Loading

Categoria: Não categorizado

12 de Fevereiro, 2018 Carlos Esperança

Como se faz um monstro

1885, GUERRA JUNQUEIRO EXPLICA «COMO SE FAZ UM MONSTRO» (EXCERTO DE “A VELHICE DO PADRE ETERNO”)

II
Um dia o pai, um bravo aldeão,
Chamou-o ao pé de si, e disse-lhe:
«João:
À força de trabalho e à força de canseiras,
A moirejar no monte e a levar gado às feiras,
Consegui juntar ao canto do baú
Alguns pintos. Vocês são dois rapazes; tu,
Além de ser mais novo, és mais inteligente.
Vou botar-te ao latim; quero fazer-te gente.
Hás-de me dar ainda um grande pregador.
Hoje padre é melhor talvez que ser doutor.
Aquilo é grande vida; é vida regalada.
Olha, sabes que mais? manda ao diabo a enxada.
Aquilo é que é vidinha! aquilo é que é descanso!
Arrecada-se a côngrua, engrola-se o ripanço,
Arranja-se um sermão aí com quatro tretas,
Vai-se escorropichando o vinho das galhetas,
E a missa seis vinténs e doze os baptizados.
Depois, independente e sem nenhuns cuidados!
Olha, João, vê tu o nosso padre cura:
É, sem tirar nem pôr, uma cavalgadura.
Vi-o chegar aqui mais roto que os ciganos;
Pois tem feito um casão em meia dúzia d’anos.
Isto é desenganar; padres sabem-na toda…
É o sermão, é a missa, é o enterro, é a boda.
É pinga da melhor, e tudo quanto há!

Quando o abade morrer hás-se vir tu p’ra cá.
Despacha-te o doutor nas cortes; quando não
Votamos contra ele, e foi-se-lhe a eleição
Mas que é isso, rapaz? Nada de choradeira!
É tratar da merenda, e quinta ou sexta-feira
Toca pró seminário. Eu quero ir para cova
Só depois de te ouvir cantar a missa nova.»

11 de Fevereiro, 2018 Carlos Esperança

ACREDITAR EM DEUS

Por

ONOFRE VARELA

Um dia perguntaram ao filósofo Agostinho da Silva à “queima-roupa”, sem mais nem para quê: “Acredita em Deus?” Ao que ele respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não merece crédito de existência real para além do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma.

O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual, mas tem personalidade e forma, produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, dá e tira, e reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar. Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudáveldefinitivamente, nãopode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de um aborto com tais poderes!

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os levasse, por ventura, a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Seria mais razoável enfrentarem os factos contrários à sua fé, analisá-los com isenção, e concluírem depois. Acredito que se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioriados seus adeptos por terem adquirido conhecimento de causa.

A ignorância produz fé religiosa, e a informação, elimina-a. A fé medieval que hoje ainda habita o pensamento da maioria dos crentes não é compatível com a nossa época, na qual as Ciências Humanas e Naturais arruinaram definitivamente as premissas doutrinais e os dogmas religiosos que pertencem, cada vez com mais consciência, ao reino da fábula. Na crença entregámo-nos ao sonho mais inconcretizável, e à simulação. Somos vítimas de alucinações… e só um “cego mental” não vê!

Para o princípio da causa das coisas, os mais empedernidos religiosos defendem o Génesis contra a Ciência, e muitos crentes deixam-se enredar, não conseguindo ter um pensamento com mais substância! Para uma mudança de atitude, bastaria quese entendesse uma coisa tão simples como isto: Para produzir umrefeição tãocomum e rotineira, como é um ovo estrelado, é necessário, no mínimo, a existência de cinco elementos prévios. A saber: 1 – O ovo; 2 – Uma gordura; 3 – Um recipiente resistente ao calor; 4 – Uma fonte de calor capaz de fazer ferver a gordura; 5 – O cozinheiro, que prepara o cenário e parte o ovo sobre a gordura, esperando o momento certo para o retirar e servir.

Sem estes cinco elementos podemos ter muita vontade de comer um ovo estrelado, e por mais que rezemos na esperança de que o ovo apareça estrelado à nossa frentenunca mais saciaremos a nossa vontade, e morreremos ougados por um ovo!

Do mesmo modo, quem crê no Génesis (na Criação) negando a Evolução, pode morrer muito religioso… mas, também, muito ignorante!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

 

6 de Fevereiro, 2018 Carlos Esperança

A mutilação genital feminina (MGF) – 6 de fevereiro de 2018

«As mães não têm poder de decisão nos casos de mutilação genital feminina porque acontece serem os pais quem obriga as meninas a submeterem-se a esta prática, segundo denuncia a presidente da Associação Humanitária contra la Ablação da Mulher Africana (AHCAMA), Aissatou Diallo.»

Oito mil crianças do sexo feminino são vítimas em cada dia que passa, mais por pressão dos pais do que das mães.

