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24 de Março, 2004 jvasco

Fátima – alguns comentários de Dawkins, e outros meus

Já tinha considerado muito curioso, quando li Um mundo Infestado de Demónios, de Carl Sagan (um excelente livro sobre as alegadas visões de OVNIS extraterrestres, pseudociência, astrologia, etc…), o número de referências a “milagres passados”: situações em que povos antigos viam Deuses (Zeus, Osiris, Vénus, Thor) ou figuras mitológicas (Elfos, Unicórnios, Demónios) muito comparáveis aos modernos alegados “encontros de 3º grau”. Entre estas situações estavam os avistamentos da Virgem Maria principalmente ao longo da idade média, mas também nos tempos posteriores, e uma referência particular ao que se sucedeu em Fátima.

Ao ler o último livro editado em Português de Dawkins, Decompondo o Arco Íris (que é sobre o maravilhamento poético que a boa ciência pode proporcionar, e sobre a má divulgação, a armadilha do pós-modernismo, e a pseudo-ciência, astrologia, etc…), também encontrei uma referência a Fátima, o que indicia que essa ocorrência em território nacional é conhecida internacionalmente entre os meios mais eruditos e racionais como uma das maiores fraudes dos tempos modernos. (Faça-se justiça a alguns Católicos mais racionais que eles próprios duvidam publicamente da ocorrência desse milagre). A referência começa com uma citação de Hume:



“[…] Nenhum testemunho é suficiente para demonstrar um milagre, a menos que o testemunho seja de natureza tal que a sua falsidade seja mais milagrosa que o facto que pretende demonstrar” – Dos Milagres (1748)

Continuarei com esta ideia de Hume no que diz respeito a um dos milagres melhor atestados de todos os tempos, um que afirma ter sido presenciado por 70 000 pessoas e lembrado por algumas delas ainda vivas. Trata-se da aparição de N. Senhora de Fátima.

Vou citar um website católico que refere que, das muitas aparições da Virgem Maria, esta é rara porque é oficialmente reconhecida pelo Vaticano:

“A 13 de Outubro de 1917 estavam mais de 70 000 pessoas reunidas na Cova da Iria, em Fátima, Portugal. Tinham vindo presenciar um milagre que tinha sido anunciado pela Virgem Maria a três jovens visionários: Lúcia dos Santos e seus dois primos Jacinta e Francisco Marto […] Pouco depois do meio dia, a Nossa Senhora apareceu aos três visionários. Quando estava prestes a partir, apontou para o Sol. Lúcia repetiu emocionadamente o gesto e as pessoas olharam para o céu […] Depois, uma onda de terror varreu a multidão porque o Sol parecia romper-se dos céus e esmagar as pessoas horrorizadas […] Justamente quando parecia que a bola de fogo iria cair e destruí-los, o milagre parou e o Sol reassumiu o seu lugar normal, brilhando pacífico como nunca.”

Se o milagre do Sol em movimento tivesse sido observado apenas por Lúcia (a jovem que no fundo foi responsável pelo culto de Fátima), não haveria muita gente que o levasse a sério. Poderia facilmente ser uma alucinação individual, ou uma mentira com motivos óbvios. O que impressiona são as 70 000 testemunhas. Será que 70 000 pessoas podem ser simultaneamente vítimas da mesma alucinação? Ou conspirar numa mesma mentira? Ou, se nunca houve 70 000 pessoas, poderia o repórter do acidente safar-se ao inventar tanta gente?

Apliquemos o critério de Hume. Por um lado somos levados a acreditar numa alucinação em massa, num artifício de luz ou numa mentira colectiva envolvendo 70 000 pessoas. Isto é reconhecidamente improvável, mas é menos improvável do que a alternativa: que o Sol realmente se moveu. O Sol que estava sobre Fátima não era, afinal, um Sol privado: era o mesmo Sol que aquecia todos os milhões de pessoas no lado do planeta em que era dia. Se o Sol se moveu de facto, mas o acontecimento só foi visto pelas pessoas em Fátima, então teria de se ter dado um milagre ainda mais notável: teria de ter sido encenada uma ilusão de não-movimento para todos os milhões de testemunhas que não estavam em Fátima. E isso se ignorarmos o facto de que, se o Sol se tivesse realmente deslocado à velocidade referida, o sistema solar se teria desintegrado. Não temos alternativa senão a de seguir Hume, escolher a menos miraculosa das alternativas disponíveis, e concluir, contrariamente à doutrina oficial do Vaticano, que o milagre de Fátima nunca aconteceu.”

