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8 de Março, 2005 André Esteves

O Kitsch da Fé

Os Estados Unidos da América têm uma longa tradição de obras monumentais: o monte Rushmore com as caras dos presidentes, o «falo» de Washington, etc. Faz-se tudo em grande. No entanto, houve sempre um não-sei-quê de original e/ou neo-clássico nessas obras.

Esta é a primeira que encontro que mais se aproxima do espírito das grandes obras soviéticas do período estalinista. E claro!!! Conduzida pelo mais profundo e básico capitalismo. Do dízimo dos crentes directamente para o ego do seu pastor…

E assim na profunda e grande América, que é grande em tudo, menos no sentido de estética e de proporções: O Cristo levanta as mãos ao céu, implorando ao pai, perdão, pelo mau gosto evidenciado pelos seus seguidores…

– Pai!! Perdoa-os!! Eles não sabem o que fazem…

Longe vão os tempos do 2ºmandamento, tão próximo do coração na Reforma:

Exodo 20:4
4.Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
6 e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos

Claro que se a ICAR o tivesse seguido desde o início não haveria reforma e o kitsch de Fátima não existiria. E isso seria uma perda terrível para o mau gosto da humanidade…

8 de Março, 2005 Carlos Esperança

ORAÇÕES PLUVIAIS…

1 – Reza-se para pedir a deus que modifique o estado de secura que provocou, deixando agora cair chuva…
… Mas sendo deus perfeito, por definição conceptual divina, não podia ter criado uma imperfeição – a seca danosa.
Então, se criou uma imperfeição, não é deus. Do qual, concomitantemente, não há nada a impetrar…
Se a seca não for uma “imperfeição” para deus, então, também não há nada a reclamar da entidade divina…

2 – Deus é imutável, por definição conceptual, pois que não faz sentido que esse agente universal ande a percorrer o mundo à procura de informações e coisas, nem se conceba que se transmute para alcançar o que quer que seja.
Portanto, deus foi, é e será, esteve, está e estará, sem se poder acrescentar mais nada. Imutável.
Mas, então, os cristãos, com destaque óbvio para os católicos, não podem rezar, impetrando a benesse divina, pois que isso seria admitir, ipso facto, que o seu deus teria que mudar a sua atitude, fautora de seca, para uma outra, fautora de chuva, o que contraria o conceito dum deus intrínseca, inextricável e conceptualmente imutável.
A reza do piedoso povo cristão implica a admissão que deus é mutável, de fautor de seca para fautor de chuva, o que contraria, antiteticamente, a sua imutabilidade conceptual; se pegarmos, primeiro, pelo conceito, então, deus é imutável, logo não há chuva a reclamar, pois que teria que modificar, adrede, as condições naturais…

3 – Claro que o bom povo cristão, armado em arguto, mas, no fundo, imbuído de necedade larvar, costuma contornar, cavilosamente, a “relação” deus-humanidade, alegando que aquele pseudocandidato a coisa criou-nos, mas deixou-nos em livre curso, redundando a responsabilidade, apenas, cá para a gente…
Ora, se o povo utiliza expressões tais como: “Se deus quiser”, “Deus queira”, “Graças a deus”, não se pode, por concomitância, alegar que tal figurão celestial nos deixou em livre curso, pois que se está a admitir a intervenção divina…
Sendo assim, também não há chuva a impetrar, pois que tudo é «graças a deus» e «se deus quiser», logo, deus é que sabe e já tem tudo destinado há uns séculos atrás…
Acrescida e analogicamente, também não se pode pedir mais nada a deus…

Está clara a minha demonstração sobre a inanidade prática e teórica do conceito inventado de deus e suas implicações pluviais e outras?

