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17 de Maio, 2005 pfontela

Perseguições e mitos II

No último artigo espero ter conseguido deixar uma imagem clara das ideias que circulavam sobre o cristianismo na altura em que Império Romano ainda era pagão. Agora é a altura de analisar um pouco mais detalhadamente os mitos.

Comecemos pela cabeça de burro, que os cristãos era suposto adorarem. Este mito não foi inicialmente aplicado aos cristãos mas sim aos judeus de Alexandria. A comunidade grega e a comunidade judaica viviam lado a lado num estado de permanente tensão, se não mesmo conflito, e parece que este rumor começou algures no séc. I d.c. e a sua origem parece residir numa mera coincidência de linguagem, já que a palavra Jeová se assemelhava à palavra burro em egípcio (1). Pode à primeira vista parecer um elemento insignificante ou puramente decorativo na descrição do culto judaico mas não o é. O burro era, no mundo antigo, um dos animais mais desprezados que existiam e o facto de se identificar uma religião com este animal tinha a intenção de envergonhar os judeus e de os expor ao ridículo. O mito foi desenvolvido, de forma original, por Apion (2) (membro da comunidade grega de Alexandria e um anti-semita rábido), e segundo as várias “provas” por ele expostas um grego, de nome Zabidos, teria entrado disfarçado no templo para roubar a cabeça de burro. Esta invenção de Apion teve um efeito além do esperado já que ao longo dos séculos variantes da sua história foram repetidas inúmeras vezes, tornando-se progressivamente mais violentas (em algumas versões tardias o grego teria sido morto por descobrir o terrível segredo). A associação deste mito judaico ao cristianismo era um passo inevitável já que o cristianismo sempre foi considerado pelos romanos como uma forma de judaísmo, apresentando muitas das mesmas características que alienavam a cultura clássica (a crença num deus omnipresente e omnipotente que no entanto era invisível era algo que os romanos simplesmente não concebiam). Existe no entanto um aspecto curioso, este mito enquanto foi aplicado exclusivamente aos judeus teve uma área de influência sempre limitada à zona de Alexandria mas quando passou a abranger os cristãos espalhou-se rapidamente por todo o império.

Estando a origem da cabeça do burro explicada podemos passar às acusações de assassinato ritual e canibalismo. Os cristãos também não foram o primeiro grupo a ser acusado deste tipo de crimes, aliás para perceber o porquê da acusação convém olhar para os outros grupos acusados. A primeira vez que se encontra esta acusação na cultura romana ela está misturada com o mito da fundação da república. Conta-nos Plutarco que quando Tarquínio, o último rei de Roma, foi deposto os seus seguidores juraram que tudo fariam para assegurar uma restauração. E com esse fim em mente todos prestaram um estranho e terrível juramento em que o sangue de um homem assassinado terá sido derramado (em vez de prestarem a libação com vinho como era tradição) e as suas entranhas teriam sido tocadas por todos (3). Se este exemplo marcou o início da república é irónico que o outro exemplo mais emblemático marque os seus últimos anos. Na época da famosa conspiração de Catilina corria a lenda que o próprio catilina teria passado a cada um dos seus conspiradores um cálice com uma mistura de vinho e sangue e cada um ao beber teria proferido uma maldição, e este acto tê-los-ia vinculado a todos à conspiração(4). Alguns séculos mais tarde a lenda já tinha sofrido adições de outros elementos; Catilina e o seu grupo de conspiradores teriam assassinado um rapaz e devorado em conjunto as suas entranhas como parte de um ritual (5). Nenhuma destas acusações tem qualquer base real já que se tal fosse o caso Cícero, o maior opositor de Catilina no Senado, teria escrito algo a esse respeito.

