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9 de Setembro, 2005 Cristiane Pacheco

Só Cristo salva (já que Bush não o fez)

Após a demora inexplicável da Casa Branca e dos governos estadual e municipal na assistência às vítimas do Katrina, que destruiu uma das regiões mais pobres dos EUA, o presidente Bush instituiu a próxima sexta-feira (16/9) como dia nacional de oração pelas vítimas do furacão.

Será que os cristãos norte-americanos acreditam que o descaso vergonhoso do governo com milhares de pessoas isoladas sem água e sem comida, a inacção e a preocupação maior com os saques do que com as vidas humanas serão desculpados com meia dúzia de pai-nossos e ave-marias? Rezará George W. Bush pelos negros mortos no Sul? Chegarão as orações aos ouvidos de Deus?

E o que pensa, afinal, um cristão a respeito de catástrofes desse tipo? Deus as envia para punir os infiéis e pecadores, como diz a Bíblia? Mas se assim é, que Deus é esse que leva a reboque de sua vingança centenas de vidas de pequenos inocentes ainda sem máculas. Ou Deus não interfere em questões mundanas e os furacões são fenómenos naturais regidos por leis naturais ou pelo acaso? Se assim for, Deus é de fato omnipotente?

Velhas perguntas que poucos crentes, infelizmente, hão-de fazer quando estiverem rezando no próximo dia 16.

9 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Padre revolucionário

Anselmo Borges, padre, teólogo e professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, propôs, na abertura do congresso sobre o futuro do cristianismo, «uma nova atitude» a adoptar pela Igreja em relação a temas como a contracepção ou o aborto, de dar «guarida» aos direitos humanos também no seu interior, de descentralizar as suas estruturas de decisão e participação e de dialogar com uma Europa «onde cresce a indiferença».

«Não se pode continuar a falar de Adão e Eva ou do pecado original como se não houvesse Darwin e a evolução», é preciso colocar em diálogo a razão e a fé, como se deve «dar atenção a uma educação para a autonomia moral responsável, concretamente no domínio sexual e conjugal». Neste último ponto, Anselmo Borges exemplificou com a contracepção, o aborto, «cuja descriminalização não significa aprovação e, ainda menos, recomendação» e com «a situação dos católicos divorciados que voltam a casar e querem dignamente participar nos sacramentos».

O professor espera que «a promoção dos direitos humanos no interior da Igreja, o que implica», nomeadamente, «pôr termo à discriminação da mulher» e salvaguardar a «liberdade de investigação e ensino».

O primeiro desafio, anterior a todos os outros, é a questão de Deus, que deve ser discutida por crentes e não-crentes. Não tanto «por causa de Deus como por causa do homem». O padre questiona: «O que mudaria na vida de cada um se Deus existisse mesmo ou se, pelo contrário, se pudesse demonstrar que não há Deus? O que é que se quer dizer quando se diz que se acredita em Deus? O que é que se quer dizer quando se diz que não se acredita em Deus?»

Com estes pontos de vista progressistas, é possível que, mais cedo ou mais tarde, Anselmo Borges seja convidado a manter as suas opiniões para si.

9 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Sharia canadiana

O Ontário, no Canadá, prepara-se para a instituição de tribunais arbitrais com base na Sharia com competência para dirimirem questões familiares, como o divórcio e a regulação do poder paternal.

Segundo o «Judeóscope», os apoiantes desta iniciativa são a «inteligentsia» liberal e sensata do país. E a comunicação social canadiana apelidam os opositores dos tribunais da Sharia de cruzados e anunciadores do Apocalipse. Pelo contrário, Fatima Houda-Pépin, deputada pelo Québec – que rejeitou unanimemente esta iniciativa -, avisou a Assembleia Nacional que «a aplicação da Sharia no Canadá faz parte da mesma estratégia que pretende isolar a comunidade muçulmana por forma a submetê-la a uma visão arcaica do Islão».

Syed Mumtaz Ali, promotor do projecto, entende que o Islão providencia um conjunto de leis a que todos os muçulmanos devem obedecer. Quanto aos que escolherem seguir a lei do Canadá, serão considerados apóstatas… o que implica a pena de morte, de acordo com a Sharia. Mumtaz Ali espera que a Carta de Direitos e Liberdades do Canadiana considere a punição de muçulmanos apóstatas.

