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17 de Janeiro, 2005 jvasco

Transcendentalidade

Com meia dúzia de raciocínios lógicos, podemos facilmente pegar nos pressupostos e crenças das religiões mais conhecidas e chegar a meia dúzia de contradições.

Os crentes, que não gostam que se classifique as suas crenças como contraditórias ou irracionais, costumam repetir que essas crenças não atentam contra a razão: estão para além da razão.

Assim sendo, é neste contexto que adoram usar a palavra «transcendentalidade». Algo transcendental é algo que nos ultrapassa, que ultrapassa a nossa razão. Assim sendo, onde algum amante da lógica e da coerência vê uma contradição crassa, o crente vê uma limitação humana.

O crente precisa apenas desse axioma: «Deus é transcendental». Depois, pode escolher os restantes que quiser, por mais contradições que encerrem, que, a partir daí, ninguém o pode apanhar em contradição – pois nós usamos a lógica humana, e a transcendentalidade de Deus faz com que ela nada valha.

As contradições deixam de o ser, para passarem a ser mistérios. Qualquer semelhança com o «duplipensar» Orwelliano não é coincidência…

Os crentes não entendem que a mesma lógica pode ser aplicada a qualquer coisa. Eu posso mostrar que faz sentido acreditar no Pai Natal, nos Vampiros, nos Motoratos de Marte, de acordo com esse raciocínio. A trancendentalidade é um cartão verde que me permite acreditar em qualquer disparate que queira, protegendo-me das mais esmagadoras evidências de que a minha crença não faz sentido.

Serve para que as pessoas possam ver o mundo como querem ver, e não como ele é.

E para que, vivendo nas ilusões que constroiem, mais dificilmente o tornem num lugar melhor.

Eu prefiro o património civilizacional que me faz acreditar na lógica e rejeitar a trancendentalidade. Deu muito melhores frutos.

16 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Carta ao «Expresso»

Só pode tratar-se de lapso o cabeçalho de «A Causa do Aborto», (EXPRESSO, 15-01-05). Não é o conteúdo do texto, piedoso e retrógrado como muitos outros, mas o facto de vir assinalado como «EDITORIAL», que me leva a desconfiar tratar-se de gralha, circulando como opinião do Expresso o que provavelmente não passa de um comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

No mesmo dia em que a França assinalou 30 anos da «Lei Veil», lei da autoria da ministra da Saúde Simone Veil, que autoriza a interrupção voluntária da gravidez e cuja comemoração levou à rua milhares de manifestantes, sob os auspícios de organismos franceses de planeamento familiar, o EXPRESSO envolve-se numa catilinária contra o aborto.

O referido artigo repete os lugares comuns do costume (prática bárbara, traumatizante para a mulher, acarretando sentimento de culpa, arrependimento, etc.), e condena expressamente a despenalização como um sinal errado dado à sociedade, sem alguma vez referir que se trata de um problema de saúde pública, agravado pela perseguição às mulheres, com a devassa da vida íntima e a ameaça da cadeia.

A afirmação de que «em todos os países que despenalizaram o aborto, o número de abortos aumentou» carece de prova e pode contribuir para a salvação da alma de quem o refere mas não possui rigor científico.

É por isso que a prosa em apreço só pode ser da autoria da Conferência Episcopal Portuguesa (em que só participam homens) ou de um dos numerosos grupos de pressão que nascem nas sacristias e não do Expresso cuja isenção se não pode compadecer com o terrorismo ideológico do artigo.

Só o facto de estar previsto um novo referendo sobre a matéria deveria levar à contenção do jornal evitando o afloramento de um catolicismo agressivo e ultramontano mais consentâneo com o séc. XIX em Portugal do que com a Europa actual.

16 de Janeiro, 2005 André Esteves

A Caridade Islâmica mete água

A grande tragédia do maremoto do Índico a todos nós tocou. Ainda não tinham acabado aquele período do ano em que a pressão da religião aumenta, quando chegaram as primeiras notícias e imagens da catástrofe. Ninguém no mundo ocidental ficou indiferente.

À distância, todos sofremos por sermos meros espectadores e quando nos pediram para ajudarmos, fizemos o gesto possível: demos do nosso dinheiro para que as ONG’s pudessem actuar no terreno.

