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22 de Agosto, 2005 Palmira Silva

O Deus que nunca existiu

Amanhã será possível adquirir em DVD o fantástico documentário «The God Who Wasn’t There», de Brian Flemming, em que o ex-cristão renascido explica, baseado em dados históricos, que Jesus nunca existiu e é apenas uma figura mitológica. O realizador permite ainda que quem adquira o DVD o divulgue livremente, retendo eventuais lucros que o visionamento gere.

Com David Byrne na banda sonora e a colaboração de Richard Dawkins, do historiador Richard Carrier, de Robert M. Price e Sam Harris é certamente um documentário a não perder!

Como explicou Flemming quando inquirido porque razão devotou o filme a refutar a existência de Jesus e não a sua «divindade», «a ideia de que um indíviduo pode ser o filho de um deus é de si tão ridícula que não precisa ser desmascarada». Mas é necessário explicar que o suposto fundador da seita cristã é apenas uma figura mitológica, cuja existência só aparece nas Escrituras e nas piedosas interpolações cristãs de textos de, por exemplo, Tácito e Josephus!

Claro que, como tão sabiamente afirmou Pio XII em 1955, no Congresso de História em Roma: «Para os cristãos, o problema da existência de Jesus Cristo concerne à fé e não à História».

22 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Guerras justas

«justa bella ulciscuntur injurias» (Guerras justas vingam injúrias) Agostinho de Hipona

Muito se tem escrito nos últimos tempos sobre «guerras justas». Poucos saberão, porém, que a doutrina do bellum justum, da guerra justa, se fundamenta nas lucubrações sobre o assunto dos dois teólogos mais celebrados pelo anterior e actual Papas, os sempre inescapáveis Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino. O termo, que desenvolve um conceito introduzido por Cícero, foi cunhado por Agostinho que qualifica como «guerra justa» aquela que obedece a um desígnio divino assim como justa é também a guerra que vinga injúrias ou pretende a restituição do que fora indevidamente tomado, embora recomendando que, mesmo justas, o homem sábio as encare com contrição e dor!

Assim, Agostinho admite que as guerras poderiam ser empreendidas pela vontade de Deus, para combater o «pecado», além de constituirem um privilégio dos governantes, como escreve no seu Contra Faustum (XXII, 75): «A ordem natural, que quer a paz entre os homens, exige que o poder de fazer a guerra seja reservado à autoridade pública». Tudo, claro, não deixando também de afirmar a prioridade ontológica da paz sobre a guerra, já que até Agostinho a doutrina cristã era eminentemente pacifista. Aliás um dos pontos de dissenção de Roma, com uma tradição de tolerância em relação a todas as religiões, residia exactamente na recusa dos primeiros cristãos em pegar em armas. Mas no tempo de Agostinho já o Império Romano era cristão e o seu Imperador um «legítimo» representante de Deus na terra que precisava urgentemente de mão de obra para os seus exércitos. Agostinho torneou a doutrina cristã existente para justificar as «guerras justas» que o seu Imperador católico precisava travar. A sua teologia bélica é apresentada essencialmente em «A Cidade de Deus» e no «Contra Faustum manichaeum».

O conceito da «guerra justa» foi refinado uns séculos depois por Tomás de Aquino, que refuta os argumentos contra as guerras, justas, claro, na sua Summa Theologica. Na Suma (II-II, 40, 1) indicam-se e explicam-se as três situações que legitimariam uma guerra: a autoridade do «príncipe», a justa causa e a intenção recta dos beligerantes.

Assim, a interpretação hoje em dia denominada de escotista ou franciscana, o estrito cumprimento do mandamento «não matarás», desde muito cedo que desapareceu do cristianismo. A corrente tomista sobre o tema, na qual se incluiu Agostinho, que dominou e domina a teologia da ICAR, especialmente desde o concílio de Trento, nos seus pressupostos metodológicos, afirma que Deus somente proibia a morte «injusta» de alguém, interpretando o mandamento como: «não matarás os inocentes». Assim é lícita a pena de morte, pois o direito à vida não é absoluto e existem muitas excepções. Como reiterado pelo finado Papa na Evangelium Vitae onde se pode ler, no meio de uma imensidão de platitudes e condenação do aborto, eutanásia e contracepção, que «a vida é sempre um bem» que «não se reduz à mera existência no tempo» já que «o homem que vive é glória de Deus», porém «a vida do homem consiste na visão de Deus» e assim «a vida na sua condição terrena não é um valor absoluto». O ponto 57 da maçadora encíclica resume a posição da ICAR sobre a inviolabilidade da vida humana: apenas condena «a eliminação directa de um ser humano inocente». Ou seja, o grande defensor de espermatozóides e óvulos dá o seu aval à eliminação directa de «culpados» e a «mortes colaterais», certamente das «guerras justas» aprovadas com o catecismo de 1997.

