Loading

Categoria: Não categorizado

10 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A castidade é um voto à espera de ser violado

Faz pior à Fé o cio dos seus padres do que as mentiras da sua religião. A onda de relaxação que tem atingido o clero católico, um pouco por todo o lado, em especial nos Estados Unidos, não pode deixar de suscitar perplexidade em Portugal onde a irrepreensível conduta e acendrado amor à castidade têm sido apanágio constante dos seus virtuosos bispos, padres e freiras.

Mas, quem tenha lido «La vida sexual del clero» de Pepe Rodriguez verifica que se repete nos EUA o que se passou em Espanha, só com clérigos cujas sentenças judiciais transitaram em julgado.

Doloroso para a ICAR foi certamente o caso relatado em 2001 de padres que violaram sistematicamente freiras com medo da SIDA. Mais dramático foi seguramente a resignação a que foi obrigado o velho cardeal de Viena Hans Herman Groer pela sua propensão pedófila ou do polaco Monsenhor Juliusz Paetz, arcebispo de Poznan, de 67 anos, antigo colaborador de João Paulo II, que lhe aceitou a demissão por abusar de padres e seminaristas ou vice-versa.

No ano de 964 o Papa João XII foi morto com uma marretada na cabeça por um marido que não tolerou encontrá-lo na cama com a sua mulher. A um antigo e prestigiado cardeal de Paris Jean Danielou foi Deus servido de chamá-lo à Sua divina presença quando se encontrava nos braços de uma espectacular bailarina de strip-tease de 24 anos, Mimi Santoni.

As alcovas do Vaticano deram origem a milhares de páginas de sórdidas condutas com destaque para Alexandre VI. Contudo o que é verdadeiramente novo é a aplicação do Código Penal americano que responsabiliza as dioceses pelos procedimentos impróprios dos seus padres. Assim, independentemente das tentativas de encobrimento que revelam baixeza ética e cumplicidade, o que agora está em causa é a falência das dioceses que poderão ver-se impedidas de prosseguir a sua missão espiritual por falta de verbas. A generosidade dos crentes passou a ser inferior ao rigor dos tribunais.

Estes escândalos alertam para a prudência que as sotainas devem merecer aos pais. O clero da ICAR não tem um cio mais escaldante que os profanos ou uma maior diversidade de hábitos sexuais. Naturalmente que a condenação ao celibato lhes há-de criar mais inibições e recalcamentos. Por isso nos devem merecer maior compreensão e benevolência.

A condenação vai sobretudo para a Cúria romana cuja hipocrisia e crueldade condenam ao celibato os jovens que escolhem como modo de vida servir o corpo e o sangue de Cristo às rodelas durante a missa.

10 de Agosto, 2004 jvasco

A Morte

Porque é que os Ateus não acreditam na vida após a morte?

Por correio electrónico recebi de um membro da nossa lista de discussão(ver no site www.ateismo.net a respeito desta lista) chamado Alexandre um texto que responde na perfeição a essa pergunta. Com a autorização dele, aqui reproduzo esse texto (mantendo a versão do português em que é escrita):

Sabe, se eu queimar um lenço de papel, ele também nunca mais vai voltar. Mas eu sei perfeitamente o que é que lhe aconteceu. A combustão do lenço

provocou uma reorganização dos átomos que constituíam o lenço de papel.

Esses átomos associaram-se a oxigénio para formar gazes diversos que se vão dispersar na atmosfera, enquanto que outros formam cinzas que se acumulam no chão. Não há nada de misterioso nisto, e bem sei que o lenço nunca mais voltará.

Agora você, ou a voz que está dentro de sua cabeça é produzida pelo seu

cérebro. Quando você morre, o seu cérebro desintegra-se (apodrece, é

incinerado, etc). A voz dentro da sua cabeça desaparece porque o cérebro que a produzia desapareceu. Não vai voltar porque os átomos que constituíam o

cérebro estão dispersos.

Uma vez mais não há nada de misterioso nisto, e não é de espantar que

ninguém tenha voltado da morte para contar a experiência.

