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11 de Maio, 2005 Carlos Esperança

13 de Maio – feira anual

É preciso muita insensibilidade para não sentir dó dos numerosos peregrinos que vão a pé a Fátima. Seguem em bandos pela orla do caminho, atravessam estradas, distraídos, pés inchados, rostos suados, corpos sofridos, em busca do alívio de uma promessa cumprida por um favor implorado ou uma graça recebida.

Acreditam que alguém, algures noutro astro, se importa com vidas tristes e cinzentas. Imploram a protecção da virgem viageira que poisa em azinheiras, fala com pastorinhos e põe o Sol a fazer piruetas. Crêem no Pai, no Filho e no Espírito Santo, confiam em anjos e demónios, em bruxas e maus olhados, na confissão como detergente, nas propriedades nutritivas da eucaristia e na água benta como desinfectante.

Muitos rezam ainda pela conversão da Rússia e pelo fim do comunismo. Pedem a Deus que ilumine os governantes e lhes dê longa vida enquanto outros, mais esclarecidos, os advertem, a estes não, e voltam às contas do rosário a desfiar ave-marias e padre-nossos numa interminável cantilena com que esperam indulgências que os conduzam à vida eterna.

São longos os caminhos e demorada a viagem. Rezam pelo Santo Padre, sem se darem conta de que ele precisaria de muitas orações se acaso estas resultassem ou ele lograsse tornar-se melhor. E voltam ao rosário, às jaculatórias, aos mistérios gozosos, dolorosos ou gloriosos, consoante o dia da semana, e à alienação dos padre-nossos e ave-marias.

São devotos que se revêem no Francisquinho, mais dado à contemplação mística do que à frequência escolar, que rezam à Jacintinha com enorme devoção, que anseiam pela canonização da Lúcia. São crentes, portadores de uma fé cada vez mais anacrónica, que exultam com a procissão das velas e se comovem com a bênção apostólica, que mantêm abertas as igrejas e a próspero o Vaticano.

São estes peregrinos que vão em busca de Deus e se satisfazem com um cardeal, alguns bispos e numerosos padres, julgando-se perto do Céu. São como crianças que vão ao Jardim zoológico e crêem viajar pela selva e embrenhar-se em florestas tropicais.

A fé não move montanhas mas cria montanhas de ilusões.

11 de Maio, 2005 pfontela

Cinema Europeu

A cadeia televisiva RAI (televisão estatal italiana), vai transmitir amanhã o controverso filme de Theo van Gogh intitulado «Submissão». Como o nome indica o filme é altamente crítico do tratamento das mulheres dentro do islão, dado que inclui mulheres semi-nuas com versos do Corão no corpo. Também parece conter uma entrevista com uma mulher islâmica que conta a forma brutal como foi espancada por ter tentado fugir de casa (a razão para a fuga foi a violação de que foi vitima por parte do seu tio).

Theo van Gogh pagou com a vida por ter feito este filme (foi vítima de fanáticos islâmicos), existindo outras personagens holandesas que vivem verdadeiramente como prisioneiras por terem tido a coragem de apontar os abusos do islão. Na sociedade Holandesa considera-se seriamente pela primeira vez a introdução de medidas contra a emigração e a limitação da liberdade religiosa.

Os imãs do conselho islâmico de Turim escreveram a todos os indivíduos de influência em Itália e no Vaticano para tentar proibir a exibição deste filme dando como razão que: «o filme retrata de forma negativa costumes e tradições islâmicas». E acrescentaram, em tom de ameaça, que se o filme fosse exibido «poderia causar fortes tensões que poderiam incitar os mais fanáticos a actos que põem em risco a segurança pública».

Entretanto já houve várias ameaças contra executivos e directores da RAI. Mas nem a RAI nem os políticos italianos parecem querer ceder sendo que todos os partidos apoiam a exibição da obra de van Gogh. Para quem tiver oportunidade: o filme vai para o ar amanhã às 23:00 (hora local).

