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21 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

O marginal

O Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), criticou a «marginalização de Deus» e afirmou que a ausência de Deus apenas gera «auto-destruição».

O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé mostrou-se também preocupado com o que considera uma «agressividade ideológica secular» e deu como exemplo o caso de um pastor protestante na Suécia, que foi preso durante um mês por «pregar sobre a homossexualidade com base numa passagem da Escritura». É altamente provável, conhecendo as passagens da Bíblia que se referem à homossexualidade, que o pastor estivesse a incorrer num crime de incitamento à violência contra determinado grupo. Mas isso devem ser pormenores que escapam à visão mais alargada do Cardeal.

Falando sobre a presença da Igreja na sociedade, Ratzinger afirmou que a corrente radical do laicismo «já não quer ser um elemento de neutralidade, que abre espaços de liberdade para todos» e que «o laicismo começa a transformar-se numa ideologia que se impõem, através da política, e não concede espaço público à visão católica e cristã, a qual se arrisca a tornar-se uma coisa puramente privada e, no fundo, mutilada». O Cardeal fala numa «luta» contra a imposição de uma ideologia «que se apresenta como se fosse a única voz da racionalidade». Trocando isto por miúdos, tudo estaria bem se a laicidade deixasse que a Igreja continuasse a dar as cartas na «res publica» e a influenciar directamente o poder político.

Ratzinger defendeu que «a justa laicidade é a liberdade de religião: o Estado não impõe uma religião, mas dá espaço livre às religiões com uma responsabilidade em relação à sociedade civil, permitindo que elas sejam um factor na construção da vida social». A primeira parte é inatacável: a justa laicidade é aquela que garante a liberdade de religião e o Estado não pode impor nenhuma religião aos seus cidadãos. Ora, quanto à religião ser um factor de construção da vida social, pode muito bem sê-lo no que se refere a quem quer participar naquela organização. Não é admissível é que se imponha a quem não partilha essa crença, ou seja, aos cidadão em geral.

21 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Fátima – O Expresso, citando o jornal «Região de Leiria» informou que um jovem interrompeu a missa de domingo na Capela das Aparições, com gritos de «eu sou Cristo e tenho o poder de Deus». Em vez de averiguarem a autenticidade das afirmações entregaram o jovem à PSP que o remeteu para a psiquiatria do Hospital de Leiria.

Movimento Comunhão e Libertação (CL) – Sob os auspícios do padre João Seabra, irmão da pia ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, infestam Portugal 400 membros deste grupo fundamentalista, com 200 mil membros, que assola 64 países. Apesar dos seus objectivos declarados serem a «obediência, a castidade e a pobreza», uma das suas instituições «A Companhia da Obras» reúne cerca de 20 mil empresas.

A seita CL tem uma grande admiração pelo Opus Dei e, segundo a entrevista do padre João Seabra ao Expresso, que cito, gostaria que fossem mais parecidos com ele.

O mais popular militante desta obscura seita é o inefável Rocco Buttiglione, amigo do peito e da missa de JP2, recentemente expurgado da Comissão europeia por questões de assepsia.

Radicais islâmicos em Portugal – Sob este título, o EXPRESSO dá conta da vigilância policial a que estão a ser submetidas doze mesquitas clandestinas suspeitas de pregarem o ódio aos valores democráticos e de servirem de base a piedosas redes terroristas que apenas desejam matar os inimigos da fé, para cumprirem a vontade de Alá.

Bíblia manuscrita – Terminou a maratona de proselitismo que começou com a participação do Sr. Presidente da República e terminou com o primeiro-ministro a escrever o último versículo. Consta que o editor do Kama Sutra vai tentar o mesmo golpe publicitário.

20 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

O paradoxo do imame

Mohamed Kamal Mustafa, imame da mesquita de Suhail de Fuengirola, em Málaga, foi recebido em quase-apoteose por centena e meia de muçulmanos, gritando «todos somos o imame», que o acompanharam na sua primeira aparição pública depois de ter sido condenado a um ano e três meses de prisão por afirmar, no seu livro «A mulher no Islão», que os golpes que se aplicam às mulheres devem ser dados em «partes concretas do corpo, como os pés e as mãos, […] devendo utilizar-se uma vara fina e leve para que não deixe cicatrizes ou hematomas. Os golpes não deverão ser fortes e duros porque a finalidade é fazer sofrer psicologicamente e não humilhar e mal-tratar fisicamente».

