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23 de Junho, 2004 Ricardo Alves

«Deus» fora, ICAR dentro

Quando se iniciaram os trabalhos da Convenção que decidiu o essencial do tratado constitucional da UE (finais de 2002), a ICAR já divulgara publicamente (a 21/5/2002) a sua «contribuição» para o debate(1). Nesse documento, exigia-se:

(i) a adopção da declaração nº11 anexa à acta final do Tratado de Amesterdão, garantindo assim constitucionalmente o «respeito pelo estatuto das Igrejas e comunidades religiosas» nos respectivos contextos nacionais;

(ii) «um diálogo estruturado entre as instituições europeias e as Igrejas e comunidades religiosas», no reconhecimento do seu «contributo específico»;

(iii) que fosse feita referência ao «nome de Deus», «a fim de permitir a identificação dos cidadãos com os valores da União Europeia».

Posteriormente, a opinião pública concentrou-se na questão da «referência a Deus», que evoluiu para uma exigência de menção à «herança cristã». No entanto, desde o início que as organizações europeias de defesa e promoção da laicidade (nomeadamente, a Federação Humanista Europeia) dirigiram os seus esforços quer contra a invocação a «Deus» quer contra a adopção da acta adicional.

Efectivamente, uma Constituição moderna não deve ser proclamada em nome de crenças pessoais, mas sim em nome do povo a que se destina, e não deve dividir os cidadãos por questões de convicção, e a querela do preâmbulo mostrou sobejamente a quem tivesse dúvidas que o cristianismo divide a Europa… Infelizmente, a convenção europeia, embora tenha afastado a «referência cristã», vergou-se às exigências (i) e (ii) da ICAR, bem mais graves. Assim, o artigo I-51 do tratado constitucional não apenas garante que o direito da UE não afectará os privilégios nacionais das igrejas que pudessem ser postos em causa por outras disposições do tratado, como também garante um processo de consulta legislativo entre as «igrejas e comunidades religiosas» e a UE, no «reconhecimento» do tal «contributo específico». É óbvio que a ICAR entende este contributo como a defesa das suas posições dogmáticas em matéria de contracepção, uniões legais entre homossexuais, investigação científica e (bem grande) etc.

Há assim fundadas razões para afirmar que o tratado constitucional não institui uma União Europeia laica. Antes pelo contrário. Aliás, não é por acaso que a COMECE afirmou vitoriosamente que os bispos da UE são «unânimes em saudar favoravelmente» o tratado constitucional.

Que a opinião pública continue convencida de que o tratado constitucional constitui uma afronta à ICAR apenas evidencia que a questão do preâmbulo funcionou como uma eficaz cortina de fumo.

(1) Refiro-me ao documento da COMECE (Comissão dos Episcopados da União Europeia) datado de 21/5/2002.

23 de Junho, 2004 André Esteves

Assassinatos por honra chegam à Europa

A Scotland Yard está a investigar, no Reino Unido, cerca de 100 assassinatos de jovens mulheres, que terão sido realizados nos últimos 10 anos. Motivo: a honra da família.

A maior parte das vítimas são mulheres de religião muçulmana, do sul da Ásia, Paquistão e até da Europa Oriental, que terão ficado grávidas ou tido relações sexuais fora do casamento. As famílias, depois de conspurcadas as suas honras, não podiam aceitar tal mancha na sua reputação.

Dado que viver num país ocidental, implica aceitar a lei antes da honra, não podiam fazê-lo com as próprias mãos. Assim, cresceu toda uma rede mafiosa de assassinos especialistas em realizar, por contrato, a morte das obscenas filhas egoístas e pecadoras. A rede incluía mulheres, que se especializavam a seguir e localizar as desonrosas.

Viver noutro país, obriga-nos realmente a mudar as nossas práticas culturais.

Já não se suja as mãos. Paga-se a alguém que o faça! É o mercado de serviços.

Que avanço comparado com os países de origem. Aí, faz-se tudo dentro das quatro paredes.

É como a matança do porco. Em casa é tão pouco higiénico…

Notícia BBC News online [em inglês].

23 de Junho, 2004 André Esteves

Reverendo Moon coroado «Salvador do mundo»

O reverendo Moon foi coroado «salvador do mundo» no inicio do ano, Em Washington, mais precisamente no Capitólio, o equivalente americano ao nosso parlamento. Presentes estavam muitos representantes do Partido Republicano (que negaram ter estado presentes, até lhes serem mostradas as fotos da cerimónia).O reverendo Moon afirmou, durante a cerimónia, que Hitler e Estaline tinham lido as suas obras e assim, salvado as suas almas.

Para um traficante de armas, drogas, criador de um culto da personalidade, especialista em lavagem cerebral e lavador de dinheiro com conexões especiais à direita americana, de que é um fiel aliado com o seu cabaz de jornais, parece um bocado forçado.

