A Cúria romana merece a credibilidade dos milagres que autentica e o respeito que ela própria nutre pelas instituições democráticas dos países onde a ICAR desfruta de poder. Não tenho, pois, a mais leve consideração ou respeito pela corte papal, responsável por decisões anacrónicas, quiçá criminosas, no que diz respeito ao controlo da natalidade, à prevenção da SIDA, à prática da sexualidade ou à investigação científica.
Podia, pelo menos, esperar-se dos gerontes que acolitam o Papa alguma humanidade e um mínimo de respeito pela lenta e penosa agonia de um doente terminal. Nada disso. Ontem fizeram constar à comunicação social que JP2 tinha sido proibido pelos médicos de chegar à janela, para hoje o exibirem e explorarem perante uma pequena multidão de devotos, postos em delírio por técnicas de manipulação psicológica através dos órgãos de comunicação social. Sem pudor e sem piedade, exploram a dor e o sofrimento de um inválido, posto a render no mercado da emoção.
Prisioneiro da sua invalidez, incapaz de falar ou de ter vida autónoma, JP2 – segundo a Cúria – escreve mensagens. É através delas que governa a ICAR enquanto a morte não chega ou não lha chegam. Neste jogo de mentiras não se sabe se os médicos proibiram, de facto, que o Papa fosse à janela – como afirma a Cúria – ou se o levaram, contra a indicação clínica, para o aliviarem do sofrimento.
Na mensagem que lhe atribuem, lida aos fiéis pelo arcebispo Leonardo Sandri, na Praça de S. Pedro, em Roma, JP2 pede que rezem por ele o que leva a crer que, tendo perdido a fé em Deus, implora aos crentes para que intercedam, redobrando o fervor e multiplicando as orações.
Um cardeal espanhol, especialista em questões jurídicas do Vaticano afirmou hoje à agência France Press que João Paulo II não vai renunciar ao cargo porque a Igreja Católica «não é a Coca-Cola ou a General Motors» – diz a SIC Online. Pelos vistos, não está nos projectos da ICAR dedicar-se ao fabrico de refrigerantes ou automóveis.
Morreu o homem que «trouxe luz para a escuridão das prisões, o horror das câmaras de tortura e campos de morte ou tragédia em todo o mundo», um homem «cuja consciência brilhou num mundo cruel e aterrador, que acreditava no poder das pessoas comuns para promover uma mudança extraordinária e, criando a Amnistia International, deu a cada um de nós a oportunidade de fazer a diferença».
O Diário Ateísta junta a sua às muitas vozes que hoje recordam o humanista que marcou a segunda metade do século XX, Peter Benenson, o fundador da Amnistia Internacional.
Movimento cuja génese está ligada a Portugal. De facto, no auge das lutas estudantis contra o Estado Novo, a polícia prende dois jovens por gritarem na via pública: «Viva a liberdade». Uma prisão que teria passado despercebida não fora ter sido noticiada no jornal inglês «The Observer» e lida pelo advogado britânico que ficou tão indignado com a notícia que resolveu lançar um apelo para organizar ajuda a todos os presos por convicções políticas, religiosas ou raciais.
Morreu o homem mas a obra perdurará para sempre, como um raio de esperança contra a intolerância, o despotismo e a desumanidade!
«Mas esta prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se.» (Leão XIII, encíclica Libertas Praestantissimum, 1888)
«O totalitarismo nasce da negação da verdade em sentido objectivo: se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens.» (João Paulo II, encíclica Centesimus Annus, 1991) «o risco da aliança entre democracia e relativismo ético, que tira à convivência civil qualquer ponto seguro de referência moral, e, mais radicalmente, priva-a da verificação da verdade.» (João Paulo II. encíclica Veritatis Splendor, 1993).
As críticas recentes de vozes da Igreja ao Direito actual, nomeadamente do Papa que afirma no seu mais recente livro, «Parlamentos que criam e promulgam essas leis devem estar conscientes de que transgridem os seus poderes e se colocam em conflito aberto com a lei de Deus e a lei natural» constituem uma subida de tom nos esforços do Vaticano em abolir o juspositivismo, que enferma do que a Igreja designa de concepções erróneas da verdade, e substituí-lo pela sua versão exegética do jusnaturalismo. É muito preocupante esta anacrónica defesa do direito divino tridentino que reflecte o desejo do regresso aos bons velhos tempos em que a Igreja ditava as normas sociais, ancorada no Direito vigente.
