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2 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Selecção Nacional – O efeito conjugado de Nossa Senhora de Caravaggio (um heterónimo brasileiro da Virgem Maria), em sinergia com a Senhora de Fátima, levaram Portugal à final do Euro 2004. No próximo domingo decide-se qual é a religião verdadeira – a ICAR ou a Igreja Ortodoxa grega.

Euro 2004 – «Iremos ganhar, graças a Deus», declarou Durão Barroso. Também disse, no início do seu Governo, «vamos crescer mais do que a média europeia, se Deus quiser» e a opção revelou-se indisponível.

USA – A uma criança de menos de dois dias, infectada à nascença por septicemia puerperal, foi-lhe negada a administração de antibióticos. A decisão dos pais, baseou-se na crença de que as orações poderiam salvá-la. Sob o lema «confiar em Deus para curar as doenças», os 150 membros da Igreja, que recusam medicamentos, atiraram-se à oração. A criança morreu.

Conclusão – a oração tem um efeito semelhante ao do placebo. Alivia mas não cura.

2 de Julho, 2004 jvasco

Cristianismo e Homofobia

O artigo anterior foca um assunto bem pertinente: a homofobia cristã.

Tal homofobia não é simplesmente fruto de uma tradição folclórica ultrapassada ou de um clero dessincronizado com a actualidade. Não: tal homofobia está defendida na Bíblia, várias vezes e de várias formas.

A Bíblia anotada do céptico tem uma lista de 23 citações que o mostram claramente. Cá estão as traduções de alguns exemplos:

“Os actos homossexuais são uma abominação aos olhos do Senhor” Leviticus 18:22

“Os homossexuais devem ser executados” Leviticus 20:13

“As mulheres não devem usar roupa masculina – é uma abominação aos olhos do Senhor.” Deutronimo 22:5

1 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

A aberração das uniões

O ministro da Justiça, Juan Fernando López Aguilar, anunciou recentemente que em Setembro entrará em vigor a uma lei que permitirá aos casais homossexuais casar-se legalmente a partir do início de 2005.

A esta decisão reagiu a hierarquia da Igreja Católica espanhola. O Bispo de Mondoñedo-Ferrol, D. José Gea Escolano, afirmou ver «como uma aberração» que o Governo espanhol pretenda legitimar no próximo ano as uniões de casais homossexuais, lê-se na Agência Ecclesia. Por seu turno, D. Gea Escolano disse que tal iniciativa suporia praticamente a destruição da família e do matrimónio tal e como se entende. Claro que o matrimónio tal como se entende tem sofrido modificações ao longo das últimas décadas resultantes de um princípio da igualdade democrática entre ambos os sexos e independentemente deles. Os senhores bispos, ao que parece, continuam enredados numa concepção de união troglodita que vê apenas como participantes o homem (em primeiro lugar, obviamente), a mulher e Deus numa alegre ménage à trois.

O ministro da Justiça, muito eloquentemente, respondeu às provocações ICARianas dizendo que o Governo expressou à Igreja e ao Papa o seu respeito pelos fiéis, mas também o compromisso do Executivo com uma sociedade plural, «onde existem diferentes atitudes que merecem uma consideração igualitária».

1 de Julho, 2004 Ricardo Alves

Uma vitória para a laicidade

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deliberou anteontem que a proibição do uso do véu islâmico não viola nem a liberdade religiosa nem a liberdade de expressão tal como são definidas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O Tribunal rejeitou assim o recurso de uma estudante turca que fora excluída da Universidade de Istambul por se recusar a tirar o véu islâmico durante aulas e exames.

No comunicado do Tribunal, pode ler-se que «a liberdade de manifestar a religião pode ser restringida a fim de preservar os valores democráticos e os princípios invioláveis da liberdade de religião e da igualdade dos cidadãos perante a lei», que «as escolas podem tomar medidas para prevenir que certos movimentos religiosos fundamentalistas pressionem os estudantes que não praticam a fé da mesma forma e os que não têm a mesma fé», e ainda que «o Tribunal não perdeu de vista que existem movimentos políticos extremistas, na Turquia, que procuram impor a toda a sociedade os seus símbolos religiosos e a sua concepção de sociedade baseada em princípios religiosos». O Tribunal considerou, portanto, que a laicidade e a igualdade entre os sexos são valores que prevalecem sobre a liberdade de expressão e de religião, particularmente quando estão em causa as pressões de grupos extremistas.

