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14 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Aborto nunca

Imaginem, leitores, que se constituía um movimento para a descriminalização do infanticídio. Suponham que os infanticidas, apoiados por violadores, marginais, traficantes e proxenetas, enviavam uma petição à Assembleia da República a exigir a alteração da moldura penal do infanticídio cuja pena consideram exorbitante e desajustada à gravidade do acto. Dir-me-ão que era uma enormidade. E era.

Mas, enganados pelas palavras do piedoso padre Domingos Oliveira, da paróquia de Lordelo do Ouro, no Porto, indivíduos débeis e cruéis podem considerar que matar o próprio filho é um delito menor e que, quando muito, deve ser considerado um crime semi-público, não havendo direito a sanção na ausência de queixa do ofendido.

Sabendo-se que o morto raramente se queixa e a mãe, que poderia representá-lo, não quer arriscar o mesmo destino, as alterações pretendidas corresponderiam, na prática, à despenalização do infanticídio.

Esse hipotético movimento teria o apoio de criminosos violentos e a compreensão do Sr. Padre Oliveira que, além de católico, tem o dom do Espírito Santo a iluminá-lo, graças ao sacramento da Ordem, o que lhe confere licença vitalícia para fazer homilias.

O referido sacerdote continua a afirmar que «matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos». Ora, sendo a lei permissiva para casos em que haja malformação do feto (a que o senhor prior chama criança), em situações de violação ou risco de vida para a mãe, não se compreende que a um acto menos violento corresponda uma pena maior.

Os signatários da suposta petição à AR jurariam que nunca usam preservativo nem apoiam o uso da pílula do dia seguinte. Mesmo às mulheres que violam advertem-nas de que se usam quaisquer meios abortivos lhes dão cabo do canastro.

Os peticionários fictícios às vezes assassinam um filho, mas têm imenso cuidado com a salvação da alma e os ensinamentos da santa Igreja Católica, Apostólica, Romana (ICAR), pelo que considerariam justa a redução da pena. O senhor padre Oliveira deu-lhes o argumento que faltava.

O Sr. Padre Oliveira e a sua Igreja é que têm de justificar a conduta terrorista.

14 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Lotaria

No Vaticano andou hoje a roda da sorte. Na lotaria da santidade o prémio saiu à casa. Foram beatificadas duas freiras, uma espanhola e outra americana.

A missa das beatificações foi presidida pelo cardeal Saraiva Martins, encarregado da criação de beatos e santos, na qualidade de prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.

JP2 pelava-se por desempenhar estes números e nunca deixou que fosse um Ajudante a beatificar os numerosos bem-aventurados que elevou aos altares.

Agora, o facto de ter sido um cardeal nascido em Portugal é motivo de orgulho para os que julgam que Deus está comprometido nos negócios dos milagres.

14 de Maio, 2005 pfontela

Perseguições e mitos I

Todos os que vivem na sociedade Ocidental têm, em maior ou menor grau, conhecimento das grandes perseguições movidas pelo cristianismo (nas suas mais diversas variantes) a heréticos, apóstatas, infiéis, etc. Também é do conhecimento geral que os próprios cristãos foram vítimas de perseguição nos dias do Império Romano, antes de se imiscuírem profundamente no funcionamento da máquina burocrática. O que é desconhecido da maioria é quanto as acusações cristãs dos supostos crimes dos hereges bebem da sua própria história na antiguidade.

Para se ter uma ideia da visão pagã do cristianismo seria bom olhar para este extracto de Minucius Felix, um apologista dos cristãos, que data de cerca do fim do séc. II d.C. (neste episódio ele pede a um pagão para descrever as ideias que possui do cristianismo):