Ah! Já me esquecia – ele afirma ser Deus.

Isto resolve uma das minhas questões existenciais mais importantes: afinal, Deus é careca!!

Notícia The Hill de 22 de Junho. [em inglês]

22 de Junho, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Vinha a descer a avenida Lourenço Peixinho, em Aveiro, quando passei pela montra de mais um bric-á-brac chinês e eis que este Cristo me surpreende!

Num canto, rodeado de ditados de Confúcio, o Cristo encontra-se cercado, sem ter hipótese de fuga. Um caractere chinês encosta-se à jugular…

Definitivamente não há escapatória possível. Com 1.3 mil milhões de chineses no mundo não podemos fugir deles. Tal como eles não podem fugir de nós. O Cristo está pendurado na montra da loja, como sinal de boa fé. Os aveirenses são conservadores, e como é habitual, na sua população abundam certos extremismos. Os comerciantes, esses sábios da tolerância, usam os sinais sagrados dos outros para serem aceites e adoptados.

O Cristo, no entanto, dado o contexto, parece pedir ao pai por outros tempos. As sociedades multiculturais são tão aborrecidas…

É-se só mais um deus, no meio de tantos. Porque é que o pai o pôs em tal situação, de que não estava à espera!?

Um dos factores de crescimento da descrença na Europa, foram os Descobrimentos. Quando começaram a ser publicados relatos de viagens, de terras com povos estranhos, com deuses e sem deuses, o argumento da apologética cristã medieval de que o monoteísmo messiânico era implícito a qualquer ser humano caiu por terra. Hoje, nem sequer nos lembramos dele. Só encontramos alguns ecos seus nos argumentos do tradicionalismo esotérico (bem disfarçadinhos, claro). Em retrospectiva, percebemos porque a igreja correu para converter os novos mundos. A ameaça da diferença e logo da descrença eram demasiado reais. Escolheu-se a iniciativa, ao invés da defensiva. A um conquistador todos os povos parecem inferiores.

Ao império do meio, a China, o sistema imperial escolheu a estratégia inversa. A defensiva.

De nada lhes valeu.

A globalização é um fenómeno estranho. É uma onda de mudança imparável.

E só sobrevive quem souber mudar. E é melhor mudar por escolha própria, do que a isso ser obrigado.

Alguém seguirá as regras do feng shui, ao instalar o poster de «cantor de rock and roll» do Cristo.

22 de Junho, 2004 André Esteves

Epidemia de poliomielite de volta a África

Segundo a BBC News ( Em inglês), a poliomielite está de volta como epidemia na África. A culpa?

Os anciões muçulmanos do norte da Nigéria recusaram a campanha de vacinação da OMS – Organização Mundial de Saúde. Temiam que as vacinas estivessem adulteradas para matar crianças, por parte de uma conspiração ocidental para despovoar a África muçulmana.

Os casos de crianças doentes aumentaram dramaticamente e já se espalharam pelos países vizinhos, que estavam livres da poliomielite.

A guerra no Iraque e no Afeganistão provocaram uma reacção de desconfiança, no mundo islâmico, às instituições internacionais. A estrutura de tribo e de pequena igreja, que é característica do Islão profundo, também é um poderoso meio de transmissão do boato, da má-língua e da fantasia ideológica.

A verdade está mais na boca de um amigo do que no sentido crítico e na investigação pessoal.

Depois as crianças é que pagam…

22 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Iraque – Um cidadão sul-coreano sequestrado por um grupo da Al-qaeda (espécie de Opus Alá, com poucas habilitações literárias), acaba de ser decapitado. Fica-nos a dúvida sobre quem é mais cruel, se Alá ou os crentes.

NATO – Foi ratificada a renovação dos submarinos em Portugal. Como se sabe o Dr. Paulo Portas encomendou 2 submarinos (1 para subir e outro para descer), enquanto o nome do bispo que os vai aspergir e dar a eucaristia ao Sr. Ministro continua em segredo.

EUA – Bill Clinton parece ter sido um excelente presidente (sobretudo comparado com o actual) mas só é questionado, ainda hoje, pelo escândalo criado com a estagiária da Casa Branca, Mónica Lewinsky. Parece que os americanos não se importam que o presidente governe ou não, exigem apenas fidelidade à esposa legítima.

Vaticano – O papa anda possesso com a política de José L. Zapatero para a família. JP2 voltou a condenar ontem os projectos do Governo espanhol que visam autorizar o casamento entre homossexuais e a adopção por esses casais. O único ditador europeu, escolhido por umas dezenas de cardeais e por um clandestino Espírito Santo, atreve-se a censurar o presidente de um país livre eleito democraticamente.