ADENDA
Dizem os crentes, como já referi, que deus nos deu livre curso e, portanto, seríamos livres para venturas e desventuras, eximindo-se a criatura celeste a mais responsabilidades e ficando, os crédulos, mais tranquilos espiritualmente…
… Mas não ficam…
… Por causa do seguinte quesito:
– Será que deus também deu “livre curso” às forças naturais, geradoras de catástrofes???!!!
Se sim, também não há nada a reclamar de deus…
Se não, é um patifório cruento e incomparável… extensível, logicamente, à primeira hipótese… João Pedro Moura

7 de Março, 2005 Ricardo Alves

O Reino Unido não é laico

A diferença fundamental entre a República francesa e o Reino Unido foi confirmada numa decisão judicial que reafirmou o direito de uma jovem de origem bangladeshi a usar o «jilbab», um manto que a cobre de tal forma que apenas as mãos e o rosto ficam a descoberto. De acordo com o acórdão judicial, «[o Reino Unido] não é um Estado laico (…) as escolas têm o dever de assegurar que os alunos tenham educação religiosa, e que cada aluno participe numa oração colectiva por dia, a menos que o encarregado de educação peça escusa». A não laicidade do Reino Unido e o carácter confessional das escolas britânicas são reafirmados várias vezes ao longo do acórdão judicial, com o objectivo de distanciar o ordenamento jurídico britânico daquele que vigora na Turquia, na Suíça ou na França.
Shabina Begum, hoje com 16 anos, fora excluída da sua escola em Setembro de 2002, quando após a menarca aparecera na escola não com o traje tradicional que usara até então e que cobre os cabelos (o que é aceite na sua escola) mas com um traje mais longo (o «jilbab»), que lhe permite disfarçar também as suas formas corporais. A directora da escola, sendo muçulmana numa escola de maioria (a 80%) muçulmana, temeu que o exemplo desta jovem pressionasse outras alunas a aderirem às versões mais integristas do Islão. Significativamente, o irmão de Shabina, que é um militante da organização de extrema direita «Hizb ut-Tahrir», parece ter tido um papel crucial quer na conversão de Shabina ao fundamentalismo quer no processo legal, para o qual recrutou a advogada Cherie Booth (a esposa de Tony Blair).
Conforme se torna cada vez mais claro, só a assunção clara da laicidade e do papel da escola não confessional na transmissão de valores republicanos como a igualdade de género e a mistura entre rapazes e raparigas poderá fazer frente à ofensiva dos extremistas islamistas. E, nesse aspecto, a França está melhor preparada do que o Reino Unido.
7 de Março, 2005 Mariana de Oliveira

Momento teatral

O novo livro de João Paulo II, «Memória e Identidade», em que o papa aponta como causa dos males do mundo o movimento iluminista que colocou a razão e a dignidade da pessoa acima da fé e de Deus, afirma que, «se o homem pode decidir por si mesmo, sem Deus, o que é bom e mau, pode também decidir que um grupo de pessoas seja aniquilado, como aconteceu com o nazismo e com o comunismo, e como pode ainda acontecer».

Muito bem, parece que a existência de Deus é uma espécie de filtro que impede más acções e genocídios. O que leva à questão da perseguição e extermínio de nativos americanos pelos europeus colonizadores. A Igreja esquece-se que não censurou aquele genocídio e apoiou o comércio de escravos e, assim, esquece-se que é tão fácil matar em nome de Deus como em nome de qualquer outro valor.

A esta conclusão chega o escritor francês Jean-Claude Carrière, na sua peça de teatro intitulada «A controvérsia de Valladolid», em que se encena o debate, em 1550, sobre se os povos indígenas da América podiam ser considerados ou não humanos. Bartolomé de Las Casas traz testemunhos de massacres, violações e assassínio de crianças enquanto defende que os «índios» deviam ser considerados «irmãos em Cristo». Do contra encontramos Sepulveda, que cita as Escrituras e Aristóteles para provar que «Deus criou-os para nós. Ele esperou até que a nossa vitória sobre os Mouros fosse completa antes de nos guiar para estas novas costas. E Ele quis que eles se submetessem a nós».

Infelizmente para nós, não temos possibilidade de viajar até ao outro lado do Atlântico e a peça de teatro está em cena em Nova Iorque.