Apesar de ser verdade que cultos que sacrificavam e devoravam seres humanos não são inéditos no mundo antigo (existia, por exemplo, o culto de Dionísio na Trácia em que é possível que crianças fossem devoradas como representantes do deus) as histórias que vimos até agora apontam noutra direcção. De facto em todos os casos o festim canibalesco aparece como uma forma de um grupo de conspiradores afirmar a sua solidariedade mútua e seu empenho à causa. Causa essa que invariavelmente consiste em derrubar o status quo, depor a ordem reinante e tomar o poder. Trata-se de facto de um estereótipo: a ideia de uma sociedade secreta que procura de forma implacável o poder. Este estereótipo e as suas variações provaram ser extremamente poderosos e resistentes, sendo que foram usados ao longo da idade média para a demonização dos hereges e, em conjugação com outros factores, culminaram na grande caça às bruxas dos sécs. XVI e XVII.

Ao vermos estas acusações, de canibalismo e assassínio ritual, lançadas contra os cristãos podemos inferir que os romanos tinham a percepção do cristianismo como um grupo sedento de poder que desejava a destruição da ordem estabelecida. Aqui temos que analisar dois pontos: o primeiro onde é que os pagãos foram arranjar um elemento de canibalismo para poder justificar o seu estereótipo e o segundo é a busca duma razão para esta visão do cristianismo como um grupo de conspiradores. O primeiro ponto é relativamente simples de explicar, os romanos viram na eucaristia uma prova de canibalismo, e até certo ponto estavam certos. Apesar de vários teólogos cristãos terem nos primeiros séculos tentado espiritualizar a eucaristia a verdade é que a maioria dos cristãos partilhava da visão que seria estabelecida como dogma pelo concilio de Trento séculos mais tarde: a eucaristia é literalmente o sangue e a carne de Jesus. O segundo ponto, a justificação para a visão dos cristãos como um grupo de conspiradores, também é relativamente fácil de encontrar, sendo que não se trata de um preconceito pagão totalmente injustificado. À parte do óbvio conflito entre a religião imperial (com o próprio imperador deificado) e uma religião que proclamava que o seu deus era o senhor do universo temos também o facto de os cristãos primitivos esperarem a redenção, já que viam o mundo como intrinsecamente malévolo, do qual os crentes seriam libertados pela segunda vinda de Jesus (de notar que a segunda vinda nos primeiros séculos do cristianismo paira no ar como se de algo eminente se tratasse) – a conclusão lógica destas ideias é que todo o culto imperial não passava de idolatria e Roma era a nova Babilónia, o reino do anticristo. Resumindo, a luta dos cristãos não era política mas sim escatológica. Toda esta atitude contribuiu para o afastamento das comunidades cristãs da vida cívica, chegando a extremos em que os romanos pagãos os viam como uma fé malévola e subversiva.

(continua em breve)

(1)- A. Jacoby, ‘Der angebliche Eselskult der Juden und Christen’.
(2)- Josephus, Contra Apionem – cap. II.
(3)- Plutarch’s Lives: Poplicola, IV.
(4)- Sallust, Catilina, XX.
(5)- Dio Cassius, Romaika (History of Rome), lib. XXXVII, 30.

17 de Maio, 2005 Palmira Silva

Aborto: um dogma recente

Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possivel haver ser é maior que todos os deuses

Fernando Pessoa

O tema aborto será nos próximos tempos o cavalo de batalha da Igreja Católica que recorrerá, como nos avisava Ana Sá Lopes no seu artigo «O terrorismo da Igreja Católica», no Público de domingo (link indisponível), às suas tácticas terroristas para polarizar uma questão que só o é por se tratar de um dogma secularizado. E porque concordo que «É enorme, portanto, o risco – para os defensores da despenalização – de uma derrota nesse campo de batalha maniqueísta onde vale tudo. Trata-se, efectivamente, do vale tudo. E nesse vale tudo da demagogia, a Igreja Católica tem tido um papel maior.» nos próximos tempos será também o meu tema de eleição.

