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22 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Evangélico ameaça matar gays na TV

Com a tolerância cristã que se conhece, o pastor norte-americano Jimmy Swaggart, num programa transmitido pelo canal de Toronto, da televisão canadiana, ameaçou matar gays. Infelizmente para o piedoso clérigo, as leis do Canadá, feitas com o desprezo que a Bíblia merece, os discursos que incitam ao ódio são considerados crime, pelo que tanto o canal televisivo como o fogoso soldado de Deus ficam sob a alçada do Código Penal.

Mas não tenhamos dúvida, o pastor Swaggart é um crente piedoso. Segundo o Levítico os homossexuais devem ser mortos. Só é pena que as leis que criminalizam o incitamento ao ódio não se apliquem aos livros «sagrados».

A exaltação mística do pastor não faz dele uma besta perfeita, porque – segundo os ensinamentos cristãos – ninguém é perfeito. Só Cristo.

22 de Setembro, 2004 jvasco

No Irão

Justiça Iraniana Quer “Desintoxicar” Meio Cinematográfico do País

Um artigo recente do Público revela que, na última cerimónia da entrega dos prémios do festival de cinema iraniano (no passado dia 14), ocorreram “numerosos insultos proferidos contra as regras sagradas do Islão e à propagação da imoralidade” (“mulheres muito maquilhadas, com cabelos visíveis por baixo do véu islâmico, com casacos justos e calças que chegavam até meio da barriga da perna”). Resultado: a polícia dos costumes prendeu o director do festival, Abolhassam Davoudi, e outros responsáveis.

Agora a justiça afirma que “enquanto o Ministério da Cultura [reformador] não faz nada para limpar o meio cultural dos seus membros indignos, o aparelho judicial tem o dever de agir para desintoxicar o espaço cultural dos elementos corruptos”.

Enfim… O Irão é a prova dada que nenhum cidadão deve deixar de batalhar pela laicidade.

21 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

A laicidade também protege os católicos

Joseph Raymond Hanas, um cidadão dos EUA, foi condenado em Janeiro de 2003 num tribunal do Michigan por um crime não violento relacionado com o uso de drogas. O tribunal deu-lhe a escolher entre cumprir uma pena de prisão ou entrar num programa de reabilitação de toxicodependentes. Hanas escolheu a reabilitação.

Nos EUA, desde 1996 que foi decidido confiar alguns destes programas a comunidades religiosas. Após a subida ao poder de George W. Bush, o número destas faith-based initiatives subiu, enquanto o seu financiamento (federal e estadual) aumentou significativamente.

Joseph Hanas foi portanto, e à semelhança do que acontece com muitos sem-abrigo ou alcóolicos em recuperação, enviado pelo Estado para um centro de tratamento de toxicodependentes pertencente … a uma igreja, neste caso pentecostal. O seu «tratamento», conforme descobriu rapidamente, consistia em estudar a Bíblia e assistir aos serviços religiosos pentecostais. Mais, disseram-lhe que só estaria curado quando se tornasse um «cristão renascido» (born again christian)! Ora, Joseph Hanas pensava já partilhar a fé cristã: era católico. Infelizmente, as pessoas pagas pelo Estado para o «curar» não apenas lhe tiraram o seu rosário e a Bíblia católica como o impediram de ver o seu padre. Mais, explicaram-lhe que o catolicismo é uma forma de «bruxaria»…

Quando Joseph H. pediu transferência para outro programa, o juiz entendeu que havia falhado na reabilitação e enviou-o para a prisão. Joseph H. está a recorrer da decisão.

A laicidade é desrespeitada sempre que o Estado financia igrejas. O financiamento de caridades religiosas, em igualdade de circunstâncias com instituições de solidariedade social laicas, não constituiria uma afronta ao princípio de laicidade se não resultasse quase sempre (de forma exacerbada no caso aqui descrito) em proselitismo com dinheiro público. Uma das consequências da laicidade é justamente o Estado, incluindo os seus meios financeiros, não poder ser usado para propagandear uma religião, seja ela maioritária ou não, junto dos cidadãos. Neste caso, a vítima de proselitismo foi um católico. Católicos, defendei a laicidade!

(Informações recebidas do Council for Secular Humanism.)

21 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

A filha pródiga do Vaticano

O Papa João Paulo II está contente com a República Portuguesa. Porquê? Porque «a assinatura da nova Concordata entre a Santa Sé e Portugal, não vem a ser mais do que a expressão viva de um consenso maturado para reforçar a presença desta alma cristã fundada nas profundas relações históricas entre a Igreja Católica e Portugal», disse JP2 ao receber o novo embaixador português junto da Santa Sé, João Alberto Bacelar Da Rocha Paris.

O Papa também agradeceu à República, na entidade do Governo, por se ter batido pela inclusão de uma referência ao Cristianismo na futura Constituição Europeia – «desejo aproveitar esta ocasião para exprimir o meu reconhecimento pela acção do seu Governo em ressaltar a identidade cristã da Europa, e faço votos por que as convicções que dela derivam possam afirmar-se tanto no âmbito nacional como internacional».

