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26 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Fernando Valle



O Diário Ateísta presta a sua homenagem a uma referência cívica para todos nós: Fernando Valle, médico que «empobreceu a fazer Medicina», humanista, republicano, laico, «democrata, de maneira profunda, muito ligado ao povo».

O «Matusalém sem idade», como o intitulava Miguel Torga, faleceu hoje em Coimbra. Foi um opositor da ditadura, o que lhe valeu várias detenções pela polícia política, e o afastamento, por Salazar, das funções de médico municipal e delegado de saúde em Arganil. Foi fundador, na clandestinidade, do Partido Socialista.

26 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A fé do general da R.M.S.

Na Região Militar Sul, o Exército português pode falhar o alvo, mas acerta na hóstia; talvez não saiba orientar-se na guerra mas sabe, em tempo de paz, encontrar o caminho da missa; não será exímio em manobras mas é insuperável em «Encontros Jubilares». Antigamente os generais preparavam as tropas para o combate, hoje orientam os soldados para a salvação da alma. Em vez da carreira de tiro preferem celebrações religiosas e substituem a táctica militar pela divulgação dos dogmas religiosos.

Esta é a conclusão a tirar do convite feito pelo General Comandante da Região Militar Sul ao bispo Januário para um encontro em Vila Viçosa, com os militares, funcionários civis e familiares das Unidades, Estabelecimentos e Órgãos sob o seu comando. O objectivo é celebrar os cento e cinquenta anos do dogma da Imaculada Conceição, proclamada padroeira de Portugal por D. João IV, função nunca homologada em Diário da República após a instauração da democracia em Portugal.

Integrada no programa militar, teve lugar a Celebração Mariana e a reflexão sobre «Nossa Senhora da Conceição e o seu Santuário Nacional», pelo padre Mário Tavares, seguida da Eucaristia presidida pelo bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, a quem coube, certamente, disparar hóstias tendo como alvo a boca dos militares.

É verdade que as Forças Armadas Portuguesas se cobriram de glória em 1820, 1910 e 1974 mas não foi, certamente, com a ajuda da padroeira que no tempo de D. João IV não era ainda virgem. O dogma da virgindade é uma bizarria que se deve a PIO IX, um papa ultra-reaccionário e anti-semita que, depois de ter condenado o socialismo, a democracia, o liberalismo e a maçonaria, excomungou os judeus, os livres-pensadores, os que contestavam o poder temporal da ICAR e todos os que se batiam pelos valores que deram origem às modernas democracias.

Apostila: Pio IX foi ainda o inventor de um segundo dogma – o da infalibilidade papal. E, recentemente, fez um milagre encomendado e confirmado por JP2.

25 de Novembro, 2004 Palmira Silva

De volta ao Genesis

Uma pesquisa divulgada pela CBS indica que cerca de dois terços dos americanos deseja que o criacionismo seja ensinado nas escolas como alternativa ao evolucionismo. Na realidade 37% dos americanos quer mesmo que o ensino do criacionismo substitua o evolucionismo nos curricula escolares.

A pesquisa indica ainda que a maioria dos americanos acredita que Deus criou os homens na sua forma actual e dos restantes, que aceitam a evolução do Homem, apenas 13% diz que não houve envolvimento de Deus no processo.

Os resultados deste estudo, para além de preocupantes, são inesperados na nação onde a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico subsquente, nomeadamente a nível das biotecnologias, são considerados os mais avançados do mundo. Constituem também razão de reflexão para a comunidade científica que aparentemente falhou na passagem da sua mensagem para a população em geral. O criacionismo é completamente absurdo, sem qualquer base científica e as pretensões dos pseudo cientistas que o divulgam muito fáceis de desmascarar. Por exemplo, as fantasias que a Terra tem apenas seis mil anos, que o Grand Canyon foi formado num dia como consequência do dilúvio ou que os homens coexistiram com os dinossauros, como é afirmado no parque temático Dinosaur Adventure Land na Flórida.

25 de Novembro, 2004 Ricardo Alves

Liberdade de expressão e delito de blasfémia

(1) Tentativa de endurecer a lei contra a blasfémia fracassou nos Países Baixos

Tal como em muitos outros países europeus (Alemanha, Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Finlândia), a liberdade de criticar a religião nos Países Baixos está limitada por uma lei contra a blasfémia. Na sequência do assassinato de Theo van Gogh, o Partido Democrata Cristão holandês (do primeiro ministro Balkenende) tentou endurecer esta lei, que data de 1932 e foi utilizada pela última vez em 1968 (quando um romancista escreveu um livro em que «Deus» era um burro). Felizmente, esta iniciativa foi travada no Parlamento holandês. Mas não ficou claro se o «discurso de ódio religioso» que o Ministro da Justiça pretendia limitar era o dos sermões de alguns fanáticos islâmicos, ou o de filmes como o já famoso «Submissão» de Theo Van Gogh…

Fonte: National Secular Society.