22 de Agosto, 2005 Ricardo Alves

A fé é um pretexto para o sexo fortuito

Nesta época do ano, os jovens dos países afluentes do hemisfério norte procuram as praias ou os festivais de música popular, com o objectivo explícito de se divertirem e o desejo implícito de terem relações sexuais.

Os jovens católicos fazem como os outros. Em verdade vos digo: são feitos da mesma massa e no sangue correm-lhes as mesmas hormonas. Só diferem nas inibições e no pretexto, que no caso deles foi a excursão a Colónia, onde se deslocaram em rebanho, alegadamente para assistirem ao festival da fé protagonizado pelo seu ídolo, B16, mas secretamente procurando o mesmo do que os outros jovens da sua idade: sexo fortuito com jovens do sexo oposto ou, mais raramente, com jovens do mesmo sexo.

Considerados os riscos sanitários que os jovens correm com desconhecidas ou desconhecidos, e a possibilidade, para as raparigas heterossexuais, de engravidarem de um católico mais ortodoxo e portanto irresponsável, é obviamente de enaltecer a iniciativa da organização Catholics for a Free Choice de distribuir preservativos aos jovens católicos presentes em Colónia.

Lamentável é a controvérsia que esta campanha, oportuna e adequada, tem provocado (como descobri através do blogue Renas e Veados). Ao contrário do que desejaria esse superlativo do totalitarismo católico que é B16, os jovens católicos cidadãos de Estados minimamente laicos podem efectivamente seguir apenas as partes da doutrina que lhes interessam. (Todavia, se o fazem, não serão católicos coerentes. Seria portanto conveniente que, na ressaca do festival de Colónia, a juventude católica tirasse as devidas consequências das suas aventuras alemãs…)
22 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Ratzinger versus Bento XVI

Bento XVI lançou um apelo aos jovens ontem um Colónia para que estes voltem às bases do cristianismo, rejeitem o secularismo e aquilo a que chamou «religião faça você mesmo». Pretendendo com esta observação que os católicos não podem escolher quais das «santas e infalíveis» emanações da Santa Sé devem seguir e quais devem rejeitar. Condenou ainda os movimentos inspirados nas religiões orientais e os nascidos das igrejas católica e protestante.

Na realidade Bento XVI denota simplesmente que é de facto (e sempre será) Joseph Ratzinger e que não há qualquer inspiração do Espírito Santo ou quejandos a ditar as suas acções e palavras, incluindo as infalíveis ex-cathedra, como muitos devotos católicos críticos de Ratzinger tentaram suavizar o choque da sua eleição. Bento XVI é Ratzinger com toda a carga que tal acarreta.

O autor de Dominus Iesus (aprovada de forma especial por João Paulo II), que considera que a mensagem de Cristo apenas «subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele», já anteriormente tinha criticado o fascínio que as religiões orientais exercem sobre os europeus. «Se o Budismo é atractivo é apenas porque sugere que sendo budista se pode tocar o infinito, se pode ter felicidade sem obrigações religiosas concretas. É erotismo espiritual» afirmou em 1997. Ratzinger criticou igualmente o hinduismo que, segundo ele, oferece «falsa esperança» garantindo purificação com base no conceito «moralmente cruel» de reincarnação, que parece «um ciclo contínuo de Inferno». Na altura, Ratzinger avisou que o Budismo substituíria o marxismo como o principal inimigo da Igreja Católica.

E para prevenir sincretismos perigosos para a ICAR ordenou que o frade beneditino Willigis Jäger, também um mestre Zen conhecido por Ko-un Roshi, cessasse todas as suas actividades públicas, incluindo palestras, cursos e publicações. A acção de Ratzinger contra o frade foi confirmada em 2002 pelo abade de Münsterschwarzach Abbey, em Würzburg, Nokter Wolf, ao National Catholic Reporter.

A preocupação de Ratzinger com as famigeradas religiões orientais já era evidente em 1989, nomeadamente na forma de um dos múltiplos documentos emanados da ex-Inquisição, «Alguns aspectos da meditação cristã», em que adverte para os malefícios da adaptação de formas de meditação inspiradas nessas religiões, esclarecendo numa nota de rodapé que os métodos errados de meditação para um cristão são a meditação Zen, a meditação transcendental e o yoga.

