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3 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Milagres encomendados no México

«A Conferência Episcopal Mexicana está a trabalhar afincadamente na recolha de todas as informações e eventuais milagres que possam ajudar ao rápido avanço da causa de beatificação e canonização de João Paulo II, inaugurada oficialmente no passado dia 28 de Junho. O Papa polaco visitou este país por seis vezes e tinha com os mexicanos uma relação de profunda empatia» – informa a Agência Ecclesia.

Algumas observações:

1 – É um desperdício arranjar mais milagres para canonizar o cadáver. Vão sobrar milagres para a beatificação e canonização, há muito decididas;

2 – A alegada empatia de JP2 pelos mexicanos é a forma de ser de um vendedor perante um bom cliente;

3 – As seis viagens devem-se ao facto de JP2 gostar de viajar e ver no México um bom mercado para a religião de que foi durante muitos anos Director de Marketing e Director Geral;

4 – Os bispos mexicanos aproveitam a oportunidade para mobilizar os crentes e continuarem a exercer a influência política, económica e social de que gozam no México.

5 – As Igrejas, em geral, e a católica, em particular, comportam-se como as outras empresas na luta pela quota de mercado e pelo aumento das vendas.

1 de Julho, 2005 jvasco

Jesus era socialista

«Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e mesmo quem tem mantimentos faça o mesmo» Lc 3:11

Já é recorrente e cansativa a acusação que alguns comentadores fazem de que o DA «é de esquerda». Não importa que se escreva que o ateísmo e o DA não têm côr política, que temos autores de diferentes ideologias, que nos encontramos da defesa do laicismo mas não na defesa deste ou daquele ideal – tudo isso é indiferente. Porque há pessoas que acham mais fácil ignorar argumentos e razões dos ateus se os etiquetarem como defendendo determinadas ideias/partidos/interesses, sem precisarem de expôr suas probres cabecinhas a novas ideias e relações. Não importa que seja errado: é fácil.

Eu acho a acusação particularmente irónica, precisamente porque vejo na figura e nas ideias de Jesus a maior defesa do ideal socialista! A doutrina que a Bíblia defende para a organização económica da sociedade é o socialismo! Sim: o Novo Testamento defende o ideal socialista da mesma forma que o «manifesto comunista».

Pessoalmente, eu rejeito o socialismo – acho uma forma pouco adequada e eficiente de distribuir os recursos pela sociedade (não vou explicar porquê, visto não estarmos num blogue de política) – mas eu posso fazê-lo à vontade, porque sou ateu. Se eu fosse cristão (e já fui), não poderia rejeitar o socialismo: por muito ineficiente que o sistema me parecessse, eu não iria pôr em questão a «vontade de Deus».

Assim sendo, cada vez que escrevo mostrando que Deus é produto da nossa imaginação e que Jesus (aquele que afirmou que que «é mais fácil passar um camelo na ponta de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus» ou que «ai de vós ricos que destes a vida em vosso consolo pois vos digo que haveis de chorar» e outras que tais…) não é filho de Deus nem tem nada de divino, estou na verdade a defender a hipótese de que o socialismo não é necessariamente (como creio não ser) a solução para a sociedade.

E não me venham com a conversa de que a Igreja é inimiga dos comunistas, que sempre esteve contra os marxistas, e argumentos do tipo, como se isso fizesse apagar a enorme quantidade de passagens bíblicas que exortam ao socialismo. A Igreja já vendeu indulgências, já encorajou cruzadas, já instituiu a inquisição, já condenou a tradução da Bíblia – a Igreja por diversas vezes ao longo da história colocou os seus interesses geo-políticos à frente daquilo que notoriamente seria a mensagem de Cristo. Quem defende que Cristo nunca aprovaria as cruzadas, não pode defender que a doutrina económica que a Igreja defende ou deixa de defender é mais válida do que aquela que notoriamente é defendida no novo testamento.

30 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Os sofredores

A fundação Ajuda à Igreja que Sofre apresentou em Roma o relatório de 2005 sobre a liberdade religiosa no mundo, no qual revela que esse direito está ameaçado por todo a parte. Segundo a Agência Ecclesia, o documento relata episódios de intolerância «étnico-religiosa», relações tensas entre governos e Igrejas e «tendências laicistas».

