17 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira
Ser padre ou não ser
Ontem deparei-me no Público com uma interessante notícia sobre um cavalheiro que, encarnando a personagem de padre, burlou, roubou e assaltou um ror de gente. Antes que os senhores crentes pensem em acusar-me de tentar estabelecer um nexo de causalidade entre as características deste e as dos sacerdotes, esclareço já que não é esse o meu propósito (é a velha máxima de «quaisquer semelhanças com a realidade são pura coincidência»).
Manuel Martins, baixinho, gordinho, sem cabelo, [que] parece mesmo um padre (Avelino Pinto, uma vítima, dixit) foi detido pela Guarda Civil espanhola na semana passada na Galiza.Este falso sacerdote tem um longo registo criminal onde se contam mais de 30 processos pendentes (e apenas estes) em várias comarcas nortenhas. Um psicólogo, seu velho conhecido, diz que padece de mitomania: inclinação patológica para a mentira e para a criação de universos imaginários… muito ao estilo de vários videntes, beatos e santos.
Este falso padre tem um longo currículo: um funeral em Valença, uma missa em Santiago de Compostela, uma missa numa garagem situada em Ermesinde devidamente paramentado em frente a três dezenas de pessoas (quando foi levado para a esquadra da PSP disse que visões e aparições tinham-lhe conferido poderes para celebrar missa). Quando cumpria segunda pena, fizeram-se diligências para apurar a veracidade do seu voto junto da igreja católica, o que não foi possível já que seria padre da igreja ortodoxa.
No que toca aos seus feitos criminosos, Manuel Martins é um especialista em burlas, mantendo o seu modus operandi: identificava-se como padre, fazia as suas compras, passava cheques sem cobertura ou roubados ou adiava o seu pagamento indefinidamente. Avelino Pinto, uma das vítimas, relata: a 20 de Dezembro de 2003, mais dia menos dia, veio cá. Encomendou sofás, cadeiras, secretária, tudo! Até fiz a minha mulher ir à feira comprar tapetes. Aquando do pagamento, Manuel Martins terá dito que ficara sem cheques, que iria ao banco logo na segunda-feira de manhã, pediria novo livro e saldaria a dívida. O que é que eu ia dizer? Um homem vestido de padre! Claro que acreditei.
Foi pedida a extradição de Manuel Martins, que aguarda decisão dos tribunais competentes em Espanha.
Como é possível que seja tão fácil alguém passar-se por padre?
Quando alguém é ordenado padre, não há qualquer averbamento no registo civil. De acordo com as regras da Igreja Católica, os sacerdotes são obrigados a ter uma carta de recomendação, que é um documento identificativo, renovável anualmente, assinado pelo bispo da diocese a que pertencem. Parece que na prática este documento nunca é utilizado, uma vez que os padres, mesmo não se conhecendo, confiam uns nos outros… E o mesmo se passa com o resto da população que, ingénua, ainda pensa que os homens da batina são todos pessoas de bem .