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10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Direitos Humanos

Faz hoje 56 anos que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Infelizmente, mais de meio século passado, os considerandos desta declaração, que todos consideraríamos de senso comum, consensuais e indiscutíveis, não permearam indelevelmente as sociedades do século XXI. Em boa parte porque o espectro das religiões voltou a assombrar a humanidade com o concomitante ressurgimento de intolerâncias religiosas que ameaçam os mais fundamentais direitos humanos. Os fundamentalismos que eclodem em todos os pontos do globo, mesmo nos mais improváveis, se não forem eficazmente combatidos, corresponderão a uma regressão civilizacional imprevísivel há escassos anos. Quando todos desconsiderávamos a questão religiosa, acreditando serem crimes em nome de qualquer Deus algo de um passado que não se repetiria… Infelizmente a História recente provou o nosso engano e espero que nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça latente que estas constituem para o modelo de sociedade preconizado na supracitada Declaração.

10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Submissão

Um grupo de muçulmanos na Dinamarca apresentou queixa oficial às autoridades competentes contra uma emissora pública de televisão dinamarquesa, acusada de incitar ao ódio ao Islão.

A afronta ao Islão cometido pela Danmarks Radio reside na transmissão do filme «Submissão» do assassinado realizador holandês Theo van Gogh. O presidente da comissão de imprensa da Sociedade da Religião Islâmica, Kasem Said Ahmad, afirmou à revista Politiken que «Queremos enviar uma mensagem política aos muçulmanos da Dinamarca de que este é o caminho a ser tomado com estas coisas e aos dinamarqueses de que não desejamos que nossa religião seja ridicularizada assim.»

Depois da proibição de um número da Newsweek no Paquistão, continua a polémica associada ao filme concebido pela deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, natural da Etiópia e de origem muçulmana.

A Holanda foi um dos poucos países no mundo a permitir a exibição do filme de Jean-Luc Godard, «Salve Maria», considerado pelo Vaticano nos anos 80 como uma blasfémia. Blasfémia continuada pelo lançamento recente, na Holanda, do livro «Judas«, por Walter Kamp. O escritor holandês argumenta que Jesus era homossexual num livro de ficção que aqueceu ainda mais os debates sobre tolerância e liberdade de expressão num país que se orgulha da sua longa tradição de ambas.

9 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

O subsídio

A Comissão dos Orçamentos, presidida pelo polaco e democrata-cristão Janusz Lewandowski, adoptou, numa primeira leitura, uma emenda que concede um subsídio de 1 500 000 euros à Igreja Católica para as Jornadas Mundiais da Juventude de Colónia, a realizar em 2005.

A União Europeia, como organização de Estados de Direito pluriculturais, tem obrigatoriamente de seguir determinados princípios de Direito que, actualmente, se consideram fundamentais: o princípio democrático, o princípio da igualdade e o princípio da laicidade. Ora, havendo um órgão daquela organização, presidido por uma personalidade assumidamente religiosa, que autoriza a subvenção de um encontro de derminada religião, cujas instituições estão longe de uma situação de falência, subvertem-se todos aqueles valores que devem imperar nos dias que correm.

8 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Refutando BSS (2)

Os argumentos de Boaventura Sousa Santos (BSS) favoráveis à existência de «Deus» são mais sofisticados e pomposos do que os de César das Neves e seus seguidores, mas são também, sem dúvida, mais irracionais do que os de um Tomás de Aquino. Atente-se na argumentação que se segue, retirada do célebre «Um discurso sobre as ciências».

«Hoje é possível ir muito além da mecânica quântica. Enquanto esta introduziu a consciência no acto do conhecimento, nós temos hoje de a introduzir no próprio objecto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito/objecto sofrerá uma transformação radical. Num certo regresso ao pan-psiquismo leibniziano, começa hoje a reconhecer-se uma dimensão psíquica na natureza, “a mente mais ampla” de que fala Bateson, da qual a mente humana é apenas uma parte, uma mente imanente ao sistema social global e à ecologia planetária que alguns chamam Deus.»

