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31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Mais um

Daqui a uma horas acaba mais um ano. Um ano pautado por muitos atropelos a direitos, liberdades e garantias e, mais recentemente, pela tragédia no Índico, mas nem tudo foi mau – a lei do véu francesa que impediu (espera-se) o avanço de um islamismo castrador da individualidade da mulher (ok, isto é muito discutível), a China mostra sinais de tolerância com a nova lei da liberdade religiosa e, algo mais caseiro, a Associação Ateísta Portuguesa está franco andamento.

Em nome de toda a equipa do Diário Ateísta, desejo-vos umas boas entradas – a rezar, agarrados a uma garrafa de álcool ou a alguém – e que 2005 seja um ano ímpar.

31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Cada cavadela, cada minhoca

Para acabar o ano em beleza, D. Jacinto Botelho, presidente da Comissão Episcopal da Família da CEP, considerou a decisão do governo espanhol de equiparar as uniões homossexuais ao casamento como «uma provocação à Igreja e aos valores da família».

O padre considera que «é, no mínimo, provocatório e é um escárnio à doutrina fundamental da Igreja. Não sei o que estará por trás mas não há dúvida nenhuma que estará certamente essa mentalidade laicista, que esquece os valores fundamentais e, possivelmente, será o reflexo de uma programação contra a Família, contra os valores essenciais, contra o progresso da própria sociedade».

Claro que a decisão do governo espanhol é provocatória da doutrina fundamental da ICAR porque esta doutrina é intolerante e sexista e o projecto de lei pretende exactamente o contrário, pretende reconhecer uma situação pertencente a uma realidade social que, actualmente, tem dignidade jurídica e, como tal deve ser reconhecida pelo legislador. Ora, a lei e o Direito não são subsidiários de uma moral religiosa de determinado grupo. Os tempos em que a lei suprema era a que emanava de Deus (entenda-se de alguns que se auto-proclamavam seus intérpretes) já se ultrapassaram há muito.

A Igreja Católica não tem qualquer legitimidade para impor os seus valores fundamentais e a sua visão da família a uma sociedade plural e multicultural. Esta atitude prepotente da ICAR provoca urticária a qualquer um! Há semanas que aqueles senhores de batina bafienta se divertem a remexer esta questão. Já chega! Já se viu que a sua opinão não vai vingar e que, desta vez, ganhou a tolerância.

31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Ateísmo de hastes: Zwei

O segundo artigo do Renas e Veados sobre o ateísmo e a sua relação com a religião (especialmente com a Igreja Católica Apostólica Romana), cuja autoria pertence ao Boss, foca as injustas acusações de intolerância com que frequentemente os ateus se deparam. A nós nunca nos «ocorreu proibir as religiões, a liberdade de culto ou construção de templos», antes pelo contrário, achamos muito bem que exista liberdade de religião e de culto. Por quem são? Construam igrejas à vontade (desde que sigam os planos de ordenamento de território e demais legislação de edificações)! No entanto, se criticamos o que quer que seja relativo a qualquer aspecto da crença, caem-nos em cima apontando o dedo acusador: «Intolerantes!». Como diz o autor, a única intolerância é não aceitar como válido os argumentos apresentados e considerados sagrados.

Continuando, como muito bem sublinha o Boss, «curiosamente quando se trata de criticar as opções ateístas não há qualquer comedimento, o tal que se pede exige aos ateus» e fornece um bom exemplo com um texto do Assumidamente. E segue dizendo que «a hegemonia religiosa da sociedade em que vivemos, [que] distorceu a noção de respeito pela opção religiosa alheia, considerando desrespeito tudo o que não seja a subserviência ou alheamento acrítico». E continua: «Ao mesmo tempo em que é legítimo e vulgar acusar os ateus de pessoas a quem falta algo, pobres de espírito ou mesmo imorais, como se a moralidade fosse algo sobrenatural ao alcance apenas de videntes. E nós ateus estamos habituados a tolerar estes discursos, e a ser comedidos nas respostas – erro crasso, parece-me». De facto é um erro. Temos de mostrar aos crentes e à sociedade em geral que o ateísmo tem um sistema de valores alternativos àqueles apresentados pelas religiões, valores esses assentes numa compreensão alargada da sociedade integrando, sem discriminações, todos os cidadãos independentemente do que são e do que pensam. Há que refutar a ideia que apenas a religião está na base da ética e da moral.

