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8 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas Piedosas

Holanda – O realizador Theo van Gogh foi sucessivamente baleado, esfaqueado e degolado como represália pelo documentário em que denunciou o tratamento bárbaro a que os muçulmanos do Magreb sujeitam as mulheres. O islão é uma religião de paz.

Évora – A abertura do ano escolar contou com um colorido travesti – o bispo da diocese -, que, com as vestes talares, deu um toque de exotismo às cerimónias fúnebres do início do ano lectivo. O que faz um bispo, numa universidade do Estado, sem estar matriculado?

Bíblia manuscrita – Os presidentes da República, da A.R. e do Tribunal Constitucional acolitaram o patriarca Policarpo na promoção comercial do maior êxito editorial de sempre, embora com poucos leitores. Os copistas, em vez dos 35.700 versículos, não fariam melhor em divulgar Camões, Aquilino ou Saramago?

Evangelização – Um crente entrou dentro de uma jaula de leões para lhes garantir: «Jesus irá salvar-vos». As feras, com pouca fome e menos fé, limitaram-se a arranhar o piedoso pregador, deixando-o nas mãos dos funcionários do zoo em vez de o enviarem directamente para o Paraíso.

8 de Novembro, 2004 jvasco

Baptizar ou não baptizar, eis a questão

Deverão os pais ateus, agnósticos ou cristãos baptizar os filhos? A opção que tomarem deve depender a da fé que têm? Devem dar a opção aos filhos? A partir de que idade deverão estes estar aptos a optar em consciência?

Actualmente, na generalidade, os pais cristãos baptizam os filhos pouco depois do nascimento, e os pais não-crentes não o fazem, preferindo esperar que os filhos tomem uma decisão a esse respeito.

A decisão dos cristãos costuma ser justificada recorrendo ao seguinte argumento: caso o filho acabe por escolher afastar-se da fé, não terá perdido coisa alguma em ter passado por um ritual ao qual não atribui qualquer significado espiritual.

A decisão dos não-crentes pode encontrar diferentes justificações (gosto muito das que são expressas neste texto), mas baseia-se, em geral, no respeito pelas decisões que os filhos queiram vir a tomar.

Em relação à atitude dos cristãos, o argumento que apresentam para justificar a sua opção não é mau de todo… Mas não é inteiramente correcto: sucede-se que a Igreja, para fins estatísticos, considera como «parte do rebanho» todos aqueles que se baptizaram, mesmo um não-crente que tenha sido baptizado em bébé contra a sua vontade.

Existe uma forma de dar a volta a isso, é possível desbaptizarmo-nos. Mas creio que a maioria daqueles que foram baptizados e deixaram de crer simplesmente não está para isso. Por essa razão, considero que seria mais honesto que as diferentes igrejas cristãs deixassem de considerar como crentes todos aqueles que se baptizaram. As respostas nos censos, com todas as suas limitações, são indicador muito mais fiável do número de crentes.

De resto, colocam-se algumas questões aos pais não-crentes: imaginemos que o filho se quer baptizar. Os pais deverão permitir que o filho o faça assim que o quiser, ou deverão esperar que ele tenha determinada idade, para que tenha plena consciência da sua decisão? Que idade é essa? A questão também se complica se pensarmos nos rituais de iniciação de outras religiões. Nesse caso a decisão pode ter efeitos práticos mais visíveis, e ser irreversível. A circuncisão é tolerada na nossa cultura, mas a excisão já nos parece bárbara de mais (embora se pratique nos bairros degradados de Amadora e Oeiras, por exemplo).

Muitas religiões encorajam os pais a tomarem estas decisões pelos filhos, mesmo quando os filhos, caso deixem de ser crentes, não possam simplesmente ignorar as consequências dos ritos de iniciação, ou lamentá-las profundamente. A lei portuguesa concede auto-determinação religiosa aos 16 anos. Será demasiado cedo ou demasiado tarde?

PS: Não esqueçamos que há religiões que não aceitam a apostasia e que a punem com a morte…

7 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Deus está em parte incerta

Deus, cansado das asneiras que fez, das maldades que praticou ou envergonhado dos seus preconceitos, afastou-se para lugar incerto e, depois da invenção da escrita, nunca mais deu sinais de vida. A Revolução Francesa veio criar um habitat incompatível com a presença divina. O sufrágio universal reduziu-o à sua insignificância e, por não se ter inscrito nos cadernos eleitorais, passou a valer menos do que qualquer eleitor.

