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8 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O gozo de Deus

Deus, a julgar pelo que dele dizem os padres, deve andar eufórico a rebolar-se de gozo no Paraíso. Já não lhe bastava a companhia das almas que conseguiu antecipar com terramotos, guerras e doenças que enviou à Terra, teve ainda o brinde suplementar de receber recentemente alguns dos seus filhos mais dilectos.

Fique o Paraíso onde ficar, já lá chegou a Irmã Lúcia, de quem a mãe de Jesus era visita frequente, o Papa JP2 que a comunicação social transformou num santo homem e o príncipe Rainier III que governou o Mónaco 55 anos sem ter de suportar o incómodo jacobino de eleições.

Por outro lado, a comunicação social rendeu-se aos encantos do cadáver do representante de JC na Terra. Exibiu tantos cardeais que fez da púrpura a cor da moda; ouviu tantos bispos e monsenhores que transformou a voz da ICAR na voz do povo; transmitiu tantas missas, orações, terços e novenas que o mundo trocou o trabalho pela oração e a razão pela fé.

A força da ICAR fez sentir-se nas excursões de devotos que se dirigiram a Roma com o zelo dos muçulmanos em relação a Meca. A ansiedade de tocar o ataúde do Papa polaco foi tanta quanto a sofreguidão dos judeus ortodoxos às marradas no Muro das Lamentações.

Há muito que não se gastavam tantas velas com um só defunto, que o barulho dos sinos não azucrinava tanto os tímpanos, enfim, há muito que Deus não incomodava tanto. Nós, os ateus, ficámos siderados com tamanha devoção. Quatro milhões de devotos a caminho de Roma, em homenagem ao Papa, ultrapassaram os três milhões de portugueses que rejubilaram com a vitória de um tal Castelo Branco num concurso educativo da TVI – «A Quinta das Celebridades» – canal que piedosamente foi concedido ao Patriarca de Lisboa e que as vicissitudes do mercado levaram, então, à falência.

Antigamente a ICAR convertia os relapsos com a ameaça do Inferno e o temor dos autos-de-fé. Hoje, atrai-os com o brilho dos espectáculos fúnebres que encena com meticulosa e garrida coreografia. São dois mil anos de manha posta ao serviço da sobrevivência e da conquista do poder. Deus, na sua inexistência, é um mero pretexto para o êxito do negócio.

8 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A morte de Rainier III

A morte de JP2 prejudicou gravemente a projecção mediática de outro espectáculo fúnebre encenado para Rainier III.
O Diário Ateísta não pode deixar de registar a morte de «um príncipe de direito divino», como o próprio se considerava.
Não surpreende que, na ausência da democracia, quem manda se desculpe, admira que quem obedece aceite a justificação.

O Mónaco é um país a fingir onde o príncipe defunto tinha o poder a sério. Autoritário e carrancudo conseguiu fazer-se amar pelos súbditos (na monarquia não há cidadãos) a quem proporcionou um raro bem-estar graças à indústria bancária e aos lucros dos casinos, especialmente o de Monte Carlo.

É natural que um príncipe de origem divina tenha transformado o Mónaco num Paraíso…fiscal. Deo juvante (Com a ajuda de Deus) – divisa familiar dos Grimaldi -, governou os sete mil monegascos (cerca de 20% dos habitantes do principado) cujo bem-estar depende da falta de escrúpulos com que afluem dinheiros de origem duvidosa de todo o Planeta.

O Príncipe, grande amigo de JP2, de quem recebeu uma bênção especial poucos dias antes do abençoador e do abençoado morrerem, foi sempre um excelente católico, temente a Deus e cumpridor dos sacramentos. Deus, por sua vez, pagou-lhe a devoção em numerário pelo que deixa uma enorme fortuna.

Os filhos, Carolina, Alberto e Stéphanie, além da sólida educação católica, sofreram marcada influência das hormonas. Assim, além da eucaristia, que sempre frequentaram, não se furtaram aos prazeres da carne. A igreja e a enxerga alternaram, a piedade e a libertinagem conviveram e uma das filhas preferia ter no quarto o guarda-costas ao oratório.

Nota: O catolicismo é a religião de Estado no Mónaco de acordo com a Constituição de 1962, em vigor.