Se Dawkins conhecesse o milagre mais de perto (nós Portugueses temos essa oportunidade), ele saberia que HÁ pessoas (entre as alegadas 70 000) que estiveram lá e não presenciaram nada. Saberia igualmente que apesar da presença da imprensa, não há qualquer registo físico do milagre. Saberia que há contradições e histórias mal contadas referente à relação entre a doutrina do Estado Novo e a forma de como o milagre foi contado (o milagre ocorreu durante a primeira República, mas grande parte da divulgação ocorreu depois, e as versões anteriores diferem da versão mais conhecida).

Dawkins mostrou que MESMO que houvessem 70 000 pessoas a testemunhar o milagre, não faria sentido acreditar na sua ocorrência. Dawkins (tal como Sagan) não hesita em considerar Fátima um embuste. Nós, que sabemos melhor o que se passou, deveríamos hesitar muito menos.

PS- Já que, em grande parte, as alucinações em massa estão relacionadas com fenómeno do “Rei Nu” (em que todos diziam ver um fato, imaginando-o mesmo, por razões sociais, ou outras), seria de esperar que os relatos de milagres ocorressem principalmente entre os meios menos instruídos. Será que há uma correlação entre índices de analfabetismo e relatos de milagres? Aparentemente sim: a idade média correspondeu a um “pico de ignorância” na generalidade do povo, e mesmo a localização geográfica e temporal do milagre de Fátima parece confirmar esta tese.

24 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Citador

Eu acredito que a disseminação do catolicismo é o meio mais horrível de degradação política e social deixado no mundo.

Charles Dickens

23 de Março, 2004 André Esteves

As minhas leituras na religião…

Já passou algum tempo sobre a minha ultima entrada sobre livros interessantes e fontes de informação no cepticismo, religião e ateísmo, pelo que volto aqui à carga…

– The Bible as Literature. An Introduction.

por John B. Gabel, Charles B. Wheeler, Anthony D.York – ISBN: 0-19-512853-2

357 páginas – Em inglês. – «A bíblia como literatura. Uma introdução»

Para quem passou a sua vida de adolescente e jovem adulto na escola bíblica dominical, nada mais chocante do que descobrir uma introdução ao estudo da bíblia, como um livro/antologia, escrito por pessoas com estilos, agendas ideológicas e a sua própria carga cultural de arrasto. Confesso que tendo mergulhado no mundo das ciências exactas, por livre vontade e decisão expressa, e tendo adquirido um certo preconceito para com as «Letras académicas», fiquei agradavelmente surpreendido com que o têm conseguido obter das suas análises agiográficas e textuais das bíblias judaica, cristã, do velho e do novo testamento.

Agradavelmente é um eufemismo. É uma luz na escuridão.

O livro, apesar de dirigido para leitores do ensino superior, é acessível a todos. Editado em 2000, já vai na sua 4ªedição, demonstrando um grande sucesso. Tem o problema para o leitor português, de ser escrito em inglês. Para quando uma tradução?

Para quem se tem perdido, à procura de uma introdução ao estudo da bíblia, em obras mais especializadas, este livro revela-se o guia ideal. Além de dar uma visão generalista e histórica do estudo científico da bíblia, fornece bibliografia e transmite-nos a atitude de objectividade e seriedade com que nos devemos embrenhar no assunto, bem como nos avisa dos erros mais comuns em que podemos cair…

Inclui também a visão arqueológica e geográfica necessárias para podermos retirar uma crítica ao «Livro dos livros». Desmitifica sucessivamente a visão que temos do mundo antigo, dos autores dos livros bíblicos e da «inspiração divina» a que tantos no desespero da vida se agarram.

Essencial numa biblioteca pessoal de estudo bíblico.

Procure nas bibliotecas das universidades ou encomende através da Internet.

– The Bible and Recent Archaelogy

By Kathleen M.Kenyon revised edition by P.R.S. Moorey – ISBN 0-7141-1681-5

192 páginas – em inglês – «A bíblia e a arqueologia recente»

Trata-se de um clássico. A primeira edição deste livro marcou uma grande separação entre a arqueologia e o estudo bíblico. A independência entre a arqueologia nas terras bíblicas e o estudo bíblico marcou-se pela primeira vez neste livro. Quando a maior parte das escavações eram financiadas e dirigidas por estudiosos que só interpretavam o que descobriam à luz da bíblia, este livro marcou o início de uma nova geração que, apoiada numa visão quantitativa da investigação arqueológica, marcou um passo diferente na Palestina. A autora reflecte que a arqueologia não deve documentar a «verdade» bíblica, mas que só pode fornecer os dados para o contexto social e histórico no qual a bíblia se inscreve.

