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20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Propaganda da morte

A morte ao serviço do fanatismo e da manipulação das emoções é um fenómeno recorrente na política e explorado de forma obscena pelas religiões.

As monarquias, sempre ligadas a uma Igreja, fazem da morte de um príncipe ou de um rei um espectáculo popular, com cenas de histerismo colectivo e mórbida comoção de multidões. A comunicação social ajuda, como se viu na morte da princesa Diana.

Em Portugal lembro-me da encenação da morte de Salazar como tentativa de oxigenar um regime que não demoraria a segui-lo num funeral que provocou alívio e explosões de alegria. Em Espanha o cadáver de Franco ainda serviu para reunir multidões fascistas e dignitários eclesiásticos na esperança de que o regime se eternizasse e os seus crimes ficassem impunes.

Já em democracia, a morte de Sá Carneiro foi instrumentalizada para alterar o sentido de voto nas eleições presidenciais que decorriam em Portugal.

Nada disto é novo. A morte é uma arma carregada de emoção. No quadrante oposto Engels apelou à luta junto ao túmulo de Marx, Lenine junto ao de Lafarge e Staline, com experiência de ex-seminarista, procedeu a uma colossal manipulação de massas no enterro de Lenine. Em França o PC fez da morte de Maurice Thorez uma gigantesca manifestação. O mesmo aconteceu em Itália com Palmiro Togliatti, na China com Mao ou, recentemente, em Portugal, com Álvaro Cunhal.

São muitos os exemplos, mas ninguém bate as religiões. O funeral do ayatola khomeini reuniu multidões de fanáticos que choraram copiosamente o sinistro dignitário islâmico. A morte de Maomé é celebrada com peregrinações gigantescas e fanatismo demente.

No cristianismo a morte do fundador é festejada todos os anos, apesar de ser incerta a data e ignorado o destino do cadáver. A ICAR, na desvairada tendência para a idolatria papal, faz da morte de cada Papa um espectáculo mórbido e uma propaganda imensa.

A agonia de JP2 foi vendida às televisões, minuto a minuto, até à apoteose da morte. A exploração do sofrimento fez lembrar os mendigos que alugam deficientes para ampliar a piedade e o óbolo dos transeuntes que dobram as esquinas de uma cidade do terceiro mundo.

O Vaticano falhou a morte em directo, o cadáver a sair do avião, o estertor perante as câmaras, mas não renunciou às multidões em Roma nem ao espectáculo montado para garantir a emoção e a propaganda para telespectadores de todo o mundo. JP2 foi o primeiro cadáver exibido e explorado, à escala planetária, como gadget promocional.

A ICAR ganhou a batalha da globalização vendendo o seu produto – a morte. B16, menos supersticioso e narcisista, mais tenebroso e calculista, dirige sub-repticiamente uma campanha de proselitismo através dos bispos, padres e idiotas úteis cujo fanatismo se assemelha ao dos talibãs.

O laicismo está em perigo. A liberdade religiosa corre perigo. A hóstia pode tornar-se de consumo obrigatório, como era o óleo de fígado de bacalhau nas escolas de há meio século. Deus morreu mas a santa mafia, incapaz de arranjar um produto novo, tudo fará para o impor, não olhando a meios.

É preciso estar atento.

20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e a moral

Tenho para mim que a «moral» é a ciência dos costumes e que a humanidade, no seu progresso constante, se tem tornado mais exigente e justa à medida que a diversidade se afirma, a instrução se democratiza e as religiões recuam.

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), frequentemente referida no Diário Ateísta, está longe de ser a pior. Há pior, infelizmente. Apenas conseguiu ser a pior de Portugal durante oito séculos e meio por não ter deixado medrar outras.

Até se compreende que a ICAR, como fenómeno empresarial de sucesso, perdidas as armas repressivas, desabituada da tortura e esquecidos os autos de fé, procure a via legal, ganhando na secretaria, com o Estado, o que perdeu com a deserção dos créus.

Em Portugal, o ultraje à liberdade e à igualdade de todas as crenças tem origem na Concordata negociada nas alfurjas do poder por prelados sonsos e governantes pios. Sempre que se concedem privilégios alguém ganha e alguém perde e a Concordata é a capitulação do Estado, dito laico, perante a última teocracia europeia – o Vaticano.

