conquistadas e que para manter vivas as suas especificidades e talentos se adaptaram às exigências ortodoxas das classes conquistadoras.. (Um exemplo são os azulejos e arte de embutidos que se desenvolveram a pontos nunca antes vistos, em termos de complexidade, dada a impossibilidade das artes habituais, devido às forte regras contra a idolatria. Outro, a homossexualidade masculina, que apesar de proibida no corão, existe e é herança da antiga cultura grega )

Assim vejamos a visão que o islão do profeta e dos religiosos têm da mulher…

A mulher é um ser inferior.

A lenda de Adão e Eva.

Sura 4:1 «ó Homens! temei o vosso senhor que vos criou de uma só alma; desta ele criou a vossa companheira e dos dois seres fez sair muitos homens e mulheres. Temei a Deus em nome d’O qual fazeis pedidos uns aos outros e respeitai as entranhas [que vos geraram]. na verdade, Deus observa-vos.»

Sura 7.189 «Foi ele Quem vos criou de um só ente, Quem dela tirou a sua esposa para que vivesse na sua companhia e logo o homem coabitou com ela, esta trouxe primeiramente um fardo ligeiro e caminhava sem dificuldade; depois, quando se tornou mais pesado, ambos invocaram o seu senhor: «Se nos deres um filho bem conformado, pertenceremos certamente ao número dos que te rendem graças»»

Destas e de outra sura, (pequeno número diga-se..) os teólogos islâmicos, concluíram que o homem era a criação original – as mulheres foram criadas secundariamente para o prazer e descanso dos homens. Esta noção foi ainda mais desenvolvida para reforçar a suposta inferioridade da mulher. Finalmente, à lenda de Adão e Eva foi dado um carácter sagrado de maneira que criticá-la, seria criticar as próprias palavras de deus, que são imutáveis e absolutas.

O próprio profeta descreve as mulheres em geral: «Sê amigável para com a mulher, pois as mulheres foram criadas de uma costela, mas a parte torcida da costela. No final, se a tentares endireitar a partirás; se nada fizeres, ela continuará a ser torta.»

Para reforçar a inferioridade da mulher, apareceu a noção que esta é uma serpente tentadora.

O curioso é que esta noção parece provir do Génesis judaico-cristão e não do próprio alcorão, pois se virmos as suras referentes à queda do estado de graça, não encontramos referências a uma Eva maligna…

Sura 2.33 «Dissemos: Ó Adão, habita o jardim com tua esposa; alimentai-vos ambos com os seus frutos, onde quer que eles se achem e à vossa vontade, mas não vos aproximeis dessa árvore, para não vos tornardes pecadores.»

… 2.34 «Satanás, porém, fe-los expulsar daqui e baniu-os. Dissemos-lhe então:«Descei deste lugar, inimigos uns dos outros; a Terra há-de servir-vos de morada e gozo temporário.»

..

Sura 7.18 «E tu, Ó Adão, habita com tua esposa no paraíso e comei ambos os seus frutos onde quiserdes; não vos aproximeis, porém, desta árvore para que não vos torneis pecadores.»

… 7:19 «Satanás fez-lhes uma sugestão pérfida para que eles vissem a sua nudez, que até então, lhes estava escondida. Disse-lhes: O Senhor proibiu-vos esta árvore apenas para não vos tornardes dois anjos ou para não vos tornardes imortais.»

… 7:20 «E jurou-lhes: na verdade, sou o vosso companheiro fiel.»

… 7:21 «Seduziu-os pelo engano e logo que provaram o fruto da árvore surgiu-lhes a própria nudez e apressaram-se a cobri-la com folhas de jardim. O senhor admoestou-os: Não vos proibi esta árvore? Não vos disse que satanás era vosso inimigo declarado?»

… 7:22 «Eles [Adão e Eva] responderam: Ó nosso senhor, nós somos pecadores; se não nos perdoas, se não tens piedade de nós, estaremos perdidos.»

… 7:23 «Disse deus: Descei! Ficareis inimigos uns dos outros. Encontrareis na terra residência e gozos temporários.»

A tradição islâmica também atribuiu a gula e ganância ás mulheres. E encontra suporte no Corão, na Sura 12.22-34, a história de José no Egipto e conta o encontro de José com uma mulher que o quer seduzir á força, das mentiras perante o marido desta e a reacção das mulheres na cidade.

