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22 de Maio, 2004 André Esteves

Interpretação bíblica a quente

Um casal de namorados americanos estudava e discutia a bíblia. Encontraram um versículo em que a vontade do senhor não se tornava clara.

Ele dizia assado. Ela replicava o contrário. A discussão cresceu em paixão e intensidade.

Cada um proclamava que se sentia cheio do espírito. O outro replicava que as palavras do senhor eram claras.

Transbordavam de fé!

Tanto que, enquanto fritava umas batatas durante a discussão, a mulher não aguentou mais…

Atirou o óleo a ferver na cara do companheiro.

A notícia do Fait Diver

21 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Monarquia democrática – Eis uma piedosa expressão, ultimamente muito repetida, que não passa de um paradoxo que só a república consegue resolver.

Papa – Ao comemorar 84 anos ficou tão contente com a Concordata que, depois de ter ouvido Durão Barroso a dizer-lhe que tinha 3 filhos, lhe perguntou maldosamente se não ia em busca de uma menina. A esposa do primeiro ministro ruborizou-se piedosamente.

Espanha – Letícia Ortiz pode casar pela santa madre igreja católica apostólica romana (ICAR) porque o casamento civil anterior, segundo os bispos, é inexistente perante Deus. Fica-se a saber que, para a Igreja, um casamento sem missa nem eucaristia é como uma cópula sem penetração nem orgasmo.

Concordata – A comitiva que acompanhou Durão Barroso a Roma (cerca de 50) não foi dar qualquer prestígio ao acto que, aliás, não é motivo de orgulho. Uns foram por promessa, outros à cata de indulgências, bastantes por penitência e, TODOS, porque foi de borla.

AGÊNCIA ECCLESIA – Segundo D. Jacinto Botelho, presidente da Comissão Episcopal da Família, referindo-se à “grande diminuição da natalidade no nosso país”, condenou o egoísmo e o comodismo que estão na sua origem. Ninguém como os bispos para falarem do que sabem.

FEHÉR CURA MULHER – A morte do futebolista Fehér comoveu de tal forma uma mulher de Leiria, de 75 anos, que largou a cadeira de rodas e pôs-se de pé, depois de prometer rezar na sua campa, se Nossa Senhora a deixasse retomar o andar, como veio a acontecer – lê-se no Correio da Manhã. Vai-se deslocar à campa do atleta e, se rezar com muita fé, talvez deixe a bengala.

21 de Maio, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Esta semana vou vos levar ao maravilhoso mundo da propaganda evangélica americana em banda desenhada: As publicações Jack Chick.

É um dos clássicos da minha infância e que me ensinou muito jovem, o significado do que é a propaganda. O formato é simples. Apresenta-se uma situação humana. O leitor identifica-se com o pecador. O pecador descobre Jesus. Jesus salva-o. Os títulos constituem também parte do método: «Como ficar rico», «As abelhas e os passarinhos», «Macacos, mentiras e a Sra Galinha», atraem o leitor pela sua inocência ou gula.

O próprio nome, «Chick Publications» é uma armadilha linguística. «Chicks» em calão americano, traduz-se em Garinas, ou seja «Livros de míudas», pelo que alguns jovens pegam nas BD’s a pensar que se tratam de pornografia soft…

Descrito assim, parece ser uma fórmula demasiado simples. Mas a sua simplicidade é o seu encanto e arma.

Utilizando a estratégia habitual da citação bíblica, ilustrada com pequenos factos históricos e contemporâneos mal cozinhados, Jack Chick conseguiu criar um estilo que é eficaz e provocante. A iconografia e grafismo reflectem as suas origens protestantes, bem como seguem certas regras teológicas, devido à preocupação protestante em não usar imagens, para evitar a idolatria. (Há quem argumente que estas bandas desenhadas SÃO idolatria.) Por exemplo, seguindo a crença que ver a face de jeovah é uma acto de blasfémia e de morte, Chick inventou um clássico, a figura do deus sem face, que podemos ver na imagem à vossa direita.

Para os leitores: crianças, pobres e pessoas simples, que são o alvo deste género de publicações, a aparente facilidade de leitura da banda desenhada confunde-se com a credibilidade da mensagem, e a dúvida e o medo insinuam-se facilmente.