Ou seja, ontem Bento XVI demonstrou que continua igual a Ratzinger, pelo menos no que se refere às religiões orientais e à única exegese «verdadeira» da Bíblia, a de Roma, claro. Não é de esperar que o novo papa divirja do ex-inquisidor mor no que se refere à sacralidade de uma célula estaminal adulta, à legitimidade de se limitar os direitos dos homossexuais, inerentemente predispostos a «um mal moral intrínseco», a remeter as mulheres a «seguirem os papéis previstos pela sua biologia», isto é a serem glorificados úteros, predestinadas «divinamente» a serem dominadas pelos homens, à condenação do uso profiláctico do preservativo no combate à disseminação do HIV, (que considerou inadmissível mesmo recorrendo ao princípio clássico católico do «mal menor»), enfim, que divirja uma vírgula do que debitou profusamente sobre as «verdades absolutas» do catolicismo enquanto Ratzinger!

Basta recordarmos que uma das primeiras acções de Ratzinger como Bento XVI foi forçar a demissão do editor do periódico jesuíta «America», o padre Thomas Reese, com quem tinha um historial de discórdia como Ratzinger, por publicar artigos discutindo o uso profiláctico do preservativo, a ordenação de padres (publicamente) homossexuais, a posição dos católicos pró-escolha na ICAR, o secretismo nas medidas de disciplina na Igreja e outros assuntos que Ratzinger não queria discutidos.

22 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Os fanáticos que fundaram os Estados Unidos

O Times de sábado tem um artigo que recomendo vivamente, do jornalista e escritor Simon Worrall, baseado na investigação para o seu próximo livro sobre os «Pais Peregrinos», os fanáticos fundamentalistas cristãos que embarcaram no Mayflower por verem fustradas as suas tentativas de transformar a Inglaterra numa teocracia governada estritamente pela lei cristã, a interpretação literal das Escrituras.

Particularmente interessante é a história de William Brewster, o líder do grupo que foi o primeiro governador da Nova Inglaterra. Brewster, um político caído em desgraça quando o seu mentor Sir William Davison, o secretário da rainha Elisabeth que assinou a sentença de morte de Mary, rainha dos escoceses, foi preso após a decapitação de Mary.

Falido e com a sua carreira política terminada Brewster regressou à sua terra natal, Scrooby, onde «encontrou» Deus e se dedicou a criar uma «Nova Ordem» baseada nas Escrituras e, claro, com Brewster como líder! Assim estabeleceu os Separatistas, um pequeno grupo que se encontrava em segredo pelas aldeias em redor de Scrooby, e que foi o núcleo dos peregrinos que depois fundaram uma colónia do outro lado do Atlântico.

Na sua teocracia fundamentalista os bares seriam fechados, a dança e o jogo seriam banidos e vestuário sóbrio seria mandatório para homens e mulheres, especialmente para estas, que seriam obrigados a envergar o equivalente da burka, sem um milímetro de pele tentadora à mostra. E, claro, a Bíblia alicerçaria toda a sociedade civil.

O que fizeram mais tarde nas colónias, depois de perseguidos em Inglaterra e de uma passagem por Amesterdão, em que Brewster e restantes fanáticos fundamentalistas introduziram leis que tornavam ilegal viver-se sózinho, permitiam a execução de crianças que não obedeciam aos pais, enfim, um «paraíso» bíblico! Vale a pena ler todo o artigo!

21 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Santo Ofício


A santa Inquisição tinha por objectivo preservar a pureza da fé. Não podia haver mais nobre e pio objectivo.
20 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Circo romano em Colónia

Em Colónia, na Alemanha, anda à solta o pastor alemão que um bando de cardeais, com a cumplicidade do Espírito Santo e do Opus Dei, fez ditador vitalício da única teocracia europeia.

Cobre-o, até aos tornozelos, um alvo vestido, de fino tecido e delicado corte, que realça os sapatinhos vermelhos do animador do circo que levou a Colónia centenas de milhares de jovens para promoção dos interesses da Cúria Romana. Pende-lhe do pescoço a trela que termina em refulgente cruz, riquíssimo adorno do traje feminino.

A brancura do vestido, a condizer com o cabelo, destoa do modelo que o exibe.

Para este espectáculo, que não é cultural nem recomendável, foi pedido um patrocínio à presidência da Comissão Europeia. Não sei se o precedente foi aberto, para que bandas musicais, circos ambulantes e companhias de teatro venham a conseguir apoio.

