Porquê luto nacional?
2. O falecimento de personalidades que tenham servido a República em cargos elevados, ou que tenham prestado serviços públicos de grande mérito, pode e deve ser assinalado com um dia de luto nacional. Nesse sentido, estranhamos que não tenha sido decretada tal solenidade aquando dos falecimentos – ocorridos durante o mandato do actual Governo – da antiga Primeira Ministra Maria de Lurdes Pintasilgo ou do lutador antifascista Fernando Vale.
3. Lúcia de Jesus teve como único acto relevante da sua vida o papel que desempenhou nos acontecimentos de Fátima em 1917, que a tornaram mais tarde uma actora comprometida das encenações político-religiosas conducentes a legitimar o Estado Novo (deve-se-lhe a frase «Salazar é a pessoa por Ele escolhida para continuar a governar a nossa Pátria»), e foi portanto
parte de uma operação político-religiosa que fracturou e ainda divide o país e a própria comunidade católica portuguesa.
4. Parece-nos portanto evidente que o luto nacional é, nesta ocasião, desapropriado e mesmo prejudicial à separação da política e da religião e à própria unidade nacional em torno dos valores democráticos.
Luis Mateus
(Presidente da Direcção)
Ricardo Gaio Alves
(Secretário da Direcção)
Se a alva e meiga Senhora que, há quase oitenta e oito anos, poisou numa azinheira, vestida com um manto de luz, para gáudio de três inocentes pastorinhos, por erro de navegação celeste houvesse poisado numa azinheira errada e encontrado um só pastor, mancebo de vinte e tantos anos; se a falta de energia lhe tivesse apagado o manto, sendo a beleza tanta quanto dela disseram as criancinhas, e entre o manto e o corpo nada houvesse, como é de crer, por ser a luz que resplandecia o único vestido que a cobria, poderia o dito pastor chamar-se José, como o humilde e humilhado carpinteiro de Nazaré, e a história seria outra.
Se o dito pastor, mancebo de vinte e tantos anos, na flor da idade e do desejo, impelido pelos sentidos, fosse tão rápido e eficaz a tomar a dita Senhora como o era a conduzir o rebanho, não seria o papa, muitos anos depois, a entrar em êxtase; seria ele, pastor, ali e então.
E, em vez de criancinhas a ouvirem – eu sou a Nossa Senhora -, pitoresca apresentação que só ouvi a um Sargento, falando aos soldados, – eu sou o nosso primeiro Vieira -, em vez dessa apresentação que os exegetas atribuem à Virgem Maria, teria ouvido o pastor, mancebo de vinte e tantos anos, mais afeito ao rebanho que ao corpo feminino, à guisa de apresentação e despedida, com voz lânguida e conformada, eu sou Maria.
Tudo leva a crer que a referida Senhora, de tão rara beleza, teria esquecido a conversão da Rússia, poupado o dito pastor à oração e, em vez de duas ou três aparições, teria tentado outras, sabendo embora que não era a azinheira certa aquela em que poisava, mas adivinhando à sua sombra o pastor, mancebo de vinte e tantos anos.
É preciso aumentar a probabilidade de novas aparições, seja pela duplicação do número de azinheiras ou do número de crianças que prefiram a oração à escola e se dediquem à pastorícia, de preferência longe dali, que os milagres raramente se repetem perto, e se acontecem, como há sobejas provas na Ladeira e noutros sítios, nunca são reconhecidos, por se desconfiar da abundância e se temer a concorrência.
E se no futuro apenas houver pastores crianças, com joelhos no chão e olhos no Céu, nunca mais haverá qualquer pastor na flor da idade e do desejo, mancebo de vinte e tantos anos, a ofender a virtude e a mudar o sítio às azinheiras, a perturbar a circulação celeste e os milagres.
O Rui Tavares do Barnabé, diz muito bem, tudo o que eu sinto e penso sobre o caso Lúcia.
Agora, liguem a televisão e entretenham-se com o espectáculo e a propaganda, com a mini e os tremoços que eu vou lá dentro e já volto. Os meus três cêntimos…
O falecimento de alguém merece-me respeito, mesmo – como é o caso -, quando se trata da última cúmplice de um embuste montado pela Igreja Católica na luta contra o comunismo e no ódio cego à República e à separação da Igreja e do Estado.
O cancelamento da campanha eleitoral pelo PSD e pelo CDS e as tergiversações do PS só encontram paralelo no ridículo de um primeiro-ministro que pretende que seja declarado luto nacional pela morte de uma freira enclausurada há dezenas de anos e que foi uma bandeira da campanha do fundamentalismo católico contra o progresso e a liberdade.