Jack Chick é um desenhador americano, que conseguiu, graças ao seu talento de condensar a mensagem e de desarmar o leitor através da imagem choque (veja os demónios a viverem nos homossexuais, os professores malignos e os jovens perdidos ), enriquecer enormemente. Com o sentido prático americano, o proselitismo tornou-se capitalista.

Embora o leitor final não pague pelo folheto, são as igrejas que convencidas da eficácia do seu produto, lhe compram milhões de bandas desenhadas. As vantagens são óbvias. O acto de converter torna-se automático.

Não há discussão e confronto de pontos de vista. Distribuem-se os folhetos na rua, no trabalho, à porta da igreja, sem que seja necessário pôr os fundamentos da fé à prova. É a acção missionária em escala industrial para o mercado de almas.

A encontrar em qualquer igreja evangélica.

Algumas sugestões de leitura:

Os católicos romanos são cristãos?

Porque está maria a chorar?

A cidade do pecado

As abelhas e os passarinhos (em inglês)

Macacos, mentiras e a Sra Galinha (em inglês)

20 de Maio, 2004 jvasco

Sexo, nunca mais!

Ontem à noite houve um jantar de curso. Foram cerca de 100 pessoas ao jantar, o que é bastante bom para um curso que tem cerca de 200 pessoas no total (licenciatura em Engenharia Física Tecnológica do IST).

Após o jantar alguns de nós fomos sair ao bairro alto. Foi lá que algures, no meio de uma conversa qualquer, me chamaram a atenção uns cartazes que duas raparigas afixavam – eram cartazes sobre a peça de teatro em que elas participavam.

O cartaz chamou-me à atenção pois tinha algumas fotografias do Durão Barroso e outros políticos portugueses (de outros partidos) e uma fotografia em grande plano da N. Senhora. Tanto quanto me disseram a peça era sobre planeamento familiar, a mudança de mentalidades, o puritanismo, a nossa sociedade.

A peça chama-se “Sexo, Nunca mais!“. As companhias são a Art’ISPA e o Grupo CineArte.

O Texto e encenação é de Helder Costa.

O preço é uma moeda (à escolha do espectador).

Aconselhei-lhes o blogue prometendo também que publicitava a peça. Perguntaram-me qual a ideia de anunciar uma peça sem a ter visto, mas parece-me que a temática e o preço justificam uma visita curiosa. Espero ver a peça em breve e voltar a escrever para este blogue para dar a minha opinião a respeito dela.

Quando e onde é que a peça está em cena?

20 na Barraca – Teatro Cinearte (foi hoje…)

21 na Barraca – Teatro Cinearte

25 no ISPA

26 na Barraca – Teatro Cinearte

Todos estes dias às 21h.

20 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O Hissope – conto piedoso

Corria tranquila a vida no convento, cumprido o tempo com orações e refeições frugais a horas certas. Da missa diária encarregava-se o padre Agostinho, confessor e director espiritual, com descrições do Inferno, pormenorizadas e convincentes, e de horrores ainda maiores do Mundo, criado por Deus e abandonado nas mãos dos homens. Falava de um ror de pecados inenarráveis que faziam zangar muito Nosso Senhor, cabendo às monjas recuperar-lhe o humor pela oração e sofrimento.

Nas longas horas de meditação, nas rezas colectivas ou individuais, davam-se graças por não partilharem esse espaço que o Director espiritual e a Madre Superiora eram os únicos a ter de transpor, protegidos pelas orações aflitas com que o convento inteiro os acompanhava.

Nessas horas de vigília mística transferiam a intenção habitual para a protecção dedicada e rezavam com a mesma acendrada devoção com que pediam pelas intenções do Santo Padre, sem se interrogarem quais eram essas intenções, pelo cumprimento da vontade divina se é que depois de tantos anos de Mundo ainda há vontade que resista, mas isto são pensamentos ímpios, reflexões de quem julga inútil a vida monástica e considera a oração mera ociosidade, sem lhe atribuir a eficácia e bondade sublinhadas por milagres que crentes de todas as religiões confirmam.

Agostinho, tal como o Santo de quem tomara o nome, possuía a mesma vontade e determinação de ser casto, esperando também que a idade lhe apaziguasse os desejos. Nutria igual desprezo pelas mulheres que lhe incendiavam os sentidos, tinha a mesma certeza de que eram uma encarnação do diabo, cujo cabelo e voz eram obscenos, inteligente reparo do santo, verdadeiras fontes de pecado que só a oração e o sofrimento podiam evitar. Talvez por isso era tão apreciado pelo prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de quem tinha o privilégio de receber bênçãos especiais por altura das festividades canónicas.