Espanha – A derrota da selecção no Euro 2004, cuja protecção do apóstolo Tiago se revelou um fracasso, deu origem a um corrosivo comentário que circula em Espanha:

“Le doy la razón al presidente, hace meses Zapatero dijo que todos los

españoles que estuviesen fuera volverían a España antes del 30 de junio.”

22 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Padres de Aveiro recebem remuneração base

Num comunicado, D. António Marcelino, bispo de Aveiro, diz que a remuneração base de todos os padres passará a ser, a partir do próximo mês de Julho e incluindo já este mês, de 550 Euros e o subsídio de férias será ainda de 500 Euros e ao 13º mês serão atribuídos 525 Euros. Se o padre tiver mais de uma paróquia ou outros serviços pastorais remunerados e permanentes (professores e os capelães), seguir-se-á o que está determinado, ou seja, que o excedente, deduzidas as despesas de transporte não remunerado por outra entidade, reverta, em partes iguais, para o próprio padre e para o Fundo Diocesano de Compensação.

Considerando que o salário mínimo nacional é de 365,6 Euros, a salvação de almas até nem é um trabalho mal pago.

22 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português I

O sistema do Código Civil de 1867 era confuso e contraditório. Os arts. 1057º e 1072º pareciam consagrar o casamento civil apenas para os não católicos (sistema de casamento civil subsidiário), mas como não podia haver inquérito prévio acerca da religião dos contraentes (art. 1081º) e o casamento civil não podia ser anulado por motivo da religião (art. 1090º), reconhecia-se, afinal, que o Código admitia o sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade. As leis canónicas eram recebidas no país (arts. 1069º e 1086º) e o casamento católico só podia ser considerado nulo no juízo eclesiástico e nos casos previstos nas leis da Igreja (arts. 1086º e 1087º). Assim, o sistema do Código de Seabra tinha os mesmos inconvenientes que tem a segunda modalidade do sistema de casamento civil facultativo e que resultam de o casamento civil e o casamento católico serem admitidos como dois institutos diferentes, regidos por duas ordens jurídicas distintas, sendo diverso o seu regime, por exemplo, quanto à capacidade, consentimento, vícios ou nulidade do acto.

Apesar de tudo, o Código atenuou algumas destas desvantagens. Primeiro, com a ideia de aproximação dos dois sistemas de impedimentos, aplicou também ao casamento católico os impedimentos impedientes do casamento civil (art. 1058), responsabilizando o ministro da Igreja que celebrasse casamento mesmo quando existissem tais impedimentos (art. 1071º). Segundo, com o objectivo de unificar o registo dos casamentos, o legislador ordenou aos párocos que enviassem ao respectivo oficial do registo civil a acta do assento paroquial, para que fosse registada (art. 2476º).

Este foi o sistema que vigorou até à República.

21 de Junho, 2004 Ricardo Alves

Laicidade, anticlericalismo e ateísmo

Não é necessário ser ateu para defender a laicidade. Pode ser-se crente e laico, da mesma forma que se pode ser simultaneamente conservador (ou socialista) e democrata. O laico não defende o ateísmo de Estado, defende a clara separação entre o domínio privado (onde se exercem as liberdades individuais, de expressão, de reunião e de associação) e o domínio público (onde as associações de crentes não devem gozar de privilégios e onde as convicções filosóficas, mesmo que maioritárias, não devem ser impostas a todos). Portanto, o ateísmo é «apenas» uma posição filosófica, enquanto o laicismo é o princípio político fundador das democracias modernas.

Devido ao obscurecimento (deliberado) da tradição laicista em Portugal, estão muito difundidos alguns conceitos erróneos. Por exemplo, afirma-se que a a Laicidade é anti-religiosa. No entanto, a laicidade promove a igualdade entre todos os cidadãos, e a sua liberdade de consciência, independentemente das suas crenças ou ausência de crença, dentro dos limites das leis gerais. Por outro lado, a Laicidade é anticlerical no sentido em que se opõe tanto ao exercício de poder político por grupos clericais como às tentativa de imposição a todos os cidadãos de «verdades» dogmáticas. Nesse sentido, anticlerical (tal como antifascista) não merece ser considerado um termo pejorativo, antes pelo contrário.

Para ler mais:

Manifesto da Associação República e Laicidade,

Glossário da laicidade (adaptado de um livro de Étienne Pion),

Propostas para uma Carta Europeia da Laicidade (Europa e Laicidade).

21 de Junho, 2004 jvasco

10 000 visitantes

Ainda me lembro do objectivo inicial: atingir os 500 visitantes por mês. Se virem os arquivos iniciais poderão ler que eu considerava esse objectivo ambicioso.

Nós crescemos: temos agora cerca de 3000 visitantes por mês e queremos continuar a crescer, mantendo ou melhorando a qualidade dos artigos.

Aproveito para agradecer a todos os leitores, em particular aqueles que nos vistam regularmente.