João Paulo recordou-se dos dias das suas Visitas Pastorais a Portugal, nomeadamente ao Santuário de Fátima, quando pode «pessoalmente constatar as raízes cristãs dessa Nação abençoada e protegida por Nossa Senhora».

O embaixador Rocha Paris, por seu turno, «sublinhou a ligação secular que une Portugal à Santa Sé, defendeu a língua portuguesa utilizada por milhões de católicos, recordou que Portugal deu origem a mais de um quinto das dioceses em todo o mundo e evocou as recentes posições do Governo sobre a paz no Médio Oriente e em África sobre a defesa da vida, a identidade cristã da Europa e o persistente reforço do estatuto da Santa Sé na ONU».

Ou seja, Portugal continua a ser uma das nações queridas do Vaticano por se bater por uma referência a uma específica religião numa Constituição Europeia – que deve ser uma lei fundamental que se refira a todos os povos e nações independentemente das crenças individuais de todos os cidadãos -, por continuar a perseguir e punir mulheres que fazem aborto e por manter uma convenção internacional que confere especiais vantagens a uma confissão religiosa. Bestial!

21 de Setembro, 2004 André Esteves

ENA!! Uma singela recordação.

Boa conversa, boa companhia. Valeu a pena fazer os 560 kilometros.

Venha o ENA III no final do ano!

20 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

Carta ao «Primeiro de Janeiro»

Publicou o «Primeiro de Janeiro», na sua edição de 19/9/2004, um artigo de opinião do cidadão António Marcelino que impõe alguns esclarecimentos e reparos.

Cumpre-me esclarecer que a Associação República e Laicidade (ARL) existe legalmente há mais de um ano e que, praticando a laicidade internamente, não exige dos seus associados opção filosófico-religiosa alguma, seja ela o ateísmo, o catolicismo ou outra qualquer. Não é portanto uma associação de ateus, embora uma delegação da ARL, preocupada com a discriminação grave a que os ateus continuam sujeitos, tenha participado no encontro de ateus realizado em Lisboa no dia 4/9, onde foi discutida a criação de uma associação ateísta.

No Censo português de 2001 declararam-se sem religião 342 987 pessoas. Estes cidadãos gozam dos mesmos direitos de liberdade de associação e de expressão que permitem às igrejas e comunidades religiosas a sua liberdade religiosa -só inteiramente legítima se sujeita a leis comuns a todos. A laicidade, para além de implicar a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, realiza-se inteiramente na clara separação jurídica da esfera privada -onde se exerce a liberdade individual de adesão a uma convicção e a liberdade colectiva de associação- e da esfera pública -onde o Estado se deve assumir totalmente incompetente em matéria de religião e de convicção e impedir a apropriação do espaço público por qualquer grupo confessional ou filosófico. Justamente por defender que ninguém vale menos por ter ou não ter fé, a ARL defende a liberdade de criação e actuação de grupos de convicção e opõe-se à Concordata (e à Lei da Liberdade Religiosa), pois esta diferencia os direitos dos cidadãos católicos penalizando inevitavelmente os não católicos, nomeadamente ao garantir o ensino da religião católica nas escolas públicas, ao isentar os sacerdotes da obrigação de ser jurado e de depôr em tribunal, ou ao estipular um regime distinto para instituições como a Universidade Católica. A Concordata é tanto mais grave quanto, ao ser aprovada como um tratado internacional, retira ao controlo democrático as regras que se aplicam à Igreja Católica. Desejável seria portanto que a Assembleia da República se abstivesse de aprovar a nova Concordata (previsto para o dia 30/9) e revogasse a velha (assim como a Lei da Liberdade Religiosa), reforçando assim, sem discriminações nem privilégios, a plena igualdade de todos os cidadãos.

Ricardo Gaio Alves (Secretário da Direcção)

(Carta enviada ao «Primeiro de Janeiro» com pedido de publicação)

20 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e o S.N.S.

Os hospitais e as escolas são instrumentos eficazes para a conquista do poder político e social pelas igrejas. Basta reparar como o fascismo islâmico se apodera deles, para exercer o controlo das pessoas e perpetuar a tirania teocrática.

Em Portugal, a ICAR conseguiu privilégios iníquos para a Universidade Católica e, progressivamente, vai tomando conta de residências universitárias, colégios, creches e, pasme-se, até do jogo, através da lotaria nacional e outras apostas que são monopólio da «Santa» Casa da Misericórdia.

Antes da progressiva secularização que substituiu as freiras por enfermeiros nos hospitais, a medicação podia faltar no momento certo, mas não se esqueciam as orações cuja posologia era exemplarmente cumprida. A aspirina para a febre podia esquecer mas o terço para a alma era obrigatório antes da hora de dormir.

Em Portugal a ICAR nunca desistiu de chamar a si uma parcela importante do ensino e da assistência, convenientemente subsidiada por governantes a que mingua pudor republicano e sobra a vontade de salvar a alma. Neste momento, pode estar em curso um golpe da ICAR para reforçar o seu poder no campo da saúde.