Às vezes, enquanto administrava a sagrada partícula, adivinhava os corpos que os hábitos escondiam, os desejos que as orações atenuavam, os pensamentos pecaminosos de que os jejuns e a oração o libertavam. Mas era durante a confissão onde, por dever do múnus, perscrutava até ao mais íntimo da alma, que a efervescência o apoquentava sabendo bem que a culpa cabia às filhas de Eva que ali se genuflectiam carregando o desejo que os seus conselhos e as regras monásticas reprimiam para maior glória divina.

O P.e Agostinho já durante as confissões da Irmã Maria Imaculada tinha indagado dos pecados cometidos, ao menos por pensamentos e, perante o total desinteresse da penitente pelos ditos pecados, a tinha advertido que devia estar vigilante, que Satanás manifestava particular predilecção pelos pensamentos, janela de oportunidade para tresmalhar a alma de uma devota, mesmo, ou sobretudo, sendo freira e estando particularmente devotada à castidade. O convento não era, antes pelo contrário, refúgio seguro das arremetidas do demo. Ele próprio era testemunha, com o sangue a ferver-lhe perante o louvável desinteresse de Imaculada pela luxúria. E tudo isto apesar de o convento albergar uma relíquia tão rara e cobiçada pelos outros mosteiros ? uma pena do arcanjo Gabriel muito bem conservada num relicário de ouro cinzelado com pedras incrustadas, protecção de efeitos comprovados à honra do convento.

A Ir. Maria Imaculada do Sagrado Coração de Jesus Santíssimo, ou Ir. Maria Imaculada, ou Imaculada, simplesmente, deixados cair os apelidos e reduzida a um só nome dos que no acto de professar serviram para sepultar os profanos, rezava abundantemente. Sob os olhos indiferentes dum Cristo cansado das orações e da cruz dependurada num prego periclitante entalado na ranhura dos blocos de granito, rezava diariamente o terço, absorta e genuflectida, sem pressa de concluir o rosário que a Virgem recomendara à Irmã Lúcia, em Fátima, para conversão da Rússia e salvação do mundo.

Uma tarde, igual a tantas outras, enquanto rezava, apercebeu-se da sombra que penetrara a cela, através dum ligeiro vaivém da porta sem trinco, de uns braços potentes que a agarraram por trás, da mão que lhe esmagou os lábios, dum corpo que se colava ao seu enquanto a outra mão lhe percorria o hábito e lhe devassava a orografia do corpo esquecido.

Debateu-se em silêncio, esquecida a voz de que já se desabituara, incharam-lhe os olhos, acudiu-lhe o sangue à face, quando descobriu na estranha criatura que a enlaçava a figura do padre confessor que, num ápice, lhe despia apressadamente o hábito a caminho da satisfação das necessidades próprias sem cuidar das alheias. Despojada do hábito e reduzida aos hábitos menores, precária resistência à lascívia reprimida, em estado de estupor, suportou a arremetida. Apercebeu-se do corpo a ser derrubado sobre o leito, sentiu a arremetida ignóbil, a violência gratuita, a sanha animal, como quem aceita a penitência, como quem se resigna ao isolamento, ao silêncio e à oração, com o mesmo desprendimento da vida sem sentido que é fardo virado desejo, que é morte de que se faz a vida monástica, que é renúncia a pretexto da salvação.

Debateu-se primeiro, quedou-se depois, desinteressada, com uma dor intensa a penetrá-la, um ferro em brasa a percorrer-lhe as entranhas, imobilizada com força imensa como se pudesse fugir, primeiro, ou o quisesse tentar, depois. O ódio que a clausura sublimara foi o sentimento primeiro, logo seguido da indiferença que os movimentos alheios poderiam ter conquistado para a cumplicidade. Não teve tempo. Pela primeira vez o olhar se detivera no tecto da cela para voltar à enxerga onde jaziam fluidos cujo sangue que não podia provir das chagas do Cristo metálico e indiferente, imobilizado na cruz da parede.

Na violação da freira pôs o padre a mesma violência perversa do proselitismo. Desta feita não foi a fé que procurou impor, apenas buscou aliviar o cio.