Quando governos como o dos EUA fizeram as habituais mínimas ofertas sacrificiais em ajuda humanitária (sempre com as condições e manipulações habituais) a opinião pública forçou esses mesmos governos a abrir os cordões à bolsa, principalmente, quando ao mesmo tempo pediam orçamentos inflacionados para alimentarem a guerra.

Foi emocionado que vi o presidente da AMI agradecer, tocado no seu coração, pela generosidade que os portugueses demonstraram e que lhes permitirão montar um hospital e formar futuros técnicos de saúde no local. Não será a prosélita caridade catolicazinha que ONG’s como a AMI realizarão. Nada será como dantes nas costas do Índico.

Em Aceh, ilha indonésia com uma significativa população católica, as mesquitas prestam apoio selectivamente e os grupos paramilitares fundamentalistas islâmicos atacam e vigiam os estrangeiros, com o medo da contaminação mental dos autóctones.

Os estrangeiros, já não são só padres católicos, actuando sob um acordo tácito de influências que contactam com a população… O Islão fundamentalista e nacionalista das ilhas indonésias receia um novo Timor Leste em Aceh.

No meio destas notícias, chega-nos a constatação de que os países do golfo pérsico, pouco contribuiram para o esforço humanitário. Aliás…

A única ajuda que enviam é para muçulmanos.

Claro que os locais não olham a quem dá a ajuda

Excepto se a ajuda vier de Israel.

Não tenhamos rodeios. O Islão dentro de si, ordena a caridade. Aliás é um dos claros pilares da fé, dar uma percentagem dos rendimentos pessoais todos os anos para a caridade. No Corão encontramos referências explícitas de que toda a ajuda que venhamos a dar a um irmão muçulmano será considerada por Allah no dia do Julgamento. Mas também é explícito que não se deve fazer caridade com os infiéis… Nem com os outros crentes do livro. No máximo dos máximos, um muçulmano poderá ajudar um infiel que considere estar prestes a converter-se

É compreensível assim o comportamento dos países do golfo Pérsico. Só seguem as ordens de Allah.

O Islão revela a sua verdadeira dimensão: uma religião tribal, que nega os instintos humanos mais benevolentes, que todos herdamos na nossa herança genética comum. Tudo em prol da estratégia e visão do mundo do seu fundador Maomé.

A laicidade é antes de mais a constatação do perigo que são os grupos com mundivivências fechadas e totalitárias. É ela a garantia, na sociedade, da liberdade de pensamento do indivíduo.

Não é como podemos ler nalgumas fatwas, um mecanismo para impedir a contaminação ideológica das religiões e um impedimento à destruição das barreiras que nos impedem de reconhecermo-nos uns aos outros como seres humanos. O Islão no ocidente revê-se no multiculturalismo e conta com ele quando é minoria.

As religiões religam os crentes aos grupos, no que eles têm de pior.

Deus é só uma desculpa.

Post Scriptum Agradeço ao Professor Moisés Espírito Santo por ter exposto este pormenor teológico do Islão, durante uma conferência sua na Figueira da Foz.

15 de Janeiro, 2005 Palmira Silva

Verdade ou ficção: fé e reabilitação

Sob a égide do presidente G. W. Bush multiplicam-se nos Estados Unidos iniciativas destinadas a promover a religião, seja sob a forma de estudos pseudo-científicos sobre o poder da oração, apoios de mais de um bilião de dólares a organizações baseadas na fé, a criação de um gabinete destinado a financiar e promover essas organizações, o White House Office of Faith-Based and Community Initiatives (OFBCI), e ainda uma organização que presta auxílio na disseminação de informação sobre programas existentes e nas formalidades necessárias para aceder ao financiamento. Para além da criação de um plano «cristão» de saúde destinado aos trabalhadores federais, que exclui contraceptivos, interrupção voluntária da gravidez, esterilização ou reprodução assistida. Tudo possível porque o presidente Bush, depois de não ter conseguido convencer o Congresso de tal decisão, alterou por sua iniciativa as leis federais de forma a ser possível financiar organizações religiosas e planeia agora alteração de mais leis de forma a permitir o mesmo em relação a financiamento estadual.