6 de Março, 2005 Carlos Esperança

Respeitar a fé

A maior alfabetização, os avanços da ciência e da técnica, a progressiva secularização da sociedades e a conquista gradual de direitos e liberdades, vieram pôr em xeque as armas principais da evangelização religiosa – a prisão, a tortura, as perseguições e os autos de fé. Sobram o medo do inferno, o embuste dos milagres, a coacção psicológica e a protecção concordatária ou a promiscuidade com o poder, à ICAR, aos evangélicos e aos cristãos ortodoxos. E, claro, o poder totalitário e as práticas execráveis determinadas pelo Corão, aos muçulmanos.

Quando a violência religiosa está contida, surgem apelos ao respeito pela fé, como se nas sociedades democráticas e liberais alguém estivesse limitado na prática da oração, na frequência da Igreja, na degustação eucarística, nas passeatas piedosas a que chamam procissões ou nas novenas a pedir a interferência divina na pluviosidade. Acontece que, enquanto os governos laicos se distraem ou são cúmplices, nascem nichos com virgens nas esquinas, crescem capelas no alto dos montes, pululam crucifixos nos edifícios públicos e nos largos urbanos, crismam-se com nomes de santos os hospitais públicos e as ruas das cidades e cria-se um ambiente beato e clerical.

Ao apelar ao respeito pela fé não se pretende, apenas, a liberdade de culto, exige-se que não se desmascarem os milagres, não se investiguem os Evangelhos, não se duvide da existência de Deus ou a virgindade de Maria. Em nome do respeito pela fé, dificulta-se a divulgação da ciência e facilita-se a propaganda religiosa. A fé é o alibi para a impunidade com que as Igrejas pregam a mentira, manipulam consciências, aterrorizam os crentes e fazem esportular o óbolo.

A minha ideia de respeito pela fé é a defesa intransigente do direito ao culto, não o silêncio perante a mentira, a conivência com a fraude, a passividade com o proselitismo.
Respeitar a fé é despenalizar a superstição, descriminalizar as auto-flagelações, absolver as idas à bruxa ou ao confessionário, enfim, permitir o retorno à Idade Média a quem o faça de livre vontade, vigiando os métodos e exigindo o respeito pelos direitos humanos contidos na Declaração Universal, que o Papa considera de inspiração ateia.

Claro que a liberdade não é de criação divina. Nem a democracia um sonho eclesiástico.

Apostila – A procissão de Alfândega da Fé (bonito nome) percorre treze quilómetros. Sabemos que a eficácia do pedido para que chova é nula, mas o tempo que demora a percorrer o itinerário é suficiente para que se altere a temperatura e a humidade do ar.

6 de Março, 2005 Palmira Silva

O jogo dos possíveis

«Nature is an excellent tinkerer, not a divine artificer»

«Porque não é apenas o interesse que leva os homens a matarem-se mutuamente. É também o dogmatismo. Nada é tão perigoso como a certeza de se ter razão. Nada causa tanta destruição como a obsessão duma verdade considerada absoluta.

Todos os crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os massacres foram cometidos por virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a mentira do outro, do combate contra Satanás. A frieza e a objectividade, que se reprovam tantas vezes nos cientistas, talvez sejam mais úteis que a febre e a subjectividade para discutir certos assuntos humanos. Porque não são as ideias da ciência que provocam as paixões. São as paixões que utilizam a ciência para sustentar a sua causa. A ciência não conduz ao racismo e ao ódio. É o ódio que faz apelo à ciência para justificar o seu racismo.

Pode criticar-se certos cientistas pelo ardor com que por vezes defendem as suas ideias. Mas nenhum genocídio foi ainda perpetrado para fazer triunfar uma teoria científica. No final deste século XX deveria ser claro para todos que nenhum sistema explicará o mundo em todos os seus aspectos e todos os seus pormenores. Ter contribuído para pôr termo à ideia duma verdade intangível e eterna talvez não seja um dos menores títulos de glória do método científico.»