Além disso, maomé ataca os ídolos femininos em Meca, e aproveita para atacar o sexo feminino em geral:

Sura 4:117 «Na verdade, além de Deus eles apenas evocam divindades femininas. Na verdade, eles apenas invocam Satanás, o rebelde» Suras 43:15-19, 52.39, 37:149-150, 53:21-22, 53:27

Além disso, existe espalhado por todo o corão, uma multitude de suras que utilizam a mulher como insulto, culpam as mulheres pelos erros dos homens, dão-lhes castigos ou valores de compensação em muito inferiores ou piores que aos homens…

Por exemplo…

Sura 4:38 «Os homens são superiores às mulheres pelas qualidade com que Deus os elevou acima delas e porque os homens gastam os seus bens a dotá-las. As mulheres virtuosas são obedientes e conservam cuidadosamente durante a ausência de seus maridos o que Deus lhes confiou. Deveis repreender as que dão sinais de desobediência; podeis po-las em leitos á parte e bater-lhes, mas desde que obedeçam não procurareis mais motivos de querela. Deus é excelso e grande.»

Mais úteis para os clérigos e teólogos foram os próprios ditados do poeta, quer no hadith, quer os de reputação popular…

– «A mulher que morre, e cujo marido está satisfeito com ela vai para o Paraíso.»

– «Se alguma coisa pressagia um mau prenúncio, é: uma casa, uma mulher ou um cavalo.»

– «Nunca um povo conhecerá o sucesso, se confidenciar os seus negócios com uma mulher»

– «O fogo do inferno surgiu-me num sonho e eu notei que estava principalmente povoada por mulheres que tinham sido ingratas. «Foi para com deus que eles foram ingratas? Elas não tinham mostrado gratidão para com os seus maridos por tudo o que tinham recebido deles. Mesmo que tenhas, durante toda a tua vida, agraciado uma mulher com a tua generosidade, ela encontrará sempre algo de minúsculo para te atacar um dia, dizendo «nunca fizeste nada por mim.»»

As mulheres são assim, para o islão inferiores e podem ser comparadas a garrafas, nas quais uma rachadela é irreparável… Aliás, maomé costumava dizer: “Lidem com as “garrafas” (as mulheres) com cuidado.

«O lugar da mulher é na casa ou na campa» – ditado Pashtun

Se quisermos juntar a esta visão da mulher, todos os outros pontos em que encontramos a condição feminina no islão, não podemos considerar que o islão seja particularmente emancipado e justo.

O hijab – o corão só pede que seja mantida o pudor Sura 24:30-31, no entanto toda a sociedade islâmica é um campo onde as pulsões sexuais masculinas são privilegiadas… Deste modo, a guerra do esperma manifestou-se na sistemática ocultação das mulheres em sistemas de roupa cada vez mais elaborados.

Além disso, o hijab associou-se á ostentação da riqueza de uma família, em certas partes do islão. Noutras, as condições económicas e ambientais geraram uma versão minimalista, o lenço na cabeça…

Mas continua e sempre será uma marca da sua inferioridade perante os homens e allah…

Aos olhos de muitas mulheres muçulmanas, talvez não…

Afinal, não é também a religião um mecanismo de controlo mental?

As ocupações permitidas à mulher: nenhuma que envolva a razão, pois a mulher não a tem.

A circuncisão e excisão feminina.

O casamento inegualitário para a mulher.

A impureza constante devido ao período.

A obrigação de satisfação sexual do homem, nenhuma para a mulher…

A desprotecção perante a justiça da mulher, quer em crimes sexuais como abuso físico e financeiro.

O corpo de uma mulher, especialmente a vagina, não lhe pertence! É “comprada” pelo marido na hora do casamento.

A lista é interminável, bem como as referências corânicas, do hadith, dos califas e família do profeta, quer para o islão wahibita, como para o shiita…



Querer justificar determinadas posições ocidentais sobre a cultura muçulmana, com somente citações do alcorão é como pedir a um muçulmano que seja como um protestante cristão perante o catolicismo… Coisa que lhe é impossível porque a própria palavra do profeta, garante que seja a classe teológica a protectora da palavra… Além disso, Maomé ao deixar um códice escrito, (assunto ainda por cima difícil de investigar… dado que cópias antigas do corão que se afastassem da ortodoxia foram simplesmente eliminadas… embora hoje haja descobertas arqueológicas que prometem algumas revelações… com muita polémica e furor para os clérigos muçulmanos (infiéis a decidirem o que é o corão?!)), desacelerou efectivamente a capacidade de mudança da religião muçulmana, em contraste com a religião cristã onde o rito precedeu as escrituras, tornando possível a igreja católica e ortodoxa na forma actual.