7 de Abril, 2005 Ricardo Alves

Contraditório na RTP

Hoje, às 23:05, não percam o debate «Totus Tuus», no canal RTP 1. Será sobre a vida e obras de Karol Wojtyla, mas com direito ao contraditório ateísta.
6 de Abril, 2005 Ricardo Alves

A liberdade segundo JP2

Existe por aí quem pareça acreditar que JP2, o monarca absolutista do Vaticano, era um combatente da liberdade, talvez mesmo um libertário. Convém portanto não deixar cair no esquecimento as reflexões filosóficas de Karol Wojtyla sobre a liberdade, inseridas na Encíclica «Fides et ratio» («Fé e razão»). O Papa era, em boa verdade vos digo, um inimigo da liberdade tal como é entendida habitualmente. Comecemos por atentar no parágrafo 13 dessa Encíclica:
  • «É a fé que permite a cada um exprimir, do melhor modo, a sua própria liberdade. Por outras palavras, a liberdade não se realiza nas opções contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? No acreditar é que a pessoa realiza o acto mais significativo da sua existência; de facto, nele a liberdade alcança a certeza da verdade e decide viver nela.»

Portanto, a «liberdade» na acepção doutrinal católica consiste em seguir um caminho único, o de uma «verdade» auto-proclamada, a fé, e na ausência desta a liberdade não se realiza. Ou seja, segundo a divagação papal, quem não é crente não é livre. E, pergunta o leitor, quem dá acesso a tal «verdade»? O parágrafo 2 esclarece:

  • «[A ICAR] recebeu (…) o dom da verdade última sobre a vida do homem».

Submete-se, deste modo, a liberdade de consciência à autoridade eclesial (católica, claro). E poder-se-á exercer a liberdade, recusando esta «verdade» e as suas consequências? O parágrafo 15 responde de forma categórica que a «verdade revelada» institui uma «obrigação»:

  • «A verdade da revelação cristã, (…) enquanto verdade suprema, ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade, obriga-a a abrir-se à transcendência
A crença, para Karol, não era portanto livre e facultativa. Não é por acaso que no parágrafo 19 se clarifica que a liberdade é um «obstáculo» e, por isso, perniciosa:
  • «Se o homem, com a sua inteligência, não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a dever (…) sobretudo ao obstáculo interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado

A autonomia individual só pode, portanto, ser condenada sem ambiguidades (parágrafo 107):

  • «Iludindo-o [ao homem], vários sistemas filosóficos convenceram-no de que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças. Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem

O indivíduo não pode portanto querer ser senhor do seu destino. Querer fazê-lo é «iludir-se» e afastar-se da «grandeza». Segue-se, inexoravelmente, a ideia de que quem não aceita isto não tem a mesma dignidade de quem o aceita, e de que só é verdadeiramente «homem» quem tem «fé», mas não uma fé qualquer (parágrafo 102)…

  • «o homem contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho».

E está tudo dito. Segundo Karol Wojtyla só se é livre se se for crente, essa crença é definida pela ICAR, implica que se abandone a liberdade individual aos ditames da ICAR, e quem não quiser nada disto é menos homem. Ou menos mulher, se considerarmos as consequências práticas mais gravosas, que não devem espantar ninguém que conheça o pensamento totalitário de Karol Wojtyla…

6 de Abril, 2005 André Esteves

Homopapa, o superpapa

Chega-nos da Colômbia a notícia de que, aproveitando todo o momento mediático, um artista de banda desenhada arrancou com a publicação de uma BD do papa.

Ilustrando a sua vida? – perguntará o leitor.

Não. O papa será um super-herói. Ressuscitado da morte para combater satanás. E como qualquer leitor de quadradinhos sabe, um super-herói, neste caso o «homem-papa», «Homopapa» ou «Homopater» não dispensa toda uma parafernália de equipamento com poderes especiais no combate do mal.
É a capa anti-satânica, o ceptro energético, são as calcinhas da castidade, os bolsos cheios de imagens menoritas, àgua benta e uma bíblia sagrada. Um bom super-herói não dispensa nenhuma ferramenta para um trabalho bem feito! Afinal, os seus arqui-inimigos muitas vezes nem usam calcinhas.

Segundo o autor, o homopapa irá ter crossovers (expressão do meio, que descreve histórias onde vários super-heróis se encontram) com o super-homem e o batman. Com os quais, o homo papa irá aprender a lutar contra o mal.

O autor, católico não praticante, nega qualquer oportunismo e declara-se um grande admirador de sua santidade, aprestando-se a dizer que esta é a sua maneira de o homenagear.

