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6 de Abril, 2005 André Esteves

Homopapa, o superpapa

Chega-nos da Colômbia a notícia de que, aproveitando todo o momento mediático, um artista de banda desenhada arrancou com a publicação de uma BD do papa.

Ilustrando a sua vida? – perguntará o leitor.

Não. O papa será um super-herói. Ressuscitado da morte para combater satanás. E como qualquer leitor de quadradinhos sabe, um super-herói, neste caso o «homem-papa», «Homopapa» ou «Homopater» não dispensa toda uma parafernália de equipamento com poderes especiais no combate do mal.
É a capa anti-satânica, o ceptro energético, são as calcinhas da castidade, os bolsos cheios de imagens menoritas, àgua benta e uma bíblia sagrada. Um bom super-herói não dispensa nenhuma ferramenta para um trabalho bem feito! Afinal, os seus arqui-inimigos muitas vezes nem usam calcinhas.

Segundo o autor, o homopapa irá ter crossovers (expressão do meio, que descreve histórias onde vários super-heróis se encontram) com o super-homem e o batman. Com os quais, o homo papa irá aprender a lutar contra o mal.

O autor, católico não praticante, nega qualquer oportunismo e declara-se um grande admirador de sua santidade, aprestando-se a dizer que esta é a sua maneira de o homenagear.

O que é que querem que eu diga?! O circo começa e o homem nem sequer está enterrado. De um lado temos os católicos de elite com voos místicos e apocalípticos, passando pela numerologia barata, do outro os católicos não praticantes cheios de esperteza saloia.

E ainda querem que não se ligue ao kitsch e aos fait divers? Como haviamos de nos rir de nós próprios e da humanidade? A realidade será sempre mais estranha que qualquer ficção…

P.S-> O autor será publicado pela DC Comics e já planeiam a distribuição no México e na Polónia, para além da Colômbia natal. Pelo andamento da carruagem ainda se publica em Portugal.

6 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O circo das exéquias

A exibição do corpo de João Paulo II lembra os caçadores furtivos que antigamente mendigavam pelas portas mostrando como troféu o cadáver de um lobo, uma raposa ou um gato bravo. Os predadores exploravam o animal morto enquanto o cheiro do bicho e o óbolo dos curiosos o permitiam.

Esta semana o turismo fúnebre virou-se para Roma. De todo o mundo afluem multidões impelidas pela pressão mediática, num tropismo lúgubre de sabor necrófilo. Políticos e clérigos exibem-se em promíscua cumplicidade, por entre multidões de devotos, num espectáculo de mútua indignidade e recíproca subserviência.

A mórbida satisfação de verem um papa amortalhado é lenitivo bastante para suportar o cheiro nauseabundo das essências canónicas misturadas com os fluidos de corpos que se comprimem a reclamar um banho.

Uma semana é pouco tempo na vida de um corpo decrépito mas é uma eternidade para um cadáver em bom estado à espera de funeral. Não há incenso que disfarce, nem pituitária que resista. E um papa, depois de morto, não devia cheirar pior.

O Vaticano não tem maternidade, todo ele é um cemitério. A vida pouco conta naquele bairro, é um mero pretexto da retórica contra o aborto. A morte, essa sim, é a matéria prima de que se alimenta a fé, a angústia e o medo.

Os festejos fúnebres duram uma semana. Os abutres que velam o cadáver exultam com a morte e exaltam o sofrimento. A comunicação social amplia a vertigem mortuária e promove a orgia fúnebre a que não falta a adequada coreografia para comover os fiéis e dilatar a fé.

O espectáculo é obsceno. Recria-se o esplendor da contra-reforma servido por modernos meios de comunicação. Onde está o respeito por um cadáver que se exibe e explora? Mas que pode esperar-se do Estado totalitário que nunca assinou a Declaração dos Direitos Humanos do Conselho da Europa?

5 de Abril, 2005 Ricardo Alves

A laicização da escola pública

A iniciativa da Associação República e Laicidade (ARL) de pedir o fim dos crucifixos e dos rituais religiosos na escola pública desencadeou um debate salutar, que tem sido particularmente vivo no blogue Barnabé. O debate parece ter amainado nas últimas horas, e podem portanto retirar-se algumas conclusões.

