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4 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Fuga da laicidade

Desde a morte do papa João Paulo II que se tem observado um brutal esquecimento não só dos nossos meios de comunicação social, mas também dos nossos representantes políticos democraticamente eleitos de que há mais mundo para além da religião e de que nem todos os cidadãos deste mundo são católicos e, muito menos, religiosos.

De facto, desde os espaços informativos televisivos aos jornalísticos – comentadores incluídos – que observamos uma estranha lavagem das atrocidades que este papa defendeu implícita ou explicitamente bem como de certas tomadas de posição que não se coadunam com a actual conjuntura social do mundo. Os «media» limitam-se a apresentar uma visão cor-de-rosa das últimas duas décadas de pontificado, mostrando João Paulo II como um lutador pelos interesses dos jovens, dos mais desfavorecidos e de todos os outros cidadãos do mundo. Como já mostrámos no Diário Ateísta, as coisas não são assim tão simples.

Quanto à nossa classe política, hoje ficamos a saber que o senhor Presidente da República, para além dos rasgados elogios que teceu, disponibilizou o «Falcon» da República Portuguesa para que servisse de meio de transporte de José Policarpo e respectiva comitiva, bispo de Lisboa, para Itália.

O PSD, na pessoa do líder interino do seu grupo parlamentar, Marques Guedes, propôs que o período antes da ordem do dia do primeiro plenário desta semana, na quinta-feira, «seja substituído por uma condigna sessão de homenagem ao Santo Padre, com intervenções de todas as bancadas e a aprovação de um voto de pesar». Não se ficando por aqui, Marques Guedes sugere que o voto de pesar seja apresentado no plenário pelo presidente da Assembleia da República, a segunda figura mais importante da República. O social-democrata justifica esta posição dizendo que «a morte de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, toca fundo na alma nacional e deixa emocionada a esmagadora maioria dos portugueses».
O CDS-PP, coerentemente, no passado Sábado, anunciou que iria propor ao Presidente da Assembleia da República uma sessão parlamentar especial para evocar a memória do responsável máximo da Igreja Católica.

E, agora pergunto, o resto dos portugueses que são representados pela Assembleia da República e que não são católicos? Deverão eles suportar este atropelo à laicidade? Deverá o nosso Estado prostrar-se face a esta demonstração prosélita de poder e influência da Igreja Católica? Não. Jamais. Como defensores da Laicidade e, assim, da Igualdade devemos pugnar para que esta submissão não passe despercebida aos olhos dos nossos concidadãos.

4 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Apostas

No passado Sábado, abriu-se a sucessão para o cargo mais importante da jerarquia da Igreja Católica Apostólica e Romana, também conhecida por ICAR. Nas próximas semanas assistiremos à apresentação de várias nomes que ocuparão, nos próximos tempos, o lugar de bispo de Roma.

Para que o caro leitor não seja bombardeado com as informações religiosas em vão, encontrei uma forma de as capitalizar: no site «Paddy Power Online betting on Horse Racing, Soccer, Tennis & Lotteries» poderá apostar sobre a identidade do próximo papa e também no nome que adoptará.

3 de Abril, 2005 Carlos Esperança

JP2 – um papa obsoleto no antro do Vaticano

A morte de JP2 relembra a dor e sofrimento que atingiu a URSS quando o pai da Pátria, José Stalin, exalou o último suspiro e recorda o histerismo demente que rodeou a morte do ayatola Khomeini em todo o mundo árabe, particularmente no Irão. Em comparação, a morte de Salazar foi chorada de forma contida, mas os déspotas produzem emoções mais fortes do que os democratas.

O absolutismo papal, restaurado com o apoio entusiástico do Opus Dei, da Comunhão e Libertação e de outros movimentos integristas, fez de JP2 o Papa da «Contra-Reforma», anti-modernista, infalível e retrógrado, que substituiu os anacrónicos autos de fé pela comunicação social e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os sequazes o alcunharam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (maioritariamente católicas) e a Bósnia e o Kosovo, nações muçulmanas, contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constituía um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste.
A protecção aos padres que participaram activamente no genocídio no Ruanda é mais um desmentido do boato sobre o alegado espírito de paz e justiça que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, é coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O auge da ignomínia foi a meteórica canonização do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chega a ser obsceno na forma como inventou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio místico dos fiéis fanatizados.
Da prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar uma fé de sabor medieval e uma moral de conteúdo reaccionário.

O horror que nutria pela contracepção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o déspota medieval um crime. A SIDA era considerada um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003).
O carácter misógino, o horror à emancipação da mulher, a crença no seu carácter impuro, foram compensados pelo culto doentio da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, condicionou a política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia e ao divórcio e acirrou populações contra governos democraticamente eleitos. Apoiou comandos anti-aborto, estimulou a desobediência cívica em nome dos preconceitos da ICAR, influenciou a redacção da Constituição Europeia, e chegou ao despautério de pedir aos advogados católicos que alegassem objecção de consciência e se negassem a patrocinar o divórcio.

