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1 de Agosto, 2004 jvasco

Entrevista recente a Dawkins

Num inquérito de uma revista britânica sobre os “100 maiores intelectuais”, Dawkins, biolólogo de referência e ateu incontornável, atingiu recentemente o topo. Em si a notícia não tem grande interesse: estas classificações de “100 maiores intelectuais” (tal como outras do género) estão mais relacionadas com a projecção mediática do que com o trabalho desenvolvido.

O que há de interessante nesta notícia, é que a BBC aproveitou para fazer, a propósito, mais uma entrevista a Dawkins. Tal como os restantes textos dele, vale a pena ler esta entrevista.

31 de Julho, 2004 Ricardo Alves

Não, «Jesus Cristo» não existiu!

Ao discutir a crença na existência histórica de Jesus Cristo, devemos definir previamente de que «Jesus Cristo» estamos a falar.

É óbvio que não existiu o «Jesus Cristo» milagreiro que fora concebido por uma pomba, teria ressuscitado, multiplicado pães, transformado água em vinho e sido protagonista de outros acontecimentos sobrenaturais que contradizem todo o nosso conhecimento, científico ou empírico, sobre o mundo material. Mesmo alguns católicos (os mais esclarecidos) concordarão que essas alegações são falsas, e defender-se-ão reclamando que são meras metáforas ilustrativas, com valor estritamente poético.

Porém, quase todos os seguidores das várias seitas cristãs se recusam a aceitar que não existiu historicamente um homem real que tivesse fundado uma nova religião, fornecendo algumas palavras e gestos posteriormente retomados e difundidos, e que tivesse inspirado os autores dos Evangelhos (canónicos e apócrifos). É este mito, o mito do Jesus Cristo histórico, que deve ser refutado.

O problema não deve ser comparado com o de provar a existência de outros fundadores de novas religiões, como Lutero ou Maomé. O segundo é referido sobejamente em vários relatos históricos, conduziu exércitos e deixou descendência. O primeiro é referido por um número significativo de fontes coevas. Quanto a «Jesus Cristo», a verdade é que os historiadores e cronistas do 1º século da nossa era não o referiram. Cerca de quarenta historiadores romanos e judeus, que escreveram sobre os acontecimentos políticos, sociais e religiosos da Palestina do século I, não registaram nada quer sobre os acontecimentos que os Evangelhos supostamente relatam, quer sobre o hipotético fundador da seita cristã, «Jesus Cristo». Os Evangelhos são portanto, quando muito, relatos teológicos e não jornalísticos sobre a evolução de uma nova religião a partir de um ramo do judaísmo (há razões para pensar que esse ramo coincidiria originalmente com a seita essénia). Deve notar-se que os Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas são referidos pela primeira vez por Irenaeus, em 190 n.e., e o Evangelho segundo João em 180 n.e., por Teófilo de Antioquia. São portanto, presumivelmente, muito posteriores aos acontecimentos que pretendem relatar.

Existem, no entanto, algumas referências que os cristãos costumam alinhar em defesa do suposto carácter histórico de «Jesus Cristo». Referem com insistência, por exemplo, uma passagem das «Antiguidades dos Judeus» de Flávio Josefo, um Fariseu que nasceu no ano 37 da n.e. (e que portanto não poderia ter sido testemunha ocular de um «JC» hipotético que tivesse sido crucificado por volta do ano 30). A referida passagem diria o seguinte:

«Por volta deste tempo, viveu um homem chamado Jesus, se lhe podemos chamar um homem.(…) Ele era o Messias. Quando Pilatos (…) o condenou a ser crucificado (…) ele ressuscitou ao terceiro dia (…) e a tribo dos Cristãos, assim chamada a partir dele, não desapareceu até hoje».