11 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Fátima: Mortos – 1; Milagres – 0

Um homem de 56 anos, oriundo de Vila Nova de Gaia, foi ontem colhido mortalmente próximo de Antanhol, nos arredores de Coimbra, quando se dirigia para a peregrinação anual a Fátima.

A fatídica Estrada Nacional n.º 1, onde ocorreu o infausto acidente, é anualmente palco de mortes e feridos que se deslocam de suas casas atraídos pela propaganda do santuário de Fátima.

Fátima é a miragem da fé, a EN-1 é o cemitério dos crentes.

Os peregrinos saem de diversos locais, todos à mesma distância de Deus, em busca de um destino em que apenas se colocam mais perto dos padres.

Deus não merece o sacrifício de uma vida. Não há milagres que compensem a dor e o luto das famílias que choram os entes queridos, perdidos inutilmente numa curva de um caminho que não conduz a lado algum.

Fonte: «Público Centro», pg. 52, de hoje.

10 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Igrejas à venda

A diocese de Saint George no Canadá acaba de pôr à venda todos os seus bens, incluindo as igrejas, para pagar mais de oito milhões de euros de indemnizações a que foi condenada pelos crimes de pedofilia de um dos seus padres.

A ICAR está a apelar a todos os crentes para que a ajudem a comprar de novo as igrejas, onde decorrem os actos litúrgicos.

Até há pouco tempo a ICAR gozava de uma certa imunidade no Canadá, imunidade que caducou por uma recente decisão do Governo Federal. A responsabilização criminal da diocese levou-a à falência.

Como há ainda trinta processos pendentes, por abusos sexuais, envolvendo seis padres, o futuro da Igreja católica não se apresenta risonho na referida diocese. São mais de 8 milhões de euros que vão receber as primeiras vítimas.

Sem igrejas o trabalho apostólico da Igreja católica complica-se. Não é prático proceder às confissões numa casa particular ou dar a eucaristia numa garagem alugada para o efeito.

Não deixa de ser curioso que a sexualidade, tão atacada pelo Vaticano, esteja na base dos maiores problemas que enfrentam as suas sucursais com os seus padres.

10 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O Iraque e a democracia

O Governo iraquiano foi completado. O ministro designado para os Direitos Humanos recusou o cargo com o argumento de que não tinha sido consultado nem pretendia legitimar um Governo baseado em quotas confessionais.

Um Governo formado a partir de quotas religiosas não assegura a direcção de um país. Na melhor da hipóteses partilha orações e divergências teológicas; na pior, discute a fé e envolve-se em guerras santas.

No Iraque, após as eleições que, por comodidade de exposição, considero justas e livres e sem exército ocupante, não houve apresentação de programas, discussão de propostas, competição eleitoral. Houve orações e atentados, assassinatos em nome de Alá e suicídios para encontrar a porta do Paraíso. Faltaram comícios, sobraram os massacres.

O «Governo» é formado por 18 xiitas, 8 curdos, 9 sunitas e 1 cristão. É o ideal para discutir o Corão e apreciar alguns versículos da Bíblia, mas não chega para fazer uma democracia.

Um programa de Governo não pode ser a síntese de dois movimentos muçulmanos que se desentendem sobre o valor da Suna como complemento do Alcorão e um palpite cristão. Os ministros estão mais interessados na salvação da alma do que na resolução dos problemas dos cidadãos. A lei serve a glória de Deus e não os interesses humanos.

Um Governo assim é um bando tribal a lutar pela hegemonia. Pode começar como uma comissão de festas canónicas mas acaba inevitavelmente numa guerra de turbantes. Não há democracias que não sejam laicas nem teocracias que aceitem o pluralismo. É este o labirinto em que os invasores enredaram o novo e piedoso Governo iraquiano.

10 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Uma ministra com coragem?