O Papa da Paz condenou a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago; envidou todos os esforços para obter o Nobel da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter posto em causa a virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; perseguiu ou reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli e Jacques Gaillot; marginalizou Hélder da Câmara e Oscar Romero; combateu o comunismo e pactuou com as ditaduras fascistas. João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci» do escritor Dan Brown e sem nunca ter censurado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma = 13), às 21h37 (soma = 13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, não pode ser o algoz da liberdade, o déspota persecutório, o autocrata medieval, o ditador supersticioso e beato que conhecemos. É capaz de ser outro papa o que consternou chefes de Estado e de Governo, que alimentou os noticiários de todo o mundo, que rendeu biliões de ave-marias e padre-nossos, que ocupou milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contra-Reforma, que recuperou graças ao apoio da Virgem Maria que também o promoveu nas suas aparições na Terra.

O Papa que morreu era talvez uma pessoa de bem que, modestamente, ocultou tal virtude. Foi celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas que, na morte, lhe enalteceram as virtudes e calaram os defeitos. Foi o cadáver que milhares de abutres aguardavam para exibir e explorar numa derradeira campanha de promoção da fé católica.

É, todavia, o mesmo Papa que anatematizou os ateus, fez inúmeras declarações contra o laicismo, silenciou teólogos, beatificou fascistas e combateu o planeamento familiar. A sua obsessão era reduzir o mundo a um casto bando de beatos, tímidos e idiotas, sempre de mãos postas e de joelhos. O livre-pensamento, a modernidade , o prazer e a liberdade foram os seus inimigos figadais.

3 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Mais serviço público

No seguimento do artigo do Diário Ateísta sobre a recente transformação da RTP num canal da ICAR, chega-nos a programação para o dia de hoje:

07:00 Especial Informação Papa João Paulo II
13:00 Jornal da Tarde
14:20 Sessão da Tarde: «João Paulo II De Um País Longínquo
17:00 Missa – Sé Patriarcal de Lisboa
18:10 O Peregrino: As Visitas do Papa
19:30 Especial Informação: Papa João Paulo II
20:00 Telejornal
21:05 As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa
21:45 A Vida do Papa
22:50 RTP Cinema: «A Bíblia»
01:50 Petit Messe Solennelle
03:25 O Peregrino: As Visitas do Papa
04:40 Requiem de Verdi

3 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Lembranças

O recente acontecimento lembrou-me um «sketch» dos Monty Python, com as necessárias adaptações:

«’E’s passed on! This pope is no more! He has ceased to be! ‘E’s expired and gone to meet ‘is maker!

‘E’s a stiff! Bereft of life, ‘e rests in peace! If you hadn’t nailed ‘im to the perch ‘e’d be pushing up the daisies!
‘Is metabolic processes are now ‘istory! ‘E’s off the twig!
‘E’s kicked the bucket, ‘e’s shuffled off ‘is mortal coil, run down the curtain and joined the bleedin’ choir invisibile!!

THIS IS AN EX-POPE!!»

3 de Abril, 2005 jvasco

Eles não compreendem

A questão dos crucifixos (e outros símbolos Católicos) pendurados nas paredes das escolas públicas, que me parecia ser uma questão burocrática menor e consensual, que só não estava resolvida por uma certa inércia social, e que teria o apoio de qualquer pessoa de bom senso, está, afinal, a causar muita polémica.
Muitos crentes parecem não concordar com esta medida de elementar defesa dos princípios constitucionais.

No Barnabé li a este respeito O mural da história, o qual me senti «obrigado» a citar. O artigo explica muito bem a posição que eu próprio tenho a este respeito, aflorando uns assuntos bem interessantes, que muitas vezes são esquecidos nesta discussão. Para quem não estiver completamente contextualizado convém dizer que, embora o artigo se possa ler independentemente, ele é a resposta ao Murais e Morais ou República e Laicidade 2, que por sua vez responde a Negócio fechado.

3 de Abril, 2005 Palmira Silva

João Paulo II e as mulheres

«Roma Locuta Est, causa finita est» (Roma falou, a causa acabou)

Os últimos dias de emissão da nossa televisão pública, paga com os impostos de todos, católicos e não católicos, foram devotados numa inusitada percentagem de tempo à crónica da morte anunciada do Papa, tendo o despautério assumido raias de absurdo quando passou a ser quasi exclusivo. Nos zappings em que confirmei que o tema era sempre o mesmo, verifiquei que padres, bispos e cristãos em geral aproveitavam o tempo de antena, sem qualquer direito ao contraditório, para tecer loas a um Papa que reputo do mais reaccionário e retrógrado que a corte do Vaticano poderia ter produzido.