Talvez você não acredite que a sua voz na cabeça é produzida pelo seu

cérebro. No entanto, a investigação científica mostra isso mesmo. Pode-se

alterar a voz usando drogas que agem sobre o cérebro (pode-se por exemplo

criar um estado depressivo profundo simplesmente com administração de certas drogas). Também se pode danificar a sua voz interior danificando o cérebro. Eu posso acabar com a sua fala se lhe tirar as cordas vocais. Mas se lhe tirar certas partes do cérebro, você não poderá sequer “imaginar” falar. A sua voz interior será muda.

Portanto não há a meu ver grande mistério no que acontece quando uma pessoa morre. É como o lenço que se queima, ou a planta que seca, etc. Deixa de existir, ponto final. Na realidade o problema vem da dificuldade de imaginarmos a nossa não-existência. Desde que damos por nós, existimos. Nunca tivemos experiência de outra coisa, e não sabemos como imaginar a nossa não-existência. Um pouco como tentar imaginar o infinito ou um volume de cinco dimensões. Sabemos como é, não é nada de misterioso, mas não o podemos conceber.

10 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

A sucessora da Santa da Ladeira

Foi há um ano que a Santa da Ladeira, Maria da Conceição, morreu de uma paragem respiratória. No entanto, o tempo ainda não apagou a presença da «Mãe Maria», como lhe chamam os peregrinos, e a sua obra continua. Teresinha é a sucessora da Santa da Ladeira.

Descendente de Maria da Conceição e Humberto Horta, tem 33 anos, como Jesus Cristo (pura coincidência), e, apesar de não ser filha única, afirma ter sido escolhida para suceder à Santa da Ladeira enquanto criança. «Foi Deus que me escolheu, através da Mãe Maria», diz, fundamentando a escolha com uma «intervenção divina» a que foi sujeita para curar uma doença… a sua doença. «Em criança eu era epiléptica, quase não me segurava de pé e foi a Mãe Maria que me curou, oferecendo o meu corpo e alma a Deus. E eu, com a fé que tenho, aceitei livremente a missão de continuar a sua obra».

Teresinha é a intermediária dos pedidos dos crentes. «Eu ouço as suas preces e digo-lhes que vou pedir ajuda a Deus e à Mãe Maria. Ela prometeu-me que nunca me iria deixar e com essa ajuda consigo cumprir o meu papel», afirma a sucessora. Quanto ao sucesso na cura efectiva de alguém, este é inexistente. A irmã Teresinha apenas ajuda a resolver problemas, graças à «ajuda espiritual» da Santa da Ladeira.

O culto à Santa da Ladeira começou há 35 anos, numa capela junto à estrada nacional que liga Torres Novas ao Entroncamento. Com o decorrer do tempo e com o aumento do número de contribuintes, perdão, fiéis, foi construído um santuário de dimensões modestas, inaugurado em Fevereiro de 2000, numa cerimónia que contou com representantes internacionais da Igreja Ortodoxa.

A ICAR nunca reconheceu a veracidade das visões de Maria da Conceição, o que não impediu o apadrinhamento da Santa da Ladeira pelos Ortodoxos.

Apesar da bênção de Deus, a Fundação Maria da Conceição e Humberto Horta atravessa um momento difícil. Três freiras denunciaram a existência de maus tratos e abusos sexuais em crianças do lar, o que deu lugar a uma investigação da Polícia Judiciária e a uma inspecção da Segurança Social, que entregou os menores às famílias.

Como todos os fenómenos num país onde o obscurantismo da crendice ainda impera, este perdurará ainda por alguns anos e algumas dezenas de pessoas continuarão a explorar e a beneficiar da pobreza de espírito de outras.

10 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

As chagas de J(ota) Cristo

Antes de mais, agradeço ao Arcabuz pela chamada de atenção a esta interessante história.