A ICAR gosta de apresentar-se como defensora da moral e dos bons costumes, apesar da sordidez do seu passado e das misérias do presente. Nos últimos tempos o divórcio, o aborto, a eutanásia e os casamentos homossexuais fazem parte da sanha persecutória da última ditadura europeia.

O Vaticano esqueceu a facilidade com que no passado anulou casamentos em que único obstáculo era o custo da decisão, só ao alcance dos muito ricos.

Mas há um episódio interessante da nossa História que convém lembrar. A Igreja que se baseia na Bíblia, onde o incesto e outros crimes aparecem com natural condescendência é a mesma igreja que abençoa o adultério e incensa os adúlteros.

Quem passar por Alcobaça vá ver os magníficos túmulos de D. Pedro e D. Inês, junto ao altar-mor, para mais facilmente os amantes se encontrarem face a face, no dia de juízo final, quando no Vaje de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, o criador do Céu e da Terra vier julgar os vivos e os mortos.

D. Pedro preferiu a bela Inês à rainha D. Constança, teve quatro filhos da adúltera, e a Santa Madre Igreja sepultou os amantes juntos, para gozarem as delícias da eternidade junto ao altar-mor do convento de Alcobaça, perante a indiferença de Deus e a cumplicidade dos padres.

Boa gente.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Crucificação exorcista

A freira romena que morreu na sequência de um exorcismo mal sucedido, conduzido pelo padre Daniel com ajuda de quatro freiras, sofria de esquizofrenia, condição que os piedosos membros do clero acharam ser indicação concludente da sua possessão pelo mafarrico.

O padre Daniel, acusado de ser o responsável pelo crime, declara que não tem nada de que se arrepender: «Deus realizou um milagre com ela e finalmente a Irina foi libertada do mal». Claro que o pequeno pormenor de a infeliz freira de 23 anos ter sido também «libertada» da vida é irrelevante para o devoto padre, certamente mais preocupado com a salvação da alma que a preservação de uma vida tão maculada pelo demo.

O padre acrescentou ainda que «Não percebo porque razão os jornalistas estão a dar destaque a isto. O exorcismo é uma prática comum no coração da Igreja Ortodoxa Romena e os meus métodos não são de todo desconhecidos dos outros padres».

Considerando os métodos utilizados é de perguntar quantos mais infortunados com doenças do foro psicológico terão sucumbido nas mãos destes exorcistas!

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Casamento humanista

Celebrou-se hoje na Escócia o primeiro casamento humanista legalmente reconhecido.

Karen Watts e Martin Reijns foram casados por um humanista depois de se ter alterado as regras anteriormente em vigor, consideradas restritivas e discriminatórias. De facto, a celebração do matrimónio só era reconhecida se ministrada por uma autoridade religiosa ou por um representante do registo civil. Pretende-se agora que as novas regras sejam estendidas ao restante território britânico, de forma a que as cerimónias matrimoniais de ateus e agnósticos possam ser conduzidas de forma menos impessoal como o é a simples visita ao cartório. E os casamentos humanistas (antecedidos da formalização asséptica civil) são muito populares nas Ilhas Britânicas!

Para além da Escócia, os casamentos humanistas são possíveis apenas na Austrália e Nova Zelândia. Claro que cá em Portugal, país só supostamente laico, nem sequer se deve considerar a hipótese!

19 de Junho, 2005 jvasco

Diário Ateísta e política

O Diário Ateísta não é, nem pretende ser, um blogue que advoga qualquer tipo de ideologia política.
O envolvimento do DA na política deve limitar-se à defesa da liberdade religiosa, do princípio da laicidade, da defesa de ideias que estejam relacionadas com o ateísmo.

O Diário Ateísta não é de direita nem de esquerda.

Os autores do Diário Ateísta têm diferentes sensibilidades políticas: existem autores de direita, existem autores de esquerda, existem autores mais moderados, existem autores mais radicais.

É óbvio que a ideologia pessoal de cada autor pode ser destrinçada por aquilo que escreve, principalmente se escrever muito, e se, na sua forma de escrever, a respectiva sensibilidade pessoal tiver mais tendência a tornar-se patente.

Assim sendo, os leitores do DA até podem descobrir as diferentes sensibilidades políticas nos diferentes autores. No entanto, ninguém no DA pretende propagandear nenhuma ideia política.