Na realidade, esta passagem só pode ser uma interpolação cristã. Josefo era um Fariseu, e não se referiria a um «Messias» a menos que se tivesse convertido ao cristianismo, o que sabemos que não aconteceu porque Orígenes, um cristão do segundo século n.e. que conhecia os escritos de Josefo, afirmou que este não era Cristão. E Clemente de Alexandria, um dos primeiros polemistas cristãos, nunca usou esta passagem na sua propaganda, tendo a primeira referência ao «testemunho» de Josefo sido feita pelo cristão Eusébio em 324 n.e. Pode portanto concluir-se que esta passagem é falsa. Trata-se de uma interpolação (tal parece óbvio aos especialistas, também do ponto de vista estilístico), sem dúvida feita por cristãos para efeitos de propaganda.

Outra passagem muito citada é de Tácito, nos seus «Anais», escritos por volta do ano 120:

«Nero (…) puniu (…) uma classe de homens odiados pelos seus vícios, a quem chamavam Cristãos. Christus, o seu fundador, sofrera a pena capital durante o reinado de Tibério, por sentença do procurador Pôncio Pilatos.»

Esta passagem é também, muito provavelmente, uma interpolação posterior, uma vez que é referida pela primeira vez no século XV da nossa era! Nenhum propagandista cristão anterior a essa data lhe fez referência, nem à mítica perseguição de Nero aos cristãos, mesmo aqueles que conheciam os escritos de Tácito!

Finalmente, no século I n.e. Paulo de Tarso (possivelmente o homem mais importante na invenção do cristianismo) nas poucas epístolas que podem ser atribuídas, sem margem para dúvidas, a um mesmo autor, jamais se refere a um Cristo histórico. Aliás, não refere alguns dos mitos mais importantes do cristianismo, como o nascimento a partir de uma virgem ou os milagres que lhe concederiam os foros de «divindade». Estas lendas devem portanto ser posteriores ao século I. Deve ainda acrescentar-se que a maioria dos aspectos relevantes da pseudo-biografia de «Jesus Cristo», longe de serem originais, são comuns a outros mitos religiosos da bacia mediterrânica. É esse o caso do nascimento a partir de uma virgem (um elemento recolhido no culto de Mitras). «Jesus Cristo» é portanto um mito, inventado por uma religião nascente.

Nota final: este texto beneficiou grandemente com a leitura de «Did Jesus Christ really live?» de Marshall J. Gauvin, «Did Jesus Exist?» de Frank R. Zindler e «Christ a fiction» de Robert M. Price. Uma descrição da génese do mito cristão, de um ponto de vista judaico, é dada em «O mito do Jesus Histórico», de Hayym ben Yehoshua.

30 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Uganda – 25.000 crianças-soldados estão envolvidas na guerrilha pela luta dos rebeldes do «Exército de Resistência do Senhor» contra o governo. O drama é pungente. Parece a nova Cruzada dos inocentes, com meninos pobres a matar e a morrer, sem tempo para viver. Se o país tivesse petróleo não faltariam voluntários humanitários.

Saddam Hussein – Segundo informações, o antigo ditador está deprimido e desmoralizado. Passa o tempo a ler o Corão, diversão que não contribui para a sanidade mental. Aliás, a leitura do pouco recomendável livro é responsável por imensas tragédias e não poucas frustrações.

JC – «A Editorial Apostolado da Oração (A.O.) acaba de editar uma compilação dos documentos da Igreja acerca da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, inserida na colecção Coração de Cristo». Com tanta documentação dedicada ao coração, percebe-se mal o desprezo pela santíssima língua, o imaculado intestino grosso, o dulcíssimo fígado, os castos testículos, os radiosos pelos púbicos ou o divino maxilar inferior. A menos que JC nada tenha inferior e fosse portador de dois maxilares superiores.

30 de Julho, 2004 André Esteves

Em memória: Francis Crick 1916-2004

Morreu hoje, Francis Crick, um dos descobridores da forma helicoidal do ADN. Ateu convicto e dedicado. Cientista de espírito independente e criativo. Espírito livre e determinado.