Neste parágrafo, BSS joga com as palavras e confunde os registos à pior maneira pós-modernista, com o objectivo de tentar legitimar um argumento teísta a partir da mecânica quântica. Deve notar-se que a mecânica quântica (MQ), como descrição da realidade que é, implica tanto a consciência (humana ou animal) na natureza como a mecânica clássica ou a termodinâmica. BSS escreve, no entanto, como se o princípio da incerteza implicasse a «consciência» nos fenómenos quânticos, uma ideia que não se encontra nos manuais de física quântica mas sim em alguns maus livros de divulgação científica. BSS cita muito estes últimos, mas nenhum manual, o que denuncia a origem do seu equívoco.

Deve também assinalar-se que o «Deus» de BSS só tem de comum com o «Deus» da tradição judaico-cristã o nome. O de BSS não falou com Moisés no cimo do Sinai e não ressuscitou um pregador qualquer. Pelo contrário, está presente nas federações sindicais mundiais e no meio ambiente do nosso planeta (mas não no dos outros planetas?), quiçá mesmo nos calhaus e nos dejectos… Esta ideia é retomada no trecho seguinte.

«(…) Os conceitos de “mente imanente”, “mente mais ampla” e “mente colectiva” de Bateson e outros constituem notícias dispersas de que o outro foragido da ciência moderna, Deus, pode estar em vias de regressar. Regressará transfigurado, sem nada de divino senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos rodeia e que, vemos agora, é o mais íntimo de nós.»

Portanto, segundo BSS, «Deus» voltará (onde esteve entretanto, BSS não nos diz; mas que a ciência foi mazinha para «Ele», lá isso foi…). Sendo um «Deus» tão diferente do original (judaico/cristão/muçulmano), seria da mais elementar honestidade chamá-lo por outro nome. É que, ao contrário do que assumem os pós-modernistas, não se pode alterar o significado das palavras à medida das necessidades argumentativas, sob risco de acabarmos por não nos entender uns aos outros. E o «desejo de harmonia e comunhão» de BSS também pode ser satisfeito ouvindo música ou vendo um quadro, o que não faz de Wagner ou de Van Gogh «deuses». Quando muito, sê-lo-iam em sentido figurado, não no sentido tradicional e exacto do termo.

Refutando BSS (1)

8 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Nota pública

Foi hoje publicado no Público o artigo do Carlos sobre a eutanásia, já editado neste Diário.

8 de Dezembro, 2004 pfontela

A lei da blasfémia – a saga continua

Na última semana um dos mais curiosos projectos do governo inglês veio a público. Não de uma forma concreta e oficial mas mais como que um teste das águas da opinião pública.

O projecto de lei é nada mais nada menos que uma proibição de todo o tipo de blasfémia (ou seja, todo o tipo de descrição menos simpática e/ou elogiosa de qualquer crença religiosa). A opinião pública inglesa reagiu de forma negativa a uma medida que considera como uma clara violação do direito individual de livre expressão. O governo bem tenta vender a medida como uma panaceia para a intolerância religiosa mas nem isso parece funcionar.

Mas a reprovação não se ficou pela opinião pública, os partidos da oposição também se mostraram desfavoráveis, os conservadores linearmente opuseram-se e os liberais democratas têm sérias dúvidas sobre tais medidas.

A gota de água foi quando o actor Rowan Atkinson (o famoso Mr Bean e Blackadder) em conjunto com outros comediantes e com a National Secular Society vieram publicamente denunciar a medida pelo que ela é: ineficaz, abusiva e destruidora de direitos básicos de expressão e critica.