Todas estas iniciativas, que violam claramente a laicidade do estado, princípio basilar da Constituição dos Estados Unidos, têm a oposição de vários grupos cívicos de que se destaca a organização Americans United for Separation of Church and State.

Uma das iniciativas promovidas pelo presidente em 1997, na sua qualidade de governador do estado do Texas, foi o programa InnerChange Freedom Initiative ao cargo da Prison Fellowship, uma organização fundada pelo conselheiro de Nixon, Charles W. Colson, condenado em 1974 pelo seu envolvimento no caso Watergate, cujos objectivos consistem em levar o Evangelho aos reclusos e aprofundar o seu relacionamento com Cristo. Como se esperaria de tal organização, o programa consistiu em sessões contínuas de evangelização, oração e aconselhamento cristão para um grupo de 177 voluntários. Um grupo equivalente que não participou no programa serviu de controle à experiência. Os resultados do programa foram analisados pelo Centro de Investigação em Religião e Sociedade Civil da Universidade da Pensilvânia, e divulgados com grandes parangonas e elogios nos jornais como sendo prova irrefutável da necessidade de mais programas religiosos para promover a reabilitação de reclusos, já que, de acordo com as fontes oficiais, se verificou que os participantes do programa apresentavam uma menor probabilidade de virem a ser detidos (17.3% contra 35% do grupo de controle) ou condenados (apenas 8% contra 20.3%).

Na realidade, os números reais indicam que os participantes no programa tiveram resultados piores que o grupo de controle, ou seja, que reincidiram mais em actividades criminosas. O que se passou foi que dos 177 reclusos que participaram no programa a Prison Fellowship ignorou a maioria e divulgou os resultados referentes a apenas 75 reclusos. Ou seja, os dados foram viciados de forma a demonstrar o sucesso retumbante de uma iniciativa na realidade falhada! Iniciativa falhada que neste momento se repete em inúmeras prisões americanas…

14 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

A fúria religiosa

A fúria fundamentalista do islão, várias vezes denunciada no Diário Ateísta, longe de ser contida, parece exercer uma estranha acção mimética nos clérigos de outras religiões. Os extravagantes desígnios de Deus não são substancialmente diferentes entre as diversas religiões nem a sua interpretação se afasta demasiado nas diversas latitudes. É ainda a religião que influencia a cultura, mais do que esta o fenómeno religioso.

À natureza misógina junta-se o carácter discriminatório de que as mulheres são vítimas por parte da tradição e da palavra revelada por Deus. A demência ideológica dos aparelhos religiosos contagia as sociedades submetidas à sua influência. Não admira, pois, que sejam as próprias mães a transmitir a opressão patriarcal, a controlar a sexualidade das raparigas e a educá-las na obediência e resignação e, nalguns casos, a serem cúmplices na barbárie da excisão do clitóris.

As religiões estimulam o sofrimento e a renúncia ao prazer, promovem o racismo e a xenofobia e usam a censura pública e colectiva para manterem o domínio clerical sobre a sociedade. Os padres não são trabalhadores de empresas úteis à sociedade, são proxenetas de Deus que semeiam o terror e embrutecem os povos. Quando podem, apropriam-se dos meios de produção e dominam o poder económico, político e militar, não dando espaço para que a instrução e a assistência se libertem da sua tutela.

A opinião, várias vezes expressa no Diário Ateísta, vem hoje corroborada por Vasco Pulido Valente no «Público» com um excelente artigo «Um mau sintoma», em que alerta para o «catolicismo agressivo e fanático, que lembra o pior ultramontanismo do séc. XIX». O exemplo que dá, João César das Neves, é o de um excelente talibã da ICAR, frequentemente objecto do repúdio do Diário Ateísta.

14 de Janeiro, 2005 André Esteves

Fait-Divers dos Últimos Dias

Padre bêbedo abusa sexualmente uma criança de 7 anos. Pais tentam esconder o facto da polícia.