O que é irónico nesta questão, dita fracturante, é que o dogma da sacralidade do embrião é um dogma recente na «santa» Igreja. O conceito neolítico de que a mulher era apenas o terreno onde o princípio masculino germinava foi consolidado na Antiguidade Clássica com Aristóteles. Este filósofo acreditava que o sémen conteria «uma pessoa inteira ou, mais precisamente, um homem inteiro, já que uma mulher só ganha existência por alguma falha no processo de desenvolvimento». Num dos seus tratados biológicos afirmou que um embrião masculino adquiria alma ao fim de 40 dias após a concepção e um embrião feminino no dobro do tempo. Durante muitos anos a Igreja Católica, que adaptou a ética aristotélica, permitiu o aborto até este prazo.

Alguns dos teólogo mais conhecidos incluindo os inescapáveis Tomás de Aquino e S. Agostinho não condenavam o aborto. Este último escreveu:

«A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado um homicídio, porque ainda não se pode dizer que exista uma alma viva em um corpo que carece de sensação uma vez que ainda não se formou a carne e não está dotada de sentidos»

Tomás de Aquino defendia que só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. A posição de Aquino sobre o assunto foi oficialmente aceite pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.

Só em 1869, em pleno século XIX, o Papa Pio IX repudiou a teoria da hominização tardia aristotélica e declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize.

Curiosamente, em grande parte do mundo industrializado o aborto não era considerado um crime até que uma série de leis anti-aborto foram promulgadas na mesma época das declarações do pio Pio. Por essa altura, os proponentes da proibição do aborto realçavam os perigos clínicos do aborto. Também curiosamente agora que o argumento clínico deixou de ser válido, o ponto central dos argumentos anti-aborto deslocou-se para a sacralidade do embrião e feto. A que os terroristas católicos insistem em chamar «bébé».

Mas, numa época em que a Igreja católica exalta o espírito cristão medieval, convém relembrar uma doutrina dessa época, mais concretamente do século XVII, o probabilismo. Que afirma o direito dos fiéis de discordarem da hierarquia eclesiástica em questões morais, baseados numa base probabilística firme de ser legítima essa posição. Essa probabilidade pode ser intrínseca ou extrínseca. Probabilidade intrínseca refere-se à percepção individual da inaplicabilidade de um ensinamento moral. Probabilidade extrínseca diz respeito à possibilidade de se suportar essa divergência moral em autoridades teológicas, sendo suficiente cinco ou seis teólogos de reconhecida reputação moral que defendam pontos de vista diferentes.

Talvez por isso Ratzinger se devotou a calar as vozes divergentes na Igreja Católica. Mas existem teólogos reconhecidos, incluindo os mui celebrados Agostinho e Tomás de Aquino, que sustentam a moralidade da decisão por um aborto. Por isso, tal como Ana Sá Lopes, acho que «Convinha que os católicos que se demarcam destas posições e defendem que as mulheres que recorrem ao aborto não devem ser julgadas nem penalizadas aparecessem a dizer alguma coisa.»

17 de Maio, 2005 Carlos Esperança

José Staline


A reabilitação tentada pelo órgão oficial do PCP – o «Avante» – é um insulto a milhões de vítimas, um atropelo à verdade histórica e uma ofensa ao próprio comunismo.

O revisionismo histórico é um crime que impede que os erros se transformem em vacina e que permite que os facínoras se transformem em heróis.

Foi assim que JP2 reabilitou algumas das figuras mais tenebrosas do nazismo e beatificou Pio IX. É assim que ele próprio está a caminho da santidade com duas características inéditas:

– Não precisar de cinco anos de cadáver para se iniciar o processo de beatificação.

– Ter feito milagres em vida (curar um tumor cerebral a ministrar a eucaristia), circunstância e terapêutica inéditas na história dos milagres.

16 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da Segunda

João César das Neves (JCN) andava a descurar a propagação da fé e a desprezar os santos e rectos caminhos que hão-de conduzi-lo aos altares. Mas é tal o medo do Inferno e do azeite fervente onde mergulham as almas dos réprobos que regressou em força.