(2) Senadora belga ameaçada de morte pela extrema direita islamista

Mimount Bousakla, uma senadora socialista de Antuérpia de origem marroquina e nacionalidade belga, encontra-se ameaçada de morte e sob protecção policial, após ter criticado grupos muçulmanos que não condenaram o assassinato de Theo Van Gogh. Bousakla escreveu há alguns anos um livro («Couscous et pommes frites») onde denunciou o papel de submissão que é esperado das mulheres nas sociedades muçulmanas, nomeadamente os casamentos forçados. Embora não fale publicamente das suas crenças religiosas, pensa-se que Bousakla poderá ser uma apóstata, o que para os islamistas é causa para condenação à morte.

Fonte: National Secular Society.

(3) Lei da blasfémia alterada no Paquistão

A lei contra a blasfémia do Paquistão, que restringe enormemente a liberdade de expressão neste país asiático, foi alterada. As emendas introduzidas na lei pelo governo de Musharraf implicam que o início de um processo por blasfémia necessitará de uma investigação conduzida por um oficial de justiça, enquanto até aqui bastava qualquer denúncia para efectuar uma prisão e começar o processo judicial. A alteração é insuficiente, uma vez que mantém a pena de morte para casos de blasfémia. As disposições legais paquistanesas contra a blasfémia já foram usadas em cerca de 4000 ocasiões desde 1986, muitas vezes por questões de vingança pessoal.

Fonte: Rationalist International.

23 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Malta anti-ateísta

O número de ateus ou de pessoas que seguem uma vida sem a cognoscência de Deus está a aumentar em Malta. Quem o afirma é o arcebispo Joseph Mercieca, que advertiu que a sociedade maltesa está a brincar com o fogo, não precisando, no entanto, se existe algum plano divino para castigar os cidadão do novo Estado-membro da União Europeia através da imolação.

O arcebispo disse que, de acordo com os ateus, as revelações morais que iluminam a doutrina da Igreja Católica devem ser postas de lado da vida pública e remetidas apenas para o foro privado. Os ateus defendem, segundo ele, que os princípios católicos não devem influenciar um juízo moral sobre a política e os assuntos do Estado. Por acaso, o prelado não deturpou grandemente algumas das bases do pensamento ateísta.

Ora, estas posições são más posições. Porquê? Porque «são ensinamentos baseados numa compreensão errada da natureza humana. Os seres humanos são criados à semelhança de Deus e só através dele eles atingirão a realização». O senhor bispo esqueceu-se de que o ateísmo faz parte da natureza humana uma vez que o Homem nasce sem crenças só as adquirindo através da educação e do contacto com a sociedade. Quanto à semelhança com Deus, esta ainda não foi provada já que este nunca se dignou a aparecer para tirar teimas.

23 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Ainda Rocco Buttiglione

Os bispos reunidos na Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), saudaram a nova Comissão Europeia, felicitaram Durão Barroso e referiram-se ao caso Rocco Buttiglione – segundo a Agência Ecclesia, instrumento da ICAR e voz fidelíssima do Vaticano.

Analisemos as meias verdades e as mentiras descaradas do colectivo dos prelados da COMECE:

1 – Referem-se «os Bispos», todos da ICAR, como se não houvesse espécimes equivalentes nas outras igrejas cristãs.

Lamentam, referindo-se a Rocco Buttiglione, a polémica em torno do que chamam «intolerância face às crenças pessoais do comissário designado», quando a intolerância é do pio militante de uma obscura seita de extrema-direita, «Movimento Comunhão e Libertação», que cultiva um forte preconceito para com os homossexuais e um torpe desprezo pela condição da mulher.

Esquecem que, em quaisquer circunstâncias, a reprovação do indigitado comissário europeu foi feita pelo único órgão com legitimidade democrática – o Parlamento Europeu -, instituição que, pese embora aos bispos, tem mais legitimidade do que Deus e o papa, ambos a ocuparem cargos com duvidosa legitimidade e sem nunca se terem submetido a eleições.