Quando entrevistado sobre as razões para querer investigar a forma do ADN, respondeu que também era uma das razões que o tinha levado a ser cientista, «a repulsa para com a religião», especificando:

«Eu entrei para a ciência por causa dessas razões ligadas à religião, não tenho a mínima dúvida. Eu perguntei-me quais eram as duas coisas que pareciam inexplicáveis e que eram utilizadas para suportar as crenças religiosas: a diferença entre as coisas vivas e a matéria morta, e o fenómeno da consciência.»1

Depois de descoberta a estrutura do ADN e as suas implicações biológicas, Crick dedicou vários anos a investigar o mecanismo de comunicação nuclear através do ARN e do sistema de transcrição proteica. Ao fim desse período, mudou a sua atenção para o fenómeno da consciência e do seu funcionamento, tendo estabelecido as bases biológicas e neuronais da consciência visual através do estudo de vários paradoxos e ilusões visuais.

Uma das histórias mais lúcidas e simultaneamente louca, envolvendo Francis Crick, foi quando desistiu de ser membro do Churchill College de Cambridge. O «College» tinha resolvido construir uma capela, e Crick reagiu criticamente a tal iniciativa. Quando Sir Winston Churchill lhe escreveu a dizer que «Só entra na capela quem o pretende fazer…», Crick respondeu que seria mais producente, instalar no colégio um prostíbulo, no qual, aliás, «também só entraria, quem o pretendesse fazer», com um grupo de raparigas escolhidas a dedo e uma madame a servir de chaperone e capelã dos assuntos do amor. Continuando na sua carta, afirmava que quando o prostíbulo se tornasse uma instituição e parte da tradição, a madame certamente seria convidada e sem ofensa para ninguém na «high table» (a mesa dos professores).

Terminou oferecendo 10 guinéus ao colégio para tal iniciativa.

O que ele diria de tanta gente e instituição académica portuguesa…

Nunca mais o ouviremos. Guardemos a sua memória.

Homem como nós.

1 – Entrevista com Matt Ridley no Daily Telegraph

2 – Entrada na Wikipedia

3 – Quando instado a falar sobre a américa: “One of the most frightening things in the Western world, and in this country in particular, is the number of people who believe in things that are scientifically false. If someone tells me that the earth is less than 10,000 years old, in my opinion he should see a psychiatrist.”

4 –Francis Crick – Prêmio Nobel da Medicina 1962

29 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Há investimentos melhores e piores

José Maria Aznar, ex-primeiro-ministro espanhol, detém a mais alta condecoração dos EUA, à semelhança de Nelson Mandela ou Winston Churchill.

A distinção não se deve apenas – como se pensou – ao entusiasmo posto na invasão do Iraque pelo antigo simpatizante franquista, líder do PP, com ligações ao Opus Dei.

O seu Governo deu mais de um milhão e meio de euros a um escritório americano de advogados para fazer lóbi, nos EUA – um investimento modesto e excelente, que transformaria um papa-hóstias num governante respeitado.

O problema foi ter-se sabido da tramóia, que está a ser divulgada em todo o mundo. Em Portugal vem hoje na Visão.

O Opus Dei investiu mais, mas de forma mais rentável, para passar a «prelatura pessoal» de JP2.

A transferência de quase mil milhões de dólares para o IOR (Instituto das Obras Religiosas, piedoso nome sob o qual se disfarça o Banco do Vaticano), evitou a bancarrota e a vergonha associada às operações fraudulentas com o Banco Ambrosiano, de Roberto Calvi, amigo do peito e da missa deste Papa.

Como benefício suplementar (mil milhões de dólares dá para comprar Deus, quanto mais o papa) foram imediatamente encomendados milagres para quando se finasse Josemaria Escrivá, fundador da seita, a fim de ser canonizado em tempo recorde, excedendo todos os limites de velocidade canónicos.

29 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Umbigos creacionistas

Antes de ir de férias, uma pergunta:

Adão e Eva tinham umbigos?

Pergunta pouco original enviada por SMS.

29 de Julho, 2004 André Esteves

Leituras leves de verão

Está nas bancas uma edição especial da «Science et Avenir» dedicada ao tema: «O Sentido moral nos animais».

Inclui artigos de várias perspectivas, desde a filosófica, evolucionária, etológica que permitem adquirir uma noção do estado das coisas, nesta àrea do conhecimento e da investigação das coisas.

