1 de Maio, 2005 jvasco
Aspiração clericalista
Não só em Timor, mas em muitas partes do mundo, vários crentes de diferentes religiões lutam para conseguirem concretizar as suas aspirações…
Não só em Timor, mas em muitas partes do mundo, vários crentes de diferentes religiões lutam para conseguirem concretizar as suas aspirações…
De acordo com o presidente da FRETILIN, Francisco Guterres «Lu-Olo», a Igreja Católica mantém cárceres privados na residência do bispo de Díli e que cidadãos se encontram lá detidos.
Esta notícia surge depois de doze dias de manifestação, organizada pela ICAR, contra a decisão do governo timorense de tornar o ensino da religião facultativo e pago por aquela confissão religiosa, em 32 escolas nacionais.
Não se ficando pela tentativa de invasão do Palácio Governamental, censura de jornalistas e de pressões várias, cidadãos portugueses foram agredidos pelos protestantes.
De acordo com o artigo 12º Constituição da República Democrática de Timor-Leste, «o Estado reconhece e respeita as diferentes confissões religiosas, as quais são livres na sua organização e no exercício das actividades próprias, com observância da Constituição e da lei». Ora, a Lei Fundamental, no artigo 16º, consagra o princípio da igualdade e da universalidade, ou seja, «todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres» e, assim, «ninguém pode ser discriminado com base na cor, raça, estado civil, sexo, origem étnica, língua, posição social ou situação económica, convicções políticas ou ideológicas, religião, instrução ou condição física ou mental». Conjugando estes dois preceitos, temos que o Estado Timorense é laico e que, ao entender que a disciplina de religião e moral, no ensino público, deve ser facultativa e financiada pela confissão religiosa em causa, está apenas a observar os princípios constitucionais mais básicos.
Para além disso, apesar da liberdade de reúnião e de manifestação estar assegurada no artigo 42º, esta implica que seja «pacífica e sem armas». Não parece que o incitamento ao derrube de um governo e a agressão a cidadãos estrangeiros se insira na definição de «pacífico».
Em suma, a Igreja Católica, ao tentar um golpe de Estado – por uma bagatela, diga-se de passagem – está a imiscuir-se nos assuntos de Estado de uma jovem República de forma injustificável e inadmissível numa Democracia civilizada.
A legitimidade eleitoral do Governo de Timor, presidido por Mari Alcatiri, tem sido desafiada pelos dois bispos católicos do jovem País que há pouco se libertou do jugo da Indonésia.
Todos reconhecem a importância decisiva da Igreja católica na independência do povo maubere mas é inaceitável a sua obsessão em substituir o despotismo anterior pela tirania religiosa protagonizada pelo clero, em que pontificam Alberto Ricardo da Silva e Basílio do Nascimento, respectivamente bispos de Díli e Baucau.
A fazer lembrar o miguelismo trauliteiro do séc. XIX, em Portugal, os padres de Timor incitam as populações do interior da ilha a deslocar-se com imagens da Virgem e terços para exigirem a demissão do Governo legal. Ao som de cânticos religiosos e orações desafiam o Governo a demitir-se.
O padre Domingos Soares, porta-voz do episcopado autóctone não se conforma com as regras democráticas e constitucionais ao abrigo das quais o Governo decidiu, a título experimental, tornar facultativa a aula de religião católica em 32 escolas oficiais. Na opinião dos padres, o carácter facultativo da disciplina ou a redução da carga horária é uma manifestação ditatorial.
Os bispos, com base na absoluta hegemonia católica, contestam um muçulmano na chefia do Governo e defendem o carácter obrigatório da disciplina de religião católica nas escolas públicas. O contágio dos países islâmicos é uma realidade e a simpatia por um Estado confessional uma evidência.
Habituados a deter o poder absoluto, cientes do prestígio conquistado no combate à ocupação indonésia, os padres não aceitam que o poder democrático se exerça ao arrepio da vontade divina interpretada por eles próprios. Há uma atracção mimética pelo totalitarismo islâmico, uma indisfarçável sedução por um regime autoritário em que o Estado seja o braço armado da Igreja católica.
Timor está sob tensão na iminência de um golpe de Estado. A água benta, as orações e os rosários são, por enquanto, as munições usadas pelo clero católico. Há uma trágica similitude entre a intolerância dos mullahs islâmicos a debitar o Corão e os padres católicos a recitar a Bíblia. O proselitismo e a ânsia de poder são iguais.