Detroit, EUA. Durante uma visita pastoral à família, o Padre Luís Javier de Alba Campos, ficou bêbedo com o homem da casa e foi convidado a dormir em casa. Foi instalado num quarto, onde dormia um dos filhos do casal que acabou por seviciar. Os pais, tendo tomado conhecimento dos factos, no dia seguinte ordenaram às 3 crianças que se calassem sobre o assunto. Na noite anterior, o chefe de família tinha exclamado, bêbedo, que estava muito contente pelo facto do seu filho dormir na cama com o padre, que teriam a oportunidade de conversar muito sobre a vida, Deus e o Universo…

O irmão e irmã mais velhos, aparentemente mais preocupados com o abuso que os pais, falaram à segurança social estadual, que contactou a polícia. O caso encontra-se agora em julgamento.

Católicos antes de pais… Temos candidatos a canonização.

A Notícia

Pastor Baptista acusado de abuso sexual a duas meninas

Wetumpka, EUA. O Pastor Garett Albert Dykes, da Igreja Baptista do Calvário de Wetumpka foi preso sob a acusação de abuso sexual, sevícias e sodomia com duas menores de 10 anos.

Isto realmente já começa a parecer uma competição entre religiões.

Se ao menos o Pastor se limitasse ao habitual assalto ao fundo de maneio da igreja…

A notícia

Mulher nua nos correios, pede aos presentes que se arrependam dos seus pecados

Orem, EUA. uma mulher nua, excepto pelas botas e óculos escuros entrou nos correios para ver uma caixa postal. Depois de ler o correio, dirigiu-se aos presentes para que estes se arrependem-se dos seus pecados e aceitassem Jesus no seu coração…

A polícia tomou-a sob custódia e está presentemente numa instituição para os doentes mentais.

Trata-se de uma antiga tradição. Era comum na idade média surgirem pessoas nuas, nas aldeias, a pregarem. A exegese que seguiam era muito simples: nus e vivendo como no Jardim do Éden, estariam livres do pecado de Adão e Eva. Não é certamente uma loucura original…

A notícia

Criança Amish morre electrocutada ao mexer em cabo de alta tensão

Uma criança Amish encontrou um cabo de alta tensão caído no chão, à frente da carroça que conduzia. Dado que os Amish, vivem uma vida simples e desprovida de qualquer tecnologia moderna, não adquirem qualquer conhecimento do perigo da corrente eléctrica.

Ao pegar no cabo para o afastar do caminho, a criança morreu de um choque de 80.000 Volts.

Irónico, se não fosse trágico. Aprendemos todos fazendo. O míudo nunca teve a oportunidade de apanhar um choque numa tomada.

A notícia

Pregador morre, enquanto pronunciava a frase «Quando eu estiver no céu… Gahhhrgh»

Flórida, EUA Durante uma pregação, o Pastor Jack Arnold, 69 anos morreu de enfarte cardíaco enquanto pronunciava a frase: «Quando eu estiver no céu…»

Infelizmente, o pastor já tinha tido vários problemas cardíacos anteriores e sido submetido a um bypass cardíaco. Alguma coisa lhe passou pela cabeça, quando começou a afirmação, que o pôs muito nervoso. O coração é que não aguentou.

A notícia

Coreia do Norte: Cabelo comprido rouba energia cerebral.

O regime da Coreia do Norte iniciou no mês passado, um sistemático ataque de propaganda nos jornais, rádio e televisão contra o cabelo comprido.

Trata-se, segundo as mensagens transmitidas do sinal de um estilo de vida capitalista e corrupto. Além disso, avisam o esclarecido proletariado que o cabelo comprido rouba energia cerebral…

Com o pouco que têm para comer na Coreia do Norte, realmente convém poupar energias.

A notícia

Vítimas do Tsunami deixadas a morrer, por serem de castas intocáveis

Na costa indiana assolada pelo Tsunami do Índico, os sobreviventes dalits da casta dos intocáveis têm sido deixados a morrer, roubados da sua comida e àgua e sistematicamente afastados das filas dos hospitais e centros de apoio alimentar.

Os responsáveis? Os elementos das outras etnias, principalmente os da etnia Meenavar que se dedicam à pesca. Cada vez que alguém me fala de Karma e da roda da vida, dá-me vontade de vomitar.