O ateísmo não tem cor política – nunca será de mais repeti-lo.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Mais materializações iconográficas na e-bay

Jeffrey Rigo, 30 anos, ateu, está a divertir-se (e eventualmente lucrar) com a onda de histeria religiosa que grassa nos Estados Unidos. Depois de tartarugas demoníacas e tostas de queijo com a imagem da «Virgem», a e-bay tem agora à venda um pedaço da casa de banho do engenheiro informático, mais concretamente o estuque manchado com o que ele afirma ser uma imagem do mítico fundador da religião cristã. Por uns meros 1999,99 dólares os interessados podem possuir esta magnífica materialização iconográfica, que o feliz vendedor confessa não achar ser qualquer tipo de manifestação divina.

Talvez por o vendedor não se mostrar devidamente impressionado com o «milagre» e confessar que todo o procedimento não é para ser levado a sério, não apareceram muitos interessados. Mas vale a pena espreitar as perguntas suscitadas pelo acontecimento e apreciar o fino humor de Jeffrey Rigo nas respostas!

Gosto especialmente destas:

Pergunta: Em relação à sua reacção «Não (é Deus)- Jesus Cristo» queria informá-lo que Jesus é de facto Deus, igual e parte da Santa Trindade.
Resposta: Quando eu era criança tinha aqueles carros que se transformavam e que ligados uns aos outros formavam um carro GIGANTE, por isso penso que sou capaz de contextualizar o que diz. O único problema é que me faltava um dos carros mais pequenos e por isso o carro realmente grande não tinha a perna esquerda. Uma vez caiu e aterrou em cima do cão.

Pergunta: Tem a certeza que não será atingido por um raio por causa do seu leilão blasfemo?
Resposta: Não, não tenho de todo a certeza. Na realidade em preparação para este leilão criei um fato por medida, um fato completo de latex reforçado. E uso o fato dentro de uma gaiola de Faraday na minha sala de computador. O hamster olha meio de lado para mim de vez em quando e a recepção do telemóvel é péssima mas quando esse raio cair do céu estarei preparado.

Pergunta: II Coríntios 9:7 «… Deus ama ao que dá com alegria.»
Resposta:«…Mexa as natas e o pesto até obter uma mistura homogénea. Salpique com tomate. Sirva com vegetais.» Creamy Pesto Dip – Betty Crocker’s Quick & Easy Cookbook, p.11

18 de Junho, 2005 jvasco

Teocracia iraniana em alta

Nas eleições presidenciais do Irão havia três candidatos favoritos, dos quais dois passariam à segunda volta se nenhum deles conseguisse mais de 50% dos votos. Um reformador, um conservador, e um ultra-conservador.
Com a palavra «conservador» não me refiro ao termo que usamos na política europeia, mas sim ao facto de defenderem as instituições e a manutenção da teocracia islâmica, ou até o seu reforço.

Hoje foi um dia triste para a liberdade religiosa e para o povo iraniano, pois os apurados para a segunda volta foram Akbar Hachemi Rafsanjani e Mahmud Ahmadinezhad: o conservador e o ultra-conservador.

A Teocracia no Irão é para continuar…

18 de Junho, 2005 Palmira Silva

O regresso do Malleus Maleficarum

Algumas das práticas de tortura preconizadas pelo Santo Ofício da Inquisição. Entre outras não representadas pode-se observar na gravura, de cima para baixo, para além da morte na fogueira ou por enforcamento, técnicas como exposição das vísceras, quebra e fractura de ossos, açoitamento, decapitação e amputação das mãos.

A polícia inglesa têm as mãos cheias de casos de abuso e tortura de crianças relacionadas com exorcismos de supostos feiticeiros/bruxos.

Ontem foi revelado oficialmente que a polícia e os serviços sociais investigam mais cinco casos de abuso de menores relacionados com práticas de exorcismo. Uma fuga de informação revelou ainda dados de um relatório da polícia metropolitana que investiga tortura de menores por razões religiosas. O relatório, obtido por um jornalista da BBC, indica que há inúmeros pastores e igrejas, em Inglaterra, na Europa e em África, a explorar e potenciar de forma abjecta a superstição dos crentes. Superstição encorajada pelas autoridades eclesiásticas de todas as confissões cristãs!