Na China, a situação é considerada como «extremamente grave», sendo considerada «grave» na Nigéria, Uganda, Colômbia e Cuba. Por seu turno, a Turquia é acusada de não respeitar as minorias religiosas e em Espanha aponta-se o dedo à «degradação» das relações entre a Igreja Católica e o Estado, após a vitória do PSOE.

A França é censurada por «abordagens laicistas por parte da República nas suas relações com grupos e manifestações religiosos» e a Suécia é denunciada pelo caso do pastor protestante Aake Green, preso durante 30 dias por se ter manifestado contrário às uniões homossexuais.

Para além disso, o relatório entende que, 15 anos depois da queda da União Soviética, o ateísmo não deixou de crescer, apresentando como caso emblemático a Bielorússia, «onde o controlo estrito do Estado sobre qualquer expressão de culto tende a sufocar o sentimento religioso da população».

É inegável que há países que ainda têm muitos (demasiados) problemas em admitir a liberdade religiosa dos seus cidadãos e que, assim, violam de forma cabal um dos direitos essenciais do indivíduo: adorar o deus que entender ou não adorar nenhum. Agora, acusar países – a França e a Espanha -, que defendem a laicidade e que não se submetem à vontade da Igreja Católica, de perseguirem a liberdade religiosa é completamente infundado. Incluir o crescimento do ateísmo num relatório deste género é uma demonstração de intolerância e de incompreensão inadmissíveis.

Enquanto as Igrejas continuarem a impôr as suas concepções como sendo a Verdade absoluta e continuarem a influenciar as políticas do Estado, existirão sempre tensões entre aqueles que entendem que a religião pertence ao foro privado e não deve sobrepor-se às necessidades colectivas e aqueles que vêem a fé como instrumento de controlo.

30 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Saudades do Barnabé

COMUNICADO

«A partir de Domingo próximo, o Barnabé fecha as portas. Tomou-se esta decisão numa almoçarada, como sabem as pessoas que estavam sentadas num raio de cinquenta metros à nossa volta, e demo-nos estes três ou quatro dias para escrever os últimos posts. (…)»

Diariamente nascem e morrem blogues. Alguns são como estrelas cadentes de que poucos se apercebem. Mas o Barnabé é diferente. É uma estrela de primeira grandeza que brilha no firmamento da blogosfera.

Gostaria que os inspirados autores reconsiderassem, mas quando a decisão se ouve «num raio de cinquenta metros», torna-se irreversível.

O mesmo grupo nunca mais se reunirá, mas espero que nenhum se afaste deste espaço de liberdade que é a blogosfera. Com outros que venham, partam para uma nova aventura cujo sucesso se renove.

Saudações amigas. É grande a mágoa e forte perda.

30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Serão os filhos propriedade dos pais?

A Nota sobre a Educação da Sexualidade da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), já referida pela Mariana e pelo Carlos, e o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), suscitam a questão do papel que os pais e o Estado podem ou devem ter na educação das crianças e adolescentes.

O CNECV, no seu parecer, afirma ser aceitável que um adulto recuse transfusões de sangue, mas rejeita que uma criança o possa recusar, mesmo quando os seus pais assim o queiram. Este órgão consultivo estatal afirma assim o princípio de que o Estado deve proteger os filhos das consequências das convicções religiosas dos pais (no caso, das crenças das Testemunhas de Jeová). Simultaneamente, aproxima-se de aceitar a eutanásia passiva de adultos, o que é, no mínimo, curioso.

A Nota da CEP (o órgão dirigente da ICAR portuguesa) defende «para a família, o direito de cooperar no planeamento da educação da sexualidade na escola (…) incluindo a selecção e a formação dos professores» e que «compete à família decidir as orientações educativas básicas que deseja para os seus filhos». A CEP assume portanto a defesa da interferência dos pais católicos na escola estatal, o que cria um problema: é que se os pais podem, efectivamente, educar os filhos nas convicções religiosas que entenderem, a escola pública tem o dever de instruí-los sobre os factos básicos da sexualidade e sobre os princípios éticos mínimos: respeito por si próprio, pela autonomia do outro e higiene. A CEP defende explicitamente que o Estado deverá ir mais longe: «a educação da sexualidade não se resume a mera informação sobre os mecanismos corporais e reprodutores (…) desta forma, deturpa-se o sentido da sexualidade, isolando-a da dimensão do amor e dos valores, e abre-se caminho (…) à aceitação, por igual, de múltiplas manifestações da sexualidade, desde o auto-erotismo, à homossexualidade e às relações corporais sem dimensão espiritual».