1 de Julho, 2004 Carlos Esperança

No país da senhora de Fátima

Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, numa sábia decisão, reduziram em 4 anos a pena de prisão do indivíduo que matou a tiro a mulher, na presença de um filho de seis anos.

A douta deliberação teve em conta as obrigações não cumpridas da mulher, obrigações que a santa madre igreja (ICAR) sempre aconselhou para a prossecução da espécie.

Assim, os juizes Conselheiros tiveram em atenção que a vítima «(…) após final de Março de 2002 (dois meses antes do crime), passou a não querer manter relações sexuais com ele, circunstância que permitirá a afirmação de que nem só do lado do arguido terá havido violação dos deveres conjugais” – lê-se no Jornal de Notícias.

Segundo o mesmo jornal «os juizes prosseguem depois com o mesmo raciocínio e consideram que a ausência de sexo “pode até ajudar a explicar as dúvidas surgidas naquele espírito pouco iluminado sobre a infidelidade dela».

Claro que a obrigação da mulher se disponibilizar para o homem é um ensinamento da ICAR de que a cultura moderna se afastou, mas há ainda quem zele pela moral e os bons costumes.

Pode um ateu admitir a recusa de sexo por um dos cônjuges, pode um ímpio aceitar que a infidelidade ou a suspeita fiquem impunes, pode um herege julgar que os direitos são iguais para homens e mulheres, mas Deus, na sua infinita sabedoria, pretende a ordem em vez do caos, a obediência da mulher em vez da soberba e, sobretudo, que aceite todos os filhos que o tal Deus lhe queira dar.

A defunta tinha 26 anos e apenas três filhos. Não se defendeu que devia ter sido abatida a tiro, mas as razões aduzidas foram consideradas pertinentes para a redução da pena.

Falta uma referência ao catolicismo na Constituição Portuguesa. A de 1933 trazia.

30 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

O segredo profissional e o estranho art. 135 CPP

O art. 135º do Código de Processo Penal estabelece, no seu n.º 1, o seguinte: os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo. Isto não choca – os ministros de religião ou confissão religiosa são profissionais que, em virtude do exercício dessa profissão, estão em contacto com informação privilegiada e pessoal sobre o arguido.

Este segredo profissional pode ser levantado por ordem do Supremo Tribunal de Justiça se tal for justificado face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. Tal quebra do segredo profissional não se aplica ao segredo religioso (n.º 4 do art. 135º CPP). Não consigo divisar qualquer tipo de razões para que esses profissionais sejam considerados especiais face aos restantes. Estamos num Estado de Direito Democrático onde o princípio da laicidade e o princípio da igualdade ocupam lugares preponderantes como corolários do próprio princípio democrático. A redacção actual do art. 135º é inadmissível.

29 de Junho, 2004 jvasco

Keith Maupin – mais uma vítima da religião?

Todos sabemos o peso que o fanatismo religioso de Bush (e de outros nomes importantes na casa branca) teve na decisão absurda de invadir o Iraque (houve motivações económicas e eleitorais, e essas terão sido mais importantes, mas as religiosas podem ter feito a diferença…).

Agora, quando se tenta pôr termo a toda a asneira que lá se passou, a religião também exerce um papel decisivo em atrasar a pacificação da região.

Um grupo que se auto-intitula “O poder perdurador contra os inimigos de Deus e do Profeta“, executou Keith Maupin. Este pequeno passo na espiral de violência que lá se vive não vai ajudar os iraquianos, e não lucra a ninguém. Muitos iraquianos estão cegos pela raiva que (justificadamente?) têm aos norte-americanos, e essa raiva é potenciada pelo seu fanatismo.

Era interessante que o problema estupidamente criado ficasse resolvido sem um banho de sangue, mas o fanatismo religioso torna ainda mais difícil que isso aconteça.

29 de Junho, 2004 jvasco

Como nasce um milagre

As diferentes religiões alegam a ocorrência de fantásticos milagres.

Quando nos referimos ao panteão helénico ou egípcio (e outras religiões mortas), ninguém duvida que o relatos como “Poseidon espetou o seu tridente na rocha criando assim esta nascente!” ou “Zeus disfarçou-se de forma igual ao noivo, engravidando a rapariga enquanto este estava ausente…” correspondem a histórias tão verdadeiras como “Isis chorou nos campos de trigo e as suas lágrimas deram origem às primeiras oliveiras”.

