7 de Julho, 2005 Carlos Esperança
E o resultado viu-se…
Herman José, humorista. (EM FOCO, «Visão» 07-07-2005, pg. 32).
Já muitos sacerdotes e crentes de diversas religiões e superstições previram o fim do mundo, mas esta astróloga bate a sua maioria em originalidade.
Quando oiço falar da tolerância cristã vêm-me à memória dois milénios de violência que culminam na influência maléfica que a hierarquia católica exerce nos países sul-americanos e em vários países europeus, da Polónia à Espanha.
Se é verdade que judeus ortodoxos e muçulmanos, particularmente estes, não temem confronto com as malfeitorias dos cristãos, não podemos absolver a violência que brota dos livros ditos sagrados e do proselitismo dos crentes fanatizados.
Os cátaros e o huguenotes provaram cruelmente as manifestações de tolerância cristã, tal como os judeus e os muçulmanos. As Cruzadas e a Inquisição não foram epifenómenos de uma época mas inserem-se na matriz genética de uma doutrina que tem por ambição dominar o mundo.
A Reforma e a Contra-Reforma são o exemplo trágico da ferocidade que os cristãos são capazes de desenvolver. E que dizer dos cristãos que santamente acorriam aos locais de suplício para se deliciarem com as torturas e o churrasco de pessoas vivas?
Calvino foi tolerante? Os Evangélicos e os Adventistas são tolerantes? JP2 e B16 são exemplos de tolerância ou de bondade?
O Opus Dei não alberga o mais leve resquício de tolerância no coração dos seus membros. Monsenhor Escrivá, o tenebroso sacerdote que voou a jacto para a santidade, montado no dorso de JP2, foi director espiritual do casal Franco e do general Pinochet, dois terríveis ditadores que governaram respectivamente a Espanha e o Chile.
De Pinochet e esposa dizia JP2 que eram um casal cristão perfeito. Era esta a opinião do futuro santo sobre o torcionário, ladrão e fascista. É de exemplos de santidade assim que o cristianismo está cheio.
Que existem cristãos tolerantes não há dúvida. Que o cristianismo seja tolerante é falso.
Como indicou o João Vasco, uma das pedras basilares em que foi fundado o estado americano, a completa separação estado-religião, está sob ataque nos Estados Unidos.
Num país cuja Constituição centenária não menciona Deus uma única vez, a «guerra» teocrática instalou-se com a nomeação de um juíz para o Supremo Tribunal em substituição de Sandra Day O’Connor que resignou na sexta-feira. Os teoconservadores pretendem ser o nomeado alguém como Antonin Scalia ou Clarence Thomas, que revogue a decisão Roe v. Wade (que permite a interrupção voluntária da gravidez), que garanta a discriminação de homossexuais, que ponha termo ao acesso a anticonceptivos, enfim que instale uma teocracia nos Estados Undidos. E os teocratas, que ajudaram a eleger Bush, acham que merecem pagamento por toda a indispensável ajuda, na forma da nomeação de alguém da sua linha para o Supremo Tribunal!
E tudo indica que G. W. Bush se prepara para nomear para o Supremo Tribunal Alberto R. Gonzales, um dos responsáveis pelo Patriot Act e pela cadeia de acontecimentos que culminaram em Abu Ghraib, sendo um dos autores dos memos «da tortura», dos quais foi amplamente divulgado aquele em que aconselha G.W. Bush a ignorar a convenção de Genebra no tratamento dos prisioneiros talibans.
A ligação de Gonzales ao presidente americano, de quem foi conselheiro até Fevereiro de 2005, data em que foi designado Attorney General, remonta à década de 90 quando Bush era governador do Texas e Gonzales seu secretário de estado e conselheiro. Gonzales, que revia todos os pedidos de clemência dos (muitos) prisioneiros condenados à morte no estado do Texas, de acordo com um artigo de 2003 publicado no The Athlantic Monthly, trabalhava activamente para negar essa clemência.
Um artigo de hoje no The New York Times (registo necessário) dá conta da dissensão nas hostes republicanas sobre esta provável nomeação polémica. Em que o cerne das objecções não tem nada a ver com a linha dura da actuação de Gonzales, quer quando conselheiro do governador do Texas quer no pós 11 de Setembro. Pelo contrário, os teoconservadores acusam Gonzales de ter uma posição muito «branda» nos assuntos em que estão especialmente interessados!
Assim, a Casa Branca e os líderes republicanos no Senado pedem contenção aos seus aliados conservadores no que se refere à possibilidade de Gonzales ser o nomeado. Nomeadamente que baixem o tom nas acusações de guerra «cultural», em que este cultural se refere a assuntos como o aborto, fim da separação estado-religião e casamento homossexual. Guerra «cultural» em que os teocratas consideram Gonzales do outro lado da barricada.
Gary Bauer, presidente da associação American Values e um conservador cristão, declarou que «Muitas pessoas sentem que a administração não devia ser relutante em falar dos valores que esperamos que o nomeado abrace» enquanto representantes de vários grupos conservadores cristãos afirmaram que vão pressionar o presidente para não nomear Gonzales, muito pouco conservador para os respectivos gostos! Ontem a associação Focus on the Family enviou uma mensagem electrónica aos seus apoiantes com o título «Bush defende Gonzales. Alguns conservadores questionam se ele é apropriado para o Supremo Tribunal».