Leio no “Publico. Es” e não consigo imaginar o indizível sofrimento de quase 3 milhões de crianças a quem a religião e o tribalismo mutilam em nome da tradição. Não há uma só crueldade contra a mulher que não encontre justificação na tradição misógina das tribos patriarcais da Idade do Bronze. Grave é permitir que os costumes que chocam a civilização, matam e mutilam mulheres, encontrem na Europa oportunidade para se perpetuarem.

Este costume troglodita, de origem animista, não é apanágio do islamismo. Praticou-se entre os cristãos coptas e outras comunidades, mas hoje perdura apenas em contexto islâmico e estima-se que existam mais de 100 milhões de mutiladas.

O testemunho da presidente da AHCAMA, ela própria uma vítima que carrega, desde os 8 anos, a dor a que a condenaram, mutilada para a impedir de ser mulher e dispor do prazer que negaram à máquina reprodutiva em que decidiram transformá-la.

A sua luta é a luta de todos nós, homens e mulheres, que seremos cúmplices se nada fizermos para pôr fim à barbárie.

3 de Fevereiro, 2018 Carlos Esperança

Citação

«QUANDO SE TRATA DE DINHEIRO, TODOS TÊM A MESMA RELIGIÃO.»

(Voltaire)

30 de Janeiro, 2018 Luís Grave Rodrigues

O Prémio

27 de Janeiro, 2018 Carlos Esperança

À conversa com o pregador João César das Neves

Há mais de 11 anos

A homilia, de hoje, do santo pregador católico, João César das Neves, é portadora de avanços teológicos (V/ Diário de Notícias) no que diz respeito ao domicílio do Inferno (sito no Céu em regime de sublocação).

JCN – Vivemos numa daquelas raras épocas que não sabe bem o que pensar acerca do Céu e do Inferno – diz com a sabedoria dos eleitos, do Papa e da irmã Lúcia. Deixa-nos a convicção de que sabe muito bem, não por ouvir dizer, mas, tal como Bush, por falar com Deus.

Diário Ateísta: (em pensamento) O raio dos alcalóides!

JCN – O segundo elemento desta questão é que Deus nos ama apaixonadamente, a todos e a cada um, porque «Deus é amor» (1 Jo 4, 8 e 16). Assim, na Sua própria natureza, Deus quer a total felicidade para qualquer pessoa. Isso significa que Deus não condena ninguém. Ele leva sempre todos para o Céu.

D. A. – Com a paixão, Deus manda guerras, terramotos, maremotos, epidemias, pragas e outras manifestações da sua infinita bondade para mais depressa chamar as pessoas ao gozo da sua divina companhia.

JCN – Deus quer a total felicidade para qualquer pessoa. Isso significa que Deus não condena ninguém. Ele leva sempre todos para o Céu.

D. A. – Então o Inferno está às moscas!?

JCN – Tal significa que há zonas do Céu em que o egoísmo elimina o amor, em que a violência e o prazer são os objectivos, em que o orgulho expulsa o próprio Deus. A essas zonas do Céu chama-se Inferno.

D. A. – (verificando que Deus se converteu à economia de mercado e aproveita o direito de sublocação) – Então o Diabo existe?

JCN – Claro que existe (…) de facto, quando deixámos de acreditar nessa personificação maléfica, baixámos as defesas e passámos a tolerar algumas das suas manifestações mais horríveis. Aborto, depravação, pornografia, gula, arrogância, e muitas outras, são hoje vistas como anedotas, expressões de personalidade, traços culturais, comportamentos excêntricos. Por isso o Diabo nunca foi tão visível como desde que deixámos de falar dele.

D. A. – Ah! E isso do lago do fogo, do Juízo final, dos condenados?

JCN (com evangélica paciência) – Trata-se simplesmente de uma forma sugestiva e colorida de dizer o mesmo, como uma mãe que assusta o filho com o papão se ele mexer em fósforos ou fichas eléctricas. O nosso tempo age como o rapazola insolente que, descobrindo que não há papões, vai meter os dedos na tomada de corrente.

Nota: As frases de JCN e algumas do Diário Ateísta são da homilia – «Ideias claras sobre o essencial».

21 de Janeiro, 2018 Carlos Esperança

Texto divulgado por Alfredo Barroso

SOBRE ORGIAS NO VATICANO E OUTRAS “PEQUENAS FESTANÇAS”
– por François Reynaert (*)

Nos momentos difíceis, é preciso saber encontrar o apaziguamento no longo rio da História. Consideremos então o “fait divers” proveniente de Roma que veio apimentar o início do Verão [de 2017]: chamada por vizinhos já exasperados por uma incessante barulheira, a polícia italiana irrompeu, no final de Junho [de 2017], por um prédio situado no Vaticano, acabando por descobrir o que foi descrito como uma “orgia gay”. Com eclesiásticos, “go-go boys” e cocaína à tripa-forra. Acontece, por outro lado, que a residência em questão pertence à piedosa Congregação para a Doutrina da Fé e que o organizador da “pequena festança” era o secretário particular de um dos cardeais mais importantes da Cúria, e estava em vias de se tornar bispo. Este prelado, que terá certamente de esperar um pouco mais antes de obter a promoção, foi encontrado num estado tal que justificou o seu internamento urgente para efectuar uma cura de desintoxicação. Não são muitos os detalhes sobre o caso – o que se lamenta. Mas não se duvida que vai causar mais preocupação ao Papa e a alguns católicos mais aflitos.