Uma vez que, para mim, a morte é um processo natural que não aumenta o valor facial de alguém, indigna-me que se ignorem as manobras deste Papa para recuperar a velha máxima romana supracitada, especialmente aquelas que me tocam mais fundo como mulher e cientista.

Como mulher considero extremamente nociva toda a actuação deste Papa que tentou remeter a mulher para o papel tradicional consagrado pela Igreja de Roma e anular as conquistas duramente conseguidas de emancipação da mulher (que o Papa considerava perniciosa). Assim na Carta Apostólica de João Paulo II, em 1988, sobre a dignidade e a vocação da mulher, «Mulieris Dignitatem», este explica que Deus criou a mulher virgem para ser mãe e que a mulher só se realiza como virgem ou como esposa e mãe. Aliás em toda a carta nem sequer se concebe a realização da mulher sem um homem, nos auspícios de um casamento, claro.

Em 1994 «Tomando a estas duas mulheres como modelos de perfeição cristã» beatifica Isabella Canori Mora, uma mulher que suportou estoicamente a violência de um marido abusivo, santificando assim a violência conjugal, e Gianna Beretta Molla (posteriormente canonizada com o título Mãe de Família), que preferiu morrer a interromper uma gravidez de alto risco. O ideal de mulher para este Papa que é agora enaltecido é assim uma mulher completamente subjugada ao marido e aos filhos, sem valor intrínseco fora de ambos e que deve renunciar à própria vida em favor de um qualquer óvulo fertilizado.

Mensagem reforçada na «Carta às Mulheres» em 1995 onde se pode ler, no meio do discurso habitual de que a mulher só se realiza através de um homem: «quanto louvor merecem as mulheres que, com amor heróico pela sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de relações sexuais impostas pela força».

A que se seguiu a «Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do Homem e da Mulher na Igreja e no Mundo», emanada da ex-Inquisicão em Julho de 2004, em que a Igreja de Roma recomenda às mulheres cessarem de competir com os homens, reconhecendo o poder masculino. Diz o documento que a mulher tem direito a trabalhar fora de casa, porém sem prejudicar as tarefas domésticas. E que a sua emancipação e independência são prejudiciais à instituição da família.

Esta carta dirigida aos bispos – todos homens, todos celibatários, todos escolhidos pelo Papa – é reveladora do autismo e misoginia da Igreja que recrudesceram sob este papado. Revela que os homens do Vaticano, isolados num mundo artificialmente masculino continuam a não perceber e desprezar as mulheres, tendo agora como alvo uma fantasia que apelidam de «feminismo radical». Nenhuma mulher se considera «antagonista» dos homens mas antes antagonista do machismo. Não entendem que aquilo que as mulheres desejam não é serem «iguais» aos homens é serem reconhecidas como seres humanos de pleno direito!

2 de Abril, 2005 Carlos Esperança

RTP – Um canal da Igreja?


Logotipo de substituição proposto por Luís Mateus

O falecimento do Papa João Paulo II não pode servir de pretexto para uma manifestação contínua de proselitismo.

A RTP é um canal público cuja hipoteca ao serviço de uma religião compromete o carácter laico do regime, o respeito pelo pluralismo e a liberdade de agnósticos, ateus e crentes de outras confissões.

Pela minha parte vou afastar-me do canal público até que terminem as exéquias fúnebres. Que descanse em Paz.

2 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Tragédia no Vaticano – 1 morto (3)


Faleceu, sem deixar descendentes, Karol Vojtyla, Papa católico, emigrante polaco, solteiro, de 84 anos de idade, conhecido pelo pseudónimo de João Paulo II. Papa há mais de 26 anos, fez a síntese do estalinismo polaco em que viveu com o catolicismo medieval em que acreditava.

Exorcista afamado, preferia a água benta à outra, usava a cruz como amuleto e odiava a contracepção, em geral, e o preservativo em particular. Fez 448 santos e 1338 beatos e foi um grande criador de cardeais. A sua morte resolveu o problema da ICAR, multinacional da Fé, cujos estatutos não prevêem a destituição.

As exéquias, abrilhantadas por uma multidão de sotainas, serão transmitidas para todo o Mundo, em directo, a partir do bairro de 44 hectares cujas actividades principais são a oração, os negócios da fé e a política. De todas as sucursais chegam bandos de monsenhores, bispos e cardeais, estes últimos com direito a voto na escolha do sucessor, pelo círculo eleitoral único «Itália e Resto do Mundo».

A reunião do Conselho de Administração, tendo como ponto único da ordem de trabalhos «a eleição do papa», chama-se conclave. A decisão é tomada por dois terços dos cardeais, sob os auspícios do Espírito Santo, sob o olhar atento do Opus Dei.

As exportações de bênçãos, relíquias, imagens do Papa e indulgências ficam suspensas temporariamente. As importações de esmolas mantêm-se.

Post scriptum – As orações pela saúde de JP2 estão completamente ilibadas de lhe terem prolongado a agonia, não tendo revelado eficácia superior ao placebo.