O que é que querem que eu diga?! O circo começa e o homem nem sequer está enterrado. De um lado temos os católicos de elite com voos místicos e apocalípticos, passando pela numerologia barata, do outro os católicos não praticantes cheios de esperteza saloia.

E ainda querem que não se ligue ao kitsch e aos fait divers? Como haviamos de nos rir de nós próprios e da humanidade? A realidade será sempre mais estranha que qualquer ficção…

P.S-> O autor será publicado pela DC Comics e já planeiam a distribuição no México e na Polónia, para além da Colômbia natal. Pelo andamento da carruagem ainda se publica em Portugal.

6 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O circo das exéquias

A exibição do corpo de João Paulo II lembra os caçadores furtivos que antigamente mendigavam pelas portas mostrando como troféu o cadáver de um lobo, uma raposa ou um gato bravo. Os predadores exploravam o animal morto enquanto o cheiro do bicho e o óbolo dos curiosos o permitiam.

Esta semana o turismo fúnebre virou-se para Roma. De todo o mundo afluem multidões impelidas pela pressão mediática, num tropismo lúgubre de sabor necrófilo. Políticos e clérigos exibem-se em promíscua cumplicidade, por entre multidões de devotos, num espectáculo de mútua indignidade e recíproca subserviência.

A mórbida satisfação de verem um papa amortalhado é lenitivo bastante para suportar o cheiro nauseabundo das essências canónicas misturadas com os fluidos de corpos que se comprimem a reclamar um banho.

Uma semana é pouco tempo na vida de um corpo decrépito mas é uma eternidade para um cadáver em bom estado à espera de funeral. Não há incenso que disfarce, nem pituitária que resista. E um papa, depois de morto, não devia cheirar pior.

O Vaticano não tem maternidade, todo ele é um cemitério. A vida pouco conta naquele bairro, é um mero pretexto da retórica contra o aborto. A morte, essa sim, é a matéria prima de que se alimenta a fé, a angústia e o medo.

Os festejos fúnebres duram uma semana. Os abutres que velam o cadáver exultam com a morte e exaltam o sofrimento. A comunicação social amplia a vertigem mortuária e promove a orgia fúnebre a que não falta a adequada coreografia para comover os fiéis e dilatar a fé.

O espectáculo é obsceno. Recria-se o esplendor da contra-reforma servido por modernos meios de comunicação. Onde está o respeito por um cadáver que se exibe e explora? Mas que pode esperar-se do Estado totalitário que nunca assinou a Declaração dos Direitos Humanos do Conselho da Europa?

5 de Abril, 2005 Ricardo Alves

A laicização da escola pública

A iniciativa da Associação República e Laicidade (ARL) de pedir o fim dos crucifixos e dos rituais religiosos na escola pública desencadeou um debate salutar, que tem sido particularmente vivo no blogue Barnabé. O debate parece ter amainado nas últimas horas, e podem portanto retirar-se algumas conclusões.

  1. Ninguém põe em causa a interpretação da lei feita pela ARL. Os crucifixos nas salas de aula de escolas públicas serão portanto propaganda religiosa ilegal, assim como os rituais religiosos que aí têm lugar (conferir os artigos 41º e 43º da Constituição da nossa República, e os artigos 2º, 4º e 9º da Lei da Liberdade Religiosa).
  2. As escolas não são igrejas, como afirmou lapidarmente Vital Moreira. O exercício legítimo de uma religião (a católica ou outra) pode ter lugar na esfera privada (associativa), como aliás já acontece e deve continuar a acontecer. O que é ilegítimo é confundir o que é estatal (a escola da República) e obrigatório (a escolaridade básica), com o que é privado (a crença) e facultativo (a prática religiosa).
  3. Existem, muito provavelmente, centenas senão milhares de escolas em todo o país que impõem a presença de crucifixos a alunos que não são católicos. Registo, com agrado, que são cada vez menos os católicos que defendem que a sua religião e respectivos símbolos devem ser impostos a todos.
  4. O caso do padre Loreno confunde muitas mentes sensíveis, que argumentam que a Lei Eleitoral da Assembleia da República limita a liberdade de expressão. A verdade é que a limita, mas é indubitável que essa limitação é necessária para assegurar a tranquilidade das campanhas eleitorais. Não é por acaso que o artigo 153º, que se aplica aos «ministros de qualquer religião», é enquadrado por dois artigos (o 152º e o 154º) onde o legislador preveniu as tentativas de coacção que possam ser perpetradas por empregadores ou outras pessoas. Trata-se, claramente, de precaver contra qualquer abuso de uma relação de poder para fins eleitorais, quer essa relação de poder seja patrão-empregado ou padre-crente.
  5. A laicidade não é de esquerda nem de direita. É um tipo de regime, como a democracia é uma forma de governo. Pessoalmente, sou de esquerda, mas a democracia e a laicidade são consensos que podem e devem abarcar a esquerda e a direita. A fractura é entre clericais (os que querem impôr a sua religião a toda a comunidade) e laicistas (os que defendem a neutralidade e a independência do espaço público face às religiões e ideologias).
  6. Existe uma questão religiosa na sociedade portuguesa, que começa agora a ser debatida. Esperemos que haja a coragem política de fazer cumprir as leis e a Constituição. É o mínimo que se pede.
5 de Abril, 2005 jvasco