«Dizem-me que, movidos por algum impulso tolo, consagram e adoram a cabeça de um burro, o mais abjecto dos animais. É um culto digno dos costumes que lhe deram origem! Outros dizem que prestam reverência aos órgãos genitais do sacerdote que preside às cerimónias… Quanto à iniciação de novos membros, os detalhes são tão repulsivos como são conhecidos. Uma criança, coberta por massa para iludir os incautos, é posta à frente do candidato a noviço. O noviço apunhala a criança até à morte com golpes invisíveis; ele próprio, enganado pela massa que cobre a criança, pensa que os golpes são inofensivos. Depois – é horrível! – bebem sedentamente o sangue da criança e competem entre si pelos membros. Através desta vítima ficam ligados uns aos outros; e o facto de partilharem do crime força-os a todos ao silêncio. É também amplamente conhecido o que acontece nos seus festins… No dia do festim reúnem-se todos com as suas crianças, irmãs, mães, pessoas dos dois sexos e de todas as idades. Quando o grupo está animado de tanto comer, e a luxúria impura foi atiçada pela bebida, pedaços de carne são atirados a um cão que está amarrado a um candeeiro. O cão salta em busca da carne, indo além da extensão da corrente que o prende. A luz, que teria sido uma testemunha, é derrubada e apaga-se. Agora, na escuridão, tão favorável ao comportamento sem vergonha, eles contorcem-se nos laços de uma paixão que não pode ser nomeada, conforme o acaso decide. E assim todos eles são incestuosos, se não sempre em actos pelo menos por cumplicidade, pois tudo o que um deles pratica corresponde à vontade de todos… É precisamente o secretismo desta religião malévola que prova que tudo isto, ou quase tudo, é verdade.»(1)

Resumindo, as grandes acusações que saem deste texto são:
– Infanticídio
– Canibalismo
– Incesto

Estas ideias eram comuns na sociedade romana da altura e ilustram bem a imagem negra que o culto cristão possuía. Convém referir no entanto que estas ideias não eram universais, sempre houve escritores que duvidaram da veracidade de tais afirmações, sendo que em certos círculos a crença nestes mitos era ridicularizada. Mas também não se pode dizer que havia de uma distinção clara entre as classe eruditas de Roma e as massas supersticiosas e em grande medida ignorantes, pois em 112 d.c. Encontramos Plínio o novo como governador da Bítinia (Ásia Menor) a fazer investigações para verificar a autenticidade das acusações (2). E em cerda de 160 d.C. encontramos Cornelius Fronto a acusar publicamente os cristãos dos mesmo crimes (infanticídio, canibalismo e incesto) – Fronto era um senador respeitado e chegou a ser tutor do Imperador Marco Aurélio, sendo plausível acreditar que este esteve por detrás das perseguições movidas ao movimento cristão durante o reinado do seu protegido. Trata-se de facto de uma ideia que era transversal a todas as classes romanas. E mesmo não sendo universalmente aceite gozava de popularidade e de uma credibilidade aparente que foram suficientes para poder ser referida nos mais altos círculos sociais sem causar grande ultraje.

Tanta popularidade que em 177 d.c., em Lyons, deu-se uma das mais famosas perseguições à seita cristã (ou pelo menos uma das melhor documentadas) (3). O motivo inicial para a perseguição foi provavelmente apenas de ordem económica já que meses antes o imperador tinha autorizado a venda de prisioneiros para sacrifício na arena (o custo era significativamente menor do que comprar um gladiador e todas as despesas dos jogos corriam por conta dos grandes proprietários locais) (4). Fica portanto estabelecido um motivo mas não é claro quais foram as respectivas percentagens de interesse e de mito que incitaram o incidente. O certo é que as autoridades e a população colaboraram no processo. Sendo que os escravos dos acusados foram torturados de forma a obter testemunhos que corroborassem as acusações (um método ao qual a santa madre igreja daria bom uso em séculos vindouros). Claro que isto só contribuiu para o fortalecimento dos mitos já existentes e muitos dos indiferentes ao cristianismo passaram a ser abertamente hostis.

Antes de analisar a veracidade de tais acusações convém compreender onde é que está a sua origem, pois se é verdade que os ódios e rivalidades locais podem explicar parte das perseguições eles não explicam tudo. Embora a cultura clássica tenha em grande parte sido destruída estes mitos que tiveram origem no seu seio foram repetidos até á exaustão em perseguições ao longo da história (embora sofrendo sucessivas adaptações ao monoteísmo e o acréscimo de alguns detalhes particulares às respectivas épocas).

(continua em breve)

(1)- Minucius Felix, Octavius – cap. IX e X
(2)- Plínio o novo, epístola X
(3)- Eusebius, Historia Ecclesiastica
(4)- J. Vogt, ‘Zur Religiositat der Christenverfolger im romischen Reich’

14 de Maio, 2005 jvasco

Judeus ateus

Foi com alguma surpresa que li na wikipedia que, de acordo com vários movimentos judeus modernos, é possível um indivíduo praticar o judaísmo enquanto fé e tradição, sendo no entanto ateu ou agnóstico.