Aqueles truques que fazia no Mar Vermelho, as brincadeiras com que embasbacava os primitivos, contrariando as leis da Física, os milagres que exibia para estupefazer os terráqueos, tudo isso foi sendo desmascarado pela ciência ao mesmo tempo que o progresso criou espaços de liberdade que um Deus violento e autoritário não podia suportar. Tal como o patrão que arruinou a fábrica, desapareceu, indiferente à sorte dos operários e fiéis servidores, e nunca mais foi visto nem levado a juízo.

Claro que os empregados mais devotos, os espíritos mais timoratos e os oportunistas mais descarados continuaram a garantir a sua existência e a ameaçar com os castigos de que ele era capaz. Procuram fabricar indigentes mentais como os que em Portugal esperam por D. Sebastião ou aliciar oportunistas com benefícios garantidos, mas sem grandes resultados práticos.

A excomunhão e a fatwa são duas armas que permanecem carregadas de ódio, o Inferno é ainda um destino com que os clérigos assustam os incréus, a penitência e a oração continuam a fazer parte das penas suaves, sempre que meios mais expeditos não são consentidos: a lapidação, a fogueira, a decapitação, a amputação de membros, a explosão bombista e outras manifestações da justiça, aviadas a mando de clérigos com procuração divina, para supremo deleite do Todo-Poderoso.

Ultimamente Deus começou a imiscuir-se, em rigorosa clandestinidade, nos processos eleitorais. Em países democráticos faz pender o prato da balança eleitoral para o lado pior, nos outros vai impedindo eleições com o argumento de que a lei divina não é passível de julgamento pelos homens. Há suspeitas de que Deus visitou recentemente os EUA, passa largas temporadas no Médio Oriente, percorre os países mais pobres de África e anda em campanha por algumas repúblicas da antiga URSS. Onde lhe cheirar a sangue, Deus não falta, para dilatar a crueldade.

Há, contudo, um método, destinado à multiplicação da espécie humana, que lhe saiu mal – a reprodução por estaca (usou um ramo «costela» de um indivíduo para o duplicar). Os humanos descobriram outro método muito mais fácil e imensamente mais agradável. Dizem os beatos que é um método obsceno, apenas tolerável para fazer filhos e nunca para obter o mais leve prazer. Pensa-se que este método tinha-o Deus reservado para o fabrico de tractores mas os humanos apropriaram-se dele muito antes de os tractores terem sido inventados sem ajuda divina.

6 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Génese do Fundamentalismo

«Primeiro eles vieram atrás dos comunistas e eu não disse nada porque não era comunista.
Depois vieram atrás dos judeus. E eu não disse nada porque não era judeu.
Depois vieram atrás dos sindicalistas. E eu não disse nada porque não era sindicalista.
Então vieram atrás de mim. E já não havia mais ninguém para falar por mim.
» Martin Niemöller, pastor protestante alemão em resposta à pergunta como foi possível o Holocausto.

Um epifenómeno de crises económico-sociais consiste na eclosão de movimentos (religiosos, políticos e, principalmente, misturas explosivas de ambos) que se caracterizam por um radicalismo intolerante, um integrismo de todos os aspectos do quotidiano da polis e a assunção do papel de protectores e detentores da VERDADE ABSOLUTA. Este fenómeno, na sua vertente explosiva, agudizou-se nos últimos anos por todo o globo, propiciado por factores políticos, económicos e culturais sortidos, que exponenciaram a adesão a movimentos religiosos em que os crentes, professando a aceitação da verdade revelada (re)interpretada por esses grupos, se amparam emocionalmente numa grande família de fiéis, satisfazendo o ancestral sentimento de pertença.

Estes movimentos, a que nos habituámos designar por fundamentalistas, podem ser encontrados na Cristandade ocidental (Protestante ou Católica), no Judaísmo, Budismo, Hinduísmo e, sobretudo, no Islão. O fenómeno do fundamentalismo religioso, em especial o terrorismo de inspiração religiosa, é assim um dos mais sérios problemas contemporâneos, afectando em menor ou maior grau todos os países, e colocando questões de difícil resolução à Comunidade Internacional.

Hoje alargada para além do seu significado original, a expressão «fundamentalismo» remonta ao princípio do século XX, mais concretamente a 1909, data em que foram redigidos os «Fundamentals» textos de natureza doutrinária elaborados por teólogos de confissões protestantes. Estas publicações pretendiam consagrar o património sagrado insusceptível de negociação, passando os seus apoiantes e seguidores a serem conhecidos por «Fundamentalists».