Talvez seja preciso um desenho

Continua a espantar-me o debate e a polémica sobre a questão dos crucifixos na sala de aula.

Sinceramente nunca pensei que fosse uma questão polémica. Sempre considerei que qualquer católico de bom senso subscreveria a posição da ARL (Associação República e Laicidade) e que a questão dos crucifixos na sala de aula só não estaria resolvida por questões de inércia burocrática, e falta de empenho nessa questão (estamos todos de acordo que não é prioritária – mas é de muito fácil resolução).

Nem me passou pela cabeça que tantas pessoas ficassem revoltadas com a posição da ARL, e não entendessem qual a razão para retirar os ditos crucifixos. Já tentei explicar por palavras, mas resolvi fazer um pequeno esboço, que talvez seja mais explícito, visto que as palavras têm-se mostrado insuficientes:

Ninguém gostaria de ver a segunda imagem, pois não? Nem numa aldeia onde o satanismo fosse uma «tradição cultural» e numa escola oficial onde a maioria dos professores fossem satânicos. Se viajassem para tal aldeia, para aí viver, eram bem capazes de gostar que tais símbolos fossem retirados, já que o director da escola nem sequer permitiria uma imagem cristã na sala de aula dos vossos filhos. Eu gostaria que tais símbolos satânicos fossem retirados.
Façam lá a analogia…

O estado não é cristão, islâmico, satânico, budista, ateu ou agnóstico. E não deve ser! O estado deve ser laico. Indiferente às religiões ou posições religiosas, não fazer propaganda nem às religiões, nem à ausência delas. Cada cidadão opta em total liberdade, sem a pressão do estado para fazer esta ou aquela escolha.

E se eu acharia mal ver um símbolo ateu no topo da sala de aula, pois o estado não tem nada que fazer propaganda ao ateísmo, também acho mal ver uma cruz (assumindo que não tem valor artístico especial, etc…).
Será a minha posição tão difícil de entender?

5 de Abril, 2005 André Esteves

RTP1 mantem as católicas aparências

São 1:41 da manhã e a RTP1 está a passar um telefime sobre o famoso «julgamento dos macaquinhos» em 1925 no Tennesse. John Scopes, um professor de uma escola primária foi preso por explicar a evolução aos seus alunos, contrariando a famosa lei Butler que proibia o ensino da evolução nas escolas do estado de Tennesse.

Já tive a oportunidade de ver o telefilme e trata-se, na minha opinião, de mais uma lavagem de um clássico de Hollywood, em que o politicamente obrigatório hollywoodesco pinta, como de costume para não desagradar demais os seus espectadores fanáticos, os ateus como nihilistas psicóticos que procuram perseguir a religião, na figura do jornalista Hornbeck.

Mesmo assim, o filme original é considerado um dos filmes melhor realizados de todos os tempos e produziu uma peça para a broadway que hoje é representada, algures no planeta, todos os dias.

A escolha da RTP não é inocente. Tratam-se de migalhas para manter as aparências. Tendo-se embrenhado na orgia mediática à volta da morte de Karol Wojtila que o lobby católico preparou nos meios de comunicação social, tentam com esta gotinha acalmar críticas que provavelmente têm sentido por toda a parte…

Querem queixar-se? O número da linha de Atendimento ao Espectador da RTP1:

707 789 707 (horário: das 9 ás 24 horas)

Chega da/do papa que nos querem fazer comer!!!
Chega de pintarem os ateus e agnósticos como o bicho papão!!!
Se não for a constituição, também pagamos impostos!!!