  1. Ninguém põe em causa a interpretação da lei feita pela ARL. Os crucifixos nas salas de aula de escolas públicas serão portanto propaganda religiosa ilegal, assim como os rituais religiosos que aí têm lugar (conferir os artigos 41º e 43º da Constituição da nossa República, e os artigos 2º, 4º e 9º da Lei da Liberdade Religiosa).
  2. As escolas não são igrejas, como afirmou lapidarmente Vital Moreira. O exercício legítimo de uma religião (a católica ou outra) pode ter lugar na esfera privada (associativa), como aliás já acontece e deve continuar a acontecer. O que é ilegítimo é confundir o que é estatal (a escola da República) e obrigatório (a escolaridade básica), com o que é privado (a crença) e facultativo (a prática religiosa).
  3. Existem, muito provavelmente, centenas senão milhares de escolas em todo o país que impõem a presença de crucifixos a alunos que não são católicos. Registo, com agrado, que são cada vez menos os católicos que defendem que a sua religião e respectivos símbolos devem ser impostos a todos.
  4. O caso do padre Loreno confunde muitas mentes sensíveis, que argumentam que a Lei Eleitoral da Assembleia da República limita a liberdade de expressão. A verdade é que a limita, mas é indubitável que essa limitação é necessária para assegurar a tranquilidade das campanhas eleitorais. Não é por acaso que o artigo 153º, que se aplica aos «ministros de qualquer religião», é enquadrado por dois artigos (o 152º e o 154º) onde o legislador preveniu as tentativas de coacção que possam ser perpetradas por empregadores ou outras pessoas. Trata-se, claramente, de precaver contra qualquer abuso de uma relação de poder para fins eleitorais, quer essa relação de poder seja patrão-empregado ou padre-crente.
  5. A laicidade não é de esquerda nem de direita. É um tipo de regime, como a democracia é uma forma de governo. Pessoalmente, sou de esquerda, mas a democracia e a laicidade são consensos que podem e devem abarcar a esquerda e a direita. A fractura é entre clericais (os que querem impôr a sua religião a toda a comunidade) e laicistas (os que defendem a neutralidade e a independência do espaço público face às religiões e ideologias).
  6. Existe uma questão religiosa na sociedade portuguesa, que começa agora a ser debatida. Esperemos que haja a coragem política de fazer cumprir as leis e a Constituição. É o mínimo que se pede.
5 de Abril, 2005 jvasco

Talvez seja preciso um desenho

Continua a espantar-me o debate e a polémica sobre a questão dos crucifixos na sala de aula.

Sinceramente nunca pensei que fosse uma questão polémica. Sempre considerei que qualquer católico de bom senso subscreveria a posição da ARL (Associação República e Laicidade) e que a questão dos crucifixos na sala de aula só não estaria resolvida por questões de inércia burocrática, e falta de empenho nessa questão (estamos todos de acordo que não é prioritária – mas é de muito fácil resolução).

Nem me passou pela cabeça que tantas pessoas ficassem revoltadas com a posição da ARL, e não entendessem qual a razão para retirar os ditos crucifixos. Já tentei explicar por palavras, mas resolvi fazer um pequeno esboço, que talvez seja mais explícito, visto que as palavras têm-se mostrado insuficientes:

Ninguém gostaria de ver a segunda imagem, pois não? Nem numa aldeia onde o satanismo fosse uma «tradição cultural» e numa escola oficial onde a maioria dos professores fossem satânicos. Se viajassem para tal aldeia, para aí viver, eram bem capazes de gostar que tais símbolos fossem retirados, já que o director da escola nem sequer permitiria uma imagem cristã na sala de aula dos vossos filhos. Eu gostaria que tais símbolos satânicos fossem retirados.
Façam lá a analogia…

O estado não é cristão, islâmico, satânico, budista, ateu ou agnóstico. E não deve ser! O estado deve ser laico. Indiferente às religiões ou posições religiosas, não fazer propaganda nem às religiões, nem à ausência delas. Cada cidadão opta em total liberdade, sem a pressão do estado para fazer esta ou aquela escolha.