Os novos métodos quantitativos e a atitude objectiva que os acompanha, pôs em contraste os esforços ideológicos de forçar a realidade investigativa ás palavras do livro e hoje também, do esforço de uma certa elite religiosa israelita de validar o estado de Israel pela arqueologia.

Um facto curioso, é o de a clássica arqueologia bíblica, ter tido um papel na destruição do património arqueológico português… O Pastor Farinha, da Igreja Evangélica Baptista de Matosinhos, familiar meu, escavacou muitas Antas no norte alentejano, bem como eliminado o registro estatiográfico da envolvente desses monumentos funerários. Inspirado pelas grandes escavações na Babilónia, preferiu avançar à picareta, do que aprender com os seus contemporâneos que, camada a camada, procuravam obter uma visão mais concreta da realidade. O desejo desenfreado por um título académico, bem como a procura da segurança corporativa num mundo fascista e católico também não devem estar a isso alheios… Mas para os poucos exemplares de cerâmica disponíveis no Museu de Ciência da Universidade do Porto, ficaram muitos mais reduzidos a estilhaços…

– Losing Faith in faith. From preacher to atheist.

por Dan Barker – ISBN 1-877733-07-5

392 páginas – em inglês – “Perdendo a fé na fé. De pregador a ateísta”

Não se trata de um livro completo por si. O primeiro capítulo é uma apresentação biográfica e uma descrição de como um pastor e missionário fundamentalista caminhou de uma visão de «cristão nascido de novo» para ateu. O resto do livro é uma antologia de artigos do autor no jornal da Fundação Americana para a Liberdade da Religião, em que empresta a sua perspectiva única a todas as polémicas e instituições religiosas americanas, bem como faz a apologia do ateísmo e cepticismo e uma crítica extremamente informada da realidade evangélica americana.

Recomendado a todos os protestantes evangélicos. Depois de anos, a ver missionários americanos que se «passeavam» pelo nosso país e pelas nossas igrejas, é refrescante ter a perspectiva de um «insider».

Um homem que se quis honesto por si mesmo. No verdadeiro espírito protestante.

Um dos factos que não são enfatizados no livro, mas que aos meus olhos se tornam relevantes, é o facto de Dan Barker, ter sido um popular compositor de hinos e histórias bíblicas. Além de pregador, ele era principalmente um criativo. O acto de criar obriga-nos a considerar várias perspectivas, a encarar o mundo de uma forma anti-dogmática, pois só assim encontramos a originalidade e a novidade.

O que não deve ter deixado de influenciar o seu caminho para o ateísmo.

23 de Março, 2004 Carlos Esperança

50 mil jovens criam Bíblia manuscrita

O projecto Bíblia Manuscrita Jovem, que envolve 50 mil alunos, professores e funcionários de 233 escolas portuguesas públicas e privadas, é absolutamente inaceitável. A iniciativa da Sociedade Bíblica de Portugal pode ter, e tem, a caução governamental mas ofende a Constituição, que consagra o princípio da neutralidade do Estado face a qualquer confissão religiosa, e constitui um perigoso precedente.

Que diriam os promotores a um projecto equivalente para «O Capital» de Karl Marx ou para o Livro Vermelho de Mao?

Que a inefável secretária de Estado Mariana Cascais tenha patrocinado tal projecto era previsível. Surpreendente é a leviandade dos conselhos pedagógicos a caucionarem o proselitismo católico e evangélico.

Perigoso é o silêncio da opinião pública perante um comportamento simétrico do dos países árabes onde as crianças começam cedo a copiar o Corão.

Assustador é o défice de civismo republicano perante um acto de proselitismo a que as tragédias do mundo islâmico deviam servir de vacina.

Inaceitável é a transformação das escolas públicas numa réplica das madraças islâmicas para o ensino da palavra revelada.

É curioso que ninguém se lembre de um projecto, esse inatacável, para copiar a Constituição da República cuja aprendizagem aproveitaria a alguns governantes e não poucos magistrados.

22 de Março, 2004 André Esteves

Parabéns, menina Lúcia!!!


