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5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Penitência

Tendo Jesus descoberto que o pecado foi a única coisa boa que o seu divino Pai deixou aos homens, inventou logo um sacramento para perdoar os pecados cometidos depois do Baptismo. Com o hábito católico de atacar com o Baptismo os recém-nascidos inventou-se-lhes o pecado original para justificar o primeiro sacramento – espécie de lixívia que limpa o pecado original e é igualmente eficaz nos outros.

A Penitência ou Confissão costuma aparecer no menu dos sacramentos ordenado em quarto lugar e é o que vale aos pecadores para irem pecando sem perder o direito ao Céu. A confissão é a acusação dos pecados feita ao sacerdote confessor, para receber a absolvição. Quando os pecados são demasiado apetitosos o próprio confessor tem ausências, arfa, entra em agitação e, após reparadoras pausas, dispara a absolvição que é a sentença pela qual, em nome de Jesus Cristo, de quem tem procuração, perdoa os pecados ao penitente.

É bom lembrar aos pecadores relapsos que uma confissão bem feita exige cinco coisas: 1.º o exame de consciência; 2.º a dor dos pecados; 3.º o propósito de nunca mais pecar; 4.º a acusação (isto é, ser bufo de si próprio); 5.º a satisfação ou penitência.

Claro que, depois disto, não se fica vacinado contra o diabo. Há pecados a que nem Cristo teria resistido se, como se propala, foi um verdadeiro homem. Esse pecados muito bons são os mortais, os que dão pouco gozo aparecem no catálogo como veniais.

Quem elabora o rol de uns e outros é o cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício) piedoso cardeal a quem a idade e o múnus dispensou de os praticar mas a quem continua confiada a actualização do catálogo.

Advertência: Quem, por vergonha, oculte um pecado mortal ao confessor, não faz uma confissão bem feita e comete um sacrilégio. Deve, mesmo antes de voltar a repetir o pecado, voltar a confessar-se e solicitar a absolvição, a penitência e ir em busca de indulgências plenárias e parciais. Todas as indulgências não são de mais para pecados graves daqueles que dão a sensação de se ter frequentado o Céu.

Apostila – O Diário Ateísta, dada a frequência com que os crentes resolveram visitá-lo, vai procurando lembrar-lhes a boa doutrina e adverti-los dos riscos que a salvação da sua alma corre se, em vez dos sacramentos, que são chatos, passam a cometer pecados, que são divinos.

5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Crisma

Acontece com o Baptismo o que ocorre com a vacina do tétano – com o tempo perde eficácia. Um ferimento com um prego ferrugento, em local habitualmente frequentado por cavalos, revela a perda de imunidade e extingue o prazo de validade da vítima.

Com a idade, as pessoas julgam-se imunes aos perigos do mundo e descuram as defesas. E se se descuidam com o corpo, por definição precário, arriscam-se ainda mais com a alma que, pela sua natureza, não se queixa. Diga-se que a alma sofre tanto mais quanto mais goza o corpo, sendo por isso tão apetitosos os pecados e tão amargo o destino da alma.

A Confirmação ou Crisma é um sacramento que faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo e imprime esse carácter. O Crisma não diminui o Baptismo, é uma espécie de reforço executado por um técnico altamente especializado no ofício divino – um bispo. O Crisma está para o Baptismo como um transplante do coração para o tratamento dos calos.

O Crisma faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo, dando abundância de Espírito Santo, isto é, da sua graça e dos seus dons. Com a quantidade de Espírito Santo que recebe e com tal abundância de dons, surpreendente que o cristão se faça apenas soldado de Jesus Cristo e não assente praça em general. Mas isto e a respectiva conversa da treta é o que ensina o catecismo da ICAR.

Quem recebe a Confirmação – ensina o catecismo – deve estar na graça de Deus e, se tem o uso da razão, condição absolutamente supérflua para um cristão, nesse caso deve conhecer os mistérios principais da fé e aproximar-se deste sacramento com devoção.