Kamal Mustafa assinalou que está há doze anos em Fuengirola «a tirar as pessoas do mau caminho e levando-as ao bom caminho» e afirmou a sua oposição à violência contra a mulher porque a sua religião não o permite. O que aparentemente são dicas para «como espancar a sua esposa sem deixar marcas» nada mais devem ser do que erros de impressão ou, então, a sensibilidade do comum dos cidadãos é muito susceptível. Na sua aparição esteve acompanhado por mulheres que testemunharam o seu bom carácter e que reiteraram a injustiça da pena que lhe foi aplicada. Não se sabe é se estas mulheres foram sujeitas a algumas das sugestões escritas no livro.

Há que congratular a decisão do terceiro juízo criminal de Barcelona, que entende que os factos dados como provados constituem um delito de incitamento à violência contra grupos em razão do seu sexo. Não se resumindo apenas à questão da violência, o tribunal entendeu que o livro, ao tratar de questões como a menstruação, o parto, o vestuário da mulher ou a obediência, «está presidido por um tom de machismo obsoleto, em alguns casos muito acentuado, discordante com o princípio da igualdade».

Tendo sempre em conta a tolerância que devemos ter com todos os grupos culturais e religiosos diferentes do nosso e que devemos pugnar pela boa convivência social, as nossas leis e princípios fundamentais não devem ser ameaçados por perspectivas contrárias que põem em causa séculos de luta política que permitiram que, actualmente, todos possamos ser iguais e mereçamos o mesmo respeito independentemente do sexo, da cor e da religião.

20 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR está obsoleta

A ICAR, incapaz de inovar, para manter fiel a clientela, acaba por regressar aos velhos truques numa sociedade alfabetizada. Os milagres muito batidos, o aparecimento da Virgem (a obsessão pela virgindade é esquizofrénica) a uns pobres de espírito a quem transmite recados do seu divino filho, visitas do Cristo, ele próprio, a uns inocentes a quem faz pedidos patetas e um ror de prodígios capaz de adormecer crianças e imbecilizar adultos, são os truques em que reincide para manter a quota de mercado e alargar a base de apoio.

Nem ao menos se lembra de encomendar hóstias com sabores às pastelarias diocesanas, perfumar a água benta com aromas testados à saída da missa pela pituitária dos devotos, temperar a água com que baptiza as crianças, evitando o choro e o resfriado, ou inovar a música e ultrapassar o cantochão. Até os chocalhos que anunciam a passagem da hóstia pelo sacrário estão desafinados e distorcem o som com o verdete acumulado.

Bem sei que o passado pouco recomendável de muitos papas, bispos e padres não ajuda à propagação da fé e à frequência do culto. O livro de referência – a Bíblia – tão arcaico e cruel, tão cheio de incoerências e maldições, não ajuda Deus no seu prestígio, acusado de ser o seu autor.

Que resta, pois, à ICAR, perdido o medo do inferno, desinteressados homens e mulheres do destino da alma, incapaz de conter o consumo de carne de porco à sexta-feira, sem clientes para a compra de bulas e com o dízimo caído em desuso?

Cada vez se encontra em maiores dificuldades para introduzir no código penal o pecado como crime. Não consegue para os pecados veniais uma simples coima nem para os mortais uma pena de prisão. A blasfémia é ignorada em juízo, o divórcio é facilitado e o adultério deixou de interessar o Estado. Apenas o aborto consegue ainda, em países de forte poder clerical, devassar a vida íntima das mulheres e submetê-las ao vexame de um julgamento e ao opróbrio da prisão. Mesmo a apostasia, que é para os pios doutores da ICAR, uma ofensa imperdoável, é uma prática corrente com crescente popularidade.

Assim, resta à ICAR vociferar contra o preservativo, atirar-se à pílula como S. Tiago aos mouros e execrar a investigação em células estaminais. Já poucos lhe ligam quando apostrofa a eutanásia, afronta a proibição do ensino da religião nas escolas do Estado ou injuria os casamentos homossexuais.