As grandes mudanças culturais do islão, deveram-se em grande parte às culturas conquistadas e hoje, ao choque da modernidade e da cultura ocidental. No entanto, a distância entre um teólogo moderado e um ortodoxo é muito pequena em comparação com a religião cristã e ainda mais com os movimentos humanistas progressistas mundiais.

O fundamentalismo que hoje, tanto assusta, é em parte, um querer voltar para o passado, para a prática e cultura que distinguiu os muçulmanos do ocidente, e logo para o que de pior e mais reaccionário e inumano que possamos encontrar no islão.

Nestes tempos pós 11 de Setembro e da «guerra do véu» em França, fica bem a uma certa intelectualidade ecuménica defender, como fizeram no passado, os argumentos e «impressões» da antiga islamofilia, em nome da tolerância. Aliás.. os próprios elementos superiores dos conselhos islâmicos da Europa o fazem com habilidade.

A tolerância é um valor por si. E as religiões nas suas formas originais não o suportam… Só a prática dos homens e a necessidade de paz é que a fez estabelecer nas sociedades. Hoje, temos a Carta Universal dos Direito Humanos como guia, não quaisquer verdades reveladas de um deus qualquer.

Mas no fim disto tudo…

As mulheres é que continuam a sofrer.

Fontes usadas liberalmente, (sim.. plagiei alguns parágrafos, isto é um blog, não uma tese de doutoramento):

Porque não sou muçulmano. de Ibn Warraq, Edição da Prometheus Books, ISBN: 0-87975-984-4

Alcorão de Allah ou da boca do profeta (não sabemos… não se esqueçam dos versículos satânicos), Edição problemática da antiga Junta de Investigações Científicas do Ultramar, tradução de José Pedro Machado… (infelizmente não posso estudar árabe e o corão original, sem me arriscar a ser morto pelo professor…), o facto de o corão ter de ser lido em árabe para não haver degradação da palavra do profeta, traz muitas complicações a quem o quer ler traduzido no ocidente. A inexistência de um versão “oficial” torna difícil a correspondência e citação correcta de muitas suras, devido ao facto, das traduções ocidentais se basearem em “vulgatas” que variam tanto na tradução contextual, como na ordenação das suras por polémicas académicas da ordem cronológica das suras. É assim habitual encontrar discrepâncias nos corões que se possam adquirir.

Provavelmente terei que adquirir um corão em inglês(!), dado que têm maior circulação e a maioria das referências são feitas em relação a essas traduções… As suras citadas são aquelas para as quais encontrei concordâncias…

Sir Richard Burton, foi o primeiro tradutor do Kama Sutra e do famoso «Arabian Nights» http://www.isidore-of-seville.com/burton/

A minha saudação e agradecimento a Ibn Warraq, homem livre de pensamento, pela sua coragem e discernimento.

25 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A resposta de Bernardo da Motta

Eis o que pensa um crente. Assinaladas com (>), em itálico, encontram-se as minhas afirmações, seguidas das respectivas respostas. Para se perceber o grau de tolerância de que um crente é capaz.

……………………….

Obrigado pela sua resposta.

>Depois, tenho a dizer-lhe que, não sendo o véu uma imposição do Corão, não deixa de ser uma arma que os fundamentalistas islâmicos usam para desafiar o carácter laico do Estado francês.

O Corão impõe decência e pudor no vestuário. De facto, não faz qualquer referência específica ao tipo de vestuário.

E é um facto que o fanatismo islâmico (prefiro esta palavra a “fundamentalismo”, uma vez que “fundamentalismo” deve significar “aderência a fundamentos”, o que é algo que eu aprovo) usa vezes sem conta o Corão como arma de terror.

O meu ponto de vista é o do espectador que assiste à derrocada das verdadeiras tradições.

O Islão, a par com tantos outros sistemas tradicionais, está a colapsar. O trabalho dos fanáticos dá uma grande ajuda é certo.

> Pode argumentar, caro leitor, que o Islão já foi tolerante.

Mesmo hoje em dia, há várias facetas do Islão!!

Conhece o sheik Munir, da comunidade islâmica aqui de Lisboa?

Conhece homem mais prudente, sensato, culto e tolerante?

> Mas prove-me que é capaz de:

>- Renunciar à sharia;

A sharia é parte integrante da tradição islâmica.

faz parte do terno “haquikah, tarikah e sharia”

“haquikah” é o conhecimento interior, o lado interior da doutrina, se quiser, o seu lado “esotérico”. O sufismo versa sobre a “haquikah”.