Ontem, em entrevista ao DN, comentada pela Palmira em «Momento Zen de Domingo», o bem-aventurado voltou a um dos temas que excitam a ICAR – a homossexualidade.

Hoje, veio ressarcir-se de duas ou três semanas em que perdeu o tempo e o espaço do DN, com assuntos de economia, para mergulhar no recorrente tema da interrupção voluntária da gravidez (IVG).

JCN partilha os pontos de vista da defunta Santidade JP2 e da actual. Tem o mesmo tino que revelaram os piedosos sacerdotes Nuno Serras Pereira (o do anúncio sobre a eucaristia), Domingos Oliveira o medidor da gravidade dos pecados e aquele pároco de Lisboa que exortou os fiéis a votar CDS por ser o único contra o aborto.

Quando afirma que o Governo ameaça impor a descriminalização do aborto na AR, se o povo não concordar, JCN sabe que mente por uma boa causa, capaz de lhe render abundantes indulgências.

No seu maniqueísmo, bebido em Santo Agostinho, JCN atribui um novo referendo sobre a IVG «à honra ferida da esquerda e à infantil fome de desforra», ocultando que há na esquerda partidários do «Não» e quem, na direita, seja adepto do «Sim». Será o deputado Pires de Lima um perigoso esquerdista que se infiltrou no CDS para defender a descriminalização da IVG, à semelhança de outros que se introduziram no Governo para ordenarem a IVS (interrupção voluntária dos sobreiros)?

A legislação sobre a IVG só foi referendada, com os resultados catastróficos que se conhecem (refiro-me à baixíssima participação popular, não ao veredicto) porque dois amigos do peito e da hóstia, do PS e do PSD, Guterres e Marcelo, assim o decidiram. Não é matéria obrigatória de referendo.

JCN esquece que a ICAR, que o há-de elevar aos altares logo que se fine com um terço numa das mãos e na outra a bíblia, é contra o divórcio e, tal como o seu homólogo Islão, pretende que a violência da lei se abata sobre o adultério. No fundo é contra a liberdade que as religiões se erguem.

Num aspecto tem razão JCN em relação à legalização do aborto: «essa campanha está a ser conduzida de forma tão infame, tão vergonhosa, tão canalha…». Mas não se refere aos padres que eu citei. Refere-se aos que não pensam como eles.

Adenda – Foi finalmente descodificada a frase «matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos». O embrião podia dar origem a um indivíduo do sexo masculino, ao contrário da menina assassinada.

16 de Maio, 2005 pfontela

Brincando às eleições

No Irão o processo eleitoral prossegue. Trata-se de um verdadeiro cortejo com características de uma farsa rocambolesca, em que os bobos da festa são sem dúvida aqueles que acreditam que o processo é um sinal de maior democracia no país.

Mais de 1000 pessoas concorreram ao cargo de presidente (ocupado no momento por Mohammad Khatami) e os seus passados são extremamente diversos: temos o guarda redes da equipa nacional que promete mostrar o cartão vermelho ao crime, um vagabundo poliglota licenciado em gestão e astronomia que acha que isso o qualifica para ser presidente, um jovenzinho de 16 anos (cujo programa eleitoral parece que ainda está a ser definido…com a ajuda da mãe), algumas dezenas de mulheres que se valeram de uma ambiguidade linguística na lei para se poderem candidatar e claro sem esquecer os clérigos octogenários que defendem as mais brilhantes virtudes da civilização teocrática.

Mas isto é só um aperitivo, porque o circo ainda mal começou. O conselho de guardiões (o verdadeiro órgão de poder no Irão, o coração da teocracia) juntou-se à festa e já excluiu cerca de metade dos candidatos reformistas (incluindo claro as 89 mulheres que tiveram a lata de se candidatarem em vez de ficarem em casa a lavar pratos e procriar – como aliás qualquer religião de bem que se preze apregoa).