Os últimos padres vão enegrecer ao fumo das velas, abandonados pelos crentes, proibidos de ter uma companheira que lhes alivie a solidão, enquanto os bispos e o papa satisfazem o narcisismo com a riqueza e o colorido dos paramentos. Acabam por descrer da virtude da Igreja, da bondade do seu Deus e a renunciar à salvação da alma.

19 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Repressão e clausura na Casa do Gaiato

Os resultados da auditoria da Inspecção-Geral da Segurança Social à Casa do Gaiato divulgados pelo «Público» são devastadores para a obra do Padre Américo.

Concluído desde o início de Junho mas só agora tornado público, o relatório traça um retrato atroz das condições deploráveis em que vivem as crianças e jovens acolhidos pela instituição supostamente para educação: maus tratos, psicológicos e físicos, isolamento, repressão e clausura, sendo mesmo apontados casos de trabalho infantil.

O ministro da Segurança Social já assegurou terem sido tomadas as medidas necessárias para salvaguardar os interesses das crianças da Casa do Gaiato e defendeu que o modelo de funcionamento da instituição deve ser repensado.

Esperemos que a instituição anacrónica que funciona com regras medievais seja completamente abolida, como aconteceu com as lavandarias das Madalenas irlandesas. Estas instituições com fins lucrativos, sediadas em conventos, albergaram por dois séculos até 1996 as raparigas irlandesas de «mau porte», as demasiado bonitas para a sua «salvação» moral ou filhas pecaminosos concebidas sem a benção do Igreja, que lavavam «os seus pecados» (gratuitamente, claro) juntamente com a roupa dos clientes, em completa escravidão santificada.

18 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Presos e doentes, copiai

O projecto «A Bíblia Manuscrita», organizado pela Sociedade Bíblica Portuguesa e já comentado no Diário Ateísta, continua a estender os seus tentáculos a todas as instituições do país. Depois de se terem instalado nas escolas, depois de terem tido o Presidente da República, o presidente do Tribunal Constitucional e o Primeiro Ministro a copiarem versículos da Bíblia, a SBP levará um «scriptorium» móvel ao Hosptial de Sta Marta, em Lisboa, «com o objectivo de que alguns dos muitos que querem e não podem deslocar-se a um dos 22 scriptoria abertos em todo o país, inscrevam a sua caligrafia nesta obra inédita e memorável», lê-se na Agência Ecclesia.

De acordo com o coordenador, Alfredo Abreu, esta será «uma acção simbólica e representativa destes locais de dor e esperança, em que doentes, médicos, enfermeiros e restante pessoal hospitalar terão uma das raras ocasiões em que se juntam num mesmo projecto». Claro que ninguém se lembra, primeiro, de que os hospitais públicos, como qualquer entidade pública, está sujeita ao princípio da laicidade e da não-discriminação e, segundo, que nem todos os doentes são católicos e, assim, não devem ser obrigados a suportar acções de propaganda religiosa.

Mas não são apenas os doentes hospitalizados a receberem a visita copista, o que me recorda de algumas iniciativas evangelizadoras em estabelecimentos prisionais norte-americanos. Sexta-feira, as detidas, guardas e outro pessoal do estabelecimento prisional de Tires terão a oportunidade de manuscreverem passagens da Bíblia. Não bastava estarem presas…

18 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Promiscuidade estadual

Depois de o senhor Presidente da República e do presidente do Tribunal Constitucional, o senhor Primeiro Ministro do XVI Governo Constitucional, Pedro Santana Lopes, irá ser o último copista da «Bíblia Manuscrita» – projecto comentado pelo Carlos, pelo André e por mim, no início do mês.

Creio que tal notícia não espanta ninguém dada a promiscuidade aberta que se vive entre algumas instâncias públicas e a Igreja Católica – especialmente desde o governo anterior – , numa clara violação da Constituição e de um corolário do princípio fundamental do Estado de Direito Democrático: o princípio da laicidade.

É revoltante.

Tenho dito.

17 de Novembro, 2004 Ricardo Alves

«Deus» como utensílio

O Timóteo decidiu «responder aos ateus» num texto em que anuncia, de entrada, ir explicar-nos porque acredita em «Deus».