Como já mencionei, em comentários que fiz anteriormente, os extremistas religiosos estão a unir-se e a preparar-se para um verdadeiro assalto à sociedade europeia tal como a conhecemos (o fenómeno é especialmente visível no Reino Unido, talvez devido à proximidade cultural com os EUA). Desta vez o governo recuou, dizendo que a proibição não se aplica à comédia, mas ainda não se sabe bem ao que se aplicará, será que voltaremos ao tempo dos censores religiosos e das fogueiras? Não me parece provável que os defensores da ortodoxia religiosa sejam bem sucedidos neste primeiro assalto mas é preciso ter cuidado, estamos a lutar pela sobrevivência de um dos bens mais preciosos que temos, a sociedade secular.

7 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Gnósticos e ateus

Vamos lá ver, eu ponho o meu problema assim:

Não sou gnóstico nem tão pouco agnóstico. Ambos os termos se reportam ao mesmo conceito de referência, contido no vocábulo a que se prendem, a palavra agnosticismo.

O agnosticismo é uma doutrina segundo a qual as questões suscitadas pela metafísica sobre a existência de Deus, origem e sentido da vida e do universo, a essência das religiões, etc., escapam e são inacessíveis à compreensão e entendimento do homem, na medida em que não cabem nem são redutíveis a qualquer comprovação de caracter científico minimamente credível.

Os seguidores desta doutrina dir-se-ão agnósticos, ao passo que os outros, isto é, os que se satisfazem com explanações esotéricas ou transcendentais da vida e daqueles problemas, são havidos por gnósticos.

Gnóstico ou agnóstico?… Eis a questão.

Mas eu direi: – Nada disso! Nem uma coisa nem outra, pois não é forçoso que seja, irrecusavelmente, ou uma ou outra a postura adoptada.Nem sequer são antónimos.

Longe vai já o tempo dos desesperados monismos redutores do mundo ao preto e branco de uma escolha única possível, oferecida ao entendimento das coisas.

A história do pensamento do homem tem mostrado como são falazes e fantasiosas todas as tentativas ensaiadas ao longo dos tempos para lhe fixar balizas sistemáticas que o contenham e domem. Sempre a busca da claridade e da razão das causas, e das causas das causas, se lhe impôs como mandato irrevogável a cumprir, rasgando caminhos e lançando pontes tanto quanto a vontade e o engenho o adjuvassem. Sem obediências cegas e incondicionais. Sem vassalagens. Livremente. Como o vento nas searas ou acariciando a superfície das águas.

Assim, pois, também entre o teísta e o incréu permanece imenso e livre todo um incomensurável espaço de lavra possível, aberto e oferecido às sementes das ideias e das dúvidas, das perguntas e das respostas, à espera que seja, depois, o mesmo semeador a conseguir e recolher os frutos e os ensinamentos. E estes, sim, são antónimos, e de tal modo afastados um do outro que quase se tocam nas pontas do mesmo radicalismo.

Ora é exactamente aqui que acho uma porta para eu entrar. O caminho foi longo e ainda não terminou. Começa lá longe, nos imprecisos alvores dos meus cinco anos, ou talvez antes, sim, antes, pois aos cinco já me vestiam de cruzado e de mãos postas me enfileiravam no rebanho que o senhor abade pastoreava em dias solenes e procissões da praxe. Depois veio a doutrina toda, em catadupas, que as zeladoras da Igreja, da roda do senhor abade, nos obrigaram a decorar, a mim e aos outros da mesma catequese, em monótonas cantilenas de tabuada ou como das linhas dos caminhos de ferro, com os nomes das estações, apeadeiros, ramais e tudo, ou das serras e dos rios com seus afluentes, d’àquem e d’além mar em África, tudo isso na ponta da língua, sem falhar nada.