O bispo besunta depois a testa do candidato com uns óleos que designa de santos, faz uma cruz com o polegar e uma massagem vigorosa para que os óleos não escorram e penetrem até à alma. Com as rezas e os óleos fica feita a recruta para soldado de Cristo.

Recordo-me de ter recebido dois santinhos por saber muito bem a doutrina. Deram-me as munições mas esqueceram-se de me distribuir a espingarda. Talvez não tivesse direito ainda a uso e porte de arma.

O crucifixo do bispo era tão grande que mais parecia um morteiro de 16mm do que uma simples arma para afugentar o demo. E o bispo era tão farto de carnes que o demo se havia de intimidar, sobretudo com medo de que o prelado se sentasse em cima.

Os fregueses só recebem o Crisma uma vez na vida. Sem outra mudança de óleo, se existisse alma, esta acabaria por gripar. E os soldados de Cristo, com a alma gripada, tornavam-se num exército em debandada.

4 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Baptismo

Agarre-se uma inocente criancinha com dias ou poucas semanas de idade, vista-se de forma ridícula, leve-se à igreja e entregue-se ao eclesiástico. Ele fabricará um cristão. Havendo a água, sabidas as palavras que a seu tempo se dirão, estando disponível o padre, estão reunidos a matéria, a forma e o ministro, respectivamente, para impor o sinal eficaz da graça. O baptismo é a lixívia que lava a alma do pecado original e está para o cristão como a primeira prestação para a compra do automóvel. Começa-se por aí.

Antes das vitualhas os convidados assistem ao acto: mergulha-se a criancinha em direcção a uma pia e ela resiste e agarra-se desesperada ao algoz. Tem a sensação de que vai ser largada, grita e apanha com uma chapada de água na cabeça e uma pitada de sal nos lábios enquanto ensopa a fralda. Em surdina, abafado pelos gritos do neófito, o oficiante declara com o ar de enfado de quem passou a vida a fazer aquele número: «eu te baptizo em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo» e devolve a encomenda a um dos padrinhos que, sentindo-a húmida, logo a larga no colo da mãe.

O padre, para justificar a propina, afiança que livrou do limbo o recém-nascido, que o fez cristão, isto é, discípulo de Jesus Cristo, filho de Deus e membro da Igreja, sítio onde é recomendável não regressar enquanto não controlar os esfíncteres e o choro. Quando a propina ameaça ser choruda, o oficiante explica ainda que o baptismo imprime na alma um carácter permanente, espécie de nódoa que resiste à benzina, pois o carácter é um sinal distintivo que nunca se apaga.

Os pais, embevecidos, repetem em uníssono: «já é cristão», acidente que a criancinha aceita com a mesma sofrida resignação que há-de reservar à varicela, ao sarampo e ao trasorelho. São doenças de crianças, normalmente benignas, não sendo o baptismo contagioso apesar do carácter endémico em certas zonas rurais.

O sacerdote que tem as habilitações canónicas para o difícil ofício baptismal aproveita para dar uma aula sobre o baptismo e dizer que, em caso de necessidade, qualquer pessoa baptizada, que tenha a intenção de fazer o que faz a Igreja, pode proceder ao baptismo, para que nenhuma criança morra sem o primeiro sacramento que lhe garante um entrada permanente no Paraíso até ao primeiro pecado.

3 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Eucaristia

Em meados do século passado, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia era uma evidência que ninguém ousava pôr em dúvida. O catecismo católico ensinava que a Eucaristia era o sacramento que debaixo das aparências do pão e do vinho, continha realmente Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo para alimento das almas.

Ensinava ainda que o pão e o vinho se tornavam Corpo e Sangue de Jesus no momento da consagração da Missa e que, depois da consagração não ficava já nem pão nem vinho, mas somente as respectivas espécies ou aparências, sem a substância.

Os substantivos escreviam-se em maiúsculas, fosse por influência da língua alemã ou para dar maior autoridade ao argumento.