2 – «Eles exigem que a liberdade de religião e de expressão religiosa, acordada pelo Tratado Constitucional, seja inteiramente respeitada e assegurada em todas as instituições europeias na União alargada» – lê-se no comunicado final da assembleia plenária dos Bispos da UE. (Uma vez mais a Ecclesia refere assim os bispos católicos).

Ora a liberdade religiosa não está em causa em nenhum Estado da UE. Está, sim, no Vaticano, único Estado europeu não democrático, confessional e totalitário. Onde há problemas religiosos não é por causa do Estado laico, é por causa da vocação totalitária da religião dominante, problemas que só o aprofundamento do laicismo enfrenta com sucesso.

Por curiosidade, refira-se que o comunicado referido foi assinado em nome da CEP, pelo virtuoso e casto bispo do Funchal que perdeu o secretário particular, padre Frederico, pedófilo praticante, condenado a vários anos de prisão por assassínio de um jovem, tendo fugido para o Brasil numa das saídas precárias da prisão.

22 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Parabéns ao «Causa Nossa»

Ao longo do primeiro ano de vida o «Causa Nossa» conseguiu um enorme sucesso (quase 400 mil visitas de leitores interessados) e tornou-se uma estrela de primeira grandeza a brilhar no firmamento bloguístico.

À medida que o poder político e o económico se conluiam para controlar a informação, um blogue que a inteligência, cultura e sensibilidade dos seus colaboradores tornou uma referência obrigatória, contribui para a diversidade informativa e pluralismo de opinião.

O empenhamento na defesa dos direitos humanos, a persistência na denúncia das arbitrariedades e injustiças, o amor à democracia e ao europeísmo, fazem de «causa nossa» a nossa causa e transformam um projecto culto num objecto de culto.

Espero que este aniversário seja o primeiro de muitos do projecto culto, civilizado e europeu que devemos a uma plêiade de bloggers.

Um abraço amigo e votos de felicidade para o causa nossa, os seus autores e as suas causas.

22 de Novembro, 2004 André Esteves

A devoção prejudica gravemente a saúde…

Da Holanda chega-nos a notícia de um estudo científico da poluição dentro das igrejas. Com efeito, o Dr Theo de Kok e os seus colegas do Departamento de Saúde da Universidade de Maastrich analisaram o ambiente numa capela da Basílica de Maastrich, depois de nove horas de velas acesas e incenso. Descobriram que a quantidade de partículas cancerígenas, de radicais livres e complexos aromáticos é cerca de doze a vinte vezes a máxima permitida pelas leis ambientais europeias. Por outras palavras, na capela analisada respiraríamos o mesmo, que respiraríamos se estivéssemos num lugar onde passassem 45,000 carros por dia!

Os riscos são elevados para todos os que passam mais de duas horas no meio de tal nevoeiro. Em situação ainda mais perigosa, ficam os padres católicos e demais pessoas que trabalhem nesse perigoso ambiente.

Creio que estas notícias nos devem levar a profundas reflexões.

Não basta que a extremada devoção dos crentes seja um sinal de vício no divino. Ficamos agora a saber que a devoção também leva a um elevado risco do cancro do pulmão. Creio que, todos os anti-tabagistas, que tanto lutaram para criar avisos nos maços de tabaco e criar regras anti-tabaco para os espaços públicos, estão moralmente obrigados a exigir essas mesmas medidas para o consumo excessivo do divino em ambientes poluídos. Assim, como é fácil de constatar na imagem que acompanha este artigo, dever-se-iam colocar avisos às portas das igrejas, para prevenir os abusadores dos perigos em que irão cair ao franquearem a porta de qualquer igreja.

E os milhares de crentes que morreram de cancro do pulmão durante os últimos dois mil anos? Não foi do tabaco certamente! Que um homem ou mulher pios não abusam de mais de seis cigarros por dia. (número suficiente para não aumentar demasiado as probabilidades de cancro do pulmão em relação a um não-fumador) O lobby antitabagista deveria seriamente contemplar a necessidade de levantar processos nos tribunais a todos os responsáveis! Deus, a santa apostólica madre igreja e o beato que se senta ao lado, do estimado leitor, com aquela maldita vela!

Ao crente menos complacente, resta pois frequentar igrejas com as modernas lâmpadas eléctricas em forma de vela. É verdade que se gasta mais dinheiro e que o crente têm que se levantar para pôr a moedinha, mas é infinitamente mais seguro, do que respirar seguindo a tradição…

Post Scriptum – Além disso… Porque raio é que gastam dinheiro em velas? Deus não sabe o que vai nos vossos corações?! Ou ele não é omnisciente e precisa de sinais de luzes?