No excelente blog Causa Nossa, encontra-se o artigo «Orçamento Rectificativo» cuja publicação devo à amabilidade de Vital Moreira.

Apostila – Agradeço ao leitor Gabriel Silva ter-me chamado a atenção para o facto de a «Santa» Casa da Misericórdia ser gerida pelo Estado e não pela ICAR. Penitencio-me do erro e da confusão. As Misericórdias a que me quis referir são conhecidas em todos os concelhos e reportam ao bispo da diocese. É esta rede imensa que constitui o instrumento de domínio da ICAR.

20 de Setembro, 2004 André Esteves

O que diz Marcelino II

O artigo de opinião publicado no 1º de Janeiro, foi anteriormente publicado como editorial do “Correio do Vouga”, semanário da diocese de Aveiro. É sensivelmente o mesmo artigo, mas reproduzimo-lo na íntegra. Agradeço ao leitor atento que nos fez chegar a publicação deste artigo. (Obrigada!)

O ateísmo português, constítuido em associação

António Marcelino

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação Républica e Laicidade”. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não tm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno não é recente. Tem história que vem de longe, com matizesdiversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antopológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamento o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação de ateus, as diversas associações dos homosexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na terra, como um bem natural, sem qualuqer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstrações”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraquesa ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e têmpero. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. porém, quando se corre o tejadilho que impede de olhar alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não tem em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que as Renas e os Veados dizem a Marcelino

A opinião do Boss, colaborador do Renas e Veados, ao artigo de António Marcelino, que podem ler no post anterior.

Humanismo selectivo

Fui alertado pela Palmira, colaboradora do Diário Ateísta (gosto do novo look), para um artigo do sr. António Marcelino, bispo de Aveiro, publicado hoje n’O Primeiro de Janeiro. A coisa chega a ser delirante, de tão esquizofrénica.

O sr. Marcelino começa por escrever «Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão» – palavras que poucos bispos sentirão de facto, e entre estes não estará certamente o dito.

Voilá! «Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros. É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.»

Uns são “outra gente”, e os bispos são “outros portugueses”. Claro que “esta gente” não nega nada a ninguém, claro que os “bispos portugueses” podem escrever o que bem entendam nos jornais portugueses e até estrangeiros, mas isso é o que importa distorcer. A ideia que “estes bispos” querem passar é que a igualdade de direitos para tod@s, homens e mulheres, hetero e homossexuais, é na verdade uma negação de direitos aos “outros portugueses” – mesmo que rigorosamente nada lhes seja retirado.

De notar ainda que esta associação que o sr. Marcelino faz entre o ateísmo e as associações lgbt é um claro apelo à homofobia, colando gays e ateus, descola os homofóbos do ateísmo, e os gays (visíveis) da igreja católica.

«A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas.» – Someone please call 911!

Um bispo a falar em “tentação do dogmatismo”!?! Seguindo para o “dom da fé”!?! Se for legal o sr. Marcelino devia dizer o que anda a tomar, porque às vezes sabe bem entrar na Twilight Zone, e há para aí muitas mezinhas de convento esquecidas e subaproveitadas, será uma dessas?

Deve ser: «Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.»

Resumindo, quem não acredita em d*** vale menos (deverá ter os mesmo direitos?) e quem acredita e olha para d*** tem maior dimensão e valores humanos, assim tipo terroristas de Beslan, I guess…

É óbvio que não digo o contrário do sr. Marcelino, ou seja, não digo que ser ateu implica por si só ter maior valor e sentido humanista do que um crente. Mas digo que “crença a mais” retira de facto o sentido humanista às pessoas, o exemplo dos terroristas da Ossétia do Norte é perfeito. Quanto aos ateus pouco humanistas, esta falta de humanismo, solidariedade etc nada terão que ver com o facto de não acreditarem em d***, mas apenas com o facto de também não acreditarem nas pessoas. O humanismo e solidariedade é conseguido e praticado entre pessoas de carne e osso, e é conseguido e praticado tratando as pessoas sem discriminações, sem dizer que alguém vale menos que outro, porque não acredita em d***.

Desprezar d*** não magoa ninguém, já desprezar grupos de pessoas magoa muita gente. Onde pára o seu humanismo sr. Marcelino?

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que diz Marcelino

Vem hoje publicado, n’O Primeiro de Janeiro, um artigo de opinião de António Marcelino, bispo de Aveiro, em que o cavalheiro discorre acerca da criação de uma associação de ateus em Portugal.

Será enviada e colocada à vossa disposição, atempadamente, uma resposta ao senhor bispo. Até lá, eis o texto:



O ateísmo português, constituído em associação

por António Marcelino, bispo de Aveiro

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação República e Laicidade” [errata: a associação de ateus que aqui é tratada encontra-se em fase de criação. A Associação República e Laicidade, essa já criada, reúne crentes e não crentes que defendem os valores de um Estado republicano e laico]. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não têm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno do ateísmo não é recente. Tem história que vem de longe, com matizes diversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz o Evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antropológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e de datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamente o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na Terra, como um bem natural, sem qualquer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstracções”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.»