É natural que o catecismo tenha sido adaptado pois os actuais aparelhos de detecção alcoólica podiam levantar suspeitas sobre a transubstanciação do vinho em sangue não sendo particularmente simpático para pios condutores e devotos agentes da Brigada de Trânsito.

O que pensaria um zeloso e temente GNR de um padre que não transformasse completamente em sangue de Cristo o vinho do Cartaxo? Que estaria bêbedo na altura da consagração, que tivesse esquecido o truque ou que fosse um falso ministro do culto?

Com os documentos de um padre na mão e o resultado do teste à frente dos olhos o agente perguntaria se não tinha, após as missas, recorrido ao bagaço como mata-bicho e, perante a negativa, entre o cumprimento do dever e a preservação da fé, entre o respeito ao sacerdote e a obediência ao código, entre a religião e o emprego, dilacerado pela dúvida, autuava o padre e alijava a fé.

Um dogma tão severo não pode estar à mercê do escrutínio de um agente da GNR. Uma prova tão decisiva da existência divina não pode sujeitar-se à ordem de um soldado de botas altas e à linguagem de caserna: «bufe». Cristo podia ter escolhido o pirolito ou o chá preto para a sua própria transubstanciação mas optou pelo tinto.

Pior ainda para ao dogma era ouvir um cabo perguntar ao sargento:

– que faço ao padre que vem da terceira missa a caminho de um casamento?

3 de Fevereiro, 2005 André Esteves

Doutorados e ignorantes

«True ignorance is not the absence of knowledge, but the refusal to acquire it.»

«A verdadeira ignorância não é a ausência de conhecimento, mas a recusa em adquiri-lo»

Karl Popper

Quantos homens recusam o conhecimento para manter uma fé…

Nalgumas igrejas evangélicas e fundamentalistas americanas tornou-se um valor comum não tirar cursos universitários, ou ser-se «intelectual» porque são coisas seculares ou da carne.

O medo de se tornar num «liberal» é palpável entre os jovens crentes das igrejas, para os quais uma universidade reputada ou o prosseguimento de estudos além da licenciatura, se tornaram sinónimos da perdição espiritual.

Por cá, Deus demonstra-se complicado: a Conferência Episcopal definiu que para se ser bispo em Portugal tem que se ser doutorado.

Antigamente aos desígnios de Deus para serem compreendidos bastavam a tonsura e aljubeta. Agora o capelo também se torna necessário.

Para uns, Deus está demasiado perto e opressivamente presente.

Para outros, bizantino e indecifrável.

Ambos ignorantes.

3 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Ser-se religioso e laico

Poderá ser-se religioso e laico?


Teoricamente, não haveria lugar para dúvidas: a crença religiosa pertence ao foro individual e privado que deve ser salvaguardado do domínio público, e sobre o qual um Estado laico não faz juízos de valor. No entanto, a laicidade afirmou-se historicamente contra as tendências hegemónicas das igrejas, hegemonia essa desejada por um tipo particular de crentes, os clericais. É exactamente esse clericalismo, fomentado por algumas comunidades de crentes, que constitui um problema político. Poderá haver religiões anti-clericais, ou seja, que contestem o poder político do clero? A pergunta é provocatória, mas convém recordar que, quando em minoria sociológica, algumas igrejas defendem a laicidade. Foi esse o caso das igrejas protestantes em 1911, aquando da publicação da Lei de Separação da Igreja do Estado.

Seguramente, o crente que acredita num «Deus» pessoal, que ele próprio define, dificilmente será um clerical, pois viverá a sua fé desligado das comunidades de crença e dos seus dogmas. Apenas as religiões organizadas intervêm politicamente, e a história das relações dos cleros com os poderes públicos está cheia de exemplos de clericalismo que originaram uma reacção anticlerical natural e legítima (mas que preocupa alguns crentes). Alguns dos ramos mais excêntricos do tronco judaico-cristão, como os unitários (que todavia deixaram de se afirmar cristãos em 1995) ou os quakers, que constituem um exemplo de uma religião organizada sem clero (mas que intervieram politicamente na defesa do pacifismo ou do anti-esclavagismo) constituem aproximações a vivências religiosas distanciadas da pulsão pelo poder político. Nestas duas religiões, a enfase é posta na busca de uma espiritualidade pessoal escolhida com uma liberdade considerável, e assume-se a ausência de rituais, cerimónias, dias santos e dogmas sistematizados. A aceitação de que as escolhas éticas podem variar de indivíduo para indivíduo tem permitido a adaptação a mudanças societais, e não é portanto um acaso que os unitários tenham sido das primeiras igrejas a casar homossexuais.