Portugal, o país doador mais importante, à frente do Japão e da Austrália, tem cumprido a sua obrigação e o dever de solidariedade para com o povo maubere. Tem obrigação de usar a via diplomática para garantir a liberdade religiosa no território de Timor Leste. O Vaticano não pode ficar indiferente às manifestações de intolerância dos seus padres nem ser cúmplice do terrorismo eclesiástico em Timor.
Neste momento dramático deve ser posto à prova o Papa Bento XVI. Tem aqui a oportunidade para mostrar que não é um papa medieval, que a imagem de inquisidor não lhe assenta, que o respeito pelo pluralismo é uma virtude adquirida pela igreja de Roma, que a democracia é uma instituição compatível com o catolicismo romano.
Ao Governo português cabe, sob pena de se desprestigiar, mostrar que é um país laico e que os princípios que o informam são os mesmos que quer ver respeitados nos países amigos. Sócrates e Freitas do Amaral têm uma tarefa a desempenhar ao serviço da paz, da liberdade religiosa e do laicismo.
Obs.: Este assunto já foi tratado por mim em «Timor – um protectorado do Vaticano» 1 e 2 (site indisponível) e pela Palmira nos artigos «Tolerância Cristã» e «Terrorismo em Timor Leste». A gravidade e desfaçatez da ICAR exige que volte ao tema. Urge conter o fundamentalismo católico.
«Houve falta de isenção na cobertura da morte de João Paulo II».
«40 por cento dos profissionais da comunicação social com cargos de chefia […] discordaram da forma como foi feita a cobertura jornalística deste acontecimento.» [Público, 29/4]
O exagero foi gritante. Nas televisões, nos jornais, nos grandes meios de comunicação social.
A devota subserviência e o benevolente esquecimento sobre os pesados pecados de JP2 são o prenúncio da reabilitação do cardeal Ratzinger de que o Opus Deis, a Comunhão e Libertação e os Legionários de Cristo se esforçam por levar a cabo. Estas instituições pouco recomendáveis lembram-me – não sei porquê – a PIDE, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa na defesa do salazarismo e da figura sinistra que o inspirava.
Sabe-se que a manifestação organizada no funeral de JP2 a exigir a rápida canonização, «santo súbito», foi organizada por um padre polaco e por membros da igreja do seu país natal, que distribuíram os cartazes e orquestraram os slogans.
JP2 considerou Pinochet e a amantíssima esposa como «casal cristão exemplar», ministrou-lhes embevecido a eucaristia e apareceu à varanda do Palácio La Moneda com o frio torcionário para ser ovacionado pelos devotos, sem se lembrar de que, naquele palácio, se tinha suicidado Salvador Allende, presidente eleito, deposto pelo golpista seu amigo.
JP2 intercedeu pela libertação de Pinochet quando foi detido em Londres, por crimes contra a humanidade, por ordem do juiz Baltasar Garzon, usando argumentos jurídicos. Pediu a sua libertação, alegando que os crimes foram cometidos quando gozava da imunidade de Chefe de Estado. No entanto nunca censurou a sentença islâmica que condenou à morte Salmon Rushdie ou intercedeu por ele.
JP2 não se limitou a apoiar as ditaduras fascistas da América do Sul, empenhou-se em derrubar os governos democráticos de esquerda numa cegueira insana de quem confundiu sempre as ditaduras estalinistas com o socialismo democrático resultante de eleições livres e submetido à alternância democrática.
Em 23 de Fevereiro de 1981, quando o grotesco tenente-coronel Tejero Molina tentou restabelecer a ditadura, deu-se a coincidência de estar reunida a Conferência Episcopal Espanhola. Nem o Papa, nem os bispos nem o seu núncio apostólico condenaram a tentativa de golpe de Estado, limitaram-se a recomendar aos espanhóis o piedoso exercício da oração.
Em relação à SIDA o defunto Papa portou-se como um verdadeiro criminoso. Não se limitou a aconselhar a castidade como propalam os seus sequazes, foi cúmplice da mentira que atribuía ao preservativo «minúsculos orifícios» permeáveis ao vírus e promoveu a informação sobre a sua inutilidade em países africanos onde o flagelo está sem controlo. O arcebispo de Nairobi foi ainda mais longe atribuindo aos preservativos responsabilidade pela SIDA sem ter sido desautorizado pelo Papa, apesar do ruído mediático feito à volta da boçal declaração.