22 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Missa apeada

O bispo D. Paulo Moretto proibiu o padre Dirceu Rigo de rezar a missa montado num cavalo.

Não estava em causa a assistência do cavalo à missa, sabendo-se que não tendo alma, há-de a alimária apreciar mais a palha do que a eucaristia. Aliás, os cavalos, sobretudo os da GNR, em Portugal, há muitos anos que se habituaram à liturgia e, alguns, não passam mesmo sem a sua procissão anual e uma missa de acção de graças.

O padre e os crentes ficaram decepcionados pois a missa a cavalo fazia parte da 2.ª Cavalgada da Fé, promovida durante a 10ª Festa Campeira Estadual, na localidade de Vila Oliva. A 1.ª Cavalgada da Fé, realizada anteriormente, entrou para o livro Guiness dos Recordes. Desta vez o bispo proibiu, com o argumento de que a missa sobre o lombo do cavalo contraria os princípios da Igreja e desrespeita a eucaristia, sendo omisso sobre o lombo de burros, paroquianos, elefantes e outros espécimes zoológicos.

O padre e os fiéis ficaram desapontados e argumentaram que já houve missas em camiões. D. Paulo Moretto foi inflexível.

De futuro, as Cavalgadas da Fé, face ao veredicto do bispo, só terão lugar se o padre Dirceu Rigo se meter debaixo do cavalo. Invertem-se as posições mas salva-se a fé e a liturgia.

21 de Novembro, 2004 Palmira Silva

O ateísmo atómico

«…a natureza é sempre a mesma, e sempre única e igual em eficácia e poder de acção; i.e., a ordem e as leis da natureza, dentro de todas as passagens e mudanças de uma forma para outra, é em todo lugar sempre a mesma; sendo assim, deveria existir um método unico para compreender a natureza de todas as coisas, ou seja, através das leis e regras universais da natureza.» Baruch Spinoza (Ética, parte III)

O símbolo do ateísmo, o modelo do átomo de Rutherford, poderá a um observador mais incauto parecer despropositado ou uma escolha casuística. Na realidade, a concepção atomista do Universo corresponde à primeira filosofia ateista de que há registo histórico e é indissociável dos movimentos intelectuais que culminaram no libertar da Humanidade do obscurantismo imposto pela religião. Durante séculos, esta teve a primazia da verdade, que afirmava ser global, inultrapassável e indispensável, tanto no que respeita à natureza como ao homem. O reafirmar do pensamento proscrito dos primeiros atomistas entrou em confito com a pretensão tridentina da verdade «científica» ditada por uma Igreja total e absolutamente incompetente na matéria, mas a longo prazo (e muitos processos e fogueiras inquisitoriais) permitiu à ciência uma autonomia de pensamento face à Igreja.

A constituição da matéria e a elaboração de teorias para explicar a natureza do mundo e as nossas relações com ele surgem na Antiguidade clássica a partir da análise do movimento. O movimento e a constante mutabilidade da matéria constituem a questão central que irá orientar a filosofia grega; isto é, o movimento levanta o problema da continuidade da matéria, ou seja, como conceber que exista uma identidade entre o momento anterior e o posterior?

Era necessário, portanto, algo que permanecesse imutável no processo de transformação. Esse algo foi originalmente concebido através da redução da multiplicidade a uma unidade fundamental, identificada com um elemento da natureza, a matéria básica para a formação dos demais materiais, e na qual todos se reduziriam. Esse elemento primordial, ou “princípio” (arqué), assumiria a forma de uma substância concreta, sendo identificado com a água (Thales 640-546 A.C.), depois o ar (Anaximenes 560-500 A.C.), o fogo (Herakleitos 536-470 A.C.) e a terra (Xenophanes).

Mais tarde, Empedokles (490-430 A.C.) identificou as quatro substâncias supracitadas – água, ar, terra e fogo – como os elementos fundamentais a partir das quais tudo seria formado.