A notícia

Ex-criança da seita Meninos de Jesus mata mãe e suicida-se

Foi encontrado morto no deserto, por suicídio, Richard P. Rodriguez, também conhecido como Davidito. Posteriormente descobriu-se que terá morto a mãe a tiro, antes de se deslocar para o deserto e se suicidar.

Davidito, foi o herdeiro proclamado da liderança da seita Meninos de Jesus, hoje conhecido pelo nome a Família. A seita teve início na Califórnia dos anos 60 e cresceu através da criação de comunas hippies de «Jesus freaks». O fundador, David «Moisés» Berg, pregava uma mensagem que misturava valores contra-cultura, pentecostalismo, e fim-do-mundo.

Com o passar dos tempos, Berg criou um método de evangelismo muito original, chamado «Flirty-fishing». Nele as mulheres da seita, seduziam e tinham relações sexuais com estranhos, para lhes pregar a palavra de deus e demonstrar o verdadeiro amor de Jesus. Escusado será dizer, que ao fim de algum tempo, Berg encorajava as suas «pescadoras de homens» a aceitar qualquer doação decorrente do acto e a entregá-la à Família.

Com o tempo, Moisés Berg defendeu a pedofilia, como manifestação do amor de Jesus Cristo, e chegou a publicar a história de como Davidito tinha sido seduzido e amado pela sua mãe-adoptiva.

Uma história a contar, no futuro…

A notícia

Líder londrino da Kaballah afirma que os judeus mortos na Shoah foram responsáveis pela sua própria morte

Durante um trabalho de investigação jornalística, um jornalista infiltrado no centro Kabalah de Londres (frequentado por Madonna e família), teve a infeliz confidência, por parte do líder do dito centro, de que os judeus que morreram no Holocausto, tinham sido os responsáveis pela sua própria morte…

Será o homem o filho de um Kapo, para estar com estas pseudo-racionalizações?

A notícia

13 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Jesus

Um dia o enorme crucifixo da velha igreja ganhou vida. Genuflectida a seus pés uma beata atacava a quarta salvé-rainha enquanto, do lado direito, um pouco atrás, antes do transepto, outra beata debitava padre-nossos junto ao altar da Virgem Maria. É assim a força do hábito. Trocam-se as orações e os pedidos sem reclamação dos ícones nem reparo dos mendicantes. Ao mesmo tempo o padre vociferava latim e dizia a missa.

O senhor Jesus já por ali andava dependurado, há uns séculos, a suportar a crueza dos espinhos e o mau aspecto das chagas que nunca mais saravam. Enegreceu com o fumo das velas, suportou os odores de quem cuida melhor a higiene da alma do que a do corpo, ouviu gente em desespero e pedidos de vingança de almas danadas que lhe solicitavam o infortúnio dos inimigos.

Conheceu centenas de padres e numerosos bispos a quem nunca fez reparo pelo latim periclitante, a pobreza das homilias ou a riqueza dos paramentos. Ouviu confissões eróticas sem mover a tanga, safadezas incríveis sem se ruborizar, misérias de vidas e vidas de miséria, sem um suspiro, um grito ou um vómito. A tudo o senhor Jesus se habituou, até às versões diferentes a respeito da sua própria vida.

Ouviu um bispo irado a condenar os jacobinos, outro a amaldiçoar os judeus, e, todos, conforme as épocas, a execrar a Revolução Francesa, a república, o laicismo, a apostasia, a blasfémia e o preservativo.

A tudo o senhor Jesus assistiu, em silêncio, no bronze em que o esculpiram. Até um dia. Até ao dia em que o padre apostrofou os incréus que se afastavam do culto, faltavam à santa missa e se furtavam à eucaristia; admoestou as donzelas impacientes que não esperaram pelo casamento; ameaçou os casais que substituíam a castidade pelo preservativo e contrariavam os desígnios de Deus quanto aos filhos. Jesus despertou no preciso momento em que o oficiante explicava que naquelas rodelas de pão ázimo ia ele próprio, em corpo e sangue, pousar nas línguas ávidas de quem guardara jejum desde a meia-noite, bem confessado, melhor arrependido e excelentemente penitenciado.