Na metamorfose do êxtase esqueceu a alma cujo destino incerto e distante não interfere na pacificação espiritual que os corpos conquistam na tumultuosa explosão dos sentidos. Mas ali não houve arrebatamento, apenas conquista e saque dum corpo devastado, espada enterrada em bainha que a fúria abriu e devassou, um corpo esmagando a alma de outro na pressa de servir-se.

O abuso sexual foi o resultado das pulsões primárias dum indivíduo anacrónico que não fizera a catarse da violência.

Agora até o místico tugúrio da anacoreta tinha virado palco de profanas fantasias que o carácter confessional dos parceiros transformara em incestuosas investigações eróticas da geografia de um corpo flagelado. O êxtase parece tanto mais sublime quanto maior tiverem sido a dor, a abstinência, o desejo e o recalcamento. Mas na circunstância faltou o tempo, a sabedoria e a sedução. Não foi a mulher que o sevandija procurou mas o vaso em que se aliviou.

A SIDA, o medo que lhe infundia, foi o pretexto que a si próprio o padre ofereceu para buscar na freira o consolo cujas consequências temia nas rameiras, a violação o prémio que se atribuiu pelos longos meses de castidade sofrida . Ao menos não adicionou à fraqueza da carne o pecado suplementar do preservativo. Desagradara igualmente a Deus mas não ofendera tanto o Santo Padre.

Apaziguados os desejos, libertos os humores, a freira pensou arrancar a lâmina que a rasgou e acabou guardando entre as mãos, essa arma que a ofendera, inútil, pegajosa, mole, onde adivinhava um hissope fundido pelo vigor da aspersão. E nem sentia sequer revolta, medo ou vergonha. Começava a deixar-se percorrer por uma estranha sensação de prazer igual à flagelação, parecida com a do cilício, mas sem dor, sem sofrimento, sem necessidade de se imobilizar. Ousou mesmo uma discreta massagem como se de uma relíquia se tratasse, relicário igual, quem sabe, a outro muito jovem donde foi extraído o santo prepúcio.

Deixou vaguear os olhos pelo próprio corpo que há muito não via, pousou-os no outro corpo de que sempre afastara os pensamentos, deteve-se nas diferenças de ambos e pensou que tudo se poderia ter passado sem violência, devagar como quem reza, com gestos ritmados como se batesse no peito em acto de contrição. Mas o ímpeto que a magoou foi talvez o tributo indispensável à tranquilidade que agora sentia. Quem sabe se não devia ao tumulto o prazer que experimentava! Não era violenta a clausura que extasiava? Não embriagavam os jejuns? Não fazia a dor dos cilícios percorrer o corpo, todo o corpo, de um doce calor de inebriante felicidade?

A dor que sentira, a humilhação que sofrera, a vergonha que a prostrara, eram a fonte donde começava a jorrar uma ponta de felicidade. Estranhos caminhos da natureza, complicadas formas de ventura, a escrava conformada a procurar o caminho do perdão.

Continuou a segurar a arma que a trespassara, tomava-lhe o peso, acariciava-a e sentiu que a coisa mole ganhava dureza, assumia forma, tomava cor. Sentiu-se confusa, fechou os olhos, deixou-se escorregar para o chão e aguardou. Outra vez a dor e o fogo a percorrerem-lhe as entranhas, agora já sem violência, um corpo sobreposto em movimentos ritmados, a dor a esbater-se, o próprio corpo a ensaiar o acompanhamento do outro, uma indizível felicidade a percorrê-la, uma sensação idêntica à da libertação do cilício, sem necessidade de pensar em intenções do papa, contracções incontroladas, prazer a jorros, um êxtase sublime, como se naquele momento, sozinha, tivesse libertado o mundo de todos os pecados.

Perdeu a noção do tempo. Ao ver o seu director espiritual abandonar a cela sem uma explicação, sem uma palavra, confusa, esmagada, teve ainda forças para sussurrar-lhe: venha mais vezes, volte.

Na manhã seguinte seguiu com o costumado interesse a santa missa que o mesmo padre celebrava. Sentia os olhos dele cravados em si e, à força do hábito, continuou a olhar o chão. Doía-lhe o corpo cansado de todos os esforços da véspera acrescidos com a dificuldade de disfarçar da cela os sinais de sangue e outros fluidos.