Na sequência de uma carta enviada pela Associação República e Laicidade à Ministra da Educação, e após a divulgação de um dossiê documentando algumas situações, ilegais, de presença de crucifixos nas salas de aula e de ocorrência de rituais religiosos católicos em escolas públicas, a Ministra da Educação decidiu inquirir as Direcções Regionais de Educação sobre a persistência dessas situações.
Efectivamente, segundo uma notícia do Portugal Diário, que cita o gabinete da ministra, «foi pedido às DRE que averiguassem no sentido de se saber se as situações descritas se mantêm ou não e em caso afirmativo tomar as devidas providências para que a lei seja cumprida».
Esperemos que haja coragem para fazer cumprir a lei. É só o que se pede.
10 de Maio, 2005 Palmira Silva

Rádio Vaticano condenada por poluir

Não, ainda não foi condenada por poluição social, por enquanto apenas por poluição ambiental.

Na realidade, na longa tradição de a Igreja se considerar acima das leis dos homens, os emissores da Radio Vaticano não cumprem as estipulações da intensidade de campo permitida pela lei italiana. Já em 2001 o Ministério do Ambiente italiano verificou que em onze dos catorze locais analisados a intensidade dos campos electromagnéticos apresentava valores superiores aos seis volts por metro permitidos.

O presidente da Rádio Vaticano, o cardeal Roberto Tucci, e o seu director-geral, o padre Pasquale Borgomeo, foram hoje condenados a dez dias de prisão por poluição ambiental. Claro que num país tão católico como Itália as sentenças foram automaticamente suspensas.

A queixa foi interposta em Novembro último pelos habitantes da localidade de Cesano, que acusaram os emissores da Rádio Vaticano de causar problemas graves para a saúde da população, tendo inclusive ocorrido a morte de uma criança que desenvolveu leucemia.

É estranho que a Igreja que é tão intransigentemente defensora da vida não tenha reduzido a potência dos seus emissores mal soube, em 2001, que estes infringiam as normas de segurança. Será por considerarem que a transmissão da palavra de Deus é mais importante que a vida de meros homens?

9 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Papa Ratzinger – O pastor alemão anunciou no fim de semana que irá resistir a todas as tentativas que ameaçam a palavra de Deus e que lutará para garantir a obediência à doutrina de Deus. Visará apenas os fregueses ou quererá impor os dogmas aos ateus e à clientela de outras confissões? Desconhecem-se os meios que tem em mente mas conhecem-se os que a ICAR usa tradicionalmente.

Timor – O acordo entre a ICAR e o Governo lembra a paz assinada há sessenta anos entre as tropas aliadas e as alemãs – a capitulação sem condições. Após 19 dias de arruaças religiosas o acordo contempla oito pontos, sendo os cinco primeiros dedicados à importância dos valores religiosos e à garantia da continuidade da manutenção da disciplina de Religião e Moral como cadeira regular e curricular. O sexto ponto obriga o Código Penal «a tratar da questão do aborto em todas as suas vertentes» e estipula que a lei «deve igualmente definir a prática da prostituição voluntária [sic] como um crime».
O que será, para a ICAR, a prostituição involuntária?

Verdades da ICAR** – Em Portugal há 10, 05 milhões de habitantes, dos quais 9, 404 são católicos, uma percentagem de 93,57%. Estes pescadores de almas são mais exagerados do que os pescadores de robalos e os caçadores de perdizes.

Baptismo** – Em Portugal, de 1999 a 2002 (inclusive) as crianças baptizadas até aos 7 anos representaram respectivamente 94,60%, 93,95%, 94,18% e 93,87%. De pequenino é que se torce o pepino. O recrutamento precoce e a manipulação posterior fazem parte do proselitismo religioso da seita.

Portugal **- De 1999 a 2002 o número de ordenações sacerdotais foi de 54, 54, 40 e 30 respectivamente. Os óbitos foram 96, 72, 75 e 77. As defecções cifraram-se em 9, 6, 3 e 1, sempre em relação aos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, respectivamente. Nem tudo são más notícias. A redução da equipe de vendas é de bom augúrio.

** Fonte: Agência Ecclesia

8 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O sacristão da minha aldeia

(…)

O sacristão era coxo. O nome verdadeiro encontra-se, se acaso o soube, arquivado na desmemória de sexagenário. Todos o tratavam por Ti Mijinhas.