Ebrahim Yazdi, líder do único partido que se pode dizer que possui “inclinações” seculares, já avisou que dado o passado do conselho não espera que as eleições sejam justas mas que mesmo assim fará tudo o que estiver ao seu alcance para provar às autoridades que elas estão erradas (note-se a subtileza: os políticos não são as autoridades, os clérigos é que são). É por estas e outras, igualmente hediondas, heresias que o Sr. Yazdi vive sobre a permanente ameaça de ser preso – as acusações são de conspiração contra a segurança nacional e contra a teocracia.

E é assim que pelos lados do Irão se compõe uma realidade deveras burlesca. Se a situação é esta durante as eleições imagine-se no carnaval.

15 de Maio, 2005 Palmira Silva

Momento Zen de Domingo

Numa entrevista ao Diário de Notícias João César das Neves afirma «É falso que eu seja homofóbico». E para confirmar a sua tolerância em relação à homossexualidade, que avisa «Não se deve é banalizar», refere que a sua posição «é a da Igreja» ou seja, considera que «a homossexualidade é ‘uma desordem moral grave’». Assim, no fim da entrevista revela que «há imensos homossexuais que vivem sem problemas, calmamente, e é assim que deve ser.». Ou seja, calmamente, sem reinvidicações, sem revelarem ao mundo a sua «desordem moral», na «Santa Hipocrisia» preconizada pela Igreja de Roma.

Mas a pérola da entrevista consiste nas locubrações do devoto sobre abuso sexual. Nomeadamente abuso sexual sobre menores do sexo masculino: «Imagine que quem tinha abusado dos rapazinhos eram mulheres. Não é evidente que os rapazinhos teriam até orgulho no facto?».

De facto, um espécimen a colocar na mesma galeria de horrores católicos que o padre Domingos Oliveira, o tal que acha mais violento abortar um embrião, que não tem consciência de si nem do meio ambiente, que não sente dor, que assassinar brutalmente uma criança de 5 anos!

15 de Maio, 2005 Palmira Silva

Não entrem em pânico!

Dia 25 de Maio é o «Dia da toalha» em que todos os admiradores de Douglas Noel Adams, DNA, que se descrevia como um ateísta radical, o autor da trilogia (com cinco livros) de culto, The Hithhikers Guide to the Galaxy, lhe podem prestar tributo simplesmente transportando uma toalha.

Douglas Adams, um ex-libris do «orgulho ateu», estudou em Cambridge onde participou com o seu amigo Griff Rhys Jones no grupo de teatro amador desta Universidade, Footlights, por onde também passaram Emma Thompson, John Cleese e Graham Chapman. Aliás Douglas Adams ambicionava ser um escritor/actor na linha dos Monty Python, com quem colaborou escrevendo um sketch com Graham Chapman.

O filme, que em Portugal terá o título «À Boleia pela Galáxia», apresenta algumas variantes em relação aos livros, infelizmente nunca publicados em Portugal, escritas pelo autor para a versão cinematográfica. Como a introdução de um novo personagem, Humma Kavulaé, interpretado por John Malkovich.

Não consegui descobrir quando será a estreia do filme em Portugal mas entretanto… não se esqueçam da toalha!

14 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Aborto nunca

Imaginem, leitores, que se constituía um movimento para a descriminalização do infanticídio. Suponham que os infanticidas, apoiados por violadores, marginais, traficantes e proxenetas, enviavam uma petição à Assembleia da República a exigir a alteração da moldura penal do infanticídio cuja pena consideram exorbitante e desajustada à gravidade do acto. Dir-me-ão que era uma enormidade. E era.

Mas, enganados pelas palavras do piedoso padre Domingos Oliveira, da paróquia de Lordelo do Ouro, no Porto, indivíduos débeis e cruéis podem considerar que matar o próprio filho é um delito menor e que, quando muito, deve ser considerado um crime semi-público, não havendo direito a sanção na ausência de queixa do ofendido.