(C) José Vilhena – da Gaiola Aberta 1975 1ªsérie Versão Online
Parabéns, menina Lúcia!!!
A menina chegou aos maravilhosos 97 anos!

Com essa magnífica idade é um exemplo de como uma excelente alimentação na infância dá anos de vida a uma pessoa…
É tão triste lembrarmo-nos de quantos da sua geração que morreram de fome, de poliemelite, tuberculose, ou de uma simples constipação e pneumonia porque viviam debilitados.

E não.. Não acredito no que dizem «outras freiras e conhecidos»…

A menina Lúcia não é uma tipa preguiçosa, egoísta com manias de grandeza e que está sempre a mandar que façam as coisas por si. Afinal não se chega à sua idade, se não se trabalhar duramente!

Aprecie o seu aniversário !!! Ainda vai ter muitos!!!

22 de Março, 2004 Carlos Esperança

O assassinato do xeque Yassin põe a paz em xeque.



O assassinato do xeque Yassin hoje perpetrado é mais um passo na abominável escalada do terrorismo religioso. Além de crime abjecto é um erro clamoroso que confere o estatuto de mártir a um troglodita que o ambicionava. Atingiu-se um novo patamar na escalada do terrorismo de Estado.

Ao terrorismo não se responde com terrorismo. O acto revela a natureza de Ariel Sharon, idêntica ao do facínora assassinado. Um tetraplégico pouco recomendável, é certo, não pode ser responsabilizado pelas vítimas israelitas que o terrorismo islâmico tem sacrificado. E o Estado não pode comportar-se como o bando de fanáticos que o querem destruir.

É precisa demasiada fé para tamanha crueldade.

22 de Março, 2004 Carlos Esperança

Saudações ateias à aniversariante Lúcia



Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, ou Lúcia, simplesmente, faz hoje 97 anos.

Manifestou muito cedo queda para visões. Depois disso a oração e a penitência foram a sua principal ocupação. 6 entrevistas da Senhora de Fátima, em exclusivo, granjearam-lhe imenso prestígio em Portugal e no estrangeiro. Foi invocada pelo cardeal Cerejeira como fonte de prova para dizer a Salazar que tinha sido enviado pela providência divina e JP2 mandou consultá-la sobre a autenticidade da batina com que foi baleado, batina que ela conhecia das visões, antes de a indústria têxtil ter fabricado o pano.

A longevidade atrasou-lhe a carreira de santidade deixando-se ultrapassar pelo Francisco e Jacinta que se anteciparam a fazer 1 milagre, na área da locomoção, na pessoa da D. Emília que morreu completamente curada por intercessão destes dois que preferiram a oração à escola.

Lúcia vive nas Carmelitas donde obteve saídas precárias para votar e ver o papa. Foi a única pessoa a quem a senhora de Fátima preveniu dos malefícios do comunismo e ensinou o truque para o combater – rezar o terço.

Adversária do divórcio e de mini-saias, a cuja moda nunca aderiu, escreveu a Marcelo Caetano a pedir a sua proibição. Continua solteira e virgem, características que, no futuro, lhe auguram uma fulgurante carreira de santidade.

Foi também a Irmã Lúcia que confirmou ao cardeal Cerejeira a missão divina de Salazar, prontamente transmitida ao enviado de Deus, em 13 de Novembro de 1945. Foi assim que os portugueses souberam que foi Deus, e não o diabo, o autor do castigo.

21 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Propaganda Copista

Amanhã, segunda-feira, começará o projecto Bíblia Manuscrita Jovem, que porá 50 000 jovens estudantes, professores e funcionários de 233 escolas de todo o país a copiar a bíblia. Ao lado de tal actividade lúdica e deveras educativa, estão previstas exposições sobre monges copistas, edições de bíblias em diversas línguas, viagens gastronómicas pelos doces conventuais e um scriptorium contemporâneo, que permite a pesquisa interactiva da Bíblia em CR-Rom.

Esta iniciativa é organizada com parcerias católicas e protestantes e com o alto patrocínio da Secretaria de Estado da Educação. Sim, porque a senhora dona Mariana Cascais, esse poço de virtudes, inaugurará simbolicamente o inicio desta actividade.