“tarikah” é a via, é o caminho.

“sharia” é o conhecimento exterior, o lado exterior ou “exotérico” da doutrina. Numa sociedade plenamente tradicional (já quase não as há), não faz sentido a separação entre religião e Estado. Essa é outra das confusões do mundo moderno.

> Permitir aos crentes que o abandonem;

Concordo consigo. Qualquer pessoa deveria poder abandonar o Islão se o quisesse fazer. Contudo, nesse caso, eu concordo que tal pessoa deveria também abandonar fisicamente o local e a cultura onde o Islão fosse tradição.

>- Defender a liberdade de ter qualquer religião e a de não ter;

Concordo!

>- Pedir perdão pela fatwa contra Salman Rushdie;

Concordo! Este é também mais um gesto fanático.

>- Enfim, se é capaz de renunciar à pena de morte, poligamia, discriminação da mulher e outros anacronismos e consentir, nas suas escolas, símbolos cristãos, judaicos ou ateus.

Aqui é que eu já acho que o Carlos está a misturar várias coisas. A mulher não é discriminada no Corão. Os homens, contudo, facilmente encontram formas de ler a seu bel-prazer o Corão. A poligamia é uma característica intrínseca ao Islão, e vem referida e legislada no Corão. é uma característica da cultura islâmica, e é óbvio que nos é estranha, a nós, ocidentais, que temos outra cultura.

Chamar de “anacronismo” algo que não se conhece não me parece correcto.

Repito, a genuína tradição islâmica, por muito que esteja em vias de extinção como as restantes tradições espalhadas por esse mundo fora, nada tem de anacrónico, visto que é uma via de Verdade, uma Verdade revelada.

A decisão do Estado Francês, cujas consequências nefastas ainda são imprevisíveis, só demonstra como aqueles que detêm o poder em França têm a sua intelectualidade e cultura reduzida a um mínimo. É um claro sinal de intolerância, e de verdadeiro terrorismo “jacobino”.

O que irá suceder é que as comunidades islâmicas em França irão regressar a escolas fechadas, tirando as suas crianças do convívio salutar com os restantes alunos. Estaremos a regressar aos bairros étnicos?

>Não basta haver crentes tolerantes, é preciso que o carácter fascista das religiões seja erradicado.

Repare, Carlos, a verdadeira religião nada tem a ver com “fascismo” nem com qualquer outra posição política. A religião tem uma natureza tanto transcendente como social, é certo, mas é social na medida em que serve como elo de coesão da sociedade e como ponte para a divindade.

Não seria correcto apelidar uma religião de “fascista”. Aliás porque o próprio fascismo é uma forma anti-tradicional e por isso mesmo, fortemente anti-religiosa.

>Cumprimentos.

>Carlos Esperança

Cumprimentos,

Bernardo

25 de Fevereiro, 2004 Mariana de Oliveira

Pê Nê Rê

Há uns tempos, através do André Esteves, tomei conhecimento da página do Partido Nacional Renovador. Não se pode saber muito sobre a sua história porque, quando carregamos no link, aparece um grande quadrado branco, vazio… quiçá sintomático da própria ideologia do partido.

Logo na primeira página, pode ser descarregada a petição Mais Vida, Mais Família cujo objectivo é travar a descriminalização do aborto e, através de um número de telefone ou de um endereço de correio electrónico é possível pedir uma brochura intitulada “Aborto: 50 perguntas e respostas em defesa da vida inocente”. Não surpreende. Como partido afecto às concepções trogloditas tomadas por sectores cripto-reaccionários da Igreja Católica é natural que defenda a criminalização de todos os comportamentos que chocam com uma qualquer moral vestida de sotainas bafientas, esquecendo princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático de matriz europeia – o respeito pela dignidade humana, em geral, a defesa da dignidade da mulher, em particular, e o facto indiscutível de o direito penal, como direito de ultima ratio, não poder conter valorações de ordem moral e religiosa.

Quanto à ameaça da imigração – o sítio apresenta inúmeras notícias referentes a comportamentos ilícitos perpetrados por estrangeiros numa demagogia típica -, os adeptos do PNR esquecem-se que vivemos num mundo cada vez mais globalizado onde é impossível seguir uma política autista de orgulhosamente sós. Como país integrado na União Europeia – algo que eles gostariam de mudar – Portugal está necessariamente sujeito aos movimentos tanto de entrada como de saída (estes são, oportunamente, esquecidos) de trabalhadores.