Muitas violações de crianças se teriam evitado se em vez de um silêncio cúmplice, exigindo discrição à ICAR sobre os casos de pedofilia dos padres americanos, apesar das repetidas chamadas de atenção que lhe foram feitas, tivesse mandado comunicar os casos às autoridades dos EUA.
Mas que poderia esperar-se de um admirador de Josemaria Escrivá de Balaguer, a quem fez santo, esse admirador de Franco que mandou assassinar centenas de milhares de adversários políticos mas nunca faltou à missa e à eucaristia?
Outro exemplo do relativismo católico é a defesa supostamente inflexível de uma (vaga) «lei natural», que hoje nos dizem proscrever a homossexualidade, mas que até ao ano muito recente de 1878 não impedia a ICAR de encorajar as castrações praticadas em crianças com o objectivo de fazer eunucos que abrilhantassem, em tons agudos, os coros do Vaticano. Uma castração parece-me uma violação da «lei natural» (entendida, por mim, como o respeito pelas características inatas do animal humano) muito mais óbvia do que a homossexualidade. Novamente, a ICAR aproximou-se neste caso de um princípio ético, a integridade da pessoa humana, que se afirmara em oposição ao catolicismo.Deve acrescentar-se que ainda em 1866 Pio 9º defendia que a escravatura «de forma alguma é contrária à lei natural e divina» e que a liberdade de culto devia ser negada aos não católicos. Também aqui a ICAR relativizou a doutrina, principalmente a partir do Concílio Vaticano 2º.
Conclui-se portanto que a ICAR é relativista na doutrina ética e mesmo nos dogmas, ou seja, adapta-se aos tempos e aos costumes, no que não difere, aliás, de outras instituições humanas.
Formalmente, é claro que a ICAR não é relativista quando afirma que a origem da sua doutrina é divina e portanto exterior ao mundo a que todos temos acesso pelos sentidos e pela razão, e neste aspecto assemelha-se ao Islão. No entanto, as únicas «verdades intemporais» que a ICAR verdadeiramente perpetua (no sentido de as manter quase inalteradas desde a concepção, histórica e culturalmente relativa, da doutrina católica) limitam-se a extravagâncias como a «ressurreição» de JC, a presença «real» de JC no pão e no vinho da missa e a imortalidade da «alma». Todas estas «verdades intemporais» são disparates evidentes que qualquer adolescente com um mínimo de formação científica percebe que não passam, numa visão benigna mas herética, de metáforas. No entanto, ao manter estes dogmas a ICAR procede a outro tipo de relativização, a relativização da realidade física. Acontece que a realidade material, o mundo físico, não é de todo relativizável, ao contrário do que argumenta a ICAR (aqui, apoiada pelo pós-modernismo)(*).
As declarações do Cardeal espanhol Ricardo Maria Carles estão a levantar ondas de indignação em Espanha já que este compara a decisão do governo espanhol em permitir o casamento de homossexuais às decisões do governo de Hitler, considerando que seguir a nova lei em vez da consciência «conduzirá a Auschwitz».
Reiterando a objecção de consciência preconizada pelo «intelectual» Trujillo, o tal que exigia terem os preservativos avisos sobre a sua «insegurança» já que supostamente deixariam passar o HIV, o cardeal afirmou numa entrevista à TV3 que «os que fizeram Auschwitz não eram delinquentes, mas pessoas que foram obrigadas, ou pensavam que deviam obedecer às leis do governo nazi, e não à sua consciência»!
É caso para perguntar por que razão a Igreja Católica que tanto apela à consciência dos seus crentes sempre que estão em causa privilégios da Igreja ou os seus dogmas, se cala ensurdecedora e sistematicamente quando os direitos humanos são atropelados por quem mantem esses privilégios ou permite a imposição desses anacrónicos dogmas!
A ICAR sempre tentou apagar o passado para melhor convencer os incautos da sua bondade. Parece ter esquecido o zelo posto na perseguição dos judeus com os reis católicos de Espanha e com D. Manuel I, em Portugal, zelo que se acentuou sob os auspícios da Inquisição com D. João III, rei que devia pouco à inteligência mas se dedicava profundamente à devoção religiosa. E foi assim em todos os países submetidos à influência de Roma.