Todos os ateus devem juntar a sua voz ao que é dito: «Num mundo em que é tão mais fácil seguir o rebanho, é de aplaudir aqueles que rejeitam a facilidade de acreditar numa verdade, optando por encarar uma mentira. E é precisamente isto que tornam tão mais lúcidos os ateus, e tão perigosos os religiosos. Constatar uma mentira estimula a denúncia, a crítica, a honestidade racional como via para a construção de um mundo melhor. A crença numa verdade leva a loucuras, à tentação da imposição da verdade aos outros, a intolerância para quem ousa questionar a verdade».

30 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Ateísmo de hastes: Ein

Dois artigos surgiram, ontem e hoje, no Renas e Veados que, pela proximidade com as posições do Diário Ateísta, importa comentar.

A posição de base, publicada no primeiro texto de João O., é idêntica à nossa: «Somos descrentes. Ou seja, não alimentamos qualquer crença religiosa. E somos felizes por não as ter. Apesar disso, não me parece que alimentemos alguma posição anti-católicos ou anti-pessoas religiosas, ou seja, contra quem mantem uma fé ou uma crença em qualquer religião, deus(es) e cultos afins». Também nós não cremos numa entidade divina superior ou metafísica. Como já esclarecemos várias vezes, nada temos contra os crentes. Convivemos pacificamente com eles, temos muitos amigos crentes, não nos fechamos num círculo e não nos relacionamos somente com ateus.

João O. continua: «este blog não compactua com posições reacionárias e anti-direitos humanos, nomeadamente a da ICAR no que toca aos direitos civis, sociais e políticos das pessoas. E aqui condenamos de forma veemente esta instituição. Por tudo o que ela significa e pela sua influência. Por ser uma monarquia teocêntrica, patriarcal e sexista. Como também não nos cansamos nem cansaremos de condenar as posições atentatórias à laicidade do Estado, os privilégios que o Estado confere a esta instituição por via da negociata concordata, nem os seus alinhamentos iguais aos da direita mais reaccionária. Também por questões históricas, como inquisições, apoios a ditaduras, apoios (velados ou explícitos) a genocídios e outras atrocidades em que esta malta participou». E eis que as nossas posições se encontram novamente. Não temos nada contra os crentes – cada um acredita no que quer -, mas não renunciaremos ao direito de nos indignarmos contra uma organização que perseguiu e continua a perseguir, quer pela condenação do aborto quer pela proibição de métodos contraceptivos, mulheres, condena homossexuais, defende a sua moralidade como sendo a única e verdade e negoceia tratatos internacionais por baixo da mesa. Mas, antes de nos acusarem de só «atacarmos» a ICAR, esclareço desde já que somos contra qualquer instituição religiosa que promova tais valores.

Um outro ponto que João O. foca é o poder que a ICAR tem de «difundir a sua doutrina sem travões(…) usando da sua influência eleitoral, decidindo quer como eminências pardas, quer como formadores de opinião, os destinos de todos», católicos ou não.

30 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e a liberdade

O diário «El Periódico» dá conta da violenta campanha desencadeada pela hierarquia católica argentina contra o presidente Kirchner, tido por demasiado liberal, por causa de uma exposição de arte que os crentes consideram blasfema. Os bispos abominam uma máquina trituradora de carne que destrói imagens religiosas, um bombardeiro americano com um Cristo crucificado colado a uma das asas e outras imagens menos piedosas.

A ICAR amaldiçoa, não por razões estéticas, a arte que não glorifica Deus e os anjos e está particularmente irada com a reabertura da exposição do artista plástico León Ferrari, autorizada por um tribunal de segunda instância após ter sido encerrada por uma juíza, na sequência do pedido de grupos ultramontanos.

O bispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Bergoglio, convocou os católicos para manifestações de rua a fim de impedir o «sacrilégio» que o carácter «blasfemo» da exposição constitui. Esta atitude – lê-se no «El Periódico» – é uma cortina de fumo que encobre uma luta profunda entre o Governo argentino e os bispos alinhados com a extrema-direita.

León Ferrari, de 84 anos, exilado durante a última ditadura (1976/83) abençoada pela Igreja católica e em que lhe desapareceu um dos seus filhos, afirma: «Sou contra a tortura e o cristianismo é a favor, porque o pensamento ocidental e cristão sustenta a existência do inferno o que implica aprovar ou exaltar o castigo a quem é diferente».

Não é a primeira vez que este pintor sofre a censura, mas agora a populaça, acirrada pelo clero, entrou no Centro Cultural Recoleta, onde decorria a exposição, e destruiu três obras ao som de gritos selvagens, «Viva Cristo-Rei!», a que se seguiu uma «missa de desagravo» à Virgem e uma intensa campanha mediática de denúncia à justiça.

Em contrapartida a sociedade civil desceu à rua para defender a liberdade de expressão.

Temas como a contracepção, a pílula, a despenalização do aborto, a educação sexual nas escolas e a união civil dos homossexuais são vistas como ameaças que corroem os alicerces da ICAR e levam os bispos a terçar armas contra o Governo do presidente Kirchner, à semelhança dos seus homólogos espanhóis, em beata cruzada contra o presidente Zapatero.

Apostila 1 – Este artigo, não sendo a tradução literal, foi elaborado com base no do diário «El Periódico», 29-12-04.

Apostila 2 – A intolerância do clero católico fica exemplarmente demonstrada.

Apostila 3 – Na Argentina e em Espanha trava-se uma luta feroz entre o Estado e a ICAR, entre a religião e a liberdade, entre a laicidade e o clericalismo.

29 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Maratona de devotos celibatários

Sob os auspícios da Comunidade Taizé, comunidade internacional e ecuménica, fundada em França, em 1940, na localidade que lhe dá o nome, chegaram ontem a Lisboa milhares de jovens para uma maratona de oração, meditação, leitura da Bíblia, cânticos e outras actividades litúrgicas, que se prolongarão até ao próximo dia 1 de Janeiro.

Os «irmãos», todos comprometidos com o celibato, são acompanhados pelo fundador, irmão Roger, e os pontos altos das festividades terão lugar na sexta-feira, a partir das 23:00, nas paróquias, em comunhão com os povos que sofrem, «vigília de oração pela paz», seguida de uma «festa das nações», também nas paróquias. O Encontro religioso termina em apoteose às 18:30 do dia 1 de Janeiro com uma «Eucaristia Vespertina da Epifania em Fátima».

Do vasto programa do encontro constam piedosos objectivos e vários pedidos a Deus, nomeadamente um futuro de paz. No entanto, face à calamidade que varreu o Sudoeste Asiático no último Domingo e às pavorosas consequências do terramoto e do maremoto que se seguiu, temo que os irmãos celibatários de Taizé e os jovens que os acompanham, ao chegarem a Lisboa, tenham chegado tarde, ao sítio errado e com as preces trocadas.

29 de Dezembro, 2004 André Esteves

Fait Divers dos Últimos dias

Pastor Baptista burla seguradora em falso assalto

O Pastor Benjamin Joseph Martin da Igreja Baptista de Grace foi preso e acusado por simular um roubo na sua casa e pedir milhares de dólares em compensação da sua seguradora.

Trata-se de um esquema muito comum nos Estados Unidos. Deus só lhe devia dar migalhas e o bom pastor fartou-se. Preferiu ser ele próprio a fazer o milagre da apólice de seguro…

A Notícia

Reverendo da Igreja da Inglaterra condenado por abuso de menina de 13 anos

O agora ex-Reverendo Kevin Conway, professor e pai de 3 crianças foi condenado por abuso sexual a uma menor de 13 anos. O abuso começou quando a menina lhe foi pedir apoio por ser maltratada pelos seus colegas no recreio da escola.

A posição de poder e confiança adquirida é a primeira parte do problema da pedofilia no clero.