Um caso curioso originário do contexto cultural muçulmano é o dos Baha´i, novamente uma religião sem clero ou rituais, com práticas democráticas na sua estrutura interna, mas lamentavelmente com dificuldades em ultrapassar algum sexismo e, sobretudo, homofobia. No entanto, as igrejas mais relevantes a nível mundial (as ortodoxias judaico-cristãs e muçulmanas) convivem dificilmente com a laicidade. Embora o protestantismo enfatize sempre uma relação pessoal com «Deus» que poderia desarmar as tentações clericais, os exemplos de igrejas de Estado protestantes são comuns na Europa (Reino Unido, Dinamarca, Finlândia…). O islão tem fornecido exemplos abundantes do clericalismo mais extremo, quer na versão xiita-iraniana, quer nas variedades sunitas da Arábia Saudita ou do Afeganistão talibã.

Particularmente difícil é, evidentemente, o caso do catolicismo romano. A ICAR junta aos textos sacralizados uma colecção copiosa de dogmas, um catecismo constrangedor ao nível comportamental, e um programa político mais detalhado do que o de muitos partidos políticos. A quase impossibilidade de destrinçar onde termina a fé religiosa e onde começa a obediência política (ambas sendo, aliás, definidas pela hierarquia), e a vontade declarada de impôr ao conjunto dos cidadãos as regras formuladas para a comunidade dos crentes, tornam a ICAR um caso de clericalismo acentuado.

A resposta à questão inicial depende, como fica claro, da religião em que se crê e da liberdade que o crente se concede. Um crente laico criticará aberta e descomplexadamente a religião a que esteja ligado; um crente que ignore os preceitos religiosos na sua vida quotidiana dará um sinal de laicidade activa mas envergonhada; um crente que se submeta acriticamente ao clero da sua religião será um exemplo do pior clericalismo.

Agradeço ao Carlos Esperança por me ter desencadeado esta reflexão.
2 de Fevereiro, 2005 Aires Marques

Ateus a Bertrand Russel

Saudamos hoje um dos mais influentes filósofos ateus e livre pensador, Bertrand Russel, um homem que como poucos dedicou a vida à razão e à lógica. Da sua obra realçamos o livro «Porque Não sou Cristão»

Bertrand Russel morreu há exactamente trinta e cinco anos.

2 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Papa entrou de baixa

Ninguém, bem formado, se regozija com o mal alheio. A dor, o sofrimento e a morte podem ser um alimento da fé mas magoam as pessoas de bem. O ódio é um sentimento medíocre, que o proselitismo acirra, consequência da vocação totalitária que devora as religiões. Um ateu respeita o sofrimento, já um crente é capaz de provocá-lo para agradar ao seu Deus.

O internamento hospitalar do actual Papa católico é consequência do estado de saúde débil que há anos o acompanha, da avançada idade e do esforço despendido para alargar o poder e influência da ICAR. Há muito que a sua decrepitude é exibida e explorada pela Cúria romana para comover os incautos e promover a droga venenosa da fé católica.

É obscena a exploração do sofrimento como instrumento do marketing religioso. A exibição pública de um homem diminuído, com tremores e a babar-se, não é um acto de respeito pelo Papa, é um truque para inspirar compaixão, uma manobra para favorecer a imagem da ICAR que promove as chagas de Cristo há dois mil anos.