Popularmente associado à santidade, o estima (stigmata) refere-se às feridas de Cristo aquando da crucificação que se reproduzem, de forma espontânea, no corpo humano de um cristão. Incrivelmente, e juntamente com algumas outras manifestações divinas, o fenómeno não apareceu logo a seguir à morte de Cristo – demorou doze séculos a ver a luz do dia com Francisco de Assis, o primeiro a exibir as feridas… depois de um homem ter sido preso por ter falsificado feridas do género. Para além de Assis, apenas umas poucas centenas de pessoas foram estigmatizadas, santos incluídos. O último destes, foi o padre Pio (1887-1968), canonizado em 2002, mas não pelas marcas, que nunca foram declaradas miraculosas pela ICAR. De resto, há um grande número de falsos estigmatizados: Magdalena de la Cruz, Maria da Visitação ou Palma Maria Matarelli.

Mas as curiosidades não acabam aqui. É de estranhar que tal fenómeno tenha apenas aparecido em países predominantemente ICARianos, nomeadamente em Itália, até ao século XX. Há também que dar conta da evolução da forma e da localização das feridas: por exemplo, as de Francisco de Assis eram apenas impressões dos pregos, mas as restantes não apresentam qualquer consistência ou similitude que sugira a réplica de um único padrão original.

Lilian Bernas, canadiana, começou exibir feridas em 1992, dez anos após a sua conversão ao catolicismo e depois de ter tido visões de Jesus (Cristo). De acordo com um dos seus livros, J. C. aparece-lhe frequentemente chamando-a de «minha alma sofredora», «minha doce pétala» e «minha filha».

A arquidiocese de Ottawa, onde vivia na altura, abriu um inquérito para averiguar as afirmações da pretensa estigmatizada. De acordo com uma porta-voz da arquidiocese, o inquérito foi inconclusivo.

No que diz respeito às feridas, Lilian apresenta apenas cicatrizes avermelhadas nas costas das mãos e nos pés, dizendo que aquelas marcas foram as únicas que pôde manter. Quanto a uma marca aparentemente cruciforme que tem no maxilar, ela afirma que tal estigma é do diabo, que a possuía antes de lhe aparecerem as verdadeiras chagas.

Há também suspeitas relativamente à forma como as feridas sangravam e sua inexistência nas solas dos pés, um local que provocaria um certo grau de sofrimento.

Mas o sobrenatural não fica por aqui: as toalhas usadas nas sessões (sim, porque a sangria foi convertida num espectáculo) alegadamente desaparecem nas 48 horas subsequentes.

Concluindo, neste caso, as provas recolhidas estão longe de apontar para uma intervenção divina estando a mão do Homem, uma vez mais, na origem de tal fenómeno aclamado de sobrenatural e miraculoso.

9 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Jogos Olímpicos livres de perigo

O Papa João Paulo II, de férias em Castelgandolfo, colocou nas mãos da dita virgem Maria a segurança dos Jogos Olímpicos. A organização do evento pode ficar descansada: nenhum ataque terrorista será bem sucedido!

O problema será se os deuses dos possíveis terroristas são mais fortes e as suas orações mais eficazes.

9 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Duas notas piedosas

Evangelização – O papa JP2 nomeou um português, padre António Couto, membro da Congregação para a Evangelização dos povos, um departamento do Vaticano que se dedica à conquista de novos mercados e ao aumento da quota onde a ICAR já se encontra implantada. O novo membro é Superior Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova (SMBN). «A SMBN é uma Sociedade de Padres diocesanos e de Leigos que se consagram por toda a vida à evangelização do mundo», ou seja, trata-se de um bando de prosélitos que procura o mercado global para impor o único Deus verdadeiro – o seu.

Comentário: Esta notícia prova que Deus não está em toda a parte, contrariamente ao que afirma a ICAR, e que, sem estes prosélitos, Deus não vai a lado nenhum.

A fé e as hormonas – Dois sacerdotes, da diocese de Tucson, foram despedidos da ICAR, nos EUA, por terem cometido abusos sexuais, ficando impedidos de exercer o múnus, ataviar-se com os paramentos sacerdotais e ostentar qualquer título eclesiástico.

O bispo, D. Gerard Frederick Kicanas, com os acordos extrajudiciais esvaziou os cofres da diocese pelo que pensa pedir a sua falência antes de 15 de Setembro, data em que tem início outro processo, por abusos sexuais, contra sacerdotes da mesma diocese.

Não consta que Deus tenha em vista proceder a alterações genéticas dos seus padres para lhes amansar o cio.