Há que recordar ao Ministério da Educação e às organizações religiosas, uma vez mais, que a escola pública não deve ser palco de campanhas publicitárias a determinada religião. A nossa Constituição consagra expressamente o princípio da neutralidade do Estado face a qualquer confissão religiosa e, portanto, os estabelecimentos educativos não serão usados para tentativas de conversão. Muitas vezes interrogamos acerca do destino dos nossos impostos… Bem, este é um deles. O comunicado de imprensa da Associação República e Laicidade, Não ao proselitismo na escola pública, sim à escola laica, reflecte eloquentemente o que está em causa com este projecto proselitista.

Em nome da pluralidade democrática, do respeito pelos ideais do próximo não podemos tolerar tal intromissão do religioso no domínio público.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

A fé é uma doença contagiosa e altamente letal



Há um ano, George W. Bush ao pedir a Deus que abençoasse a América e os seus exércitos, limitou-se a imitar Ussama Ben Laden que, muito mais beato, se antecipara com um pedido semelhante acrescido do desejo suplementar de morte a todos os infiéis.

Na luta contra o terrorismo, cuja urgência e necessidade são óbvias, convém dispensar Deus do trágico jogo das paixões humanas.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas, é o código de conduta onde o mundo civilizado se revê, independentemente da religião ou da sua ausência.

Ninguém duvida que Ben Laden usa a religião como instrumento do seu próprio poder, razão acrescida para Bush evitar o uso do poder como instrumento da religião que professa, o que é injusto e perigoso.

Em todo o Médio Oriente perpetuam-se, sob pretexto religioso, ditaduras obscuras e cruéis, formas de opressão violentas e retrógradas, teocracias sinistras e tenebrosas. Não pode, pois, aceitar-se que o Presidente de um país livre misture a justiça com a oração, confunda a liberdade com a religião, ou faça depender da fé a democracia..

Para não comprometer Deus basta a Bush defender os valores humanistas da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, legado da Revolução Francesa que a Constituição Americana honradamente acolhe. E que, relativamente a estes princípios, se torne praticante.

É preciso que haja cada vez menos gente a morrer em nome de Deus e cada vez mais a viver ao serviço do homem. Para que a religião deixe de ser vista como ópio do povo e, sobretudo, evite transformar-se em anfetamina do terrorismo.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

O Iraque foi invadido há um ano

Pior desgraça do que a vitória de Bush só a improvável vitória de Saddam. Construir a Europa sobre os escombros de uma guerra que não levou apenas a morte e o ressentimento ao médio oriente, mas feriu gravemente a unidade europeia, é a tarefa que nos cabe com outro governo americano e novas lideranças ibéricas.

É possível que cem Ben Ladens surjam ainda e é urgente que se alterem as condições onde medram os facínoras de Deus. Pior seria que mil Bushes florescessem no pântano do fundamentalismo cristão. Esperar-nos-iam amanhãs que disparam, num mundo de joelhos. É execrável o estilo e obscena a substância desta administração americana, numa postura simétrica com o fundamentalismo islâmico.

Quem espezinhou o direito internacional para o fazer cumprir, quem assassinou um povo para libertar um país, quem desafiou a ONU para fazê-la respeitar, levou demasiado longe a hipocrisia e não está em condições de promover a paz.

Quando se paga com notas verdes, onde se lê “In God we trust”, a traição e o suborno, quando se pede a um país civilizado que faça jejum e oração pelos soldados que invadem outro que é obrigado a fazê-lo, quando um presidente se comporta como pastor evangélico antes de agredir um ditador que escraviza o povo em nome de Alá, quando se exibe a Bíblia para afrontar o Corão, quando se faz do poder uma tribuna religiosa, não existe um presidente, há um beato empenhado numa cruzada.

Foi longa e trágica a quaresma do Ano da Graça de 2003. Continuamos à espera da redenção de uma liturgia laica. E a ressurreição dos ideais da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. E sepultemos de vez esta letal confusão entre poder e religião.

Para partirmos para a construção democrática de uma Europa alargada e solidária, no interesse de europeus e americanos, parceiros iguais e não vassalos.

Não é de uma guerra entre o Eixo do Bem e o do Mal que precisamos. É da vitória do Eixo da Vida sobre o da Morte, da paz sobre a guerra, da tolerância sobre o fanatismo.

A derrota de Aznar, há uma semana, foi a primeira boa notícia. E, contrariamente ao que pretendia fazer crer o apaniguado do Opus Dei, não faltará aos que se opuseram à guerra determinação para combaterem o terrorismo. Com a vantagem de não terem apoiado uma invasão injusta e criminosa.