9 de Março, 2004 Carlos Esperança
A Conferência Episcopal Portuguesa e o aborto
Recentemente um bando de bispos portugueses, reunidos sob os auspícios da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), lançou um ultimato à Assembleia da República para que definisse «um conceito de vida em termos jurídicos». Desta vez as vozes dos bispos não passaram do céu.
É verdade que o aborto é uma das poucas bandeiras que resta a estes veneráveis anciões a quem a idade e o múnus tornaram castos e atenuaram o cio sem lhes domar o ressentimento para com a sociedade que progressivamente os ignora.
Os bispos gostariam de renovar o Código de 1886 mas isso já nem os deputados mais beatos e boçais da actual maioria estão dispostos a patrocinar. Nem os trogloditas que ainda em 1984 queriam obrigar as mulheres violadas a conceber e as que tivessem fetos mal formados a completar a gravidez, nem esses se atrevem já a contestar a lei que está em vigor, contra a qual votaram então.
Hoje só o Prof. João César das Neves, na aflição de salvar a alma, se presta ao ridículo de ser o porta-voz das aspirações de João Paulo II.
Esta gente sonha ainda com o miguelismo trauliteiro do séc. XIX, que tinha como húmus a ruralidade e defendia a cartilha de Pio IX, papa que JP2 se apressou a beatificar.
Tal como o adultério – igualmente um mal –, que já não leva ninguém a tribunal ou à cadeia, também o aborto vai deixar de ser crime. A sua legalização (daqui a dois anos) não o torna virtuoso, mas resolve um grave problema de saúde pública.
Se os castos machos da CEP, que dirigem a ICAR em Portugal, representam a vontade de Deus, é razão para dizer que Deus chega sempre atrasado.