Foi então que arrancou os cravos, deu um piparote na coroa de espinhos, abandonou a cruz e esgueirou-se por entre os devotos sem ninguém notar, nem a beata das salvé-rainhas, nem o padre que administrava a sagrada partícula, nem os comungantes habituados a fechar os olhos. Ninguém reparou que no seu lugar ficou apenas um sinal mais em raiz de nogueira com quatrocentos anos, aliviado do peso e do freguês.

Jesus saiu pela porta principal e não mais foi visto.

12 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Homenagem a Ramón Sampedro

Faz hoje sete anos que o velho marinheiro tetraplégico exalou o último suspiro. Há anos que aquela bela cabeça sem corpo pedia a morte. Vi-o várias vezes na televisão, lúcido e sereno, exigindo que o deixassem morrer. «Sou uma cabeça sem corpo, tenho direito a morrer» – repetia.

Hoje, sete anos volvidos, decorrido o tempo para a prescrição do «crime», a amiga que o ajudou, Ramona Monteiro, revelou como o fez. A morte foi gravada por vontade de Ramon, que demorou anos a cumprir um desejo, dolorosos anos de sofrimento que a hipocrisia judaico-cristã queria prolongar até que «Deus quisesse».

Sabe-se agora que a morte foi mais dura do que previra o lúcido suicida e do que julgara a abnegada mulher que acompanhou os três últimos anos de vida do corajoso galego.

O cianeto não terá proporcionado uma morte tão rápida e doce quanto a eutanásia exige mas foi o produto que Ramon conseguiu. Enquanto morria os olhares de amor ficaram como a última carícia de quem partiu e de quem ficou, com o aviso de quem se despedia: «depois de beber não me beijes os lábios».

12 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

Estatutos AAPistas

Após inúmeras conversações no universo internauta e após a discussão no ENA III, aqui estão os estatutos da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), já em processo de formalização.

Para aguçar a curiosidade, aqui se referem alguns dos artigos.

Artigo 1º

(Constituição, denominação e natureza)

É constituída, por tempo indeterminado, uma associação sem fins lucrativos, de natureza cívica, cultural e apartidária, e dotada de personalidade jurídica, sob a denominação «Associação Ateísta Portuguesa».

Artigo 2º

(Símbolo da Associação Ateísta Portuguesa)

A Associação Ateísta Portuguesa adopta como símbolo um átomo estilizado com a sigla «AAP» inserida.

Artigo 4º

(Objectivos)

A Associação tem por objectivos:

1. Fazer conhecer o ateísmo como mundividência ética, filosófica e socialmente válida;

2. A representação dos legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião no exercício da cidadania democrática;

3. A promoção e a defesa da laicidade do Estado e da igualdade de todos os cidadãos independentemente da sua crença ou ausência de crença no sobrenatural;

4. A despreconceitualização do ateísmo na legislação e nos órgãos de comunicação social;

5. Responder às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.

Podem sugerir iniciativas a realizar, no futuro, pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP) através da lista de discussão ou, então, do fórum web do Ateísmo.net.

11 de Janeiro, 2005 jvasco

Maremoto foi obra de Alá

O maremoto que deixou mais de 156 mil mortos no sul e sudeste da Ásia em 26 de dezembro foi causado por Alá, para castigar os homens por não respeitarem os seus mandamentos, de acordo com os líderes islâmicos do Sri Lanka.

Os “factos” que comprovam esta afirmação são vários:

1. Uma imagem das ondas obtida por satélite onde se pode ver “claramente” o nome de Alá escrito em árabe

2. Os relatos do dilúvio descritos no episódio de Noé, do Genesis

3. Num povoado, entre as casa destruídas, uma escola Islâmica encontrava-se intacta

Mais provas para quê? Consta que Alá já tinha aplicado à região alguns castigos menores (como dificuldades económicas), mas, não tendo sido ouvido, resolveu intervir por forma a não deixar margem para dúvidas.

Às vezes parece que o ridículo não tem limites. E não se pense que este tipo de conclusões ocorreu apenas aos devotos islâmicos: um excelente artigo (DIES IRAE) do blog de esquerda faz referência a uma série de conclusões similares tiradas por membros do clero das mais diferentes religiões.