O que deveria ser então para a Igreja os fundamentos do Direito? Como diz o catecismo católico, o Direito Natural, claro, entendido como direito divino interpretado por Roma, que «fornece os fundamentos sólidos sobre os quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão as suas opções. Ela assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens. Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica.»
Ou seja a Igreja tenta impor as interpretações do Direito, velhas de séculos, dos grandes teólogos ainda venerados e recomendados por Roma: Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) e Tomás de Aquino (1225-1274). O primeiro pregava que se as leis terrenas contivessem disposições contrárias à lei de Deus não teriam vigência e não deveriam ser obedecidas. «Onde é, então, que se acham inscritas essas regras, senão no livro desta luz que se chama a verdade? Aí está toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando aí a sua marca, à maneira de um sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel.» (De Trin., 14,15,21).
Tomás de Aquino classifica as leis em três tipos: a lex aeterna (advinda da razão divina); lex naturalis (conhecida pelos homens através da razão, é reprodução imperfeita e parcial da lex aeterna) e lex humana (lei positiva produto do homem), afirmando que «A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela, conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar.» (Decem praec., 1) e que por outro lado que «uma lei positiva, diversa do direito natural é injusta e, portanto, não obrigatória» já que «é preciso obedecer antes a Deus que aos homens» (obedire oportet deo magis quam hominibus).
Como já apontei há uns meses, assistimos a grande pressão pela Igreja de Roma para a negação da laicidade dos Estados, com ênfase a nível do Direito. Para um regresso aos tempos em que ninguém duvidava da autenticidade da falsificação mais famosa da História, a doação de Constantino, «Constitutum domni Constantini imperatoris», que legitimava o Papa como supremo mediador entre Deus e os governantes, indicando-lhes qual a vontade de Deus que deveria ser transposta para as leis que regiam os respectivos Estados.
Como termina o excelente artigo de denúncia ao fundamentalismo papal no Expresso de hoje de Daniel Oliveira , «Choque e espanto, A lei divina»:
«A Arábia Saudita é só o que, se não resistíssemos sempre a estas ofensivas, poderíamos todos vir a ser»
O Papa não tem o dom a ubiquidade mas tem enorme tendência para a omnipotência. Em plena debilidade das moléstias que o atormentam, num torpor indisfarçável, JP2 publicou uma carta apostólica sobre os meios de comunicação, abriu um congresso pontifício sobre a ética da saúde (neste caso, fazendo-se representar) e pôs à venda o seu 5.º livro «Memória e Identidade», sem contar com uma mensagem à irmã Lúcia em que lhe desejava as melhoras momentos antes de morrer.
Para além desta vasta actividade pastoral e epistolar, obriga-se a dizer a missa diária, recita as orações de que mais gosta e condena o sentido democrático para que se orienta o mundo, ressentido com a sociedade que respeita mais a decisão de um parlamento livremente eleito do que a vontade do Deus de que ele tem o segredo.
A máquina do Vaticano está bem oleada e embora o Papa tenha o aspecto de quem lhe é indiferente que as pessoas da Santíssima Trindade sejam três ou trezentas, a luta contra o preservativo não esmorece, a batalha contra a despenalização do aborto aumenta de intensidade e o ressentimento implacável contra a manipulação genética das células embrionárias atinge o paroxismo.
O sofrimento do Papa, cuja exploração demonstra a insensibilidade e morbidez da Cúria romana, é uma atitude que confrange e choca as pessoas sensíveis. Quem é capaz de exibir o martírio de um papa moribundo não pode sentir piedade pelo calvário do seu Deus.
– AVEIRO –
– BRAGA –
O assunto já foi tratado pela Palmira F. da Silva em «A verdadeira Ideologia do Mal» e «O Papa ensandeceu» mas é útil insistir no livro «Memória e Identidade» cuja autoria lhe é adjudicada com a mesma honestidade com que os chamados Mandamentos da Lei de Deus foram atribuídos a Moisés, que os teria recebido do autor no Monte Sinai.
Todos sabemos que o Papa não está em condições de brandir o hissope quanto mais de escrever um livro. Todavia os saprófitas de serviço usam o nome do moribundo para a cruzada reaccionária que porfiam desde o tempo de Constantino. A Cúria romana é uma Sociedade Anónima, de objectivos tortuosos, que se acoita sob a tiara pontifícia.