Infelizmente, passa os primeiros dois terços do texto a desconversar, dizendo-nos que «o mais importante é o amor», como se o cristianismo fosse alguma crença da «Nova Era», celebrada com florzinhas e canções à guitarra, e baseada em crenças vagas nalguma «energia cósmica». Como sabemos, nenhuma das variantes cristãs, mesmo as mais pós-modernistas, se baseia no «amor». O cristianismo funda-se, que eu saiba, na crença de que viveu há cerca de dois mil anos, no Médio Oriente, um indivíduo («Cristo») que teria morrido e «ressuscitado», violando assim a segunda lei da Termodinâmica (género uma lâmpada fundida voltar a funcionar)…

Mas voltemos ao Timóteo. No último terço do texto, tira do bolso o seu grande argumento para a existência de «Deus»: uma «moral laica» será sempre uma «moral» sem «fundamento transcendente» (correcto) e portanto uma «noção fraca de moral» (errado) porque fundada na sua «utilidade social». Logo, decide que «Deus» tem de existir porque sem «Ele» não haverá «moral absoluta». Ou seja, o argumento de Timóteo para a existência de «Deus» é puramente utilitário… Timóteo só acredita em «Deus» porque necessita dele para fundar uma moral absoluta que propicie o «amor». «Deus» é, para ele, um utensílio.

Quanto à questão (interessante) de saber em que se deve fundar a ética, penso que o problema passa por assumirmos: (1) que não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem; (2) que devemos abstermo-nos de fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem mas que sabemos que os outros podem não desejar que lhes façam; (3) e que devemos fazer aos outros o que sabemos que querem que lhes façamos (excepto se entrar em contradição com (1)). Claro que estes fundamentos partem da premissa da liberdade individual de a eles aderir. Mas o Timóteo quererá impôr-me uma moral que parte da premissa de ser divina e é portanto autoritária?

17 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Dois santos a caminho de Portugal

A comunicação social e a agência de caserna da ICAR, em Portugal – Ecclesia – anunciaram que JP2 abençoou o processo de canonização dos pastorinhos.

Ontem, de manhã, o padre Luís Kondor, vice-postulador para a canonização dos defuntos pastorinhos, membros recentes do sindicato dos milagres, encontrou-se com o Papa JP2 e concelebraram(*) a santa missa sob a experiente orientação papal.

Depois da celebração eucarística, o padre Kondor, que anda nestes negócios há muitos anos, aproveitou para informar o Papa de que iria fazer a entrega do processo e pediu-lhe a bênção «para que tudo corra bem». JP2 abençoou a documentação e até ofereceu um rosário de madrepérola ao padre Kondor, prova de que a marosca estava combinada.

A partir de agora, com o processo a cheirar a incenso, o cardeal Saraiva Martins, sócio no negócio das canonizações, vai facilitar a abertura do processo. Aliás, o padre Luís Kondor já se deixou descair, em entrevista ao Centro de Comunicação Social do Santuário, de que tudo está combinado com o cardeal Saraiva Martins para que a Congregação para a Causa dos Santos, repartição que dirige, abra o processo já hoje, dia 17.

A pressa na canonização dos pastorinhos deve-se ao perigo de que o actual Papa se apague e não se saber se o próximo continuará a usar os milagres e as canonizações como instrumento do marketing da ICAR.

(*) (concelebrar a missa = celebrar a meias; fazer uma vaquinha).

16 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Fundamentalismos católicos: Rocco Buttiglione forma lobby

Depois da sua rejeição para o cargo de Comissário, Rocco Buttiglione tenta uma forma alternativa para impor na Europa os designados «valores cristãos», isto é, os preconceitos e a discriminação resultantes dos dogmas da dita religião.

Inspirando-se no exemplo americano formou um grupo de pressão (ou lobby) com o objectivo de forçar os anacrónicos ditames da Igreja de Roma no que designa por instituições totalitárias, nomeadamente o Parlamento Europeu.

Será que esta gente nunca mais aprende que nada de bom alguma vez resultou da mistura religião e política? Não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus… Espero fervorosamente que o objectivo de Buttiglione esteja votado ao insucesso e que a resposta ao fundamentalismo islâmico não seja mais do mesmo!

E que, contrariamente ao que acontece no Parlamento português, não se torne prática corrente em Estrasburgo a reunião em gabinetes fechados para aulas de catequese pelo movimento Comunhão e Libertação