Os movimentos religiosos que se apoiaram nestes documentos passaram a defender a doutrina do literalismo bíblico. Ou seja, foi reforçado o facto de a Bíblia ter inspiração divina, e portanto, infalível em todas as questões, isto é, «a Bíblia nunca se engana». Por outro lado, estes movimentos protestantes norte-americanos assumiriam uma postura que viria a ser muito característica dos movimentos fundamentalistas, e que se prende com a sua natureza política. Os fundamentalistas caracterizam-se pela sua oposição a tudo o que possa, de alguma forma, colocar em causa a autenticidade e pureza dos valores religiosos e da subjacente filosofia de vida suposta «superiormente» determinada. Como tal, são visceralmente opostos ao laicismo.

A origem dos fundamentalismos em sentido lato pode ser encontrada no Wahabismo (ou salafismo, como foi exportada para o exterior esta vertente do islamismo), que advoga uma interpretação literal do Corão e dos preceitos islâmicos. Fundado por Mohammad ibn Abd al Wahhab em meados do século XVIII, cuja aliança com Mohammad ibn Saud, ofereceu aos Saud uma missão religiosa claramente definida na qual eles basearam (e baseiam) a sua autoridade política.

Mas os fundamentalismos com expressão nacional, que constituem hoje em dia uma das principais fontes de violação dos direitos e liberdades fundamentais já que assentam na transposição para o âmbito jurídico e político de dogmas religiosos, como a Sharia, não se esgotam nos vários fundamentalistas islâmicos. E nem sempre correspondem a ditaduras impostas. Podem ser sufragados como testemunhámos há uns anos na Argélia e é o cenário mais provável no Iraque actual… E esperemos ardentemente que o não tenha sido na nação que primeiro adoptou a laicidade!

Mesmo a laica Europa, nomeadamente os países em que a religião dominante é o suposto mais moderado catolicismo (do concílio Vaticano II) não estão imunes à ameaça do fundamentalismo religioso. Como demonstrou o episódio Rocco Buttiglione e reiteram os discursos, cada vez mais frequentes, de altos dignatários da Igreja de Roma que apontam a laicidade como fonte dos males da Europa e do Mundo.

Faleceu há uns dias o padre francês Louis Bouyer que, em 1968, previa o advento do integrismo católico como reacção ao «laicismo» provocado pelas reformas do Concílio Vaticano II, expresso no livro polémico: «A decomposição do catolicismo».

De facto, uma das faces do fundamentalismo católico é o Integrismo Católico, com principal mentor no Arcebispo Marcel Lefebvre. Na obra «Acuso o Concílio», Lefebvre expõe uma suposta conspiração que culminou na aprovação de um conjunto de reformas que ameaçam a Igreja Católica, reformas essas inspiradas em movimentos que a pretenderiam de facto destruir: o modernismo, a laicidade e o liberalismo.

Os sinais da negação do concílio Vaticano II são fáceis de ler. Em pormenores aparentemente tão irrelevantes como a quase consumada revogação da Novus Ordo Missae de Paulo VI iniciada pela Instrução da Congregação para o Culto divino Redemptionis Sacramentum que reafirma a encíclica «Ecclesia de eucharistia», na qual são condenados veementemente os intitulados «abusos litúrgicos».

Mas pormenores que se repetem na encíclica «Veritatis splendor» que condenou todas as orientações progressistas no campo da moral cristã. Ou na «Fides et ratio», que reafirma o valor do conhecimento místico intrínseco à fé. E no pedido do Papa João Paulo II aos seminários de Teologia para retomarem enfaticamente o estudo de Tomás de Aquino e, consequentemente, a defesa dos valores cristãos medievais. E finalmente na «Dominus Jesus», documento da Congregação para a Doutrina da fé que nega o ecumenismo e afirma a irredutibilidade do Cristianismo a apenas mais uma religião dentre as outras, a um pensamento de algum modo assimilável a outras mensagens religiosas.

Com expressão crescente em Portugal existem outras faces (menos explícitas) do fundamentalismo católico, a Opus Dei e o Movimento Comunhão e Libertação. E, como nos alerta um post de leitura indispensável do Pula Pulga, Os subterrâneos da escravidão, continuado n’Os Buttiglione de cá:

«A Comunhão e Libertação tem ramificações bem definidas no tecido social português. Lá, nos subterrâneos da escravidão, trabalha-se afincadamente. Cá, onde nos entretemos com os blogs, cremos que os subterrâneos da liberdade fazem parte de uma história longínqua do autor de Gabriela, Cravo e Canela. Podemos despertar tarde de mais.»