Como convencê-los a não ficarem assim tão preocupados com este caso? Antes de mais, contrariamente ao que a Imprensa se apressou a repetir em contínuo, este caso nada tem de um “novo escândalo sexual” a abater-se sobre a Igreja. Recordemos que os últimos escândalos que vieram à baila foram atrozes histórias de pedofilia. O “fait divers” de Junho [de 2017] tem a ver com adultos que sabiam perfeitamente o que estavam a fazer. A História poderá ser, também, de grande ajuda para relativizar os desvios de comportamento que agora foram descobertos. No que se refere a “desordens contra natura”, como dantes se dizia, o trono de São Pedro já viu muitas outras.

Confessemos, todavia, que a tradição específica de que se está a falar não é fácil de apreender, porque se mistura frequentemente com outras tradições. No século X, por exemplo, durante um período mais tarde baptizado como da “pornocracia pontifícia” (904-963), Roma está sob o domínio duma poderosa família que impele os Papas a todos os excessos, para fazer deles os seus fantoches. Mas parece que as rédeas da Igreja estavam sobretudo nas mãos das cortesãs, o que nos afasta do nosso tema. O famoso grande cisma do Ocidente (1378-1417), esse período em que o trono de São Pedro, dividido entre Avinhão e Roma, é disputado por dois Papas e às tantas por três, oferece-nos igualmente um momento propício. Mas também aqui os excessos que nos interessam são submergidos por outros. Assim, o Antipapa João XXIII, posto em julgamento pelo Concílio de Constança, é acusado de ter praticado a sodomia com monjes – um clássico – mas também de outras “preciosidades”, entre as quais a violação de mais de 300 monjas, de modo já não se sabe a que diabo nos devemos confiar.

Faustosa sob todos os pontos de vista, a Roma pontifícia da Renascença é a das grandiosidades artísticas – basílica de São Pedro, capela Sistina, Miguel Ângelo, Rafael, Bramante e toda essa parafernália – mas também a de outras proezas. Alexandre VI (1492-1503), um dos dois Papas Bórgia, orienta-nos para uma falsa pista. Obcecado em provocar a perda do belo Astorre Manfredi, que lhe recusara a sua moradia de Faenza, diz-se que o terá violado antes de o mandar lançar ao rio Tibre. Mas é uma acusação sujeita a caução. Uma outra das sua proezas, devidamente confirmada por um prelado alsaciano em serviço no Vaticano, é digna de fé mas claramente heterossexual: em 31 de Outubro de 1501, mandou vir 50 prostitutas para as proporcionar à sua corte, submetendo-a a uma espécie de concurso de virilidade, arbitrado pelos seus próprios filhos, os célebres César e Lucrécia Bórgia.

Em matéria de vício italiano, como se dizia nessa época, mais vale recorrermos ao Papa Sisto IV (1471-1484), que passava por escolher os seus cardeais exclusivamente por critérios físicos. Ou ao Papa Júlio III (1550-1555), cujo primeiro acto que praticou, logo que a tiara pousou na sua augusta fronte, foi nomear cardeal o seu jovem favorito, de 17 anos de idade, do qual nunca se separava, nem mesmo para dormir. Com tal golpe, o detalhe causou escândalo. A época tornou-se mais dura. Entretanto, aconteceu o cisma da Reforma, cujo mundo protestante festejou meio milénio [em 2017]. Contrariamente ao que por vezes se escreve, Lutero não rompeu com Roma por causa dos deboches que ele viu multiplicarem-se durante uma viagem que fez em 1510. O grande escândalo, a seus olhos, era a venda das indulgências, isto é, a possibilidade que os cristãos tinham de comprar a sua salvação a troco de dinheiro, comércio que foi relançado por Leão X (1513-1521) para financiar a edificação da basílica de São Pedro. Assim sendo, uma vez consumada a ruptura, os ataques vindos dos luteranos e, sobretudo, dos muito puritanos calvinistas, contra « a nova Babilónia» ou «a grande prostituta romana», terão quase sempre o seu alvo abaixo da cintura. Roma sente que é preciso impor a calma nesse lado. Após o concílio de Trento, Pio V (1566-1572) decreta o fim da recriação e impõe aos seus palácios e ao seu clero um estilo asceta. Aqueles que querem continuar a divertir-se deverão fazê-lo com discrição…

(*) Texto publicado no semanário francês “L’OBS” em 3 de Agosto de 2017