Na confusão do cérebro todos os movimentos eram agora, não para glorificar Deus e o seu divino nome, mas gestos de estimulante lubricidade. Mesmo o turíbulo, no seu vaivém, lembrava-lhe o corpo cujos movimentos esmagaram o seu, mais lentos é certo e, talvez por isso, Imaculada sentia percorrer-se duma estranha sensação de felicidade, dum calor deslumbrante que a transportava ao êxtase. Lembrou-se das descrições de Santa Teresa e sentiu em si as mesmas emoções, a mesma onda de felicidade que a inundava, duvidosa de ser ou não ser o Divino Mestre que a percorria nas fantasias bem humanas que haviam despertado de forma incontrolável.

Enquanto o oficiante celebrava não eram já as palavras pronunciadas que lhe ouvia mas a língua que as articulava que sentia. Os conselhos de sempre traziam apenas o bafo quente que lhe envolvia o pescoço. A bênção que lançava devolvia-lhe os dedos que a descobriram. Imaculada sentia-se transportada ao céu por que tanto tinha implorado. Rezava agora com paixão, sem intenções prévias, cada vez mais convicta de que esse dia traria de novo a visita privada do confessor que, talvez, passasse a confessado.

E assim foi. A cela deixou de ser o espaço de reflexão sem sentido para se converter na antecâmara do desejo. Perdeu o ar frio e funesto para ganhar a dimensão dum ninho fofo e proporcionar a visão duma centelha do paraíso.

À mesma hora do dia anterior, a preceder as vésperas, Imaculada viu claramente que não era uma sombra que penetrara a cela. Era o homem que esperava. O ascetismo místico tinha ganho uma nova dimensão e ia ser temperado pela explosão simultânea dos fluidos em reparadores espasmos fruídos sofregamente, sobre o catre, ou no chão, no exíguo espaço duma cela.

E não mais pediu ao P.e Agostinho para voltar. Dia após dia o hissope vinha mergulhar suavemente na caldeirinha para aspergi-la vigorosamente no momento certo, enquanto ambos, à medida que exultavam com as delícias da alcova, se foram esquecendo do martírio do seu Deus.

20 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Ligações à Concordata

Para os que não frequentam o nosso fórum web, publico aqui um conjunto de ligações à imprensa sobre a questão da nova Concordata. Se quiserem, coloquem os vossos próprios links na área de comentários ou no fórum.

Associação República e Laicidade:

NEM ESTA CONCORDATA, NEM QUALQUER OUTRA!, comunicado de imprensa, de 17/5/2004

Causa Nossa:

Secretismo até ao fim

Neoconfessionalismo

Público, de 18 de Maio:

Destaque

Concordata É para Regular Mais Tarde

Sousa Franco, o Negociador

Associação República e Laicidade Contra Concordata

O Décimo Tratado Entre Portugal e a Santa Sé

Quatro Perguntas Sobre a Concordata

Diário de Notícias, de 18 de Maio:

Durão assina acordo com Santa Sé em dia do 84. aniversário do Papa

Opinião:

Francisco Sarsfield Cabral, “Concordata

Jorge Bacelar Gouveia, “Estado deve ser amigo da religião

Editorial

Agência Ecclesia, de 18 de Maio:

Núncio Apostólico satisfeito com a nova Concordata

A nova Concordata

João Paulo II espera que a Concordata favoreça um maior entendimento entre Estado e Igreja

Concordata é um acordo para a história, diz Durão Barroso

D. Januário Torgal Ferreira aprova fim do estatuto militar dos capelães das Forças Armadas

Concordata consagra EMRC

19 de Maio, 2004 Carlos Esperança

A Concordata é uma refeição indigesta cozinhada com incenso e água benta

Após 30 anos de liberdade, a ICAR, que fez um percurso discreto de transição para a democracia, decorrido o período de nojo a que a cumplicidade com a ditadura aconselhava, reapareceu com a manha de sempre, não a promover a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, mas a exigir mais igualdade para alguns ? neste caso para si. Reivindica como fonte do direito a tradição e a Concordata, uma e outra anacrónicas, ambas a merecer que o pudor as esquecesse.

O regime democrático prescindiu do direito de veto às nomeações episcopais e abdicou de ter a Igreja Católica refém. Esta, porém, não prescinde de privilégios adquiridos por um tratado obsoleto que a ditadura celebrou com um papa autoritário e anti-semita.

A chantagem sobre o Governo de Cavaco Silva permitiu-lhe obter de forma indigna um canal de televisão cuja falência conduziu ao fracasso de projectos mais ambiciosos de domínio da sociedade portuguesa.