6 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

O Presidente da República e a Bíblia

A Sociedade Bíblica de Portugal tem um marketing agressivo cuja legitimidade se não contesta. Tentar atrair patrocinadores e figuras de destaque para a promoção do seu único produto – a Bíblia – é um direito que lhe assiste.

Há, todavia, dois aspectos que me repugnam:

– que o projecto tivesse sido declarado como sendo «de superior interesse cultural» pelo ministério da Cultura embora, neste caso, fosse uma forma de ter ficado a saber que o actual Governo tinha um ministério com esse nome;

– a presença do Presidente da República, bem como dos presidentes da A. R. e do Tribunal Constitucional constituem um lamentável patrocínio a uma actividade privada, com grave prejuízo da ética republicana e do princípio da separação das Igrejas e do Estado.

Quanto ao PR, por quem nutro grande estima pessoal, e sem quebra do respeito que lhe é devido, fico perplexo com a sua presença. Também não gostaria de o ver no lançamento de um projecto ateísta, igualmente respeitável, e muito mais adequado às suas convicções.

A vitória de Bush, que prometeu apelar à fé (espera-se que com entusiasmo equivalente ao de Bin Laden), vai contaminando o mundo onde a interferência das igrejas na política se manifesta cada dia mais perigosa.

5 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Os coitadinhos

O presidente da Conferência Episcopal Francesa, arcebispo Jean-Pierre Ricard, deu a conhecer ao mundo, na passada quinta-feira, as graves dificuldades encontradas pela ICAR desde que é aplicada a lei que interdita os símbolos religiosos ostensíveis nas escolas públicas.

Jean-Pierre Ricard afirmou que «o medo de um Islamismo militante tem sido acompanhado de uma vontade de restringir as expressões da liberdade religiosa para todas as religiões» e criticou os defensores de uma «secularização completa da sociedade» e da expressão escola pública, santuário da República, em que as religiões ficam à porta». A questão é que só se pode assegurar efectivamente a laicidade do ensino público se as religiões não se imiscuírem nesse universo, atropelando-se umas às outras e atropelando aqueles que não têm religião. Quanto ao problema da secularização da sociedade, a igualdade, independentemente da crença, só pode ser assegurada se não houver um benefício de determinada organização religiosa.

O arcebispo, citando o seu superior, João Paulo II, afirmou que «não pode haver liberdade religiosa se não houver liberdade de expressão e a possibilidade de comunicação do pensamento». Aqui há que dar razão ao prelado. No entanto, o Estado francês não impede ninguém de dizer o que pensa. De facto, qualquer direito fundamental admite determinadas restrições em nome da protecção de outro direito fundamental e é isso o que se passa: o direito ao uso de símbolos religiosos (que pode ser inserido no direito à livre expressão) é limitado em nome da defesa do princípio da laicidade.

4 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Perigo da religião na política

No rescaldo da vitória eleitoral de Bush (Diário as Beiras, 04-11-2004), o pio colunista Joaquim Cardoso Duarte (JCD) reincidiu numa homilia mansa, contra o laicismo, no artigo «A importância da religião na política». Importância ou perigo?

Ao regozijar-se por Bush e Kerry serem ambos crentes, assinala que «o grau de pertinência e de conformidade com a fé é claramente maior em G. Bush (…) nomeadamente (…) no aborto». Podia referir que outros americanos, cujo grau de pertinência e de conformidade com a fé é mais exuberante, não hesitam em matar médicos e enfermeiros que trabalham em clínicas que procedem a práticas abortivas.

A explicitação da fé, comum nos políticos americanos e que tanto satisfaz JCD, não contém Bush no entusiasmo pela pena de morte, no gosto por guerras preventivas, na complacência pela tortura nem no desprezo pelo direito internacional. O cristianismo ficaria melhor servido se ele calasse as suas convicções religiosas.

«Os americanos não têm vergonha nem preconceitos sobre a religião e essa é certamente uma das marcas da sua grandeza» – escreve JCD. Com este argumento teremos de concluir que a demência do fascismo islâmico pede meças, na sua grandeza, ao ar beato alardeado por Bush. Os muçulmanos têm ainda maior orgulho na religião e assassinam com mais fé. As religiões, que se odeiam entre si, não admitem o ateísmo. Por que razão Bertrand Russell foi impedido de leccionar nos EUA, onde as pessoas, ainda hoje, temem confessar-se ateias?