9 de Agosto, 2004 jvasco

Notícias sobre o conflito religioso mais mediático

O conflito de origem religiosa (principalmente, mas não só) mais mediático da actualidade é sem dívida o conflito Israelo-Palestiniano.

Claro que recentemente, com os ataques Islâmicos às Igrejas Cristãs no Iraque, alguma atenção foi desviada deste conflito, mas ele continua a dominar as notícias como tem acontecido nos últimos anos.

Será que se vai agravar? Será que Sharon continuará a desrespeitar o direito internacional, na sua ânsia de dominar integralmente a “terra prometida”?

Esta notícia do DN indicia que sim.

Será que se vai atenuar? Será que os Israelitas, compreendendo que com os fundamentalistas religiosos no poder a economia e as finanças ruem, a segurança degrada-se, os direitos civis são atacados e o bem estar social torna-se escasso, começam a colocar seriamente em questão as políticas de Sharon?

Esta notícia do Público indicia que sim, que o debate começa a dar lugar à letargia.

Nota: Devo fazer notar que as minhas críticas relativas ao governo de Sharon, à influência do fundamentalismo religioso de que padece, e ao incumprimento, por parte de Israel, do direito internacional NÃO são acompanhadas por qualquer simpatia face às formas de luta Palestinianas, estas também dominadas pelo fundamentalismo religioso.

Os movimentos terroristas que tentam libertar a Palestina merecem o meu mais profundo repúdio, pelos inocentes que matam, e pela ineficiência da sua luta. Os moderados de ambos os lados, aqueles que querem a paz, são as verdadeiras vítimas do fundamentalismo religioso que prolifera entre ambos os povos.

8 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Abençoado cartão de crédito

Nos Estados Unidos, as Family Christian Stores, oferecem um novo cartão de crédito enfeitado com uma imagem de três cruzes vazias no Calvário.

As reacções dos consumidores dividem-se. Os clientes habituais da loja de Cedars Rapids, de acordo com a gerente Patty Stone, estão encantados porque podem ganhar pontos e cheques-prenda. Por outro lado há quem entenda que não está certo que as Family Christian Stores emitam cartões de crédito e fomentem o endividamento. Patty Stone responde a estas críticas dizendo que não há nenhum encorajamento à contracção de dívidas uma vez que vendem muitos livros que encorajam as pessoas, se quiserem usar o cartão de crédito, a pagar as despesas do cartão mensalmente.

Uma senhora, cliente da loja, entende que, para começar, todo o dinheiro veio de Deus e esta decoração é mais uma forma de testemunho.

De facto, se os americanos têm escrito nas suas notas In God We Trust e muitas pessoas têm símbolos cristãos nos seus cheques, porque não um cartão de crédito com uma alusão ao Calvário, deveras apropriada se se estiver enterrado em dívidas?

7 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A fé e a tolerância

Acabado de regressar de uma aldeia da Beira Alta, publiquei no Diário uma crónica escrita há algum tempo, antes de ler os comentários aos artigos.

Lá estão os insultos bolçados com piedosa devoção, o ódio destilado em doses beatas e as habituais manifestações de fé num Deus que sabem morto e em textos sagrados que a mais rebuscada exegese não consegue tornar recomendáveis.

Enquanto alguns crentes perplexos se esforçam por compreender o mundo e tolerar os outros, há sempre alguns Torquemadas que odeiam a liberdade e sonham autos de fé. Não lhes basta a combustão das almas dos hereges e as perpétuas penas que o seu Deus pusilânime e vingativo lhes reserva depois da morte, querem a punição dos réprobos, em vida, através do braço secular. E, como todos os prosélitos, anseiam por condenar ao silêncio os heterodoxos.

Como é bela a fé! Queimem-se bibliotecas, ardam os heréticos, abaixo a liberdade, guerra ao livre-pensamento! Depois, Deus, distribuído ao domicilio, servido em doses industriais nas igrejas, mesquitas e sinagogas, reabilitado o prestígio antigo, julgará os vivos e os mortos na certeza de que não consentirá mais vida para além das orações, dos jejuns, da abstinência, da castidade e da mortificação.