Agora, com o Governo de Durão Barroso e a cumplicidade do PS, a ICAR obteve uma lei da liberdade religiosa profundamente iníqua e com a doutrina a ser vertida na nova concordata. O PSD e o CDS, de cócoras, e o PS e o PCP, genuflectidos, deixam Portugal, algures entre a França e o Afeganistão, com um tratado iníquo sofrivelmente compatível com a Constituição. A igualdade dos cidadãos perante a lei é uma miragem e o carácter laico do Estado uma quimera.

Continua fidelíssimo o reino. Não pensa, reza. Não se revolta, benze-se. Não se revê na Assembleia da República, deixa-se representar pela Conferência Episcopal, detentora de direitos especiais.

A Concordata não pode ser uma prenda oferecida a um pontífice pela passagem do seu 84.º aniversário, nem a Universidade Católica a contrapartida da oferta da batina do 3.º milagre a Fátima ou das promoções a beatos e santos prometidas para duas dezenas de bem-aventurados portugueses que aguardam transporte para os altares. Foi a instituição de uma suave Sharia romana com o empenhamento das sacristias, a orquestração da nunciatura e a cobardia dos aparelhos partidários.

Portugal está a caminho de tornar-se um protectorado do Vaticano, vergado ao peso da Cúria, asfixiado pelo incenso, afogado em água benta.

A revisão da Concordata deu lugar à prepotência clerical contra a sociedade laica, acolhida por um governo beato, com um país atónito e a oposição atordoada.

A santa aliança protagonizada pelo arco totalitário dos devotos em torno da imposição da fé e da exigência de privilégios para uma religião, substitui o trabalho de evangelização, de resultados duvidosos, pela prepotência estatal de eficácia mais provável.

As democracias sujeitam-se ao escrutínio eleitoral, as teocracias impõem o arbítrio eclesiástico apelidado de vontade divina.

19 de Maio, 2004 André Esteves

Os corvos e a teoria da mente

A alma1 é um daqueles conceitos de que todos crentes falam, mas de que ninguém tem uma noção ou opinião coerente. Tanto existe fisicamente, como é imaterial. É a essência de um ser e/ou a fonte da consciência. As opiniões e as teologias dividem-se, e o homem comum, ateu prático no seu dia a dia, põe nas horas de desespero, a sua esperança na sua existência. Esperanças, medo e emoções enganadoras é, o que em tudo isso se baseia.

Julgamos poder reconhecer nos outros a existência de alma, porque conseguimos nos aperceber neles, das suas intenções e objectivos.

Nos estudos cognitivos chama-se a isso ter uma «teoria da mente». Essa característica, culturalmente atribuída à alma, é antes um produto do cérebro. Algures nas nossas cabecinhas, existem circuitos neuronais que reconhecem a existência de uma mente num objecto exterior e nele projectamos os potenciais comportamentos e expectativas.

É um mecanismo muito útil. Experimentem, por exemplo, sobreviver a uma matilha de lobos, sem reconhecerem uma mente nos lobos. Ou viver numa sociedade humana, sem imaginarmos, ou aperceber-nos do que se passa na cabeça dos outros.

É também a fonte da empatia para com os outros, bem como a capacidade bem sucedida de mentir em sociedade. Não ter esta capacidade, faz de nós, seres humanos, autistas.

Depois do aparecimento do método científico, a investigação do comportamento animal veio a descobrir que nos mamíferos, uma vasta gama de animais, desde os gorilas até às cabras tinham a capacidade de suportar uma «teoria da mente».

E agora, foi a vez dos pássaros. Mais concretamente dos corvos.

Confesso-vos que sou um admirador de corvos. Não é uma espécie muito comum em Portugal, embora já tenha visto bandos no Alentejo e nalgumas zonas rurais do centro do país. Os corvos não são pássaros comuns. Trabalham em equipa. Têm rituais de acasalamento muito sofisticados e ligados ao valor que os parceiros têm na capacidade de resolução de problemas. Têm um especial fascínio por todo o género de objectos brilhantes e fora do comum. São curiosos além da necessidade. E sabem contar até três.

Dois artigos recentes2,3 vieram mostrar que os corvos têm uma teoria da mente. Mais: utilizam-na para mentir e enganar.