As famílias nunca são laicas, e os pais encontram nas religiões justificações para afirmarem o seu poder sobre os filhos. Os pais católicos desejam que a escola desaconselhe aos filhos comportamentos inofensivos, os Testemunhas de Jeová que os filhos não recebam transfusões de sangue, os pais judeus retalham o prepúcio dos filhos do sexo masculino, os muçulmanos também, e estes últimos, em algumas variantes culturais, velam as filhas ou mutilam-lhes o clítoris. Por tudo isto, os filhos não podem ser tratados como propriedade exclusiva dos pais, e a sua educação escolar deve ser programada e decidida pelo Estado de forma a colmatar as falhas das próprias famílias. É o Estado laico que pode emancipar as crianças da violência, do obscurantismo e dos variados condicionamentos das famílias.

Ouvi uma vez Emídio Guerreiro recordar que, nos seus primeiros anos de escola, os alunos comentavam entre si que a República proibira os castigos corporais nas salas de aula. Ninguém duvida que, nas famílias, a violência física continua. Mas os excessos que as famílias cometem sobre os menores, muitas vezes em nome de convicções religiosas, podem e devem ser limitados pelo Estado. Emídio Guerreiro, que nunca transigiu na luta pela liberdade individual, testemunhava-o.
30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Dez Mandamentos: sim e não

O Tribunal Supremo dos EUA decidiu, na segunda-feira, mandar retirar os «Dez Mandamentos» das salas de tribunal de dois condados do Kentucky. A decisão foi tomada por uma maioria de cinco juízes contra quatro e será um precedente importante para acções semelhantes noutros Estados. Na mesma data, o mesmo Tribunal Supremo decidiu manter um monumento aos mesmos «Dez Mandamentos» no exterior do Capitólio do Texas, também por uma maioria de cinco juízes contra quatro.
As diferenças entre as duas decisões resultam de as situações serem distintas. No Kentucky, trata-se do interior de salas de tribunal; no Texas, do exterior de um edifício governamental, onde se encontram dezasseis outros monumentos. A segunda situação será, sem dúvida, menos impositiva. O Tribunal afirma que, no primeiro caso, por haver exibição de propaganda religiosa, violava-se a primeira emenda da Constituição dos EUA, que estabelece a neutralidade religiosa estatal e obriga o governo a não promover religião alguma. No segundo caso, o Tribunal confessa algumas dificuldades e alega que o monumento aparece misturado com outros, que a sua presença não foi questionada durante quarenta anos e que o monumento é «passivo».
As organizações laicistas estado-unidenses, genericamente, consideram estas duas decisões uma vitória parcial. A Americans United for Church and State Separation defende que se reafirmou que o governo não pode privilegiar uma crença em detrimento das outras, e anuncia que prosseguirá na sua campanha pela retirada de símbolos religiosos em outros Estados (Maryland, Pensilvânia, Washington). O Council for Secular Humanism «aplaudiu» a primeira decisão e manifestou-se «desapontado» com a segunda (comunicado recebido por correio electrónico). A American Atheists considera os veredictos «uma derrota» e que o governo está a «elevar a religião acima da Constituição».
29 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e a educação sexual

«Experiência a Madre das Cousas»

Segundo o «Diário de Notícias» a Igreja Católica está insatisfeita com a educação sexual que se pratica nas escolas portuguesas. Sei que a obsessão da ICAR pelo sexo a faz acompanhar com pio desvelo o que, neste campo, se tem ou não tem passado.

Não duvido, aliás, da importância do problema que vivi como pai, professor e cidadão. Só duvido de que a ICAR seja recomendável para abordar o problema.

Quem não apresenta soluções para além da castidade, do ódio ao preservativo e do horror à contracepção, além das piedosas mentiras de que o preservativo provoca a SIDA ou a masturbação conduz à cegueira, não merece confiança.