Desde a luta contra a mini-saia e o divórcio (mesmo para casamentos civis), que eram objecto das cartas para Marcelo Caetano, até à convicção que lhe fora transmitida pela Senhora de Fátima de que Salazar foi enviado pela Providência para salvar Portugal, confidência da virgem Maria que acabou por ser transmitida a Salazar pelo cardeal Gonçalves Cerejeira, a vida de Lúcia é a de uma pobre pastora de quem a ICAR se apropriou para um dos maiores embustes do século passado.
Já está esquecido o terceiro segredo de Fátima que excitou durante décadas a superstição popular, acalentou medos e generalizou o pânico entre as populações analfabetas do mundo rural, embrutecidas por um clero saído do concílio de Trento para a cumplicidade com o Estado Novo. Já ninguém se recorda de que o Papa mandou um padre a Portugal para que a Irmã Lúcia confirmasse que foi aquela batina com que JP2 foi baleado por um enigmático turco, a que ela viu, em visão, quando o próprio pano não tinha ainda sido tecido. Claro que a vidente confirmou.
Foi com milagres destes e a exploração grosseira da superstição que o negócio de Fátima nasceu e prosperou. Foi com a falta de pudor e o descaramento pela credulidade de gente simples que se urdiu uma teia de mentiras e idolatria que transformou uma zona rural paupérrima num promissor centro urbano do sector terciário.
Que aos embustes da ICAR se venha juntar o oportunismo descarado dos partidos que suspendem a campanha eleitoral em sinal de luto por uma vetusta freira que morre naturalmente, é um acto digno dos mullahs islâmicos, um gesto ao gosto do terceiro-mundo, uma vergonha que cobre de opróbrio um país europeu onde os ventos e as marés ainda se deslocam ao sabor da vontade da Senhora de Fátima.
Ex.mo Senhor
Procurador Geral da República
Rua da Escola Politécnica, 140
1269-269 Lisboa Codex
Fax: 213975255
Lisboa, 11-02-2005
Ex.mo Senhor Procurador Geral da República,
Para os efeitos devidos, vimos expor a V.Exa. o seguinte:
1. Tal como aconteceu a um grande número de cidadãos portugueses, a Associação Cívica República e Laicidade (associação constituída por escritura pública de 27/1/2003) tomou conhecimento, através dos meios de comunicação social, de que, no passado domingo, dia 6 de Fevereiro, o Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, sacerdote da Igreja Católica Portuguesa a exercer as funções de pároco da igreja de S. João de Brito, em Lisboa, na missa dominical que celebrou naquele templo e que foi simultaneamente transmitida, via rádio, através da Antena 1 da RDP (Rádio Difusão Portuguesa – Empresa Pública), claramente exortou quem assistiu, directa ou indirectamente, àquele acto religioso a não dar o seu voto aos partidos políticos cujos programas eleitorais não respeitam a ética cristã.
2. «Conhecemos os partidos, conhecemos os programas, as práticas que têm operado em Portugal, as pessoas, qual o seu perfil» (…) «Um cristão deve aprovar por voto uma ética que não seja indigna de si próprio, por exemplo a vida» (…) «a ética cristã promove a vida humana desde a concepção até à morte natural» (…) «Aborto nunca, eutanásia nunca» (…) «A ética cristã reprova que seja equiparada a família a uma união de facto de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher» (…) «Poligamia nunca, divórcio nunca» (…) constituem algumas das afirmações então proferidas pelo acima identificado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias na sua homilia radiodifundida e que, posteriormente, foram também reproduzidas e divulgadas pela imprensa escrita e, designadamente pela agência LUSA.
3. A Lei Eleitoral da Assembleia da República [Lei 14/79, de 16 Maio (Actualizada com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2001 de 25 de Agosto)] estabelece, no seu Artigo 153º (Abuso de funções públicas ou equiparadas), que «O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinada ou determinadas listas, ou abster-se de votar nelas, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa de 10.000$ a 100.000$.»
4. Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que o acima citado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, pároco da igreja de S. João de Brito, por sua única e exclusiva iniciativa ou em situação de conivência com outras pessoas, ao proferir as afirmações que proferiu, na qualidade em que as proferiu, no local onde as proferiu, na ocasião em que as proferiu – já em período oficial de Campanha Eleitoral para a Assembleia da República, lembra-se e sublinha-se aqui – e também pelos poderosos meios que utilizou para as difundir, infringiu claramente aquela norma legal, incorrendo, portanto, na prática de um crime público que, além do mais, foi ainda publicamente cometido e largamente publicitado.