No primeiro artigo2, publicado nos Proceedings da Academia Real Inglesa, Bernd Heinrich e Thomas Bugnyar fizeram um clássico teste da existência de uma teoria da mente. Num ambiente controlado, estando o corvo numa área fechada e só com uma abertura frontal que dá para o experimentador, fez-se o experimentador olhar intensamente e durante algum tempo na direcção de um suposto objecto que está fora da vista do corvo. O experimentador retira-se. Observa-se, então, a reacção do corvo através de um sistema de vídeo.

Não é que todos os corvos, tentaram descobrir o que é que o humano tinha visto?

Noutra experiência, publicada no jornal Animal Cognition, a descoberta foi mais serentípica. Thomas Bugnyar apercebeu-se do relacionamento fora do vulgar de dois corvos durante uma experiência de cognição. O objectivo da experiência era determinar, se os corvos aprendem uns com os outros a localização de fontes de comida. E assim acontecia. Só que estes dois corvos, Hugin e Munin fizeram algo completamente inesperado.

Hugin, era o corvo mais diligente. Munin o mais dominante. De maneira que sempre que Hugin encontrava comida dentro de caixas tapadas, Munin apercebia-se e como dominante, afastava Hugin para comer a comida. Hugin fartou-se. Resultado: começou a enganar Munin, fingindo que comia de caixas vazias. Munin avançava para as caixas e enquanto se distraia a procurar comida, Hugin ia comer das caixas onde tinha encontrado comida.

Mas a história não fica por aqui. Munin apercebeu-se que estava a ser enganado. Resultado: deixou de ir logo às caixas onde Hugin fingia que comia e passou a observar com mais cuidado Hugin.

Por sua vez, Hufin apercebeu-se que Mugin se tinha apercebido.

Ficou furioso e atirou com caixas, palha e bebedouro para todos os lados. Tinha sido apanhado na mentira!

Será então, que os corvos têm alma? Não creio. Temos que ser rigorosos no uso da linguagem e não confundir descrições com realidades. A minha confiança, experiência e amor na navalha de Occam4, fazem-me a mim, chegar à conclusão que são só àtomos a combinarem-se de maneiras maravilhosas…

Somos todos maravilhosos.

Referências:

1 – o conceito de alma (em inglês) http://en.wikipedia.org/wiki/Soul

2 – Ravens, Corvus corax, follow gaze direction of humans around obstacles – Thomas Bugnyar , Mareike Stöwe (em inglês) Resumo do artigo

3 – Leading a conspecific away from food in ravens (Corvus corax) – Thomas Bugnyar, Kurt Kotrschal (em inglês) Resumo do Artigo

4 – Occam e a sua Navalha – Artigo na Sociedade da terra redonda

19 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Se Deus me der vida e saúde estou para continuar – ameaçou Alberto João Jardim no X Congresso do PSD/Madeira

Aqui fica o texto hoje publicado no Diário As Beiras, de Coimbra, sobre o evento:

Acompanhei o X Congresso do PSD/Madeira com atenção, enquanto o bailinho da Madeira se repetia e os papelinhos laranja inundaram a cabeça dos congressistas pela 35.ª vez.

Há menos tempo no cargo do que Fidel de Castro, Alberto João Jardim (AJJ) sucedeu a si próprio e ameaçou: « Se Deus me der vida e saúde estou para continuar». Assim, se a opção estiver disponível, o vitalício Alberto João vai eternizar-se.

Entusiasmado, Dias Loureiro, presidente do Congresso Nacional do PSD, manifestou a aspiração de que Portugal se transformasse numa imensa Madeira. Mas, o que poderia ter sido interpretado como um desejo perverso, não passou de amabilidade para com o anfitrião. Já quando afirmou que «é difícil encontrar no mundo outro lugar onde a mão de Deus e do homem tenham trabalhado em tanta sintonia», ficou a dúvida se foi para comprometer Deus ou para desculpar AJJ.

Quando o ministro José Luís Arnault apontou Jardim como «exemplo de ética e de dádiva à causa pública» apenas tinha em mente o padrão por que se rege o governo da República.

Uma preocupação ficou, porém, a pairar quando AJJ declarou: «Em 2008 vamos ter de decidir se nos interessa continuar na União Europeia ou não, (…)». Apesar do susto sobre o futuro da Europa, fica-nos a consolação de saber que a Madeira, pode transformar-se numa das regiões mais democráticas do continente africano e com o mais antigo e experiente governante.

Se a Europa ficar privada do exótico dirigente, a África ganhará um respeitado régulo.