E se eu acharia mal ver um símbolo ateu no topo da sala de aula, pois o estado não tem nada que fazer propaganda ao ateísmo, também acho mal ver uma cruz (assumindo que não tem valor artístico especial, etc…).
Será a minha posição tão difícil de entender?

5 de Abril, 2005 André Esteves

RTP1 mantem as católicas aparências

São 1:41 da manhã e a RTP1 está a passar um telefime sobre o famoso «julgamento dos macaquinhos» em 1925 no Tennesse. John Scopes, um professor de uma escola primária foi preso por explicar a evolução aos seus alunos, contrariando a famosa lei Butler que proibia o ensino da evolução nas escolas do estado de Tennesse.

Já tive a oportunidade de ver o telefilme e trata-se, na minha opinião, de mais uma lavagem de um clássico de Hollywood, em que o politicamente obrigatório hollywoodesco pinta, como de costume para não desagradar demais os seus espectadores fanáticos, os ateus como nihilistas psicóticos que procuram perseguir a religião, na figura do jornalista Hornbeck.

Mesmo assim, o filme original é considerado um dos filmes melhor realizados de todos os tempos e produziu uma peça para a broadway que hoje é representada, algures no planeta, todos os dias.

A escolha da RTP não é inocente. Tratam-se de migalhas para manter as aparências. Tendo-se embrenhado na orgia mediática à volta da morte de Karol Wojtila que o lobby católico preparou nos meios de comunicação social, tentam com esta gotinha acalmar críticas que provavelmente têm sentido por toda a parte…

Querem queixar-se? O número da linha de Atendimento ao Espectador da RTP1:

707 789 707 (horário: das 9 ás 24 horas)

Chega da/do papa que nos querem fazer comer!!!
Chega de pintarem os ateus e agnósticos como o bicho papão!!!
Se não for a constituição, também pagamos impostos!!!

4 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Fuga da laicidade

Desde a morte do papa João Paulo II que se tem observado um brutal esquecimento não só dos nossos meios de comunicação social, mas também dos nossos representantes políticos democraticamente eleitos de que há mais mundo para além da religião e de que nem todos os cidadãos deste mundo são católicos e, muito menos, religiosos.

De facto, desde os espaços informativos televisivos aos jornalísticos – comentadores incluídos – que observamos uma estranha lavagem das atrocidades que este papa defendeu implícita ou explicitamente bem como de certas tomadas de posição que não se coadunam com a actual conjuntura social do mundo. Os «media» limitam-se a apresentar uma visão cor-de-rosa das últimas duas décadas de pontificado, mostrando João Paulo II como um lutador pelos interesses dos jovens, dos mais desfavorecidos e de todos os outros cidadãos do mundo. Como já mostrámos no Diário Ateísta, as coisas não são assim tão simples.

Quanto à nossa classe política, hoje ficamos a saber que o senhor Presidente da República, para além dos rasgados elogios que teceu, disponibilizou o «Falcon» da República Portuguesa para que servisse de meio de transporte de José Policarpo e respectiva comitiva, bispo de Lisboa, para Itália.

O PSD, na pessoa do líder interino do seu grupo parlamentar, Marques Guedes, propôs que o período antes da ordem do dia do primeiro plenário desta semana, na quinta-feira, «seja substituído por uma condigna sessão de homenagem ao Santo Padre, com intervenções de todas as bancadas e a aprovação de um voto de pesar». Não se ficando por aqui, Marques Guedes sugere que o voto de pesar seja apresentado no plenário pelo presidente da Assembleia da República, a segunda figura mais importante da República. O social-democrata justifica esta posição dizendo que «a morte de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, toca fundo na alma nacional e deixa emocionada a esmagadora maioria dos portugueses».
O CDS-PP, coerentemente, no passado Sábado, anunciou que iria propor ao Presidente da Assembleia da República uma sessão parlamentar especial para evocar a memória do responsável máximo da Igreja Católica.

E, agora pergunto, o resto dos portugueses que são representados pela Assembleia da República e que não são católicos? Deverão eles suportar este atropelo à laicidade? Deverá o nosso Estado prostrar-se face a esta demonstração prosélita de poder e influência da Igreja Católica? Não. Jamais. Como defensores da Laicidade e, assim, da Igualdade devemos pugnar para que esta submissão não passe despercebida aos olhos dos nossos concidadãos.