Mas numa sociedade livre tem todo o direito de manifestar-se, direito que não existe em sociedades de forte domínio clerical. São, aliás, desejáveis os contributos da ICAR para a educação sexual e a referência às suas próprias experiências individuais e colectivas.

Com direito igual ao da ICAR também nós, cidadãos e ateus, não estamos satisfeitos com a educação sexual praticada nos seminários católicos e nos conventos da ICAR.

Quem aconselha uma noviça a lidar com a menstruação, a fazer a palpação da mama, a lidar com o desejo sexual ou sobre a contracepção? Quem acompanha uma madre superiora no período difícil da menopausa? Quem ajuda uma carmelita descalça a ver-se livre das visões de um santo nu? Quem esclarece que as velas se destinam a alumiar os santos e a virgem Santíssima?

Que cursos frequentaram os membros da Conferência Episcopal Portuguesa para se julgarem autoridades em matéria sexual? Não basta o onanismo da adolescência ou experiências furtivas em camaratas onde eram obrigados a dormir com as mãos fora da roupa, vigiados por um preceptor ou acariciados por ele. Muito menos a repressão sexual de uma vida ou o doutoramento em castidade e oração se tornam cartas de recomendação.

A Igreja Católica durante séculos procedeu à castração de miúdos pobres, para lhes conservar a voz. E não só. A vocação para a educação sexual vem de longe.

Dos bispos portugueses só o arcebispo resignatário de Braga, Eurico Dias Nogueira, tem experiência assumida em matéria sexual, pois – segundo as suas próprias palavras -, aprendeu mais em meia hora a ver «O Império dos Sentidos» do que no resto da sua vida.

29 de Junho, 2005 Palmira Silva

Emídio Guerreiro (1899-2005)


Morreu o humanista insubmisso e generoso, o sonhador da liberdade. O Diário Ateísta recorda e homenageia o homem que olhava serenamente para a morte: «O problema da morte nunca me preocupou muito, nem do ponto de vista espiritual nem filosófico. Por uma razão: eu encaro a morte como uma necessidade biológica, tão necessária como o respirar». Que apenas temia a perda de dignidade: «Temo que o sofrimento atinja a minha dignidade. Não a morte. Penso que ter uma morte digna é um direito que todo o homem tem e deve ser respeitado.»

Porque, como afirmou na entrevista que concedeu ao Expresso, por ocasião do centenário do seu nascimento, a dignidade humana foi o ideal por que lutou toda a sua vida. «Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras».

Também como tributo a este cidadão exemplar, o Diário Ateísta continuará a sua modesta contribuição para que se concretize o vaticínio de Emídio Guerreiro:
«O terceiro milénio será, na minha opinião, o milénio da desalienação humana. O homem criou mitos, depois confiou atributos a esses mitos, depois sujeitou-se a eles. Agora vai-se libertar deles.»

29 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Compêndio

O papa Bento XVI apresentou ontem uma versão reduzida do catecismo da Igreja Católica, preparada pelo seu alter-ego Joseph Ratzinger. Em 598 perguntas e respostas, o livro sintetiza o ensino sobre a fé cristã, a moral individual e o pensamento social.

O capítulo que parece ter mais interesse, por ter mais relação com o dia-a-dia dos crentes, é o dedicado aos Dez Mandamentos (celebrizados pelo realizador Cecil B. DeMille) onde são abordadas as questões da moral cristã. O mundialmente conhecido «Não matarás» traduz-se na proibição de matar, estendendo-se a temas como o aborto, a eutanásia, o suicídio, mas também a necessidade de criar condições de paz no mundo.

O compêndio considera como comportamento imoral «toda a iniciativa como a esterilização ou contracepção, que impedem a procriação», e recorda que os católicos divorciados e que se voltaram a casar não podem receber a comunhão. Entre outras, são consideradas “imorais porque se dissociam do acto de procriação [o] adultério, masturbação, pornografia, prostituição, actos homossexuais».

Para além disso, caso alguma lei de um Estado soberano viole estes preceitos morais, o livro entende como legítimo o recurso à desobediência civil.

Mais uma vez temos o reiterar de posições cripto-conservadoras de uma Igreja Católica que pretende ser moderna e tolerante, mas que, no entanto, continua a perseguir ou a excluir as mesmas pessoas.