François Jacob – O jogo dos possíveis, livro que inaugura a colecção Ciência Aberta da Gradiva.

6 de Março, 2005 Mariana de Oliveira

Santa ignorância

Dos Estados Unidos, o mais brilhante farol da Democracia e Liberdade ocidentais, chega-nos esta interessante carta de uma leitora do jornal «The Sun Times».
A senhora começa por dizer que «os ateus continuam a rastejar debaixo dos seus troncos podres» e que a Bíblia diz que são propositadamente ignorantes, ou seja, o que faz com que eles «ouçam exactamente o contrário do que está a ser dito». Há muito que não encontrava uma definição de ateísmo tão retrógrada e absurda como esta. Bem vistas as coisas, a autora da missiva talvez tenha razão: os ateus, em determinado ponto das suas vidas, analisaram de forma consciente a sua posição individual perante a divindade e escolheram o caminho da descrença.

De acordo com a senhora, o ateísmo acusa a cultura cristã de uma longa história de violência. E erradamente pois os feitos do ateísmo são muito piores: «o nazismo, o socialismo e o comunismo, que são praticamente o mesmo. A todos eles falta integridade intelectual e moral». Quanto ao nazismo, este Diário já se pronunciou sobre a relação deste movimento com a religião, relação essa de grande proximidade e apoio. Leia-se, por exemplo, dois artigos da Palmira intitulados «A religião e o holocausto», parte I e II.

Relativamente ao comunismo e ao socialismo, esses males vermelhos que foram tão diabolizados pelo imaginário norte-americano, essa ideia de estas ideologias políticas serem consequência lógica do ateísmo não pode ser mais falaciosa. Este é um fenómeno de culpa por associação, ou seja, se uma parte dos comunistas são ateus, dizem os teístas, que há uma ligação entre aqueles dois conceitos. Nada de mais errado. Os ateus, tal como os crentes, divergem na sua ideologia política: há ateus (e crentes) de todos os quadrantes políticos.

Os disparates não acabam aqui. Na carta pode também ler-se que o comunismo e o evolucionismo estão intimamente ligados. Porquê? Porque «Carl [ou Karl] Marx pediu a Darwin que escrevesse a introdução do “Das Capitol” [mais conhecido por “Das Kapital“] porque sentia que ele tinha fornecido uma base científica para o comunismo». Assim, «quem empurra a conspiração comunista, também empurra uma perspectiva evolucionista, imperialista e naturalística, que pretende retirar o Criador do Cosmos». Portanto, isto faz tudo parte de uma grande conspiração de «comedores de criancinhas ao pequeno-almoço».

Daqui, parte-se para a constatação de que Stalin assassinou mais pessoas do que Hitler e que Mussolini, «que frequentemente citava Darwin, disse que a guerra era necessária para a sobrevivência do mais forte». Para além disso, o subtítulo da obra paradigmática de Darwin é «Preservação de raças favorecidas na luta pela vida». E a senhora pergunta: «quem é que decide as “raças favorecidas”»? A mim, que sou ateia, parece-me que ninguém tem capacidade de decidir isso, crente ou não crente, e essa ideia de «decisão» é absurda.

A seguir, a senhora adianta que «Cristo odiava assassinos de bébés» e que os descrentes são responsáveis pelo holocausto americano do aborto. Acho que não é preciso ser-se Cristo para não se ter especial carinho por assassinos, de bebes ou não. Os ateus não desprezam mais a vida do que o comum crente. Para além disso, quanto ao aborto, os ateus – como, de resto, os crentes – divergem profundamente de opiniões.

Para terminar, «Pol Pot, Osama bin Lauden [sic], Saddam (não cristãos) mataram milhões» e «milhões de cristãos estão a ser mortos no Sudão por ateus». Tanta ignorância junta é desesperante. Esta senhora junta o associa o ateísmo ao comunismo, ao fundamentalismo islâmico (ou seja, religioso) e a um regime ditatorial que a única filosofia que defendia era o poder do seu chefe. É de ficar boquiaberta!