Inclui também uma entrevista com um dos maiores investigadores do comportamento primata dos nossos tempos: Frans de Wall. As revelações fascinantes do comportamento altruísta dos grandes macacos que o seu trabalho têm revelado, demonstram por exemplo, que a moral apareceu muito antes da religião.

Uma boa leitura de férias. Para folhear e mergulhar em informação nova enquanto se relaxa numa esplanada…

Ah! E comam uma banana! Em homenagem aos nossos primos.

29 de Julho, 2004 jvasco

Uma vida sem sentido?

Quando ocorrem tentativas de conversão por parte de alguns crentes, um argumento que é o usado recorrentemente é o seguinte: «Então qual é o sentido da vida? Não é triste uma vida sem sentido, sofrendo as injustiças e o sofrimento terrestre, para depois morrer como um mero animal? Não é triste viver a acreditar apenas no vazio incontornável da morte?»

A mim impressiona-me que alguém use estas perguntas (ou suas variações) como argumento. Para mim é tão óbvio que o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, que nunca me passaria pela cabeça argumentar assim com um cristão: «tu acreditas num Deus que, segundo a Bíblia, vai enviar a esmagadora maioria da humanidade para o Inferno, um lugar de sofrimento angustiante e eterno?». Quando muito poderia argumentar que isso não seria muito próprio de um Deus misericordioso.

Uma vez que (repito) o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, nós devemos ver a realidade como ela é, e não como gostaríamos que ela fosse. E a discussão poderia estar encerrada por aqui. Mas não está.

Acontece que a minha forma de encarar a realidade e a vida, apesar de não necessitar de se suportar em ilusões baratas, superstições gratuitas e negações primárias, realiza-me tanto ou mais como o mito do paraíso realiza os crentes.

E isto é algo que os ateus não costumam afirmar (porque encerram a discussão nas considerações acima), mas deviam fazê-lo, para esclarecer muita gente que não compreende isso.

É que, mesmo tendo noção da realidade, nada me impede de sonhar. Desde que, claro, saiba distinguir o sonho da realidade. Todo o sentimento de ligação com o infinito, de transcendentalidade, de pertença a algo maior pode estar presente num ateu. O ateu pode sonhar com um mundo melhor, e não com o paraíso celeste. O ateu pode sonhar com o eco da sua obra através da eternidade, ao invés da imortalidade duma alminha; o ateu pode querer fazer o bem, sem ter de crer numa recompensa numa outra vida que não existe.

Os seres humanos eram (e ainda são) animais, e o sentimento religioso surge, tal como uma série de instintos primários – a agressividade, o medo, a ganância, etc. – por questões de selecção natural. Importa compreender e dominar esses instintos.

Tal como o instinto da agressividade pode dar belos resultados no desporto, sob a forma de camaradagem, competitividade, emoção, sem ter de recorrer à guerra a que esse sentimento naturalmente conduz, também o instinto religioso pode conduzir a um sentimento de pertença a algo maior, a uma preocupação com as gerações seguintes, sem ter de cair na religião, na superstição, na crendice primária.

Eu gosto de sonhar, e gosto de usar o sonho para moldar a realidade, tornando-a melhor. Confundir o sonho com a realidade não é um bom método para o fazer, e a história mostrou que pode ter consequências muito desagradáveis.

28 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Familiaridade egípcia

Este texto, encontrado nos meus arquivos e publicado na Despertar, foi traduzido de um livro que trouxe do Egipto.

Reparem nas semelhanças existentes entre a religião do Antigo Egipto e o cristianismo. O blog Sem Senso Comum, do Luís Pereira, aborda este assunto.