Os saprófitas de um Deus assim estão igualmente mortos.

7 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A festa de Santa Filomena. Crónica piedosa

No início da década de sessenta um brasileiro bem sucedido voltou ao Cume* para rever amigos e embasbacar os autóctones com o sucesso. Trouxe presentes, distribuiu pentes e rebuçados, lançados aos garotos à rebatina e, à igreja, ofereceu um guião e dois pendões que mandou vir do Porto, uns paramentos a estrear e dinheiro suficiente para a festa de Santa Filomena.

A bem-aventurada tinha provas dadas na cura de animais, designadamente ovelhas, que a gripe dizimava e estropiava no inverno e, quanto maior a desgraça, mais crescia o pasmo pelas que escapavam e maior era a devoção. Tinha sido o caso, nesse ano, por causa das chuvas e dos sempre insondáveis desígnios divinos. Era a primeira homenagem pública, a augurar o início de uma tradição e de um amparo ainda maior. A festa há muito que a merecia a santa, mas os proventos da arrematação dos pés e orelhas de porco, de duas ou três dúzias de ovos e de alguns enchidos provenientes do pagamento de promessas, mal chegavam para lhe pagar a missa e comprar algum adorno.

Valera a generosidade do brasileiro que pôs os paroquianos em excitação, com recados enviados a parentes e amigos e data da festa anunciada.

Com farinha peneirada, ovos guardados e açúcar comprado, apalavrada a banda da Parada e encomendado o foguetório no Porto da Carne, a uma semana da festa, veio o pároco anunciar, durante a missa, que Sua Santidade tinha declarado falsa a santa, sacrílega a devoção e, assim, era impossível a festa. Manifestou tristeza suficiente, por solidariedade para com os paroquianos, que da decisão papal não cabia recurso. Ainda propôs outro santo, com certificado de garantia, de sexo diferente e idêntica virtude, para a substituir nos festejos. Deixou à reflexão dos paroquianos. E do brasileiro, subentendia-se. Qual quê? Goradas as expectativas, enxovalhada a crença, arruinadas as orações cuja permuta de intenções não admitia retroactividade, só restava um vago ressentimento e uma sensação de injustiça e impotência.

O brasileiro a quem a generosidade assegurara lugar cativo na primeira fila da igreja ficou lívido, primeiro, a vacilar na fé e nas pernas, ressentido depois e a remoer vingança.

Impediu-o o medo do Inferno e a inutilidade de demandar o papa de exigir a devolução do óbolo, ficando-se pela desolação e algumas obscenidades com sotaque, enquanto os paroquianos se dividiram entre o brasileiro e os sacramentos, a devoção e o padre, o papa e a santa, acabando por regressar ao redil e à fé dirigida de Roma. Apenas o brasileiro, por brio, passou a frequentar a missa em Vila Fernando, com outro padre, no tempo em que ainda se demorou. Manteve a devoção mas trocou de corretor.

Ninguém percebeu porque se demitiu do altar uma santa que lograra prestígio igual ao de santa Bárbara a amainar trovoadas e maior que o de S. Sebastião que, para além de mártir, não se lhe conhecia na paróquia outro feito que o recomendasse, não desfazendo, é claro, na seta que o trespassava em perpétuo sofrimento. Era difícil rezar a santos que não faziam milagres quando se apeava quem os fazia.

Creio que ao medo do castigo divino e à falta de alternativas se ficou a dever a persistência na fé, posta em causa de forma demolidora por motivos insuficientemente explicados e com despesas já feitas.

Não estralejaram foguetes, não se ouviram os acordes da banda, não se provaram as guloseimas. A imagem, ferida na estimação e na virtude, foi parar à sacristia, por decreto, condenada à solidão e ao esquecimento, à espera de que algumas gerações de crentes se finassem para reaparecer, quem sabe, com outro nome e renovados poderes. Assim a fé e a sociedade o consintam ainda. Os mordomos ficaram designados para as próximas festividades conservando o prestígio e as prerrogativas.

A santa e o brasileiro nunca foram ressarcidos da desgraça.

* aldeia do concelho da Guarda a cerca de 10 km.