19 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança
Mensagem – 3.º Encontro Nacional de Ateus
Companheiro/as
A combinação de religião e política não faz um país melhor mas torna o Estado muito pior. Por isso, a sociedade secular não pode consentir nenhum tipo de mistura.
No dealbar do novo milénio o islão é a crença cuja demência dos seus prosélitos atingiu fulgor mais esquizofrénico. Regista-se um fenómeno regressivo, de virulência inusitada, na generalidade dos países submetidos ao Alcorão. O ambiente cultural definha, os direitos humanos são postergados, a liberdade é cerceada e as mulheres massacradas, num mundo cruel de contornos paranóicos.
À medida que a decadência avança e o fracasso da cultura árabe se acentua, a religião é o que resta como afirmação da identidade de uma sociedade que renunciou à modernidade, estagnou e se atolou na miséria, na ignorância e na fé. A religião deixou de ser uma crença para consumo individual e transformou-se no aparelho repressivo que controla tudo e todos, num terror colectivo alimentado pela delação e constrangimento social.
É ingénuo responsabilizar os países colonizadores, culpar a cobiça pelo petróleo, denunciar a espoliação dos seus recursos. Tudo isso é verdade, como é verdade o direito da Palestina à existência, tal como o de Israel, mas o islão é a maior tragédia que se abateu sobre os árabes, mais destruidora do que todas as catástrofes naturais juntas, e a espalhar-se como vírus letal um pouco por todo o planeta.
A religião, mais do que a crença disponível para oprimir e embrutecer os povos, é no islão o cimento que aglutina nações e tribos dilaceradas por ódios e ressentimentos internos, para as orientar contra o inimigo comum – os infiéis, ricos, instruídos e felizes, considerados um insulto à vontade divina. Por sua vez, a língua árabe transforma-se em instrumento religioso a que os clérigos atribuem carácter sagrado.
Perante tal desvario podia pensar-se que a difusão e aprofundamento do laicismo seriam reclamados como vacina capaz de conter o vírus. Puro engano. Um fenómeno mimético, estranho e preocupante, percorre os países democráticos onde a religião dominante, contida no domínio privado, apoia as exigências das concorrentes e reclama o espaço público onde, a médio prazo, espera medir forças e impor a hegemonia. O Estado laico é agora o inimigo comum a abater para, depois, se aproveitar dos órgãos do poder e tentar o exclusivo. Há um recuo civilizacional e ideológico em marcha para ajustar a sociedade ao espírito religioso. Não podendo as religiões renunciar aos equívocos em que se fundamentam, esforçam-se por fazer regredir os povos até serem aceites.
O cristianismo está hoje a ensaiar uma postura integrista, comum a ortodoxos, protestantes e católicos. E não são apenas os clérigos a vociferar em nome de Deus, são legiões de crentes, acirrados nas sacristias, a brandir crucifixos, são intelectuais, organizados em seitas, a debitar a Bíblia e restos do mundo rural, aterrados com o juízo final, a fazer maratonas de jejuns, orações e penitência. O papa JP2 afastou da ICAR muitos cidadãos mas transformou os que ficaram em histéricos soldados de Cristo, em prosélitos ávidos da conversão do mundo, sendo o Opus Dei e o Movimento Comunhão e Libertação dois dos mais sinistros e radicais.
Os cristãos dos EUA, que impõem a Bíblia nos actos públicos, as orações e os crucifixos nas escolas, que gostariam de que a ciência se reduzisse ao artesanato que criou o homem segundo a descrição bíblica, são iguais aos mullahs islâmicos, aos judeus das tranças, aos cristãos ortodoxos que se colam ao aparelho de Estado e, tal como os católicos, se mortificam, encerram-se em conventos e submetem-se aos dogmas. O jejum, a abstinência, a oração e o martírio são distracções masoquistas comuns a todas as religiões, reservando o sadismo para os infiéis e apóstatas.
Não há características étnicas que predisponham ao crime, há preconceitos culturais que o fomentam, fanatismo que o estimula, obsessão pelo Paraíso que o impõe. Urge denunciar as religiões sem estigmatizar os crentes. Fazer a exegese dos textos «sagrados», apontar o seu carácter violento, o espírito cruel e a natureza feroz, reflexos da época em que foram escritos, não é responsabilizar os devotos pelas malfeitorias da religião. O ateísmo combate a mentira e o crime, não as suas vítimas, ainda que estas possam ser fanatizadas e postas ao serviço do despotismo divino.
Nem todos os árabes são muçulmanos e, destes, são em número reduzido os terroristas. Seria um erro confundir um grupo de pessoas particular com o carácter criminoso da crença que não podem abjurar sem risco de vida. O combate às religiões não é contra os crentes. A necessidade de as remeter para a esfera privada não priva os devotos de regalias, pelo contrário, assegura-lhes o acesso aos direitos, liberdades e garantias que só o Estado de direito confere, contra a vontade do clero.
A crueldade dos livros sagrados não pode servir de pretexto para perseguir os crentes mas deve ser-lhes mostrada, para os tornar um pouco menos crentes e bastante mais críticos.
Quando se reiteram as virtudes das religiões, nomeadamente o espírito de paz, devemos precaver-nos contra o ódio que medra nas alfurjas da fé e os crimes que aí se organizam. A pobreza, a discriminação e a fé são uma mistura explosiva que conduz os mais pobres de espírito ao caminho do assassínio e do martírio.
A predisposição beligerante dos credos, na obsessão hegemónica e monopolista que os desvaira, só pode ser travada com a submissão a um quadro legal inflexível que trate igualmente todas as religiões e que submeta ao código penal os crimes com motivações religiosas. A Constituição laica e o seu rigoroso respeito, sem concordatas ou outras tergiversações, é o antídoto para os desmandos cruéis que contagiam os países civilizados. É preciso debelar a infecção para evitar o regresso ao passado.
O ateísmo pretende um mundo de amplas liberdades, onde não se expurguem livros e não voltem a ser possíveis autos de fé; luta pela erradicação do esclavagismo e da xenofobia; exige a igualdade de direitos entre os sexos, que as religiões sempre negaram; crê na fraternidade humana e no êxito da luta contra a pobreza, o medo, a doença, a ignorância e a superstição.
O ateísmo aspira a que as religiões deixem de ser o instrumento de alienação dos povos, que cesse a sementeira de ódio entre as nações, que os escravos do Deus que herdaram dele se possam libertar sem perigo; ambiciona que seja erradicada a violência que os livros sagrados exaltam, para que os anátemas que lançam sejam desprezados e os castigos com que ameaçam se tornem risíveis.
O ateísmo assume, defende e promove, sem tibieza ou tergiversações, os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Não foram os ateus que mataram Deus, foi ele que se suicidou, incapaz de renunciar à crueldade com que os homens o criaram e de conformar-se com a liberdade, o progresso e a modernidade. Tanto pior para o clero que vive à sua custa e ainda bem para os crentes que do mito se libertam.
Este nosso encontro destina-se ainda a achar a forma de combater o crescente poder da ICAR, em Portugal, graças a cumplicidades no aparelho de Estado, enquanto a sua influência vai minguando na sociedade.
Bem-vindos a Coimbra. 19/12/2004