6 de Março, 2005 Carlos Esperança

Notas Piedosas

João Paulo II – Segundo o Vaticano continua a melhorar e prossegue com grande força de vontade os exercícios fonéticos e de respiração. Hoje será montada uma aparição da janela do hospital dando a bênção com a mão aos fiéis. Certamente que já foi testado um holograma com uma mensagem de voz adrede preparada.

S. Francisco de Assis – Chamava irmãos aos lobos, não se sabe se por amor aos animais ou por conhecer demasiado bem a sua Igreja. O comportamento do padre Serras Pereira aponta para a segunda hipótese. O feroz franciscano é o primeiro a excomungar através de anúncio pago, mas a doutrina está em linha com os Evangelhos e o Vaticano. As vozes incomodadas não rebatem os dislates apenas reivindicam melhor oportunidade e a chancela episcopal.

Vigília Mariana – Música, missa, orações do rosário e outras pias diversões das III Jornadas Universitárias reuniram ontem, via satélite, cerca de dez mil estudantes e docentes de onze cidades europeias, com possível ligação à clínica Gemelli em Roma. Tema das festividades: «A procura intelectual e científica, caminho de encontro com Cristo». A ICAR é o laboratório e o terço a bússola para encontrar um cadáver com dois mil anos.

Leiria/Fátima – Vai realizar-se no próximo dia 13 (número da sorte) a 74.ª peregrinação ao santuário de Fátima, actividade nómada que começou em 1931, um ano depois do bispo José Alves Correia da Silva ter dado cobertura à monumental burla urdida na Cova da Iria. Segundo os meios eclesiásticos, o tema «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós», é um convite para manter a relação vital com Jesus, muito longe da lúbrica interpretação que os incréus seriam tentados a imaginar.

5 de Março, 2005 Palmira Silva

Delenda Carthago

Catão e a sua esposa Pórcia, Museu Pio Clementino, Vaticano.

«Todo o mérito da virtude está na sua prática»
Cícero, De Officiis, 1,6.

No século II a.C., Marco Pórcio Catão, o censor moralista, que zelava pela moral e bons costumes romanos e pela punição dos ideólogos do mal, personificados pelos cartagineses, arengava obsessivamente a necessidade da destruição completa de Cartago. Catão terminava todos os seus discursos no Senado romano com a frase «ceterum censeo Carthaginem esse delendam» ou seja, «quanto ao resto, penso que Cartago deve ser destruída». O sucesso das suas pregações, que exponenciaram o ódio dos romanos contra os cartagineses, transformando-o num sentimento nacionalista que deixou em segundo plano muitas divergências entre classes em Roma, selou o destino da cidade. Cartago seria arrasada e as suas terras aradas e saturadas de sal.

No século XXI, despojados das máscaras de tolerância e laicidade impostas pela conjuntura europeia que ditou o concílio Vaticano II, os censores moralistas de Roma retomaram as suas prelecções obsessivas contra os ideólogos do mal, protagonizados por todos os que não só não aceitam os dogmas que debitam, como se recusam a permitir que seja o Vaticano a ditar as leis que regem os respectivos países.

Constitui um enigma para mim que os católicos não se apercebam do paradoxo que é afirmar, como o fez o Papa no seu último livro, que não aceitar reger os Parlamentos pelos Evangelhos é de facto uma nova forma de totalitarismo e que este novo totalitarismo está «insidiosamente escondido atrás da aparência de democracia». Porque o totalitarismo é o poder de uma doutrina, de uma ideologia, de uma «verdade» e todo o totalitarismo é intolerante: porque a verdade não se discute, não se vota e nada tem que ver com as preferências ou opiniões dos indivíduos.