Portanto, neste texto, Papa significa o bando que publica dislates sob o pseudónimo de João Paulo II. Papa é aqui um substantivo colectivo que nutre um ódio fanático pela democracia, um ressentimento mórbido pela liberdade, uma animosidade patológica aos direitos humanos. Até a chegada de Hitler ao poder, cuja cumplicidade do Vaticano é uma evidência, serve para pôr em causa a democracia formal que esteve na sua origem.
A obsessão pelo aborto é a tara que faz esquecer ao Vaticano a ameaça de excomunhão a quem denunciasse as práticas pedófilas dos seus padres, talvez porque o aborto é o único dos «pecados» ao abrigo do qual se encontra o seu clero. Eventualmente só a Papisa Joana sofreu as dores e a humilhação.
Os proxenetas de Deus que se acoitam no Vaticano admoestam os parlamentos democraticamente eleitos por entrarem «em conflito aberto com a lei de Deus e a lei da natureza». Mesmo sem explicarem o que isso seja, deviam ter em conta que Deus não se encontra recenseado nem votou para os parlamentos cuja legitimidade é bem maior do que a dos clérigos que passeiam as sotainas no último Estado totalitário da Europa – o Vaticano.
Equiparar o aborto ao Holocausto é o mesmo que comparar células embrionárias com os judeus, bruxas e apóstatas que, com zelo apostólico, a ICAR conduzia às fogueiras do Santo Ofício.
«Memória e Identidade», ontem posto à venda em Itália por 16 euros, de que já se prevêem 14 edições em 11 línguas – segundo o «Público» de hoje – é um livro de propaganda da ICAR, a opinião dos cardeais mais anacrónicos, onde não será difícil encontrar o pensamento do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito para a Doutrina da Fé, eminência parda do Vaticano.
O livro não revela quem esteve por trás do turco Ali Agca, autor do atentado contra JP2, que a ICAR pretendeu associar aos comunistas e que, para desolação do Vaticano, se veio a saber que estava ligado a um grupo de extrema-direita que, na altura, talvez desconhecesse que a vítima estava longe de ser um adversário.
Da conversa que ambos tiveram na prisão, da bênção que JP2 deu ao enigmático turco e dos motivos do atentado, o livro nada refere. Trata-se de papel impresso com diatribes contra a despenalização do aborto e as instituições democráticas.
Foi publicado hoje o novo livro do Papa, «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», que mereceu ondas de protesto da comunidade judaica pela comparação entre o aborto e o Holocausto. A dimensão do disparate, que iguala um dos maiores horrores da História da Humanidade e a recusa de um dogma da Igreja de Roma, é tal que o Cardeal-arcebispo de Colónia, Joachim Meisner, que fez a mesma comparação, já apresentou as suas desculpas à comunidade judaica pela comparação.
Claro que o Papa não se retractou e na conferência de Imprensa de ontem, o Cardeal Joseph Ratzinger afirmou que as críticas das comunidades judaicas são infundadas já que o Papa «não tentou colocar o Holocausto e o aborto no mesmo plano» mas apenas avisar que o mal é omnipresente «mesmo em sistemas políticos liberais». O que é um pouco difícil de acreditar já que o papa compara a legislação que permite o aborto ao Holocausto e afirma que ambos surgiram quando os governos decidiram usurpar a «lei de Deus»!
O pio Papa aproxima-se cada vez mais do Pio IX que beatificou e parece comungar não só do horror à democracia como à liberdade de opinião e expressão. Assim, depois de no livro ter advertido para os perigos da democracia fora dos auspícios do Vaticano e das «leis divinas», ataca os meios de comunicação numa Carta Apostólica de 20 páginas, apresentada na segunda feira. Meios de comunicação que considera precisarem urgentemente da «redenção de Cristo». E onde propõe que «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação», isto é, promove a tão católica tradição da censura. Na apresentação da carta, o bispo Renato Boccardo disse que grande parte dos media enfermava de um «processo degenerativo» em que os valores cristãos eram ignorados. Ou seja, entre outras degenerações, como aceitarem a liberdade de expressão e de opinião, não se coibem de ir contra a opinião do Vaticano exibindo filmes e programas considerados «imorais» pela Igreja.
Talvez estes programas façam parte dos tais «padrões culturais negativos» difundidos pelo Ocidente, que o Papa critica no seu livro, que o preocupam especialmente pela possível «contaminação» dos países da Europa de Leste juntamente, claro, com os casamentos homossexuais, parte destacada do que considera uma «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade.