Por volta de 475 BC, Parmenides no seu poema filosófico On Nature esboçava os rudimentos do que seria explorado dentro de poucos anos pelos primeiros atomistas:

«Considerem quão semelhante é um fogo de outro fogo.
Mas reparem quão opostas em natureza são todas as noites escuras do fogo.
»

Parmenides afirma que, não obstante diferentes aparências, tudo é formado do mesmo ser, solitário, nunca criado e eterno, aquele que é «sem princípio e sem fim». Parmenides não especula sobre a natureza do «ser eterno» mas fornece dois dados fundamentais que as teorias atomistas retomam: todos os objectos do mundo físico são constituídos por uma substância elusiva e constante, que não é criada e nunca acaba, devendo-se as diferenças entre objectos a diferentes configurações dessa substância.

átomos de EpicurusAo conciliar a concepção da permanência e da unidade, em aparente contradição com as evidências de mudança e de diversidade observadas, fundamenta-se então a unidade da matéria e a sua conservação. Mas até aqui a dualidade foi expressa em termos do móvel em oposição ao imóvel. A partir de Democritus e especialmente de Epicurus esse dualismo inscreve-se como «matéria»/«vácuo» com base na concepção da unidade fundamental: os átomos. Estes seriam indivisíveis e em si mesmos imutáveis, embora a alteração da sua posição relativa produzisse uma grande diversidade de fenómenos. Estes átomos difeririam em tamanho e em forma, e apresentariam uma constituição interna sólida e homogénea.

Leucippus de Miletus (?-480 BC) e o seu discípulo Democritus de Abdera (460-340 BC) são os pais reconhecidos do atomismo, uma explicação filosófica do mundo físico absolutamente inovadora, que, na linha sugerida por Heráclito, afirma que tudo flui na natureza mas que subjacente a esta mutabilidade há algo de eterno e de imutável: o átomo (a= prefixo de negação, tomo= divisão). Nesta explicação do mundo natural o calor, cor e sabor não são em si entidades mas meras consequências dos átomos que as formam. Para avaliarmos a inovação e arrojo desta visão, puramente empírica, da natureza, basta pensarmos que o calor foi considerado um fluído até meados do século XIX, o calórico de John Dalton (1766-1844), o pai do atomismo moderno.

Epicurus (341-270 BC) reformulou o atomismo de Leucippus e Democritus e o epicurismo, não muito popular entre os filósofos gregos, nomeadamente Aristóteles e Platão, que adoptaram os quatro elementos fundamentais de Empedokles, teve entre os romanos os seus principais seguidores, alguns tão influentes como o orador Cícero e o poeta Horácio. A insistência epicurista em causas materiais para todos os aspectos da natureza foi incompatível com a influência crescente do cristianismo e no século V o epicurismo já era uma filosofia marginal.

De facto, o cristianismo condenou primeiro e proibiu depois esta filosofia ateísta que, para além de refutar a transubstanciação do pão e do vinho, negava a intervenção de qualquer força, inteligência ou entidade divina nos processos naturais. Não havia intenção no movimento (aleatório) dos átomos, o que não implica que tudo o que acontece é um acaso, pois tudo é regido pelas inalteráveis leis da natureza. Os atomistas acreditavam que todos os fenómenos têm uma causa natural, ou seja, negavam o argumento teleológico.

Os movimentos espontâneos e aleatórios dos átomos para além de serem a origem do livre arbítrio explicam ainda as percepções sensoriais. De tudo o que existe emanam átomos que, ao chocarem com o corpo humano, tornam a realidade inteiramente apreensível pelos sentidos.

Epicurus propõe ainda que a alma é composta por átomos especiais, particularmente arredondados e lisos, os átomos da alma espalhados por todo o corpo. Quando alguém morre, os átomos de sua alma dispersam-se e eventualmente agregar-se-ão (devido aos movimentos aleatórios) noutra ou noutras almas, ou seja, o epicurismo afirmava a mortalidade da alma.

É impossível referir o epicurismo sem mencionar Lucrecius, o poeta romano e autor do épico filosófico De Rerum Natura (Da natureza das coisas), uma exposição exaustiva do epicurismo, que afirma os deuses como fabricação dos homens. Redescoberto no século XVII, o poema é a base intelectual de virtualmente todas as ciências modernas, da física (apresenta, entre outros, a lei da inércia, a relatividade, a universalidade das leis físicas, o movimento browniano, o som como onda de pressão no ar) à química (prevendo átomos e moléculas e que, por exemplo, o cheiro se deve à forma das moléculas que se ligariam a receptores no nariz) passando pela biologia, incluindo o evolucionismo (Lamarck, Herbert Spencer ou Darwin eram epicuristas), já que Epicurus foi o primeiro a propor a selecção natural e a evolução das espécies.