Cedo, porém, começou a reflexão. A Branca de Neve, o Pai Natal, o menino Jesus, o Pai Gepeto e o Pinóquio, as Fadas e as Bruxas, os Gigantes, os anões, o lobo mau, as almas do outro mundo e os mortos que, mesmo fantasmas e tudo, falavam e faziam barulhos, o Céu e o Inferno, Deus e o Diabo, e os anjos, e os milagres e Deus e os arcanjos a ajudar nas guerras ora uns ora outros e a não fazerem peva nas grandes desgraças do mundo, quais fomes, pestes, mortes horríveis, crimes e outros males, e tudo isso foi entrando pelo juizo dentro ao mesmo tempo que também o juízo ia entrando pelo tempo fora, a magicar desconfianças, a misturar fantasias, a fazer deduções, a pôr hipóteses a que os padrecos interrogados respondiam mal, e depois ainda, o Renan e a seguir o Drama de Jean Barois… e os caminhos do juízo e do entendimento a abrirem-se cada vez mais…Élááá-ôo! Por fim uma leitura já mais séria da vida, e da vida dos outros, e também dos santos, e dos profetas, e dos textos inventados por doentes esquizofrénicos, trazidos às multidões na voz de profetas malucos, poetas desvairados, sibilas, pitonisas e outras cassandras do marketing das divindades várias, abundantes, sucessivas, renováveis e reencarnáveis umas nas outras, interminavelmente. Já mais p’ra agora, novamente os livros, de apuramento e lavagem das leituras anteriores, e outras de grau mais limpo, com filósofos de permeio a debaterem-se exaustos e inconclusivos, a medirem e a confrontarem certezas contaminadas por claridades súbitas, dúvidas insidiosas, suspeitas iniludíveis, mas, concomitantemente, também uma compreensão nova, mais serena e talvez lúcida.

Em suma: – dou comigo ateu retinto, assumido, desgostoso e impenitente, a olhar de lado e de viés longínquas lembranças das penas perdidas, daquelas asas brancas que um dia um anjo me deu…. «Pena a pena me caíram/ Nunca mais voei ao Céu…».

Irremediavelmente ateu, deixou-me a «teotomia» (ou «deotomia»?…) sofrida em estado semelhante ao do amputado que por algum tempo ainda vai continuar a sentir em si a dor-sombra do membro fantasma que da ablação consumada lhe ficou.

Albertino Almeida

6 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

A Este nada de novo

Segunda-feira, o papa, uma vez mais, disse que a Europa deve encontrar «os modos e os caminhos para construir a paz num clima de frutuosa colaboração, no respeito pelas culturas e os legítimos direitos de todos», desde que não sejam as culturas e os direitos dos heréticos secularistas.

JPII relevou a herança que cada um dos Estados-membros traz e lembrou que o Vaticano «não cessa de defender o direito dos povos a apresentar-se no cenário da história com as suas próprias particularidades, no respeito das legítimas liberdades de cada um». Esse património particular, «claramente marcado pela herança cristã», serviu de pretexto para que o chefe da ICAR reiterasse que aquela instituição «não está nem pode estar à margem da construção europeia». «No actual debate cultural e social, emerge a necessidade de sublinhar as raízes cristãs, das quais o tecido popular tira a linfa vital desde há séculos», afirmou.

João Paulo II aproveitou também para mandar um recado para os políticos europeus: que respeitem o «nobre património de ideais humanos e evangélicos» e que todos se comprometam «na construção de uma sociedade livre, com sólidos fundamentos éticos e morais», desde que esses fundamentos sejam cristãos e, particularmente, católicos.

Não esquecendo os seus fiéis seguidores, enviou também o apelo a «colaborarem com todas as pessoas de boa vontade» – apenas os ICARianos – na luta contra modelos de vida «secularistas e hedonistas».

Portanto, a mensagem do Vaticano, quanto a uma União Europeia pluralista assente nos valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, continua a mesma: é tudo muito bonito desde que a ICAR mantenha as rédeas que comandam a sociedade, toda a sociedade.