Para além disso, a abertura a indivíduos vindos do estrangeiro (esse grande país) é essencial para a nossa economia: com um número de trabalhadores activos cada vez menor em virtude das baixas taxas de natalidade e, portanto, com um aumento do número de pensões, na próxima geração não haverá forma de sustentar a classe activa de hoje. Por isso, precisamos de imigrantes para compensar esta falta.

Outra coisa que estes senhores se esquecem é que, historicamente, a Europa e Portugal cresceram à custa da imigração: os celtas e os iberos foram imigrantes. Os romanos também encorajaram as movimentações espaciais. Mais tarde, as invasões bárbaras caracterizaram-se pela deslocação dos povos do norte para o sul do continente. Os árabes também deram o seu contributo para a diversidade cultural que encontramos por todo o lado. Actualmente, os imigrantes do leste e das antigas colónias europeias são apenas mais uma vaga que irá contribuir para esta manta de retalhos que é o nosso país e a Europa.

Algo preocupante que se nota, não apenas em relação a este partido minoritário, é uma onda de saudosismo que tem vindo a afectar determinados sectores da direita portuguesa. Só espero que tudo seja passageiro.

24 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Não há religiões tolerantes. Há crentes que, apesar da religião, conseguem ser

Bernardo Sanchez da Motta escreveu: Desculpe-me, Carlos Esperança, mas a sua forma de ver o Islão é extremamente redutora. Se você não consegue sequer vislumbrar a tela complexa do Islão actual, então não me parece que o seu comentário ao véu tenha muito fundamento ou credibilidade.

Por acaso sabe em que termos o Corão menciona o uso do véu pelas mulheres? Terá o Carlos perdido um pouco do seu tempo para ver EXACTAMENTE como o Corão define essa questão? A sua ideia de Islão vem dos “taliban”?

Ou está apenas a deixar a sua mente ser levada pela “pseudo-intelectualidade” dos preconceitos que os mass media impoem à mente “massificada” dos nossos contemporâneos?

A minha resposta:

Não sendo o véu uma imposição do Corão, não deixa de ser uma arma que os fundamentalistas islâmicos usam para desafiar o carácter laico do Estado francês.

Pode argumentar, caro leitor, que o Islão já foi tolerante. Mas prove-me que o Islão é capaz de:

– Renunciar à sharia;

– Permitir aos crentes que o abandonem;

– Defender a liberdade de ter qualquer religião e a de não ter;

– Pedir perdão pela fatwa contra Salman Rushdie;

– Enfim, se é capaz de renunciar à pena de morte, poligamia, discriminação da mulher e outros anacronismos e consentir, nas suas escolas, símbolos cristãos, judaicos ou ateus.

Não basta haver crentes tolerantes, é preciso que o carácter fascista das religiões seja erradicado.

23 de Fevereiro, 2004 André Esteves

The End of the World

Seguindo o mote da Mariana com a letra dos Muses, aproveito para colocar a letra de um happening da Laurie Anderson.

O texto é sugestivo… Mas ouvido da sua boca é inesquecível…

The End of the World – by Laurie Anderson

«Hi! This evening I’ll be reading from a book I just finished and since a lot of it is about the future, I’m going to start more or less on the last page, and tell you about my grandmother. Now she was a Southern Baptist Holy Roller and she had a very clear idea about the future, and of how the world would end.

In fire.

In fire.

Like in Revelations.

Like in Revelations.

And when I was ten my grandmother told me the world would end in a year. So I spent the whole year praying and reading the Bible and alienating all my friends and relatives. And finally the big day came. And absolutely nothing happened. Just another day.

Ooooaaaah!

Now my grandmother was a missionary and she had heard that the largest religion in the world was Buddhism. So she decided to go to Japan to convert Buddhists.

And to inform them about the end of the world.

And to inform them about the end of the world.

And she didn’t speak Japanese. So she tried to convert them with a combination of hand gestures, sign language and hymns, in English.

Ooooaaaah!

The Japanese had absolutely no idea what she was trying to get at. And when she got back to the United States she was still talking about the end of the world. And I remember the day she died. She was very excited. She was like a small bird perched on the edge of her bed near the window in the hospital. Waiting to die. And she was wearing these pink nightgowns and combing her hair so she’d look pretty for the big moment when Christ came to get her.

Ooooaaaah!