Sabendo-se que o morto raramente se queixa e a mãe, que poderia representá-lo, não quer arriscar o mesmo destino, as alterações pretendidas corresponderiam, na prática, à despenalização do infanticídio.

Esse hipotético movimento teria o apoio de criminosos violentos e a compreensão do Sr. Padre Oliveira que, além de católico, tem o dom do Espírito Santo a iluminá-lo, graças ao sacramento da Ordem, o que lhe confere licença vitalícia para fazer homilias.

O referido sacerdote continua a afirmar que «matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos». Ora, sendo a lei permissiva para casos em que haja malformação do feto (a que o senhor prior chama criança), em situações de violação ou risco de vida para a mãe, não se compreende que a um acto menos violento corresponda uma pena maior.

Os signatários da suposta petição à AR jurariam que nunca usam preservativo nem apoiam o uso da pílula do dia seguinte. Mesmo às mulheres que violam advertem-nas de que se usam quaisquer meios abortivos lhes dão cabo do canastro.

Os peticionários fictícios às vezes assassinam um filho, mas têm imenso cuidado com a salvação da alma e os ensinamentos da santa Igreja Católica, Apostólica, Romana (ICAR), pelo que considerariam justa a redução da pena. O senhor padre Oliveira deu-lhes o argumento que faltava.

O Sr. Padre Oliveira e a sua Igreja é que têm de justificar a conduta terrorista.

14 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Lotaria

No Vaticano andou hoje a roda da sorte. Na lotaria da santidade o prémio saiu à casa. Foram beatificadas duas freiras, uma espanhola e outra americana.

A missa das beatificações foi presidida pelo cardeal Saraiva Martins, encarregado da criação de beatos e santos, na qualidade de prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.

JP2 pelava-se por desempenhar estes números e nunca deixou que fosse um Ajudante a beatificar os numerosos bem-aventurados que elevou aos altares.

Agora, o facto de ter sido um cardeal nascido em Portugal é motivo de orgulho para os que julgam que Deus está comprometido nos negócios dos milagres.

14 de Maio, 2005 pfontela

Perseguições e mitos I

Todos os que vivem na sociedade Ocidental têm, em maior ou menor grau, conhecimento das grandes perseguições movidas pelo cristianismo (nas suas mais diversas variantes) a heréticos, apóstatas, infiéis, etc. Também é do conhecimento geral que os próprios cristãos foram vítimas de perseguição nos dias do Império Romano, antes de se imiscuírem profundamente no funcionamento da máquina burocrática. O que é desconhecido da maioria é quanto as acusações cristãs dos supostos crimes dos hereges bebem da sua própria história na antiguidade.

Para se ter uma ideia da visão pagã do cristianismo seria bom olhar para este extracto de Minucius Felix, um apologista dos cristãos, que data de cerca do fim do séc. II d.C. (neste episódio ele pede a um pagão para descrever as ideias que possui do cristianismo):

«Dizem-me que, movidos por algum impulso tolo, consagram e adoram a cabeça de um burro, o mais abjecto dos animais. É um culto digno dos costumes que lhe deram origem! Outros dizem que prestam reverência aos órgãos genitais do sacerdote que preside às cerimónias… Quanto à iniciação de novos membros, os detalhes são tão repulsivos como são conhecidos. Uma criança, coberta por massa para iludir os incautos, é posta à frente do candidato a noviço. O noviço apunhala a criança até à morte com golpes invisíveis; ele próprio, enganado pela massa que cobre a criança, pensa que os golpes são inofensivos. Depois – é horrível! – bebem sedentamente o sangue da criança e competem entre si pelos membros. Através desta vítima ficam ligados uns aos outros; e o facto de partilharem do crime força-os a todos ao silêncio. É também amplamente conhecido o que acontece nos seus festins… No dia do festim reúnem-se todos com as suas crianças, irmãs, mães, pessoas dos dois sexos e de todas as idades. Quando o grupo está animado de tanto comer, e a luxúria impura foi atiçada pela bebida, pedaços de carne são atirados a um cão que está amarrado a um candeeiro. O cão salta em busca da carne, indo além da extensão da corrente que o prende. A luz, que teria sido uma testemunha, é derrubada e apaga-se. Agora, na escuridão, tão favorável ao comportamento sem vergonha, eles contorcem-se nos laços de uma paixão que não pode ser nomeada, conforme o acaso decide. E assim todos eles são incestuosos, se não sempre em actos pelo menos por cumplicidade, pois tudo o que um deles pratica corresponde à vontade de todos… É precisamente o secretismo desta religião malévola que prova que tudo isto, ou quase tudo, é verdade.»(1)