4 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Apostas

No passado Sábado, abriu-se a sucessão para o cargo mais importante da jerarquia da Igreja Católica Apostólica e Romana, também conhecida por ICAR. Nas próximas semanas assistiremos à apresentação de várias nomes que ocuparão, nos próximos tempos, o lugar de bispo de Roma.

Para que o caro leitor não seja bombardeado com as informações religiosas em vão, encontrei uma forma de as capitalizar: no site «Paddy Power Online betting on Horse Racing, Soccer, Tennis & Lotteries» poderá apostar sobre a identidade do próximo papa e também no nome que adoptará.

3 de Abril, 2005 Carlos Esperança

JP2 – um papa obsoleto no antro do Vaticano

A morte de JP2 relembra a dor e sofrimento que atingiu a URSS quando o pai da Pátria, José Stalin, exalou o último suspiro e recorda o histerismo demente que rodeou a morte do ayatola Khomeini em todo o mundo árabe, particularmente no Irão. Em comparação, a morte de Salazar foi chorada de forma contida, mas os déspotas produzem emoções mais fortes do que os democratas.

O absolutismo papal, restaurado com o apoio entusiástico do Opus Dei, da Comunhão e Libertação e de outros movimentos integristas, fez de JP2 o Papa da «Contra-Reforma», anti-modernista, infalível e retrógrado, que substituiu os anacrónicos autos de fé pela comunicação social e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os sequazes o alcunharam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (maioritariamente católicas) e a Bósnia e o Kosovo, nações muçulmanas, contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constituía um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste.
A protecção aos padres que participaram activamente no genocídio no Ruanda é mais um desmentido do boato sobre o alegado espírito de paz e justiça que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, é coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O auge da ignomínia foi a meteórica canonização do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chega a ser obsceno na forma como inventou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio místico dos fiéis fanatizados.
Da prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar uma fé de sabor medieval e uma moral de conteúdo reaccionário.

O horror que nutria pela contracepção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o déspota medieval um crime. A SIDA era considerada um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003).
O carácter misógino, o horror à emancipação da mulher, a crença no seu carácter impuro, foram compensados pelo culto doentio da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, condicionou a política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia e ao divórcio e acirrou populações contra governos democraticamente eleitos. Apoiou comandos anti-aborto, estimulou a desobediência cívica em nome dos preconceitos da ICAR, influenciou a redacção da Constituição Europeia, e chegou ao despautério de pedir aos advogados católicos que alegassem objecção de consciência e se negassem a patrocinar o divórcio.

O Papa da Paz condenou a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago; envidou todos os esforços para obter o Nobel da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter posto em causa a virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; perseguiu ou reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli e Jacques Gaillot; marginalizou Hélder da Câmara e Oscar Romero; combateu o comunismo e pactuou com as ditaduras fascistas. João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci» do escritor Dan Brown e sem nunca ter censurado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma = 13), às 21h37 (soma = 13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, não pode ser o algoz da liberdade, o déspota persecutório, o autocrata medieval, o ditador supersticioso e beato que conhecemos. É capaz de ser outro papa o que consternou chefes de Estado e de Governo, que alimentou os noticiários de todo o mundo, que rendeu biliões de ave-marias e padre-nossos, que ocupou milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contra-Reforma, que recuperou graças ao apoio da Virgem Maria que também o promoveu nas suas aparições na Terra.

O Papa que morreu era talvez uma pessoa de bem que, modestamente, ocultou tal virtude. Foi celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas que, na morte, lhe enalteceram as virtudes e calaram os defeitos. Foi o cadáver que milhares de abutres aguardavam para exibir e explorar numa derradeira campanha de promoção da fé católica.

É, todavia, o mesmo Papa que anatematizou os ateus, fez inúmeras declarações contra o laicismo, silenciou teólogos, beatificou fascistas e combateu o planeamento familiar. A sua obsessão era reduzir o mundo a um casto bando de beatos, tímidos e idiotas, sempre de mãos postas e de joelhos. O livre-pensamento, a modernidade , o prazer e a liberdade foram os seus inimigos figadais.