O anti-semitismo da ICAR atingiu o apogeu da demência com Pio IX, que chamava «cães» aos judeus, o que não o prejudicou na beatificação com que JP2 havia de distingui-lo depois de lhe ter aprovado um milagre. Ultimamente há uma tentativa para reabilitar Pio XII, outro anti-semita com provas dadas. Não vale a pena falsear a história do Papa de Hitler. É fácil perceber que bastava ter aconselhado os católicos a não colaborarem com o nazismo para que o ditador não tivesse êxito.
Pelo contrário, Pio XII mancomunou-se com Hitler e ordenou à ICAR alemã que renunciasse à acção social e política, que extinguisse os partidos políticos católicos e silenciasse os seus próprios jornais. Seria o Führer a reconhecer essa ajuda como uma grande vitória e um enorme êxito na « luta contra o judaísmo internacional».
Sem a cobarde colaboração da ICAR teria sido impossível a eficácia e rapidez na «certificação racial» de todos os alemães.
Nem quando os judeus de Roma foram enviados para os campos de concentração e extermínio ergueu a voz para denunciar o crime, preocupado que andava com a exiguidade dos trajes femininos que corajosamente vituperava em piedosas homilias.
Por mais lixívia que os panegiristas de serviço usem será impossível desencardir a nódoa Pio XII caída no pano da ICAR, pano conspurcado por demasiadas nódoas acumuladas ao longo de vinte séculos.
Apostila – Mas que poderia esperar-se do sucessor de Pio XI que apoiou activamente a subida ao poder de Benito Mussolini e que, numa missa grandiosa em sua honra, declarou que «Mussolini é um homem que a Divina Providência nos enviou»? A troco dos bons serviços o ditador assinou os Acordos de Latrão que restituiram os Estados Pontifícios à Santa Sé e reconheceu a doutrina católica como primordial em Itália.
Continua o terrorismo da Igreja Católica timorense para derrubar o governo democraticamente eleito de Mari Alkatiri. Pelo único motivo de este ter decidido fazer uma experiência em 32 escolas do país, nas quais o ensino da religião seria facultativo e, a pior afronta, pago pelas Igrejas.
Depois de verem goradas as expectativas de golpe de estado, já que só conseguiram convencer cerca de cinco mil fanáticos a invadir o palácio governamental e derrubar o governo, a táctica da Igreja Católica passa por exigir ao Presidente da República, Xanana Gusmão, que demita o primeiro-ministro «para assegurar o funcionamento normal das instituições democráticas».
Como a única instituição que pode ser afectada pela decisão do primeiro-ministro é a Igreja Católica, que é a antítese de uma instituição democrática, não se percebe muito bem o fundamento da pretensão da delegação em Timor da opulenta Igreja de Roma. Está certo que vai ter de desembolsar mensalmente 32 salários de professores mas instalar um clima insurreccional por causa desta mísera quantia, especialmente quando pensamos nos milhões de euros que foram gastos na preparação deste último conclave, parece-me demasiado fútil. Porque não pode ser o carácter facultativo da disciplina que indigna os bispos, já que se de facto os timorenses são tão católicos como vociferam os Bispos então todos vão optar livremente por serem proselitados. Claro que a expensas da Igreja e o lema da Igreja sempre foi «Venha a nós o vosso reino»…
De realçar também a reacção do Bispo resignatário de Díli e prémio Nobel da Paz, Ximenes Belo, cuja fantástica e tolerante mediação para a paz passa por aconselhar o governo a desistir da proposta sobre o carácter facultativo da disciplina de Religião e Moral.
«Aconselho as duas partes a resolverem este problema. Ao governo, solicito que arquive aqueles decretos e aos bispos que pautem pelo diálogo», declarou Ximenes Belo à Lusa.
Este conselho é o ex-libris da tolerância cristã: façam como nós queremos, sigam o que mandamos e nós seremos … tolerantes?
Claro que outro «conselho» não se esperaria do ilustre dignitário da Igreja Católica que pediu a expulsão de Timor do jornalista da Lusa António Sampaio por este se ter atrevido a escrever num artigo que Ximenes Belo era conservador!
«A minha religiosidade consiste numa humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que nós, com nossa fraca e transitória compreensão, podemos entender da realidade. A moral é da maior importância – para nós, porém, não para Deus». Albert Einstein numa carta datada de 5 de Agosto de 1927.