Sempre julguei apanágio do múnus o cheiro dele, antes de saber que o efeito conjugado da incontinência urinária e da relutância ao banho era a causa necessária e suficiente de um odor que as pituitárias da época, muito mais conformadas e cristãs que as de hoje, assinalavam com nauseada tolerância.

Era ele que ajudava o sr. pároco a paramentar-se, cargo que à época conferia algum prestígio, se encarregava de agitar a campainha quando o sr. Prior passava com a hóstia em frente do Santíssimo, no sentido ascendente e no descendente, estridente toque que me levou muitas missas e cuidada averiguação a localizar. Eu julgava que era o efeito da passagem da hóstia à frente do sacrário que produzia o som, qual célula fotoeléctrica, antes de ter descoberto que o mesmo se devia à campainha com quatro chocalhos cruzados, agitada pelo sacristão, a razoável distância, no momento adequado das exéquias.

Mas era a eucaristia que enobrecia o homem pela singularidade das funções. Cabia-lhe acompanhar com a patena a trajectória das hóstias que do cálice eram transportadas pela mão do oficiante até à língua dos devotos, espécie de rede protectora a impedir que o corpo de Cristo caísse desamparado por alguma manobra mais infeliz ou desajeitada do oficiante, mera precaução para um eventual acidente nunca registado. Nesses momentos até parecia que a perna mais curta do coxo, que o sacristão sempre fora, se adequava melhor à função do que se ambas lhe tivessem crescido iguais.

Era ele que transportava a caldeirinha da água benta com o hissope mergulhado à espera que o sr. prior o sacudisse vigorosamente sobre os paroquianos para os aspergir e abençoar. Cabia-lhe ainda acender as velas e apagá-las, guardar as alfaias, dobrar e arrecadar os paramentos. Os trabalhos menos nobres, a limpeza da Igreja, o tratamento dos paramentos, a mudança da roupa aos santos e outras tarefas menores, de grande interesse para o culto e razoável benefício para a alma, eram destinados a mulheres que disso se encarregavam em obscura dedicação.

Já depois de dita a missa, enquanto se rezavam as últimas orações, uma espécie de IVA para prolongar o santo sacrifício, lá ia o Ti Mijinhas de bandeja em punho a pedir para vários fins, conforme o domingo. O mais usual era o «costolado da oração» que anos depois a minha mãe me esclareceria tratar-se do «apostolado da oração», o que não alterava o valor do óbolo nem confundia a devoção daquela gente pobre.
(…)

Nota: trecho piedoso de uma crónica publicada no «Jornal do Fundão».

8 de Maio, 2005 jvasco

Liberdade derrotada em Timor

Se há dois dias me congratulei aqui por uma vitória contra o fundamentalismo religioso, hoje tenho de lamentar que ele tenha saído vitorioso.

Em Timor, o governo quis que as aulas de religião e moral fossem facultativas. A Igreja não quis aceitar. Tentou o golpe de estado, tentou pressionar o presidente, fez julgamentos populares em casa do Bispo, espancou timorenses e portugueses. E por fim… venceu.

Sim. A Igreja venceu.

Foi criada uma comissão permanente, da qual fazem parte os dois bispos envolvidos, por via da qual a Igreja controlará o Estado. Está garantido que o aborto será considerado crime (mesmo nos casos de violação), assim como uma série de reinvidicações da igreja.

Entretanto, enquanto duraram as manifestações, registaram-se dois polícias feridos, devido ao arremesso de pedras por parte dos manifestantes. Sim, os católicos.

PS- Soube deste episódio pelo «Causa Nossa» onde o Vital Moreira caracteriza as consequências desta situação da seguinte forma: «O poder legislativo pertence agora aos bispos. E o poder político carece da benção dos representantes do Vaticano».
Outra ameaça preocupante na luta contra o fundamentalismo religioso foi-me dada a conhecer neste artigo do Rui Tavares no Barnabé.