Liberdade religiosa é o direito de praticar qualquer religião ou de não praticar, de mudar de credo ou de prescindir dele. É esse o direito em França, que JCD abomina, e nas outras democracias.

Deixou-me perplexo a referência a «uma Europa que não deixava lugar para a expressão das suas convicções religiosas». Quando existiu essa Europa? Houve, isso sim, um tempo em que quis submeter todos à religião única e impor o Papa como chefe indiscutível. Com excepção do Vaticano há hoje algum Estado europeu sem liberdade religiosa?

O que parece incomodar JCD é o direito à heresia, à apostasia e ao ateísmo, sem que o braço secular submeta os réprobos ao conforto das masmorras e ao aconchego das fogueiras mas, por muito que lhe custe, nas democracias a excomunhão e a fatwa perderam valor jurídico e todos são livres de terem a religião que quiserem, de a abandonarem ou substituírem e de prescindirem de qualquer uma. Reside aí a base das sociedades laicas e tolerantes da União Europeia.

Apostila: Este texto foi enviado ao Diário as Beiras em resposta ao artigo referido.

4 de Novembro, 2004 jvasco

Parasitas da Religião

Será que os ateus precisam de estar sempre a falar da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR)? Da religião? Será que não são parasitas da religião, no sentido em que tanto daquilo que escrevem e dizem gira á volta dela?

A resposta às duas primeiras questões é negativa. A maioria dos ateus não quer saber da ICAR, não pensa no assunto, lembra-se que é ateu quando isso vem a propósito, mas vive a sua vida ignorando as questões religiosas. Por enquanto isso é possível nas sociedades ocidentais, que não sendo completamente laicas, são-no em comparação com as sociedades de outros países menos desenvolvidos.

Esse não é o nosso caso. Nós, naquilo que escrevemos, falamos bastante sobre religião. Isso é porque, além de ateus, somos críticos em relação aos abusos da religião, ao fundamentalismo, à promiscuidade entre as instituições religiosas e o Estado, à superstição em geral, aos ataques ao laicismo e à liberdade. A defesa do ateísmo por si encontra aqui um espaço que gosto de aproveitar. Mas a denúncia e crítica em relação às religiões tem neste blogue toda a pertinência, já que, não sendo um espaço religioso, elas podem fazer-se com toda a liberdade.

Tornar-nos-á essa atitude «parasitas da religião»? Parece-me que a própria pergunta é um disparate. Denunciar os abusos de uma instituição, referindo-a por consequência, reflecte um desejo de mudar a sociedade, e apenas isso. Quem combateu o nazismo era necessariamente um parasita do nazismo? Quem combate o crime, a fraude fiscal, a pobreza, é parasita destes males? Quem combate a ditadura ou a opressão, o racismo, o obscurantismo, será legitimamente considerado parasita da entidade que critica pelas vezes que a refere? Os ecologistas poderão ser considerados «parasitas da poluição» pelo facto de se preocuparem tanto com ela?

Eu não estou a comparar os abusos religiosos aos males referidos, se bem que em certas zonas do globo, e mesmo cá, em certas alturas da história, alguns deles sejam bem comparáveis. Nem sequer dedico à denúncia dos abusos religiosos o esforço que outros dedicaram a combater males mais graves. Mas a ideia de que o facto de alguém se preocupar negativamente com uma entidade significar que a pessoa é «dependente» dessa entidade é uma ideia patética, mas infelizmente comum.

Este Diário é lido por crentes, agnósticos e ateus. Parece-me que a forma mais saudável, da parte dos primeiros, de reagir às denúncias que fazemos, é acompanhar a nossa indignação e distanciar a sua crença dessa situação em concreto. Eu sou livre de discordar: de poder pensar que os abusos decorrem mais facilmente em instituições baseadas naquilo que considero ser superstições, do que noutras instituições com o mesmo poder e importância, com outras formas de controlo. Mas sei que se mais crentes reagissem dessa forma, certamente haveria menos abusos para denunciar. Alguns dos crentes que conheci pessoalmente, com quem tive oportunidade de conversar ocasionalmente, ou que nos visitam, reagem dessa forma que considero louvável. Outros não.