Resumindo, as grandes acusações que saem deste texto são:
– Infanticídio
– Canibalismo
– Incesto

Estas ideias eram comuns na sociedade romana da altura e ilustram bem a imagem negra que o culto cristão possuía. Convém referir no entanto que estas ideias não eram universais, sempre houve escritores que duvidaram da veracidade de tais afirmações, sendo que em certos círculos a crença nestes mitos era ridicularizada. Mas também não se pode dizer que havia de uma distinção clara entre as classe eruditas de Roma e as massas supersticiosas e em grande medida ignorantes, pois em 112 d.c. Encontramos Plínio o novo como governador da Bítinia (Ásia Menor) a fazer investigações para verificar a autenticidade das acusações (2). E em cerda de 160 d.C. encontramos Cornelius Fronto a acusar publicamente os cristãos dos mesmo crimes (infanticídio, canibalismo e incesto) – Fronto era um senador respeitado e chegou a ser tutor do Imperador Marco Aurélio, sendo plausível acreditar que este esteve por detrás das perseguições movidas ao movimento cristão durante o reinado do seu protegido. Trata-se de facto de uma ideia que era transversal a todas as classes romanas. E mesmo não sendo universalmente aceite gozava de popularidade e de uma credibilidade aparente que foram suficientes para poder ser referida nos mais altos círculos sociais sem causar grande ultraje.

Tanta popularidade que em 177 d.c., em Lyons, deu-se uma das mais famosas perseguições à seita cristã (ou pelo menos uma das melhor documentadas) (3). O motivo inicial para a perseguição foi provavelmente apenas de ordem económica já que meses antes o imperador tinha autorizado a venda de prisioneiros para sacrifício na arena (o custo era significativamente menor do que comprar um gladiador e todas as despesas dos jogos corriam por conta dos grandes proprietários locais) (4). Fica portanto estabelecido um motivo mas não é claro quais foram as respectivas percentagens de interesse e de mito que incitaram o incidente. O certo é que as autoridades e a população colaboraram no processo. Sendo que os escravos dos acusados foram torturados de forma a obter testemunhos que corroborassem as acusações (um método ao qual a santa madre igreja daria bom uso em séculos vindouros). Claro que isto só contribuiu para o fortalecimento dos mitos já existentes e muitos dos indiferentes ao cristianismo passaram a ser abertamente hostis.

Antes de analisar a veracidade de tais acusações convém compreender onde é que está a sua origem, pois se é verdade que os ódios e rivalidades locais podem explicar parte das perseguições eles não explicam tudo. Embora a cultura clássica tenha em grande parte sido destruída estes mitos que tiveram origem no seu seio foram repetidos até á exaustão em perseguições ao longo da história (embora sofrendo sucessivas adaptações ao monoteísmo e o acréscimo de alguns detalhes particulares às respectivas épocas).

(continua em breve)

(1)- Minucius Felix, Octavius – cap. IX e X
(2)- Plínio o novo, epístola X
(3)- Eusebius, Historia Ecclesiastica
(4)- J. Vogt, ‘Zur Religiositat der Christenverfolger im romischen Reich’