«As quase infinitas variedades de representação das numerosas divindades

que foram encontradas nos monumentos egípcios conduziram a um

mau-entendimento da religião dos antigos egípcios. A religião do antigo

Egipto, ao contrário do que somos levados a pensar como sendo politeísta,

era, de facto, como todas as grandes religiões, monoteísta. Hoje, estudiosos

concordam que as muitas divindades encontradas nos templos devem ser

consideradas como atributos ou intermediários do Ser Supremo, o Deus Único,

o único reconhecido e adorado pelos sacerdotes, iniciados ou sábios dos

santuários. No topo do panteão egípcio encontra-se um Deus, que é apenas um,

imortal, que não foi criado, que é invisível e escondido nas profundezas

inacessíveis do seu Ser. Produzido dele próprio de toda a eternidade,

concentra em si todas as características divinas. Não eram deuses que eram

adorados no Egipto mas, sob o nome de qualquer divindade, o Deus escondido,

sem nome ou forma. Uma ideia apenas dominava tudo, a um Deus uno e

primordial.

Os sacerdotes egípcios definiram-no nestes termos:
Aquele que nasce

dele próprio, o princípio de toda a vida, o pai dos pais, a mãe das mães
e

também afirmaram que dele vem a substância de todos os deuses e
é pela

Sua vontade que o sol brilha, que a terra está separada do firmamento e que

a harmonia reina em toda a criação
. No entanto, para tornar a crença no

Deus Único mais compreensível ao povo egípcio, os sacerdotes expressaram os

seus atributos e os seus vários papéis por meio de subtis representações. A

imagem mais perfeita do Deus era o sol com os seus três atributos: forma,

luz e calor. A alma do sol chamava-se Amon ou Amon-Ra, que significa
sol

escondido
. Ele é o pai da vida e as outras divindades são apenas as

diferentes partes do seu corpo.

Podemos, agora, introduzir as famosas tríades egípcias. Os conhecedores

desta antiga teogonia dizem-nos que o Ser Supremo, o criador do universo, é

único no seu ser mas não na sua pessoa. Ele não sai fora de si para gerar

mas gera dentro dele. É, simultaneamente, Pai, Mãe e o Filho de Deus sem

deixar Deus. Estas três personagens são Deus em Deus e, longe de

destruírem a unidade da natureza divina, eles engendram a sua infinita

perfeição. O Pai representa o poder criativo enquanto que o Filho, imagem do

Pai, fortalece e manifesta os seus atributos eternos.

Todas as províncias egípcias tinham a sua própria tríade (…). A

principal ou maior tríade era a de Abydos, constituída por Osiris, Isis e

Horus. Era a mais popular e a mais adorada por todo o Egipto porque Osiris

era a personificação de Deus e era vulgarmente conhecido por deus bom. A

tríade em Memphis consistia em Ptah, Sakhmet e Nefer-tum, e, em Tebas, em

Amon, Mut e Khonsu. A trindade não era o único dogma retido pela revelação

primitiva. Nos livros sagrados também se pode encontrar a ideia de pecado

original, a promessa de um Deus redentor, restaurações futuras da

humanidade, e a ressurreição da carne no fim dos tempos. Em todas as

mudanças de dinastia havia uma revolução monoteísta e o Ser Supremo

prevalecia sobre o fetichismo das outras divindades. A revolução religiosa

de Akhnaton foi precedida por aquela de Menes, já para não falar na de

Osiris (5º milénio a.C.). De acordo com alguns historiadores, ocorreu,

durante o reinado de Osiris – rei de Tebas (4200 a.C.) – uma completa

mudança religiosa.

Este rei, o mais devoto de todos, foi bem sucedido na adopção do

monoteísmo numa larga escala. Era o mesmo Osiris que presidia o supremo

tribunal do julgamento das almas dos mortos.

De acordo com o rito da psicostasia (psychostatis, que que dizer
peso

da alma
, i.e., a cerimónia do julgamento final do falecido), a alma do

morto era transportada numa barcaça sagrada sobre as águas dos Campos

Elísios. Ao passar, a embarcação trazia luz às regiões habitadas pelas almas

dos condenados que tremiam de alegria ao avistarem um pouco daquela luz que

lhes foi negada. A barcaça continuava a sua jornada e, depois de atravessar

uma zona mais leve, correspondendo mais ou menos ao nosso Purgatório,

chegava finalmente ao tribunal presidido por Osiris e pelos seus 42

acessores. O coração do morto era colocado num dos pratos da balança

enquanto que, no outro, era colocada uma pena, símbolo da deusa Ma’at (deusa

da Justiça). Se o falecido tinha feito mais bem do que mal então,

tornava-se uma das verdades da voz e, assim, parte do corpo místico do

deus Osiris. Se sucedesse o contrário, o coração era comido por um animal

com cabeça de crocodilo e corpo de hipopotamo e a sua existência findava no

Outro Mundo. Uma alma que tinha sido, desta forma, justificada era

admitida no Ialou, os campos elísios.