6 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Um cheirinho a antigamente

O diário «A Capital» (site indisponível) traz uma reportagem sobre a Igreja de São Nicolau, na Baixa Pombalina, que reabriu ontem ao público, completamente remodelada e «com cheiro a novo». Apesar de reincidir nos mesmos produtos – a missa e a eucaristia – todos devemos estar gratos pela preservação do património nacional.

A notícia esclarece que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carmona Rodrigues, foi convidado para assistir à Celebração Eucarística presidida pelo experiente patriarca Policarpo, convite que aceitou, como o comprova a foto onde aparece acompanhado de vários membros do Governo entre os quais o ainda primeiro-ministro Santana Lopes, incapaz de faltar a uma festa.

As obras estavam orçadas em 418.377, 17 euros mas não se sabe o custo efectivo. A ICAR é mais rápida a divulgar milagres do que a prestar contas.

Para se avaliar a inflação, comparem-se os preços actuais com os que se praticavam em meados do séc. XIX, por muito pouco credível que seja o documento que, a seguir, se transcreve e não passe de uma bem conseguida piada:

Cópia da Factura que um de mestre de obras apresentou em 1853

pela reparação que fez na capela do Bom Jesus de Braga.

Por corrigir os 10 mandamentos, embelezar o Sumo

Sacerdote e mudar-lhe as fitas ...................... 170 reis

1 galo novo para S. Pedro e pintar-lhe a crista ..... 95 »

Dourar e pôr penas novas na asa esquerda do Anjo da

Guarda .............................................. 90 »

Lavar o criado do Sumo Sacerdote e pintar-lhe as

suissas ............................................. 160 »

Tirar as nódoas ao filho de Tobias .................. 95 »

Uns brincos novos para a filha de Abraão ............ 245 »

Avivar as chamas do inferno, pôr um rabo ao Diabo e

fazer vários concertos aos condenados ............... 245 »

Fazer um menino ao colo de Nossa Senhora ............ 210 »

Renovar o Céu, arranjar as estrelas e lavar a lua ... 130 »

Compôr o fato e a cabeleira de Herodes .............. 55 »

Retocar o Purgatório e pôr-lhe almas novas .......... 355 »

Meter uma pedra na funda de David, engrossar a

cabeleira ao Saúl e alargar as pernas ao Tobias ..... 95 »

Adornar a Arca de Noé, compôr a barriga ao Filho

Pródigo e limpar a orelha esquerda de S. Tinoco ..... 135 »

Pregar uma estrela que caiu ao pé do côro ........... 25 »

Umas botas novas para S. miguel e limpar-lhe a

espada .............................................. 255 »

Limpar as unhas e pôr os cornos ao Diabo ............ 185 »

TOTAL ---------- 2.545 reis

6 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Outro milagre da ciência

A excisão do clitóris é uma prática hedionda, legitimada por determinadas culturas islâmicas africanas. Apenas uma indiferença de origem racista explica que os poderes públicos tolerem a realização desta e doutras mutilações genitais em bairros degradados às portas de Lisboa. A ideia de que os pais não são proprietários dos filhos, e de que portanto não podem retalhar os órgãos sexuais dos filhos a seu bel-prazer, ou ainda não se generalizou, ou detém-se numa (imaginária) «fronteira étnica».

Felizmente, estão em desenvolvimento técnicas médicas que permitem a recuperação do clitóris (ver notícia na «Pública» de Domingo). Como é sabido, grande parte do clitóris encontra-se escondido debaixo da pele, e a excisão geralmente afecta apenas a parte visível. A operação de «reparação» consiste em «puxar para cima» parte do clitóris. Três em cada quatro mulheres declaram que recuperam a sensibilidade.

Para quem duvidasse, esta é mais uma prova de que os únicos «milagres» são científicos, e de que até alguns crimes de fundamentalistas islâmicos podem ser reparados. Parabéns, portanto, ao médico francês Pierre Foldès, que não por acaso tem recebido ameaças de morte vindas de fanáticos religiosos.