Pessoalmente considero a verdadeira «ideologia do mal» as prosas emanadas do Vaticano, nomeadamente estas que negam as liberdades fundamentais da cidadania, que menosprezam e banalizam o Holocausto comparando-o com o não acatar dos dogmas da Igreja, que querem no fundo voltar a escravizar a Humanidade aos ditames de uma Igreja autocrática e autoritária que se considera dona e senhora da verdade e criminosos malvados os que não aceitam essas verdades!
O Diário de Notícias revela-nos um grande defensor da moral e dos bons costumes, o senhor João de Mendia que, a fazer coro com o senhor João César das Neves, torna aquela publicação num órgão propagandístico da ICAR.
O artigo de opinião do senhor Mendia está cheio de bonitas pérolas que merecem ser largamente divulgadas. A primeira é esta: «Dois mil anos antes de Marx, Lenine, Estaline, Mao, Engels, Pol Pot, ou mesmo Robespierre, Descartes ou até do dr. Arnaut, já tinha havido Alguém que veio dar sentido à Humanidade, fazendo dela uma comunidade de homens livres, esses, sim, verdadeiramente livres, onde cada um deles, se quiser, pode ser bom e justo. Suponho que este «Alguém» seja uma personagem que dá pelo nome de Jesus de Nazaré e que, segundo dizem, andou a espalhar uma mensagem de paz e amor universal, percursora do movimento hippie dos anos 60. Se essa era realmente a mensagem daquela personagem, foi completamente adulterada por uma organização que dá pelo nome de Igreja Católica Apostólica Romana e cuja filosofia e valores são bem conhecidos do leitor.
Mas, continuemos. «E a liberdade, a verdadeira liberdade, está exactamente nisto se quiser. É o amor, a fé e uma dimensão sobrenatural acima dos homens que Deus propõe, e nós aceitámos. Não aquela limitação um tanto farisaica a que chamam “direitos do homem” onde este é o princípio e o fim de tudo. E não é». Pois é, os direitos do Homem – que incluem as inalienáveis dignidade da pessoa, liberdade e igualdade -, são considerados limites hipócritas pelo autor do artigo. Isto em nome de uma vã quimera que apenas confere a respeitabilidade do Homem depois da morte e se não for parar ao fogo do Inferno.
No entanto, a opinião do senhor João de Mendia não versa sobre os direitos do Homem e a sua natureza mais ou menos farisaica. Versa, isso sim, sobre um mal muito maior do que a luta pela dignidade da pessoa humana: a Maçonaria. «A propósito da atitude do PR, a meu ver infeliz, grave e insultuosa, e o sequente aproveitamento do GOL aquando da cerimónia maçónica na Basílica da Estrela que precedeu o enterro do dr. Nunes de Almeida». O dr.Nunes de Almeida não era católico, era maçon e, pela sua posição de destaque, como juiz do Tribunal Constitucional, o funeral de Estado obrigou a que as cerimónias fúnebres fossem realizadas naquela igreja.
Continuando, «sua Eminência recordou, de forma acessível e inequívoca, a posição da Igreja face à Maçonaria. Esta posição do sr. D. José Policarpo não pode, nem deve, ser interpretada como reacção, se bem que legítima, da hierarquia da Igreja aos constantes e cada vez mais insistentes ataques que lhe vêm sendo feitos pela Maçonaria, mas tão-só, e a propósito daquele grave insulto, muito grave, para relembrar aos fiéis da sua definitiva e total incompatibilidade com qualquer obediência maçónica». Que ataques têm sido perpetrado pela maçonaria aos desígnios da ICAR não sabemos, mas suponho que seja algo de altamente conspirativo integrado num plano mais lato de dominação global. Quanto à total incompatibilidade com obediências maçónicas, ela só se verifica de um lado: se a ICAR não permite aos seus membros a participação na Maçonaria, o inverso já não é verdadeiro.
O senhor Mendia, muito vexado na sua consciência católica, afirma que o dr. Arnaut, grão mestre do Grande Oriente Lusitano não podia ter menos razão ao ter dito que «determinado bispo de Lisboa teria sido um destacado maçon», especialmente porque «não se sabe por que regras se regem os maçons, dizer que esta ou aquela personalidade é da Maçonaria só passaria a ser crível quando os nomes de todas as outras passarem a ser públicos». De qualquer maneira, para Mendia, o dr. Arnaut só tem razão «para os maçons, mas é disso que quase todos nos andamos a queixar há 200 anos». De facto, há duzentos anos há muita gente a queixar-se da defesa da igualdade, da fraternidade e da liberdade, valores caros não só à Maçonaria mas a qualquer cidadão minimamente consciente.
