28 de Agosto, 2018 Luís Grave Rodrigues
Conselhos papais
Quando o Papa recomenda tratamento psiquiátrico a pessoas em razão das suas características biológicas , pessoais e identitárias…
Quando o Papa recomenda tratamento psiquiátrico a pessoas em razão das suas características biológicas , pessoais e identitárias…
A teologia política de Belém
Marcelo já nos tinha surpreendido com a apoteose da imaginação e da originalidade de quem, rezando o terço todos os dias, descobriu que “Um sítio onde é sensacional rezar o terço é a nadar no mar”.
Necessitando das mãos para o efeito e não podendo rezar com os pés, dos quais também carece, é um prodígio contar padre-nossos e ave-marias sem se enganar nos mistérios e sem se afogar antes dos dolorosos, mas isso são devoções pias, de natureza pessoal, que, por maior proselitismo que o devore, o PR de um país laico deve abster-se de alardear.
O PR traiu a postura laica, que devia manter, no centenário da clonagem da Senhora de Lourdes, em Fátima, quando se envolveu na autenticação desse «milagre», invocando a qualidade de PR, e ultrapassou a decência, afirmando que o fazia em nome de todos os portugueses, incluindo ateus, que não lhe passaram procuração e ficam indignados com a quebra do respeito que deve à laicidade do Estado.
Quanto à esperada recandidatura, cuja popularidade dispensa o simples passeio pela Av. da Liberdade, afirmou que “campanhas, se Deus quiser, não haverá mais nenhuma”, e, com a expressão “se Deus quiser”, que causa calafrios na boca de muçulmanos furiosos, ainda afirmou que tal matéria “está nas mãos de Deus”. Esperará as mãos de Deus para fazer 7.500 assinaturas e, quiçá, os pés para as levar ao Tribunal Constitucional?
Para além de ficarmos a saber que o Deus de Marcelo tem mãos, ficamos perplexos com a sua influência num país com a Constituição laica que o ora PR aprovou na Assembleia Constituinte, para a ignorar depois de jurar cumpri-la e fazê-la cumprir ao tomar posse.
O PR de todos os portugueses não pode reduzir-se a um mero presidente dos católicos e excluir os que, também católicos, defendem o carácter laico da CRP, nem fazer do País um protetorado do Vaticano.
Surpreende a sedução que exerce e o silêncio que gera a associar a personalidade de PR, inteligente, culto e simpático, à vocação de catequista de paróquia e à volúpia beata com que oscula anelões episcopais.
E ninguém se indigna? Ninguém defende o carácter laico do Estado? Ninguém protesta? Continuamos o país dos 3 FFF, acéfalo, beato e timorato?
E queremos ser respeitados?
Junto ao Carmelo de Santa Teresa ergue-se uma escultura de bronze da mais antiga reclusa de sempre, escultura que serviu de argumento para uma campanha autárquica da freguesia da Sé Nova. Lúcia está para o PSD de Coimbra como o cónego Melo para o PS, sem honra, em Braga.
A vida desta mulher, a quem os padres formataram no catecismo terrorista, que percorreu ainda a minha infância, é a metáfora do Portugal salazarista que fez de Fátima o instrumento contra o comunismo, depois de ter nascido para execrar a República e as suas leis, sobretudo as do divórcio, do Registo Civil obrigatório e da herética separação da Igreja/Estado.
Não sei se o terço é o demífugo mais potente, mas foi o instrumento de alienação do povo, durante a ditadura. Nas noites de maio presidia ao mês de Maria, à luz de uma candeia de azeite, um ancião da aldeia de onde o homem que sou trouxe a criança que fui. Era ele que dirigia o terço, iniciava os mistérios, padres-nossos e ave-marias, que a Irmã Lúcia mandava rezar pela conversão da Rússia, sem esquecer os «nossos governantes» para quem suplicava iluminação e longa vida, atendendo o Céu apenas a parte final do pedido.
Hoje, a Irmã Lúcia, que, em vida, encarceraram no convento, veio em bronze ver a rua que lhe era vedada, exceto para votar em quem mandasse aquele que, segundo ela, foi o enviado da Divina Providência, remessa que muitos portugueses não perdoam ao deus da Irmã Lúcia.
Lúcia foi íntima da Sr.ª de Fátima, que lhe deu a conhecer profecias e conceitos de geopolítica, só a ela, enquanto a Jacinta só a ouvia e o Francisco não via nem ouvia, o que não os impediu de se terem adiantado no caminho da santidade com a ‘joit venture’ com que curaram Emília de Jesus, de uma paralisia intermitente, pouco antes de morrer completamente curada.
A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, Irmã Lúcia para os mais íntimos, volta a sentir o vento que na Cova da Iria a fustigava, enquanto orava e guardava cabras. Não será o vento livre, que vergava as azinheiras, onde a virgem saltitava, e arejava o chão do anjódromo onde o anjo poisou, travado pelas paredes grossas do Carmelo. Mas será de novo, na sua face de bronze, enquanto goza a eterna defunção e obra milagres para a santidade, um regresso ao ar livre, de onde tão cedo a retiraram, para a oferecerem à clausura.
A pena de morte é um anacronismo que persiste em sociedades ditas civilizadas, nódoa que a direita europeia de vocação fascizante se prepara para reintroduzir, à semelhança do que sucedeu em 1976 nos EUA, onde é aplicada em 34 dos 50 estados.
A aplicação, sem efeitos dissuasores, tem sido responsável pela execução de inocentes, por erros judiciais. Deveria bastar a irreversibilidade para fazer tremer a mão aos juízes humanistas, mas não faltam carrascos à crueldade, quando legalizada.
A Igreja católica, pressionada pela civilização europeia, condenou a pena de morte, mas com restrições, na última edição do seu catecismo.
O Papa Francisco limpou finalmente a nódoa do catecismo romano quando o facínora das Filipinas, PR católico, defende execuções sumárias para traficantes e drogados, e, como outros déspotas católicos europeus, se prepara para reintroduzir a pena de morte.
A decisão deste papa, rompe com dois milénios de tradição, credita-o como humanista e honra-o perante o mundo civilizado. Esperemos que, com este exemplo, as religiões não continuem ao serviço da tradição e dos interditos e se tornem aliadas da modernidade.
Foi de forma simples que revolucionou o Evangelho, um repositório da moral da Idade do Bronze: “A pena de morte é inadmissível porque é um ataque à inviolabilidade e dignidade da pessoa e ela [Igreja católica] trabalha com determinação para que seja abolida no mundo todo”.
Não posso deixar de me solidarizar como papa católico que acaba de dignificar a Igreja e assumir o compromisso de se associar ao movimento abolicionista. Assim procedam os dignitários de outras religiões e das várias teocracias.
Recordando e alterando Neil Armstrong, ao pisar na lua: “Esse é um pequeno passo para a civilização, mas um enorme salto para o Vaticano”.
O Papa Francisco anunciou que vai alterar o Catecismo da Igreja Católica, de forma a que este deixe de permitir a pena de morte.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.