De acordo com a wkipedia, o Reconstrucionismo é um significativo movimento judaico caracterizado por:

-crença que a autonomia pessoal deve ser mais importante que a tradição e leis Judaicas, mas que qualquer acção deve tomar em consideração o consenso geral

-uma atitude positiva face à cultura moderna

-a crença que as formas de estudo tradicionais dos rabis, tal como os métodos académicos modernos e o estudo crítico dos textos, são ambas maneiras válidas de se aprender sobre e através dos textos religiosos judeus.

-um método não-fundamentalista de se ensinar os princípios de fé judaicos, tal como a crença de que os judeus não têm de aceitar todos ou qualquer destes princípios

-a rejeição da crença que os judeus são o povo escolhido, tal como a rejeição dos milagres e do teísmo

No fundo é um movimento baseado na cultura e tradição judaicas, um movimento judeu. Mas não deixa de ser também um movimento ateu.

13 de Maio, 2005 Carlos Esperança

O hipermercado da fé

Há sessenta anos a Virgem viageira poisava nas azinheiras e mandava rezar o terço às criancinhas. Em campanha eleitoral, contra o comunismo e a República, agendou umas sessões de esclarecimento para a Cova da Iria onde reuniu três inocentes pastorinhos.

Disse-lhes que «Nosso Senhor» andava muito zangado e que era preciso rezar muito. Quanto ao mau feitio do referido indivíduo percebe-se hoje melhor o mau humor e apenas se desconhece se continua de trombas ou se já se dá por satisfeito com milhões de terços rezados e com o fim do comunismo.

A Lúcia era a única que via e ouvia a tal Virgem que lhes disse: «eu sou a Nossa Senhora» e, por especial deferência, teve direito a ver o Inferno onde se encontrava o Administrador do Concelho de Ourém que, em vida, não ia à missa. Teve ainda direito a outros mimos como foi o caso da visita de Jesus Cristo que foi a Tuy, de propósito, para a visitar na cela, em rigorosa clandestinidade.

Mas, para que não se pensasse que as crianças eram parvas e se punham a inventar coisas, a Senhora de Fátima, como depois havia de ficar conhecida, mandou o Sol fazer piruetas perante numerosos fregueses atraídos pelas aparições e maravilhados com o espectáculo.

E foi assim, faz hoje 60 anos, que um lugar rústico do concelho de vila Nova de Ourém se tornou no promissor sector terciário, graças ao terço e às peregrinações.

O Papa que mais protegeu o negócio foi o defunto JP2 que hoje, contra as tradições da ICAR, viu o Papa Ratzinger anunciar o requerimento para a promoção a beato. Antes de JP2 só depois de cinco anos decorridos é que se podia meter os papéis.

O negócio está próspero e os milagres vão aumentar. Há grandes investimentos para a promoção do sobrenatural até porque a concorrência de outras seitas mais pequenas e ágeis se adiantaram no ramo. Assim, dentro e breve João Paulo II será vendido como santo, em madeira, bronze, cristal e porcelana, fabricado nas Caldas da Rainha, na Vista Alegre e em numerosas fábricas que vão requerer o alvará de fabrico.

Sexta-feira, 13, é o dia da sorte para os negócios da fé. A RTP, canal de serviço público, desde ontem que tem o tempo de antena adjudicado à ICAR.

13 de Maio, 2005 Palmira Silva

Panteão Católico alargado

O panteão católico terá muito em breve mais um beato, certamente a elevar a santo tão rápido quanto possível. De facto, o Vaticano divulgou hoje que o processo de beatificação de João Paulo II já se iniciou!

13 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Debate amanhã, em Évora

Em representação da Associação República e Laicidade, estarei presente amanhã, às 17h30m, num debate, em Évora, sobre o Tratado constitucional da União Europeia. O debate está integrado no Fórum Social Português e intitula-se «Pela Constituição europeia, pelo sim, pelo não».
12 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Saudades para Vanessa

Leio e não acredito. Volto a ler. Julgo ter percebido mal e releio. Ainda penso que há gralha, que o jornalista cometeu um lapso e disse o contrário do que queria. Leio uma última vez.