B16 não tem o arrojo de JP2. Sente-se mal como charlatão de feira. Prefere organizar as pantominas no ar condicionado do Vaticano. Não verga a coluna para oscular o chão, uma espécie de felação de quem julga que Deus está em toda a parte e a Terra é a braguilha da humanidade.

Cumpre os rituais do múnus com a alegria do boi que caminha para o açougue, qual Cristo da mitologia católica a caminho do gólgota.

O barulho encomendado aos jovens há-de azucrinar-lhe os ouvidos, as lambidelas da mão hão-de causar-lhe nojo, as missas que repete há mais de meio século cansam-no e mantém aquele impenetrável rosto enquanto distribui água benta, benzeduras e hóstias consagradas, ad majorem Dei gloriem.

Vai ser uma semana infernal para o vigário de Cristo, um odioso trabalho de campo para um homem de gabinete, repetir até à náusea gestos, palavras, esgares, até ao desfazer da feira, enquanto a boa imprensa entoa hossanas ao impostor que se diz agente do divino.

20 de Agosto, 2005 pfontela

O futuro do Iraque

A imagem que começa a emergir das ruínas do Iraque começa a tornar-se mais clara a cada dia que passa. O documento legal central Iraquiano (a Constituição) vai quase de certeza ser de natureza religiosa. A teocracia está em vias de ser instaurada em tudo menos em nome.

O grande partido xiita exige como condição para a aprovação da nova constituição que se reconheça a lei islâmica como única fonte válida de legislação. As forças mais ou menos seculares e o bloco curdo opõem-se a tal medida mas, a verdade é que possivelmente não terão força suficiente para a bloquear.

Como se esta situação não fosse problemática quanto baste o líder do partido do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque exige que o centro e sul da nação sejam reconhecidos enquanto regiões autónomas (dando poder completo aos fanáticos xiitas que as controlam) – regiões essas com vastas reservas petrolíferas. Desta forma mesmo que o seu assalto ao poder central falhasse os clérigos xiitas continuariam a ter uma base de poder enorme. Como uma cereja no topo do bolo encontra-se a última (por enquanto) reivindicação dos xiitas: Al-Najaf e karbala (duas cidades consideradas como santas – e que geram um considerável fluxo económico) teriam de possuir estatutos de independência – criando assim estados teoricamente semelhantes ao Vaticano mas que na prática se encontrariam nas mãos dos clérigos.

Mesmo os mais fanáticos sabem que não vão conseguir alcançar todos os objectivos a que se propõem, mas sabem também que muitas destas exigências podem ser usadas como moeda de troca quando for altura de negociar a constituição. A julgar pelas acções que estes grandes partidos xiitas estão a ter nas regiões que controlam plenamente o resultado da sua ampliação de poderes (a nível nacional ou regional) só pode ser má noticia.

Neste clima todos os interessados e analistas indicam que seja qual for a disposição final dos detalhes entre xiitas, sunitas e curdos o estado Iraquiano vai sem dúvida possuir uma forte influência legal do islão. O sonho de um Iraque onde a liberdade (e não só a estabilidade repressiva) existe e é para todos não passa de uma memória algo distante.

19 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Secularização – condição de paz

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz da Vestfália e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controle das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos crêem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do ayatollah Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio Oriente e sectores árabes e não árabes da Europa e dos EUA.

Por sua vez o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultra-ortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os sectores sionistas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reaccionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e já contaminou o aparelho de Estado dos EUA.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II (JP2), que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

JP2 transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI é herdeiro e protector, se é que não esteve na sua génese.

A recente chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas (EUA e Reino Unido), foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado, constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias – uma forma de despotismo que urge erradicar.

A ameaça de Deus paira de novo sobre a Europa. Os saprófitas da Providência vestem as sotainas e ensaiam o regresso ao poder. Os pregadores do ódio voltaram aos púlpitos.

19 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Mo Mowlam

Morreu Mo Mowlam, uma das figuras mais carismáticas do Partido Trabalhista inglês nos anos 90. Mo Mowlan foi secretária para a Irlanda do Norte e conduziu as conversações que culminaram em 1998 na assinatura do acordo de paz de Belfast, mais conhecido como Good Friday, crucial para o processo de paz nesta tão conturbada zona do globo.

Talvez o facto de Mo Mowlam ser uma ateísta «devota», como se descrevia, tenha impedido acusações de favoritismo em relação a qualquer das facções cristãs que se degladiam há séculos na Irlanda do Norte. E o que é certo é que o processo de paz na Irlanda do Norte parece firmemente estabelecido!