A Notícia

Padre atingido a tiro por antigo abusado, vai a tribunal

Por um milagre, o padre Maurice Blackwell sobreviveu aos três tiros que a sua antiga vítima lhe apontou. A antiga vítima tinha sido abusada enquanto ajudava à missa numa paróquia de Baltimore. Pela foto, podemos ver que a pedofilia católica não escolhe raças, tal como os seminários.

A Notícia

Monges budistas tibetanos prevêem fim do mundo para 2012. Vamos ser salvos por extra-terrestres.

A influência cultural do New Age parece chegar ao Tibete. Este gênero de «visionamentos astrais» são o que acontece quando as únicas visitas dos monges no Tibete são viciados em OVNIS e crentes nas energias dos cristais. É tempo de mais gente, sem manias de cristais, levantar a voz pela ocupação do Tibete pela China. Tibete livre já!!

A Notícia

OVNIS passeiam-se sobre instalações nucleares iranianas

Alguém já leu os dossiers da CIA sobre o uso dos OVNIS como arma psicológica?

A Notícia

Relíquia do tesouro do Rei Salomão é logro

A juntar à tábua de consagração do templo de Israel e ao sarcófago de Tiago. A manipulação da arqueologia para fins ideológicos não parece ter fim na terra santa. A origem destes artefactos fraudulentos já foi traçada aos grupos de extrema direita israelita, tanto para fortalecer as «bases históricas» do estado judaico como para alimentar o interesse da direita cristã americana na questão judaica. Aparentemente, com fé e raça fazem-se grandes descobertas arqueológicas em Israel…

A Notícia

Polícia colombiana à procura de droga em caixa, encontra bonecas Vodu. Polícias fogem em debandada.

É o que acontece quando temos uma guerra à droga financiada pelos EUA. Os agentes americanos devem encher os seus colegas colombianos de histórias sobre seitas satânicas.

Será a Colômbia, o maior exportador mundial de bonecos de vodu (recheados de droga)? E a diversificação para ídolos pagãos, imagens católicas e múmias egípcias? É para quando?

A Notícia

Médium chileno recebe MMS’s da Virgem Maria

Segundo este conceituado médium chileno, ele terá recebido uma mensagem da virgem no seu telemóvel. Ficamos a saber que a mãe de Jesus acompanha a moda e que já comprou um telemóvel com câmara fotográfica. E já agora… Quando é que alguém oferece um à irmã Lúcia?

A Notícia

Homem Santo indiano não se senta ou deita há dois anos

Segundo as suas palavras: «senti uma energia divina dentro de mim e desde então nunca mais me sentei.» As crises crónicas de hemorróidas são assim…

A Notícia

Pai Natal deixa de receber dinheiro do estado dinamarquês. Sem dinheiro para os selos das cartas, só responde aos e-mails

Uma organização dinamarquesa que respondia às cartas de crianças ao pai natal, deixou de receber financiamento estatal. Talvez por propagar um logro…

Para quando o fim do financiamento da igreja luterana dinamarquesa e companhia?

A Notícia

Pai Natal espancado por gang de miúdos ladrões de doces

O Pai Natal já devia saber. Isto dos doces torna as crianças hiperactivas…

A Notícia

Cornflake que parece um cornflake à venda no e-Bay

Alguém farto da tosta com cara e do cereal em forma de homem, resolveu pôr à venda um cornflake com aspecto de cornflake. Considerando o recente aumento de ofertas de objectos milagre no e-bay, um cornflake que se parece um cornflake é realmente uma raridade.

A Notícia

29 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Propaganda política à moda medieval

Veja aqui um detalhe do mural, e aqui a obra completa

Um mural do século XIII descoberto há quatro anos na cidade Massa Marittima, Toscana, na opinião do Dr. George Ferzoco, constitui o primeiro exemplar de propaganda política na História.

No livro que publicou recentemente, o perito em história toscana explica que este mural pretendia ser um aviso aos locais dos apoiantes do papado, os Guelphs, para que não permitissem a subida ao poder dos seus rivais políticos, os Ghibellines, já que estes introduziriam a heresia, perversão sexual, feitiçaria e caos.