Aqui chegados podemos perguntar porque é que foram encontrados tantos

objectos quotidianos nas piramides e nos tumulos. Não nos devemos esquecer

que a ideia religiosa fundamental do antigo Egipcio era que a vida humana

continuava depois da morte física. Mas só aqueles que continuavam a

disfrutar do que tinham disfrutado em vida podiam alcançar o Outro Mundo.Daí

as mobílias, a comida, a bebida, os servos e outros objectos necessários

para a vida quotidiana.
»

28 de Julho, 2004 André Esteves

O Kitsch religioso da semana

A imagem que vêem à vossa esquerda, foi encontrada num site escatológico, de oferta libertária e oportunista, o Rotten.com.

A Coreia do Sul tem uma minoria significativa de evangélicos, resultado da influência americana decorrente da guerra com a sua irmã do norte. Lembro-me de na minha infância, se falar na igreja com reverência dos crentes coreanos. Pastores falavam de correntes de oração que se mantinham hà mais de 10 anos. Um grande exemplo de dedicação e obediência por parte desses crentes.

O autor do cartaz bem tentou, mas não pode escapar ao seu ambiente cultural de nascimento.

A sua referência pastorícia são os búfalos de água, que se utilizam para trabalhar os arrozais.

Os hábitos sexuais dos pastores semitas nunca fizeram parte da sua história escatológica, de modo que a imagem não lhe sugeriu nada de alarmante. Para um curso de discipulado e liderança, procurou utilizar uma imagem comum no meio evangélico: o bom pastor. Mas acabou por fazê-lo de uma forma tal, que traz à tona, a verdade esquecida:

o bom pastor não guarda as suas ovelhas, porque as ama… Mais tarde ou mais cedo, vai comê-las.

Nos dias de hoje, para onde quer que nos viremos, ao examinar as actividades das religiões mais prosélitas, não podemos deixar de reparar na quantidade imensa de cursos de liderança!

Seja líder!! O Sal na Terra!! Curso Avançado de Leigos! Discipulado e liderança!

Ao fim de algum tempo, fica-se enjoado. Afinal, tantos cursos de liderança, mas os líderes nas igrejas evangélicas e na ICAR nunca mudam!?

Cumprem-se as promessas expressas em tanto cartaz e actividade?

Quem tiver frequentado um desses cursos prenhes de promessas de poder e esperança, acaba por descobrir que,

a) o curso é para se aprender a «obedecer a Cristo»

b) Um bom líder é um cristão obediente

c) uma quantidade sem-fim de conselhos de «Como fazer amigos e influenciar pessoas»

d) Cristo está a chamar-te para liderar?

e) Lidera-se primeiro os não-crentes pela actuação na comunidade…

As variações do tema são efectivamente entediantes, e a conclusão a que chegamos, é que todos esses cursos não passam do velho esquema de criação de elites internas, atraídas pelo cheirinho do poder, e a tentativa de criar elites corporativas e de interesses na sociedade exterior.

O contraste interessante é que as lideranças das igrejas evangélicas e da ICAR nunca mudam… São sempre os mesmos apelidos que se arrastam pelas lideranças, geração atrás de geração… Na ICAR, dada a proibição reprodutiva da classe clerical acabamos por ter a figura do «pai espiritual». Uma espécie de clonagem mental…

Ou seja: A merda é sempre a mesma e nem mudam as moscas.

O cartaz coreano reflecte a verdade social. As ovelhas vão aos cursos de liderança, mas acabam sempre no cardápio do pastor. De uma maneira, ou da outra…