Sinto comoção e raiva. Já vivi muito e sei das baixezas de que os homens são capazes. Estive 26 meses na guerra colonial. Mas, talvez, a estupidez não seja o pior dos males. Pior só a estupidez e a fé reunidas.

Paulo, drogado, saído da prisão de Custóias há quatro meses, desempregado, faz filhos em várias mães no Bairro do Aleixo, bairro de problemas e miséria da cidade do Porto. Uma das filhas chamava-se Vanessa. Tinha cinco anos e a vida para viver. Paulo tê-la-á matado à pancada.

A mãe de Vanessa mandou rezar-lhe missa do 7.º dia na igreja de Lordelo do Ouro, no Porto. Foi o mimo que lhe faltou em vida.

Vou copiar devagar o que li e reli na pg. 90 da «Visão», de hoje. Domingos Oliveira, o padre que celebrou a missa do 7.º dia, por Vanessa, criança de cinco anos, morta à pancada pelo pai, disse na homilia: «matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos» e invectivou a sociedade «que favorece o uso de preservativos».

Há na demência mística do padre Domingos Oliveira uma tal insensibilidade, um tão grave insulto à memória de uma criança mártir, um desrespeito tão grande pela mãe que encomendou a missa e um tamanho ultraje à vida, que estupefaz e arrepia.

Este almocreve de Deus, apóstolo da fé, santa besta fiel ao Papa, padre católico, acha preferível matar uma criança de cinco anos à pancada do que interromper a gravidez de um embrião de cinco semanas.

Maldito seja Deus.

12 de Maio, 2005 Palmira Silva

Defesa Intransigente da Vida

Excertos do Memorando confidencial enviado pelo então cardeal Ratzinger a Theodore McCarrick, arcebispo de Washington, tornado pública em Julho de 2004. Relembrando que nessa época se disputava a Presidência dos Estados Unidos entre Bush, um evangélico anti-aborto e Kerry, um católico pessoalmente contra o aborto mas respeitando a consciência de quem o escolhia e como tal pró escolha, e que, supostamente, o Papa era veementemente contra a guerra no Iraque.

« 2. A Igreja ensina que o aborto e a eutanásia são um pecado grave. A carta evangélica Evangelium vitae, com referência a decisões judiciais ou leis civis que autorizem ou promovam o aborto ou eutanásia, estipula que «existe uma grave e clara obrigação para a sua oposição por objecção de consciência. […] No caso de uma lei intrinsecamente injusta, como uma lei que permita o aborto ou a eutanásia, nunca é lícito, por conseguinte, obedecer a essa lei ou fazer propaganda em favor dessa lei ou votar a seu favor’» (no. 73). Os cristãos têm uma «grave obrigação de consciência de não colaborarem em práticas, mesmo que permitidas pela legislação civil, que são contrárias à lei de Deus. […] Esta colaboração nunca pode ser justificada por invocação do respeito à liberdade de outros ou apelando ao facto que a lei civil o permite ou requer»(no. 74).

3. Nem todas as questões morais têm o mesmo peso que o aborto ou a eutanásia. Por exemplo, se um católico tiver opinião contrária da do Papa na aplicação da pena capital ou na decisão de iniciar uma guerra, ele não deve ser considerado por essa razão indigno de se apresentar para receber a sagrada comunhão. Pode existir uma legítima diversidade de opiniões entre católicos sobre uma guerra e a aplicação da pena de morte mas não em relação ao aborto e eutanásia.»

Ou seja, para Ratzinger os cristãos devem ser contra decisões judiciais e leis que autorizem o aborto e a eutanásia, considerados pecados graves. Aliás é seu dever ser completamente intolerantes com quem não se reger pelo dogma da sacralidade do embrião e com quem reclama o direito a morrer com dignidade.

Nas recomendações de como devem os católicos votar, explica assim que um católico será considerado culpado por cooperar com o mal, e não poderá receber a comunhão, se votar num candidato político que seja a favor da eutanásia e/ou do aborto. Em contrapartida um candidato político que seja (fervorosamente) a favor da pena de morte (afinal inscrita e abundamente prescrita na palavra de Deus revelada, i.e. na Bíblia) ou que decida por uma guerra injusta com centenas de milhares de vidas inocentes como «danos colaterais» deve ser aceitável para qualquer cristão.

Fico sempre muito baralhada com a defesa intransigente da vida advogada pela Igreja Católica…