Há temas, ditos fraturantes, que a ICAR gostaria de silenciar. O aborto, a eutanásia e o casamento de homossexuais são os que mais a crispam e apaixonam. E, no entanto, não são ignorados nem definitivamente adiadas as soluções legais.
A moral não é universal nem legitima a imposição de todas as normas e, muito menos, a punição pela sua transgressão. O divórcio, por exemplo, é um mal, e deve ser legal. Só a intolerância religiosa e a cumplicidade da ditadura o limitou e, na prática, impediu, até ao regresso à democracia. O adultério é decerto ruim e ninguém, de juízo são, se atreve a propor uma punição legal, mas é bom lembrar que foi esse o crime que levou Camilo Castelo Branco ao cárcere.
Os que se opuseram à descriminalização do aborto foram os que, já depois do 25 de Abril, não aceitavam que o risco de vida da mãe, as malformações fetais e a violação fossem motivos legítimos para a interrupção voluntária da gravidez, como se a lei impusesse a obrigação e não, apenas, consagrasse a permissão.
O mesmo sucederá com a eutanásia, como já ocorreu com os casamentos homossexuais, cujo precedente existe em vários países europeus, apesar do terrorismo ideológico com que os adversários se opõem. Convém repetir que é um direito que se consagra e não a obrigação que se impõe.
O que surpreende nos adversários das alterações legais liberalizadoras, ou da simples discussão, não são as opiniões que perfilham, é o ódio que nutrem pelas ideias que colidem com as suas.
Há pessoas para quem a liberdade religiosa se confunde com o direito ao proselitismo e a exigência de conversão dos réprobos. Não lhes passa pela cabeça que a conversão e a apostasia, a ortodoxia e a heterodoxia, a devoção e o agnosticismo, a beatice e o ateísmo são direitos que se inserem na liberdade religiosa que, até hoje, só a laicidade do Estado conseguiu tornar efetiva.
O ódio aos partidos leva a que seja virtude o que é feito à Igreja católica, aos bombeiros, às IPSS e às comissões fabriqueiras das paróquias, e pareça crime o que é decidido, de igual modo, para os partidos políticos.
Penso que não devia haver, em qualquer circunstância, isenções de IVA, embora um anómalo tratado assinado por Durão Barroso e a Santa Sé, mais ruinoso do que o de Methuen (Tratado dos Panos e Vinhos), em 1703, com a Inglaterra, tenham obrigado o Estado português a conceder privilégios vitalícios em troca de eventuais indulgências.
É urgente denunciar a Concordata e acabar com privilégios sem contrapartidas.
Por
Onofre Varela
A Igreja, o Papa e o meu Avô
A Igreja Católica é uma monarquia absolutista de origem divina, com um soberano que detém o título de Papa. O termo designa “pai”. O pai, numa sociedade patriarcal como a nossa, é a autoridade da família, e o Papa é a autoridade da Igreja Católica, a quem os crentes devem mais do que “respeitinho” e vassalagem; também lhe devem adoração e por isso lhe beijam o anel.
A Igreja é uma empresa multinacional que fabrica e comercializa fé, produto de grande consumo só comparável à Coca-Cola, ao McDonald e aos Donuts… todos juntos. Mas não é uma multinacional qualquer! Comprova-o o Catecismo da Igreja Católica de 1992 (presumo que ainda está em uso e sem alteração) que reitera a sua doutrina de que “só a Igreja detém toda a verdade, porque a recebeu íntegra, por revelação directa de Deus, e transmite-a na sua pureza original”.
Ora, sendo Deus um conceito criado pelo Homem da Idade do Ferro, temos, na Igreja (Católica ou qualquer outra), um agente de contrafacção. Um explorador de fé e comerciante de um plágio, do qual se afirma detentor dos direitos de autor.
E mais afirma a Igreja, na Constituição Dogmática Dei verbum, do Concílio Vaticano II: “A verdade de Deus é a sua sabedoria que rege toda a ordem do mundo […] Deus único, criador do céu e da terra […] é o único que pode dar conhecimento verdadeiro de todas as coisas criadas pela relação com Ele […]” cuja verdade se encontra na Bíblia como obra de Deus, pois “a revelação que a Sagrada Escritura contém foi escrita por inspiração do Espírito Santo”.
Esta mitologia católica que é apregoada como “verdade histórica”, vende como pão quente, e os crentes acreditam… porque é esse o papel dos crentes… porém, a fornada saiu queimada!… Esse pão está intragável!… Quem consome deste pão convencido de que é um bom alimento, vai morrer à mingua de sabedoria, pensando que morre sábio! Do mal o menos para o próprio, que nunca soube que não sabia… mas quem por cá fica, alimentando-se do mesmo pão queimado, sem saber o que é a verdadeira qualidade do pão bem temperado, bem levedado e cozido, e do saber verdadeiro alicerçado em ciência, é um ser humano com um índice de qualidade racional… a que nível?!…
Aqui o leitor pergunta: E o que é que tem o teu avô a ver com tudo isso, porra?!…
E eu respondo. O meu avô era um excelente padeiro, tal como o Papa actual é um excelente ser humano. Mas não produzia, só, fornadas impecáveis. Uma vez por outra também deixava queimar a fornada e obrigava-se a deitar fora o pão sem qualidade. A Igreja (todos os cultos religiosos) está precisada de fazer o mesmo. Não venda pão espiritual mal fabricado, e o crente não adore o Papa (ou bispos de outros credos, ou treinadores de outros futebóis), porque o Papa é um homem como eu, como você e como o meu avô… que era um excelente padeiro… mas às vezes deixava queimar a fornada!…
Depois de tantos doces quis provar o sabor amargo da mensagem do Cerejeira, digo, do bispo de turno em Lisboa, o Sr. Manuel Cardeal Clemente. Impediu-me a indolência de mudar de canal, e fui compensado com uma belíssima orquestra a emitir de Londres.
Era o bispo dos colégios amarelos com um discurso de político de segunda categoria. Falou de fogos e de mortos, sabendo-se que os últimos são os da sua especialidade e os primeiros foram apagados com a extinção da Inquisição.
Era uma figura banal a debitar trivialidades. Quando os crentes começam a duvidar dos méritos dos seus bispos, acabam por se esquecer da bondade do seu Deus.
Nem o Diabo lhe vale.
Depois da noite mais longa, como ateu e com respeito por todos os crentes (não tanto pelas crenças) desejo a tod@s um excelente solstício de Inverno, que ontem aconteceu, e um feliz ano de 2018.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.