Assim, as religiões são totalitárias e, contrariamente ao que apregoam, não aceitam nem respeitam quem não partilhar as suas crenças ou, pelo menos, consentir em deixar-se reger por elas, já que todas as religiões consideram o seu como o caminho único e inquestionável. Consequentemente a intolerância é indissociável das religiões em geral e do cristianismo em particular, detentoras da verdade absoluta revelada e para as quais é uma missão divina obrigar todos aqueles que não estejam em sintonia com os seus ideais a tornarem-se submissos a estes.

Qualquer crítica nossa à religião ou seus representantes é assim considerada como intolerância mas estes representantes nem pestanejam ao afirmar que quem não aceita a sua verdade absoluta é obviamente um imoral servo do Mal ou ao considerar indispensáveis pregações constantes contra os perigos do ateísmo.

Com o cair das máscaras, temos sido agraciados nos últimos tempos com inúmeras manifestações de intolerância dos cristãos em todo o mundo ocidental, denunciadas abundantemente no Diário Ateísta. Para que o fim desta história não seja o retorno da história, isto é, da militância religiosa das guerras «santas» com o fim de arrasar e «salgar» o que consideram as ideologias do mal, recordemos o paradoxo da tolerância de Karl Popper: «Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a tolerância.».

E, sobretudo, queremos recordar aos crentes que não existe tolerância quando nada se tem a perder, e, menos ainda, quando tudo se tem a ganhar nada fazendo, permitindo a manutenção de um status quo injusto e intolerante.

4 de Março, 2005 Palmira Silva

Os protocolos de Sião

Dia 7 do corrente mês é publicado um livro que desmistifica uma das lendas urbanas mais trágicas da história da humanidade, montada e usada ainda hoje para justificar a perseguição aos judeus. «The Protocols of the Elders of Zion» escrito por uma das mais prestigiadas juízas israelitas, Hadassa Ben-Itto, que representou Israel na Assembleia Geral das Nações Unidas, investiga as origens de uma mentira que foi usada como justificação da morte de milhões de judeus na Rússia e na Alemanha nazi. E que ainda hoje é um argumento recorrente do anti semitismo. No passado dia 20 de Fevereiro, o mufti de Jerusalém, Ikrima Sabri, afirmou na televisão Al-Majd, no seu comentário ao assassínio de Rafik Hariri, o primeiro ministro libanês, que «Todos os que estudam os protocolos de Sião e o Talmud especificamente descobrirão que um dos objectivos destes protocolos é causar confusão no mundo e minar a segurança globalmente».

Os protocolos de Sião, que viram a luz do prelo em 1905 como apêndice ao livro «The Great and the Small» do escritor russo Sergei Nilus, pretendendo ser as minutas de um grande encontro de líderes judeus, descrevem os meios tortuosos pelos quais, supostamente, os judeus pretendiam causar um colapso político e económico global de forma a facilitar o seu domínio do mundo.

A investigação desenvolvida por Hadassa Ben-Itto ao longo de mais de uma década e apresentada no livro permitiu-lhe estabelecer que os Protocolos foram escritos em Paris cerca de 1895 por instrução de Piotr Ivanovich Rachkovskii, um agente secreto russo, para sustentar as políticas anti-semitas da dinastia Romanov. Após a publicação do livro de Nilus foram amplamente divulgados e lidos como sendo de facto transcrições da 1ª Conferência do Sionismo, realizada em 1897 em Basileia.

Na realidade, já em 1921 o correspondente da Times Philip Graves tinha sido informado por um exilado russo de que os Protocolos se basearam numa sátira banida (e queimada posteriormente) do autor francês Maurice Joly intitulada «Diálogos no Inferno», uma crítica ao governo de Napoleão III conseguida através de diálogos imaginários entre Niccolo Machiavelli e Charles de Secondat, Barão de Montesquieu, o filósofo francês célebre pela sua teoria da separação dos poderes. Aliás extensas passagens dos Protocolos são cópia integral dos Diálogos, escritos em 1864, isto é, 33 anos antes da Conferência de Basileia.

Esperemos que com a publicação deste livro as teorias da conspiração sobre as pretensões judaicas de dominar o mundo caiam por terra!