Nomeadamente revela a existência de uma rede de tráfico de crianças com um fim abominável: são trazidos de África rapazes não circuncidados para serem sacrificados em altares de seitas que acreditam conseguirem «magias» poderosas com o assassínio destas crianças.

O relatório, despoletado pelo assassínio de outra bruxa de oito anos, Victoria Climbié, identifica ainda inúmeros casos de exorcismos de menores realizados por sectos cristãos fundamentalistas, exorcismos estes que resultam na tortura e muitas vezes morte das infelizes crianças consideradas possuídas pelo demo. Igrejas fundamentalistas como a Igreja do Combate Espiritual, envolvida recentemente num caso de tortura de uma «bruxa» de oito anos.

O espírito cristão medieval tão exaltado pelo finado João Paulo II e pelo actual papa regressa em todo o seu «esplendor». Aparentemente muitos cristãos consideram ainda em vigor a bula Summis Desiderantes, que «constatando» que «muitas pessoas de ambos os sexos abandonaram a fé e se entregaram aos demónios, incubi e succubi» «decretamos que os ditos inquisidores tenham poder de para proceder à justa correcção, apresamento, e castigo de qualquer pessoa.»

18 de Junho, 2005 jvasco

O Reino dos Céus

Tal como o «Código da Vinci», o filme «O Reino dos Céus» também é uma obra massificada que feriu muitas susceptibilidades cristãs.
Vi este filme pouco depois de ter estreado.

Centrado no século XII, e na época das cruzadas, «O Reino dos Céus» conta a história de um simples ferreiro que se torna cavaleiro e herói, salvando a população de Jerusalém de uma pilhagem que poderia ser devastadora.

Antes de ver o filme, sabia que o realizador era o Ridley Scott (não é propriamente um dos meus realizadores favoritos), que a temática era medieval (umas das minhas temáticas favoritas) e que era uma grande produção.

Tendo visto o filme verifiquei que, não sendo propriamente um marco «na história do cinema», é um filme agradável e interessante. Recomendo que, depois de ver o filme, se veja este artigo da wikipedia ou se faça alguma pesquisa na internet, para verificar que partes do argumento do filme são fiéis à história, e que partes surgiram apenas da fértil imaginação dos argumentistas

Como vêem, as conclusões são muito semelhantes às relativas ao «Código da Vinci», mas as parecenças não terminam aí…

E sobre o ateísmo?
O filme está muito longe de ser uma perspectiva ateia sobre o que nos rodeia. O filme parece imerso num apelo à espiritualidade, e embora não ataque directamente qualquer posição mais materialista ou racionalista, entendemos facilmente que os argumentistas pretendem transmitir um sentimento, de alguma forma, religioso.

No entanto, procurando opiniões sobre o filme, facilmente constatamos que muitos cristãos sentiram que o filme era um verdadeiro ataque que lhes era dirigido. Um dos casos com mais relevo terá sido o da CBN (Christian Broadcast Network), com mais de 2000 estações de rádio e 36 canais televisivos cristãos. Na página da rede que dedicaram à crítica do filme, é possível textos como este (do qual dei conta via Barnabé):

Se a Igreja se deixar enganar […] vamos voltar ao velho problema de estarmos cheios de ódio por nós mesmos; de toda a gente ter de viver em harmonia; de toda a gente ter de se esquecer das suas raízes religiosas; e temos de parar de tentar evangelizar e parar de tentar mudar os muçulmanos e temos de lhes pedir desculpas. Chegados a esse ponto vamos pelo cano abaixo e caímos nos braços de uma religião corrompida e demoníaca.» [in “Thoughts on ‘The Kingdom of Heaven’: A Discussion with Dr. Ted Baehr by Craig von Buseck”]

E porquê toda esta histeria? Porque as várias acusações (por parte de várias fontes diferentes) do filme «atacar o cristianismo»? Ser «contra a Igreja»?

A crença, por parte de vários cristãos, de que «O Código da Vinci» e «O Reino dos Céus» são ataques à Igreja, é preocupante e assustadora. Não pela susceptibilidade que revela, mas pela estreiteza de perspectivas, pelo horror à pluralidade.
Depois de ver algumas críticas furiosas a este filme, é mais fácil ter noção da quantidade de gente que considera ofensivo relembrar o passado; e da quantidade de lavagens revisionistas que por aí polulam.