Independentemente do número de testemunhas e da convicção com que estas, no passado, relataram as ocorrências, hoje todos fazem uma análise razoável e racional dos milagres das religiões mortas, pois todos têm o distanciamento devido.

Quanto às religiões vivas, isso não se passa. Por maior que seja a falta de indícios objectivos, por menor que seja a plausibilidade do milagre, não faltam crentes que os testemunhem, e crédulos que acreditem.

Como é que surgem tão facilmente testemunhas de eventos que nunca ocorreram?

Há pessoas pouco fiáveis enquanto testemunhas, e há uma história engraçada a esse respeito:

Alinhamento anti-gravitacional:

Em 1976 o astrónomo britânico Patrick Moore anunciou na rádio BBC 2 que as 9h e 47min um evento astronómico único aconteceria e que as pessoas poderiam experimentar elas mesmas em suas casas. O planeta Plutão iria passar atrás de Júpiter causando um alinhamento gravitacional que poderia diminuir a força da gravidade na Terra. Moore avisou os ouvintes que se eles pulassem no momento exacto do alinhamento planetário eles poderiam experimentar uma estranha sensação de flutuação. Quando a hora do suposto fenómeno chegou, a BBC recebeu centenas de ligações de pessoas que afirmavam ter sentido alguma coisa. Uma mulher até descreveu que ela e seus onze amigos se levantaram das cadeiras e flutuaram pela sala.

Mas a notícia do tal alinhamento não passou de uma brincadeira de primeiro de Abril!

29 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português IV

Depois do 25 de Abril foram conduzidas negociações com a Santa Sé com o objectivo de uma revisão da Concordata. Daqui resultou o Protocolo Adicional à Concordata de 7 de Maio de 1940 (aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril), assinado na cidade do Vaticano, a 15 de Fevereiro de 1975, que deu uma outra redacção ao art. XXIV da Concordata: o novo texto salienta o grave dever dos cônjuges que celebram casamento católico de não pedirem o divórcio. Trata-se, agora, de um mero dever de consciência, de um dever perante a Igreja e não perante o Estado.

Assim, estavam reunidas condições para se modificar a questão do divórcio no direito interno e foi isso que aconteceu com o Decreto-lei n.º 261/75, de 27 de Maio, que, no art. 1º, revogou o art. 1790 do Código Civil, que não permitia aos tribunais civis decretar o divórcio nos casamentos católicos.

O Protocolo Adicional manteve expressamente em vigor todos os outros artigos da Concordata (art. 2º), nomeadamente o art. XXII, segundo o qual o Estado Português reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil, e o art. XXV que prescreve que o conhecimento das causas concernentes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

Desta forma, o direito português continuou a consagrar a segunda modalidade do casamento civil facultativo. Com efeito, quanto ao aspecto fundamental da sua dissolução por divórcio, o casamento, civil ou não, passou a ser regido por uma única lei – a do Estado – independentemente da sua forma de celebração.

A etapa seguinte da evolução do direito português é a Constituição de 1976, que, no art. 36º/2, atribui competência à lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração. A referência aos requisitos do casamento como uma das matérias em que a lei civil seria exclusivamente competente, sugere a ideia de que a Constituição tenha querido derrogar os arts. XXV e 1625º do Código Civil, mas essa intenção não transparece dos debates parlamentares nem tem sido atribuída ao legislador constitucional, continuando a entender-se, na prática, que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

28 de Junho, 2004 jvasco

Morte e luz ao fundo do túnel

A Skeptical Enquirer que o André referiu no artigo anterior é uma revista de referência. Já tinha lido numerosas alusões ao trabalho excelente que praticam nas mais diversas obras e contextos. Mas… nunca tinha dado nenhuma espreitadela ao site deles. Quando li o artigo anterior decidi fazê-lo.

Entre outras coisas interessantes, acabei por descobrir um artigo sobre aquelas experiências “próximas da morte” em que o sobrevivente diz ter visto uma luz ao fundo de um túnel escuro. O conceito está devidamente mediatizado e mistificado, mas seria curioso ver o que é que a Ciência tem a dizer sobre essa questão. Há um artigo desta revista que explora esse problema de um ponto de vista científico, e que venho, por isso, aconselhar a todos.