Face às alternativas mais do agrado dos teoconservadores e considerando que as nomeações para o Supremo são vitalícias estou plenamente de acordo com o director executivo da Americans United for Separation of Church and State, o reverendo Barry W. Lynn! Quando este afirma que «Devemos insistir para que o Presidente Bush a substitua por alguém que respeite a liberdade individual. O’Connor era uma conservadora mas via a complexidade das questões igreja-estado e tentava escolher um curso de acção que respeitava a diversidade religiosa do país. A sua resignação potencialmente abre a porta à maior mudança na linha do Supremo Tribunal da história moderna».
O jornal do Vaticano L’Osservatore Romano, na sua edição de domingo, qualificou a legalização dos casamentos homossexuais em Espanha como «uma derrota da humanidade».
O jornal esclarece que a oposição da Igreja Católica a esta iniciativa não é uma «guerra de religião», uma vez que a família não é algo imposto pela Igreja, «mas um património das grandes culturas». Claro que se os conceitos de família forem diferentes, aquele que não é conforme com a concepção da ICAR, é obra de uns quantos senhores que pretendem acabar com a sociedade como a conhecemos.
«Causa incredulidade e amargura o tom triunfalista com os que alguns políticos e intelectuais “progressistas” comentaram a lei que legaliza as uniões homossexuais, equiparando-as ao matrimónio heterossexual», diz o artigo.
«Não só os crentes, mas qualquer pessoa com senso comum, livre do preconceito, não pode deixar de reconhecer neste acto uma derrota da humanidade», diz o L’Osservatore Romano. Suponho que este preconceito seja aquele que permite a determinadas pessoas ver os homossexuais como pessoas iguais às outras em direitos e obrigações.
«É singular que um Estado que se proclame “laico” e “liberal” pretenda impor o próprio sistema ideológico sobre uma realidade tão complexa», diz o jornal do Vaticano. «É enganador apelar à “tolerância” ou à “não discriminação” para renegar e tocar a elementar verdade sobre as relações humanas. Não há que abdicar nunca da verdade. Se as palavras têm sentido, há que continuar a as coisas por seu nome». Primeiro de tudo, é por o Estado ser laico e liberal que a natureza contratual do casamento foi afirmada e se desprendeu de concepções morais que nada servem a um Direito democrático.
Segundo, é indiscutível que a realidade seja complexa e este é o motivo pelo qual o Direito não é estático e tem de se adaptar às exigências da sociedade e tutelar situações juridicamente relevantes, como o são os contratos de casamento entre duas pessoas.
Terceiro, o artigo fala em verdade. Ora, por muito que seja essa a vontade da ICAR, não existe uma Verdade que se sobreponha às outras. O que existe são diferentes concepções do mundo que, aos olhos de uns, são mais válidas do que outras. Nada mais.
Concluir que a legalização dos casamentos homossexuais representa «uma derrota da humanidade» é de uma brutalidade atroz sem fundamento e que só revela o que já sabemos: que a ICAR é incapaz de ver uma sociedade plural, com diferentes valores e concepções de vida.
Depois de o uso de calças de corte baixo, que deixam à vista ofensivos e estratégicos detalhes da anatomia humana, ter sido «criminalizado» nos estados da Virgínia e Louisiana chegou a vez da Flórida! Por enquanto restrita a Jacksonville onde uma igreja local pretende uma lei semelhante a ser aplicada na cidade! Proibindo, para além das ofensivas calças, a exibição de… dentes de ouro!
Quiçá importarão a lei 1626 da Louisiana cuja proposta reza:
A. It shall be unlawful for any person to appear in public wearing his pants below his waist and thereby exposing his skin or intimate clothing. (Será ilegal que qualquer pessoa apareça em público usando calças abaixo da cintura e assim expondo a sua pele ou roupas íntimas)
B. Whoever violates the provisions of this Section shall be fined not more than five hundred dollars or imprisoned for not more than six months, or both. (Quem violar as provisões desta secção será multado em não mais de 500 dólares ou preso por um período não superior a seis meses, ou ambos).
Em 4 de Julho celebra-se o dia da independência dos EUA.
Da sua declaração de independência, nasceu uma nova nação, uma das primeiras, no mundo, em que a liberdade religiosa estava consagrada na constituição, em que havia uma separação significativa entre o estado e o clero.
Os autores desta declaração, os pais fundadores dos EUA, tiveram uma postura ousada e admirável a respeito da questão religiosa.
Independentemente do facto do governo americano estar a enterrar, a passos largos, a herança de liberdade religiosa conquistada, eu não deixo de felicitar este dia 4 de Julho.
A França assinla hoje o primeiro centenário da lei da separação da Igreja e do Estado, votada há cem anos pela Câmara dos deputados, e cujas comemorações terão lugar no último trimestre deste ano.
A lei mantém-se e está na base da liberdade religiosa que a França assegura a todos os cidadãos quer professem ou não uma religião.
Quando da aprovação da referida lei as relações entre o Vaticano e a França foram cortadas e houve uma forte contestação pelos sectores mais retrógrados da Igreja católica e uma permanente conspiração do Vaticano contra a laicidade de que a França foi pioneira.
Hoje são os próprios bispos franceses a reconhecerem que a lei se deve manter e, apenas, procuram habilmente obter alguns privilégios para a Igreja católica de que, no fundo, são incapazes de abdicar.
A França foi neste capítulo verdadeiramente inovadora e criou as bases para um sistema democrático que só é possível com a separação entre a Igreja e o Estado.
Hoje é o paradigma das democracias e a vacina para evitar as guerras religiosas que ao longo dos séculos dilaceraram a Europa.
Perante os tristes exemplos no Islão político, a mais patética manifestação de fascismo religioso com total ausência de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sujeitos ao poder discricionário dos clérigos e à vontade de um livro anacrónico – o Corão -, há boas razões para estarmos gratos aos deputados franceses de 1905.
Viva a França.
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