Após uma onda de verborreia contra o grão-mestre do Grande Oriente Lusitano e da espiritualidade que existe numa cerimónia fúnebre maçónica, encontramos esta pérola «Não se entende, igualmente, onde estará o espiritual numa organização furiosamente ateia e materialista como a Maçonaria». Não sei onde é que se foi buscar o ateísmo. Que eu saiba, não é condição para ingresso na organização em causa a recusa de um ser supremo. Na verdade, a ideia do Grande Arquitecto tem o seu quê de espiritual e de algo de divino.
Finalmente, o senhor Mendia fala no caso do padre Lereno que, indo contra a lei, falou aos fiéis, não só da sua igreja, como afirma o autor do texto, mas também os que o ouviam na rádio, «sobre os perigos reais de se poder estar a votar, nestas eleições de Fevereiro, em partidos que têm nos seus programas propostas contrárias ao preceituado pela Igreja em relação à sua doutrina e fé». Alertou e alertou bem, segundo o senhor João, «para a defesa da vida contra a cultura de morte que alguns partidos querem ver generalizada na vida portuguesa. Não só fez bem como tinha a estrita obrigação de o fazer». Independentemente de ser a favor ou não da despenalização do aborto ou do suicídio assistido, o padre de Lisboa, no exercício das suas funções, induziu os eleitores a não votarem em determinados partidos políticos. A última pérola é de morrer: «O Estado deverá ser neutro, com certeza, mas o Estado tem pessoas lá dentro. E essas pessoas, graças a Deus, em Portugal, há 900 anos que são quase todas católicas». Ora, então, o princípio da laicidade do Estado é completamente ignorado por João de Mendia que, pelos vistos, ainda não se deu conta que vivemos num Estado de Direito Democrático há trinta anos e que a carcaça de Salazar já teve tempo de se transformar em pó.
Deste artigo de opinião podemos retirar algumas conclusões:
1. Que a Igreja Católica está a reabrir as hostilidades contra a Maçonaria, como a Palmira já tinha comentado num texto publicado neste Diário;
2. Que a Igreja Católica continua a arrogar-se como defensora de uma moral suprema;
3. Que a laicidade do Estado é ignorada por muitos católicos com alguma influência no espaço público.
Como o Diário Ateísta tinha previsto, e escrito, estava encomendado o milagre para elevar o beato Nuno Álvares Pereira à santidade. Desta vez não é de borla, precedente aberto para com os pastorinhos de Fátima, mas será fácil ressarcir a Igreja portuguesa do numerário esportulado por tão boa causa com a venda de artigos religiosos. O novo santo, não sendo conhecido no ramo, é todavia muito popular, como herói, nos manuais escolares do ensino básico.
Em rigor, segundo afirmou o patriarca Policarpo, que tem muito mais confiança nos santos cuja vida se esqueceu, do que naqueles cujas patifarias ainda estão frescas, Nuno Álvares Pereira não precisava de obrar nenhum milagre, pois já é considerado santo pelo povo português há mais de 200 anos, o que lhe permitiria a elevação administrativa.
Mas sabe-se como a ICAR é exigente nesta questão dos milagres. Ou há milagre a sério ou vai-se a santidade. Neste caso apareceram em pouco tempo sete milagres, ramo a que o Beato Nuno nunca se tinha dedicado. Durante séculos esteve a apodrecer inutilmente sem aliviar um desgraçado de uma moléstia para se redimir dos castelhanos que matou sem zelo religioso, na defesa de vários condados e numerosas mordomias que a vitória em Aljubarrota lhe granjeou.
Assim, no próximo mês de Março, dos «sete possíveis milagres» vai ser enviado o que a Congregação para as Causas dos Santos escolheu, por ser mais fácil de provar. Trata-se do processo de cura do olho esquerdo (se fosse o direito tinha o mesmo valor) de uma mulher residente em Ourém, que ficou queimado com óleo que saltou de uma frigideira a ferver. Já existem vários documentos médicos que confirmam a doença e a cura, «inexplicável segundo a ciência», de acordo com o descaramento da ICAR.
Apostila 1 – A Ordem dos Médicos e o Ministério Público não investigarão eventuais falsas declarações.
Apostila 2 – A Associação de Produtores, Exportadores e Vendedores de Azeite (APEVA), apesar do azedume por o milagre ter tido origem com óleo, desiste de reivindicar a queimadura com azeite, para não atrasar a elevação do Condestável à santidade.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.