Os Guelphs e os Ghibellines constituíam duas facções que, durante a Idade Média, lutaram por décadas pelo poder na Toscana em particular e no norte da Itália em geral. Niccolo Machiavelli é certamente mais (injustamente) conhecido pelo «O Príncipe» mas a sua obra prima «História de Florença», especialmente a partir do capítulo V, ilustra magistralmente este episódio de uma Itália dividida por guerras fraticidas que pretendiam o controle secular pela Igreja de Roma.

No dito mural propagandístico domina uma árvore deveras peculiar, já que os seus ramos estão recobertos de exemplares sortidos de uma parte específica da anatomia masculina. Debaixo da árvore são representadas mulheres, que Ferzoco diz simbolizarem bruxas, entregues a uma tarefa muito popular, de acordo com o folclore toscano dominante à época: o cultivo em ninhos de aves dessa parte da anatomia masculina, previamente roubada a incautos, que depois de assim tratadas adquiririam vida própria.

Duas das mulheres representadas parecem lutar pela posse de um destes animizados orgãos sexuais masculinos magicamente cultivados. Outra é sodomizada por um dos vinte e cinco «objectos» mágicos voadores.

«Na Idade Média, os heréticos dedicavam-se a uma coisa em especial que era a sodomia.» explica o Dr Ferzoco. «Para a mente italiana medieval, tal constituía um acto que exemplificava o agir contra natura, desarmonia, e falta de sentimento de comunidade.»

O autor relembra ainda uma passagem do tenebroso Malleus Maleficarum, o manual de caça às bruxas da santa Inquisição, responsável pela queima na fogueira de entre seiscentas mil a nove milhões de mulheres inocentes. Nela monges indicam ser prática das bruxas «a recolha de orgãos sexuais masculinos em grandes números, tantos como vinte ou trinta, e colocam-nos num ninho de pássaros ou fecham-nos numa caixa, onde eles se locomovem como membros vivos e comem aveia e milho, como tem sido visto por muitos e é alvo de descrição comum».

29 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Os fantasmas do Vaticano

Há temas, ditos fracturantes, que a ICAR gostaria de silenciar. O aborto, a eutanásia e o casamento de homossexuais são os que mais a crispam e apaixonam. E, no entanto, não podem ser ignorados nem perpetuamente adiadas as soluções legais.

A moral não é universal nem legitima a imposição de todas as normas e, muito menos, a punição pela sua violação. O divórcio, por exemplo, que é um mal, não pode ser proibido e só a intolerância religiosa e a cumplicidade da ditadura o limitou e, na prática, impediu, até ao regresso à democracia. O adultério é certamente iníquo e, no entanto, ninguém de são juízo se atreveria a propor uma punição legal, mas é bom lembrar que foi esse o crime que levou Camilo Castelo Branco ao cárcere.

Os que hoje se opõem à descriminalização do aborto são os mesmos que, já depois do 25 de Abril, não aceitavam que o risco de vida da mãe, as malformações fetais e a violação fossem motivos legítimos para a interrupção voluntária da gravidez, como se a lei impusesse a obrigação e não, apenas, consagrasse a permissão.

O mesmo acabará por acontecer com a eutanásia e com os casamentos dos homossexuais, cujo precedente existe em vários países europeus, apesar do terrorismo ideológico com que os adversários se opuseram. Convém repetir que é um direito que se consagra e não uma obrigação que se impõe.

O que surpreende nos adversários das alterações legais liberalizadoras, ou da simples discussão, não são as opiniões que perfilham, é o ódio que nutrem pelas ideias que colidem com as suas.

Há pessoas para quem a liberdade religiosa se confunde com o direito ao proselitismo e a exigência de conversão dos réprobos. Não lhes passa pela cabeça que a conversão e a apostasia, a ortodoxia e a heterodoxia, a devoção e o agnosticismo, a beatice e o ateísmo são direitos que se inserem na liberdade religiosa que, até hoje, só a laicidade do Estado conseguiu tornar efectiva.