Agora aproveita-se a hospitalização de JP2 para promover maratonas de oração e manifestações de subserviência ao Vaticano. Chefes de Estado democraticamente eleitos dirigem-se ansiosos a saber novas da saúde do teocrata vitalício. É a hipocrisia na sua máxima apoteose, a insensibilidade perante os problemas do mundo postergados pela doença de um papa moribundo.

A doença que o aflige não faz dele uma pessoa de bem, um democrata ou um filantropo. JP2 tem sido um entrave ao controlo demográfico que ameaça a sobrevivência do planeta, um travão no combate à SIDA, um adversário da pesquisa de medicamentos a partir de células estaminais. No seu proselitismo exacerbado, tem sido um factor de perturbação em vários pontos do globo. Foi um dos principais responsáveis pela tragédia do desmembramento da ex-Jugoslávia, com a obsessão da Croácia católica; na América latina é um feroz adversário da evolução jurídica e social que contrarie os seus preconceitos; foi feroz a perseguir teólogos de esquerda e cruel para com as freiras violadas no Kosovo a quem obrigou a dar os filhos para a adopção ou a serem expulsas dos conventos.

A intromissão abusiva nos assuntos internos de países democráticos é um traço do seu autoritarismo, da violência no exercício do poder e da demência prosélita que o acompanha. JP2 é implacável como homem, intolerante como Papa e manhoso como apóstolo a infiltrar-se nos países de hegemonia religiosa concorrente.

A doença do Papa não absolve os numerosos crimes por que a história o julgará.

2 de Fevereiro, 2005 jvasco

Desejo-lhe, sinceramente, as melhoras

«O Papa João Paulo II foi internado ‘de urgência’ num hospital de Roma devido a uma infecção respiratória aguda, resultante de complicações da gripe que o aflige desde domingo.»

Espero que o sumo sacerdote católico melhore.

Foi o meu primeiro desejo, assim que soube da notícia.

Depois de ponderar melhor a questão, pensar nas consequências que traria ao mundo e às pessoas, no que de bom podia trazer, no que de mau podia trazer, mantive os meus desejos.

Espero que Carol Woityla melhore.

2 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Espanha

Se José Luís Zapatero discutisse em Conselho de Ministros a politização das homilias, a má benzedura da água destinada aos ofícios religiosos e a deficiente transubstanciação das hóstias, por incompetência dos actuais párocos das dioceses espanholas ou pela má qualidade da farinha usada;

Se o presidente do Governo pusesse em dúvida o processo alquímico que transforma o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo, o que só a fé e o paladar requintado descortinam, certamente se diria que tinha ensandecido.

Se o primeiro ministro de Espanha, eleito democraticamente, desconfiasse da eficácia terapêutica das bênçãos dadas aos doentes pelo Papa, que se esquece de benzer-se a si próprio ou, se o faz, prova a inutilidade dos sinais cabalísticos em que insiste;

Se da agenda governamental fizesse parte a averiguação sobre a substância activa da eucaristia, as virtudes do incenso, o poder purificador da absolvição e o benefício da missa e se mandasse determinar a eficácia de detergentes como a confissão e o baptismo na limpeza da alma, João Paulo II tinha o direito de reclamar.

Se Zapatero, num programa de combate à SIDA mandasse substituir os preservativos por pacotes de indulgências papais, com data de fabrico, prazo de validade e lote de produção poderia ser canonizado mas trairia os interesses dos cidadãos por cuja saúde tem obrigação de velar.

Já o Papa, exímio na produção de indulgências, experiente na concessão de bênçãos, uma autoridade na criação de cardeais e na produção de santos não tem o direito de consagrar o mundo à Virgem Maria e, muito menos, de se pronunciar sobre o valor do preservativo. Pode proibi-lo aos padres e freiras, recusá-lo a si próprio, dissuadir o uso aos fiéis e impedir a circulação no Estado pontifício do Vaticano.

O Papa pode abdicar, por uma questão de honra, dos grossos subsídios que o Governo espanhol concede à ICAR mas não pode nem deve sabotar um programa de combate à SIDA. E sabe-se que é mais eficaz o preservativo no combate à SIDA do que a oração no combate ao pecado.