6 de Maio, 2004 Carlos Esperança
É tão grande a devoção dos peregrinos que nem reparam nos sinais do céu
Portugal tem sido preterido na desenfreada criação de beatos e santos com que JP2 tem conquistado a clientela.
Dos 477 santos e 1377 beatos promovidos no actual pontificado só 3 beatos foram adjudicados a Portugal apesar de ser português o burocrata encarregado das contratações, D. José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos. É bem verdade que santos da casa não fazem milagres.
E poucos fizeram tanto pela santidade. Durante 48 anos os portugueses passaram fome, eram analfabetos e julgavam que viviam no Paraíso. E quase todos rezaram muitos terços pela conversão da Rússia e pela longevidade dos governantes!
Milagres não têm faltado. A D. Mariana Cascais fez voto de castidade para ir para o Governo e foi. Paulo Portas prometeu uma vela à senhora de Fátima se chegasse a ministro dos militares e chegou. Durão Barroso prometeu acreditar em Deus se entrasse em S. Bento e entrou. Bagão Félix e Celeste Cardona prometeram rezar com muita devoção se se aguentassem como ministros e aguentaram-se. Ninguém duvida de que só a ajuda divina conseguiu tais milagres.
Mas quanto a santos, continuamos a zero. Tantas almas devotas que serviram com zelo a União Nacional, a Câmara Corporativa, os Tribunais Plenários, a PIDE e outras beneméritas instituições e nada. Nem o cardeal Cerejeira serve para beato? nem o maj. Silva Pais, que teve uma alta condecoração atribuída por Pio XII, chega a santo?
Portugal está prejudicado. Apesar das promessas, não vai a tempo de recuperar o atraso. E ainda nem um santo lhe foi atribuído.
Que hão-de pensar os peregrinos que vão em bandos a caminho de Fátima, suportando a inclemência do Sol, a brutalidade da chuva e a chacota dos automobilistas! Que se habituam ao cheiro pestilento do suor, aos edemas nos pés, às dores nas costas! Que suportam, sem um queixume, sem uma vacilação da fé, sem uma folga nas rezas, as longas caminhadas!?
São estas pessoas, que nem pedem milagres, que se limitam a pagar promessas, a cumprir rotinas e a desejar que haja uma vida melhor, são estas pessoas, eternas sofredoras, que assim se vêem privadas do sonho de uma vida – um santo genuinamente português!.
São estes devotos que se revêem no Francisquinho, mais dado à contemplação mística do que à frequência escolar, que rezam à Jacintinha com maior devoção que a obsessão desta em evitar os pecados; são este imenso exército de crentes que ainda se batem por uma fé cada vez mais anacrónica, que anseiam por ver um papa, que exultam durante a liturgia, que se vêem privadas do espectáculo que daria sentido às suas vidas – a canonização de um santo com nome português!?
Não é justo. Nem se queixam de que só três dos 1377 beatos e 477 santos que este pontificado já conta no activo tenham sido atribuídos a Portugal!
Um rosário, um pouco de pão, alguma água e o desejo de que o comunismo desapareça da face da Terra são o suficiente para ciclicamente rumarem a Fátima.
Por tudo isto estes peregrinos bem mereciam mais alguns beatos e ao menos um santo verdadeiro. O Vaticano bem podia reduzir o vergonhoso défice com que este cristianíssimo País se encontra representado no coro celestial, bem pode conceder a graça de anunciar a boa nova a quem tanto reza e tão pouco pensa – um santo português.