And she wasn’t afraid but then, just at the very last minute something happened that changed everything. Because suddenly, at the very last minute she panicked. After a whole life of praying and predicting the end of the world, she panicked. And she panicked because she couldn’t decide whether or not to wear a hat.

Ooooaaaah!

And so when she died she went into the future in a panic with absolutely no idea of what would be next.»

23 de Fevereiro, 2004 Mariana de Oliveira

Igreja Católica e os meios de comunicação estaduais

Andava eu muito bem a surfar na web quando dou por mim a olhar para a programação religiosa de Fevereiro nos média (como estão sempre a pensar em contas – do rosário, de dinheiro caído nos cofres de Fátima – deve ter havido confusão) . O espanto! O horror! Todos os domingos, às dez horas da manhã, há transmissão da missa dos estúdios de Lisboa… pela RTP1, a nossa televisão pública, e – para não perder embalagem ou para manter uns laivos saudosistas dos tempos missionários dos Descobrimentos – a RTP Internacional trata de enviar a (uma) mensagem para todo o mundo. Aos dias da semana, na 2:, há o programa Ecclesia e, no dia santo, 70×7.

Como se isto não bastasse, o serviço de radiodifusão estadual também embarca nesta onda de evangelização: Eucaristia aos Domingos e dias Santos, pelas 8:00h, na Igreja de S. João de Brito – Lisboa, na Antena 1, e, na RDP Internacional, Eucaristia também todos os Domingos e dias Santos – 11:30h, Igreja paroquial S. Estevão, Alfama – Lisboa.

Não me choca que existam programas religiosos nos meios de comunicação privados. A iniciativa privada é isso mesmo: privada e, desde que não se vá contra a lei, há liberdade de expressão. O problema é quando o serviço público de informação se presta a estas manobras propagandísticas gratuitas (sim, porque é uma prestação gratuita a favor da boa ICAR). O Estado e os seus organismos, incluindo a sua televisão e rádio, estão sujeitos à Constituição da República Portuguesa e, assim, ao princípio da laicidade. Ora, tal princípio diz que o Estado não deve favorecer nenhuma confissão religiosa. Ao permitir que se transmitam eucaristias (friso novamente: sem custos para a ICAR), há uma clamorosa violação de tal princípio.

22 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Um cronista do EXPRESSO disserta sobre Deus e o repolho

No Expresso de 22 de Fevereiro de 2004 o pio colunista João Pereira Coutinho insurge-se contra o projecto educacional inglês e faz alguns saborosos comentários.

Vale a pena transcrever (site inacessível) o que diz o devoto plumitivo, sob o título “Deus e o repolho”:

«A ideia (…) é mostrar aos petizes britânicos que, para lá das religiões “tradicionais” (leia-se “cristã”, “judaica” e “islâmica”) existe todo um mundo de crenças e não crenças que merece igual estatuto e igual reverência», para concluir que «se a escola elege como educação religiosa formas de descrença na divindade, seria de incluir outros tipos de adoração pessoal… como o masoquismo, o bestialismo e mesmo o filistinismo». E continua dizendo que «para sermos realmente tolerantes… o aluno deveria ser convidado a adorar um texugo – ou um repolho – com igual respeito e devoção», para terminar, profetizando, que «No espaço de algumas gerações, teríamos um sistema politeísta que, abrangendo Deus e o repolho, produziria uma sociedade mais humana, mais culta e incomparavelmente mais tolerante».

Sem me deter na falta de consideração para com o repolho (escreve Deus com letra maiúscula) merece alguns comentários o devoto:

1 – Não é função da escola transmitir um sistema de crenças, até porque teria de optar por um entre muitos, e o laicismo é uma condição para a democracia;

2 – Comparar Deus a um texugo ainda se aceita (embora não haja provas de que o primeiro existe), pertencem ambos ao reino Animal; mas comparar Deus a um repolho é fazê-lo migrar para o reino da Botânica (inaceitável num devoto);

3 – Na ironia em relação ao politeísmo (se acaso sabe o que seja) parece transparecer muita fé na humanidade, cultura e tolerância que exorna as religiões «tradicionais», que tem por boas.

Todos sabemos como as 3 religiões do livro praticam a humanidade, defendem a cultura e garantem a tolerância. Os bispos católicos e os ayatollahs são o paradigma. As teocracias são um modelo a que devemos regressar.

O piedoso plumitivo parece uma besta perfeita, mas não o designarei assim, por três razões: em primeiro lugar porque sou educado, depois porque não o conheço e, finalmente, ninguém é perfeito.