5. Em conformidade com os factos acima sumariamente descritos e que, em nosso entender, indiciam grave prática ilícita, entendemos que o Ministério Público deve impreterivelmente proceder às convenientes averiguações, bem como ao levantamento do correspondente processo-crime, tendo em vista os procedimentos formais de avaliação e julgamento, por tribunal competente, do/s eventual/eventuais responsável/responsáveis por aqueles actos, por forma a que, verificando-se a sua efectiva prática e os exactos termos (com agravantes ou atenuantes) em que tenham sido cometidos, o/s seu/s autor/autores possa/m ser devidamente punido/s nos termos da Lei.
Sem outro assunto,
a bem da República,
Luis Manuel Mateus
(Presidente da Direcção)
As actividades de campanha do PSD e do CDS foram interrompidas temporariamente devido à morte da irmã Lúcia. Disse Pedro Santana Lopes que a irmã Lúcia é, independentemente da fé de cada um, uma personagem importante na História de Portugal… Para Paulo Portas “a Irmã Lúcia é uma grande figura na história da Igreja, está no coração dos portugueses como uma grande figura religiosa e espiritual de Portugal e é uma figura ímpar do século XX português”. Já o PS promete continuar com a campanha mas interromper acções festivas, conforme anunciado pela Agência Lusa.
Talvez o delírio colectivo do qual é ícone mereça um lugar na História do catolicismo português e do combate à 1ª República mas o que é certo é que a importância da dita só tem valor para quem de facto tem fé. Note-se que 30% dos católicos portugueses não acreditam no milagre de Fátima e 50% não acreditam no 3º segredo.
Mas a alucinação pelos vistos continua…
A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, ou Lúcia, simplesmente, faleceu hoje, inevitavelmente num dia 13, aos 97 anos.
A afamada vidente cuja ocupação principal era a oração entregou a alma ao criador. Desconhecia a popularidade que granjeara fora do convento e tinha do mundo a visão que a madre superiora e os sucessivos directores espirituais lhe impingiram.
Nascida a 22 de Março de 1907 no lugar de Aljustrel foi muito precoce a receber o primeiro sacramento, ao 8.º dia, livrando-se da chatice do Limbo graças à água benta e às rezas.
Foi escolhida para fazer recados à Senhora de Fátima, que a visitou várias vezes. «Em reconhecimento, a Senhora voltou a aparecer-lhe em 26-08-1923, no Asilo de Vilar, Porto; 10-XII- 1925, em Pontevedra, Espanha,(revelação dos primeiros sábados); 13 de Junho de 1929, em Tuy, Espanha, (Nossa Senhora pede a consagração da Rússia). Em fins de Dezembro de 1927, a Irmã Lúcia escreve a descrição da Aparição do Menino Jesus que teve lugar em Pontevedra, no dia 15 de Fevereiro de 1926» – lê-se na biografia oficial.
Ainda criança, visitou o Inferno com uma bolsa de estudo que a senhora de Fátima lhe deu para, entre outras coisas de estarrecer, lhe mostrar um republicano de Vila Nova de Ourém que não ia à missa. De todas estas verdades deu conta aos pecadores e só não acreditou quem não quis.
Adversária do divórcio e da mini-saia, a cuja moda nunca aderiu, escreveu a Marcelo Caetano a pedir a sua proibição. Morreu solteira e virgem, características que, a partir de agora, lhe auguram uma fulgurante carreira de santidade.
A ICAR não concedeu a exclusividade dos direitos de transmissão da sua morte a nenhum dos vários canais televisivos interessados.
A carta de 24/02/1971 da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, vidente de Fátima, cuja longevidade lhe atrasou a carreira de santidade, a apelar ao Prof. Marcelo Caetano para que a lei do divórcio fosse abolida do Código Civil, não obteve resultados práticos.
O sumo pontífice católico anunciou ontem que tinha a intenção de se manter à frente da ICAR. Se a sua decisão se fica a dever à megalomania de um dever “divino”, que eventualmente afecta todos os líderes totalitários, ou a manipulações no interior da santa madre igreja é incerto. O que é certo é que os jogadores chave já se estão a posicionar para o próximo conclave, sendo que o principal jogador é o próprio monarca católico (ou seja quem for que tenha influência sobre ele…) que acabou de nomear Jean-Marie Lustiger, ex-arcebispo de Paris, cardeal. Lustiger é um dos mais fortes candidatos à sucessão, desde que o conclave se realize nos próximos tempos (o cardeal já conta com 78 anos e o limite é 80). Um dos pormenores interessantes desta figura é que ele era originalmente Judeu, mas com o holocausto perdeu a fé e acabou na hierarquia católica (é o primeiro cardeal católico com um passado de judaísmo). Também é interessante saber que esteve à frente do pedido de desculpa dos bispos franceses pelo colaboracionismo católico com os nazis.
Enquanto não temos a certeza quem é o príncipe herdeiro resta-nos acolher de volta o rei.
Long live the king!
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.