Em 1929, o cardeal O’Connel, de Boston, publicou uma declaração na qual dizia que a teoria da relatividade «encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação». Apesar de pacífico aqui no DA o meu post «Relatividades e pontos de vista» provocou reacções semelhantes à do cardeal O’Connel, num post em que é criticado pelo blasfemo João Miranda.
Aparentemente o meu último parágrafo foi mal compreendido porque não ficou suficientemente explícito o que são as as «’leis’ absolutas da Humanidade» a que eu chamo de «ética consensual». Que, quiçá, é uma denominação tão pouco apropriada como teoria da relatividade para a teoria das invariâncias de Einstein.
Para tentar explicitar claramente o que eu penso serem as invariantes nos comportamentos sociais, as tais «leis» absolutas, vou mais uma vez recorrer a uma analogia com a ciência. Cuja extrapolação deve ser óbvia para os blasfemos uma vez que a maioria das ciências sociais e mesmo a economia recorrem a termos e conceitos «emprestados» da Física, em expressões tão corriqueiras como «as forças do mercado».
Suponho que os nossos leitores não duvidem que os fenómenos da Natureza obedecem a leis estritas. O objectivo da Ciência é chegar a essas leis ou, pelo menos, a leis que sejam consistentes com os fenómenos observados que, dentro das nossas limitações de observação, conhecimento e desenvolvimento científico, são o melhor que nos conseguimos aproximar das leis absolutas que regem esses fenómenos.
Por vezes para que uma lei seja consistente com todo o conhecimento científico acumulado é necessário postular, isto é, pedir. Pedir que se aceitem como verdadeiras algumas afirmativas que não se demonstram mas que, a serem verdadeiras, explicam convenientemente os fenómenos observáveis.
Por exemplo, no início do século passado Rutherford mostrou que um átomo é formado por um núcleo pequeno e denso, formado por protões (cargas positivas) e igual número de electrões (cargas negativas), orbitando a periferia. O modelo do átomo de Rutherford não era convincente porque os electrões radiariam energia sob a forma de radiação electromagnética, colapsariam sobre o núcleo e o átomo seria aniquilado. Para obstar a este «inconveniente» Niels Bohr, em 1913, apresentou um modelo que previa (quase) correctamente o comportamento do átomo de hidrogénio e que assentava em vários postulados. Um dos postulados de Bohr dizia que o electrão se pode mover em determinadas órbitas (circulares) sem radiar energia. Essas órbitas estáveis eram denominadas estados estacionários.
Mas em 1924 Louis de Broglie, um estudante de Arte Medieval que trocou as catedrais góticas por ondas electromagnéticas após ter servido como operador de rádio na 1ª Guerra Mundial, especula que a luz não é a única entidade a apresentar o dualismo onda-corpúsculo proposto por Einstein para a luz, que lhe permitiu a explicação do efeito fotoeléctrico em 1905 e o Nobel em 1921. Assim, de Broglie propõe que partículas como os electrões exibem igualmente comportamento ondulatório e apresenta a conhecida relação que tem o seu nome. E em 1926 Erwin Schrödinger adopta a proposta de de Broglie e publica um artigo com a famosa equação sua homónima aplicada ao átomo de hidrogénio. A mecânica ondulatória ou mecânica quântica nasceu no Natal de 1925 na estância alpina de Arosa, Suiça. Dois anos depois, em 1928, Dirac apresenta a equação de onda de d’Alembert sob a forma de um operador algébrico, encontrando a primeira solução para exprimir a mecânica quântica numa forma invariante sob o grupo de transformações de Lorentz da relatividade restrita. A mecânica quântica estava estabelecida, sem postulados, e o modelo de Bohr foi abandonado, sendo referido hoje apenas no âmbito da história da ciência.
Ou seja, em ciência os postulados são um meio, não um fim, para se chegar às leis absolutas, as tais que regem os fenómenos e que nós ambicionamos descobrir. E são alegremente abandonados quando se provam desnecessários. E são questionados sempre que alguém duvide da sua veracidade. E assim a ciência avança. Questionando os «dogmas» existentes e progredindo na direcção das tais leis absolutas.
Este progresso na descoberta das «leis» absolutas que regem o homem social é fortemente impedido porque a ética se confunde com a moral e esta, mesmo na sociedade mais laicizada, é ainda fortemente determinada pela religião. E na religião os dogmas são um fim, uma lei, uma verdade absoluta, e não um meio que se deve descartar quando se comprova desnecessário, anacrónico e até contraproducente. E assim a religião inibe o progresso ético da sociedade.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.