Nenhum Estado de Direito Democrático pode permitir que, dentro do seu ordenamento jurídico, vigore um outro ordenamento jurídico, diferente do daquele que foi legitimado pelo Povo, e que tenha por base o confessionalismo. A introdução de tribunais que aplicam a lei de qualquer religião é uma quebra do princípio da igualdade e do princípio da laicidade. Já para não falar que é uma «lei» que impõe comportamentos muito interesantes para as mulheres, como a importância das tarefas domésticas, um código de vestuário estrito e a sua submissão aos homens, tudo acompanhado de uma vasta gama de penas para os prevaricadores.

Para mais informações, podem consultar a página da Campanha Internacional Contra o Tribunal da Sharia no Canadá.

7 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Mais alguns dados sobre os lefebvristas

Escrevi já dois artigos sobre o encontro entre o Papa B16 e o líder da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX, lefebvristas). No entanto, não mencionei ainda vários factos interessantes sobre esta organização.

Comecemos pelo início. Em 1988, Marcel Lefebvre desafiou a ICAR de JP2 ao nomear quatro bispos: Richard Williamson, Tissier de Mallerais, Alfonso de Galarreta e Bernard Fellay. Desses quatro, Bernard Fellay é o líder actual da FSSPX e foi recebido por Joseph Ratzinger no dia 30 de Agosto, e Richard Williamson é autor de textos absolutamente deliciosos. Entre eles, encontra-se um que defende que «As calças femininas são um ataque à feminilidade das mulheres» (um excerto: «as calças numa mulher são piores do que a mini-saia, porque enquanto a mini-saia é sensual e ataca os sentidos, as calças são ideológicas e atacam a mente»; portanto, as senhoras católicas devem evitar usar calças e a «ideologia» anexa!). No entanto, Williamson não é apenas cómico, é também um anti-semita sinistro, que considera o Holocausto uma «invenção dos judeus» e que nega que as câmaras de gás tenham existido (ler uma selecção dos textos anti-semitas do bispo Williamson). Mais, Williamson acredita na existência de um complô judaico-maçónico para destruir a ICAR, no qual os comunistas e os ateus estarão também envolvidos, embora ele não seja muito específico quanto à forma da coligação entre estes grupos…

Poderá julgar-se que este fascista engajado, que considera os EUA um «país comunista» (sic), será um caso isolado na FSSPX. No entanto, as suas convicções são partilhadas por pelo menos mais um bispo lefebvrista, Tissier de Mallerais, que já escreveu que os judeus são «odiosos» e que «trabalham activamente para a vinda do anticristo». Não é portanto surpreendente que em vários países os padres da FSSPX surjam associados a membros de partidos neonazis, a negacionistas do Holocausto e a racistas, ou que sejam cada uma destas coisas mais ou menos abertamente.

As publicações da FSSPX são um manancial para quem quiser encontrar um tipo de pensamento tão ultra-católico que faz César das Neves parecer um ateu laicista e tolerante. Evidentemente, há criacionismo do mais extremo, explicações de como a pena de morte é um ensinamento tradicional da ICAR, mas também… um artigo intitulado «Defesa da Inquisição», onde se explica que «a Inquisição era um tribunal honesto, que tentava converter os hereges em vez de os punir, e que condenou relativamente poucas pessoas às chamas, e que só usou a tortura em casos excepcionais», e que a liberdade religiosa, o princípio à luz do qual se condena a Inquisição, está «em ruptura com a tradição da [ICAR]», que é de «dever de intolerância para com as falsas religiões» (eu concordo com esta última parte…). O artigo referido defende abertamente que a Inquisição «salvou a Espanha» e que se deve «reabilitar» esta instituição, e termina afirmando que «os católicos não têm nada de que se envergonhar nos trabalhos passados deste santo tribunal».

Enfim, é na direcção desta gente muitíssimo católica mas pouco recomendável que o Vaticano, segundo a expressão da BBC, se está a «movimentar».
7 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Boas intenções

Na Intenção Geral do Santo Padre para o Apostolado da Oração de Setembro, pede-se «que o direito à liberdade religiosa seja reconhecido pelos governantes de todos os povos». No entanto, este direito não poderá ser garantido através do laicismo.

O texto que a Agência Ecclesia disponibiliza é deveras interessante. O primeiro ponto começa com esta frase: «o laicismo, inimigo da liberdade». Para o autor, o laicismo «pretende mudar a sociedade e os valores que a regem a partir das opções de uma “vanguarda” pretensamente ilustrada e única capaz de libertar a sociedade das amarras que a prendem a um passado dito de ignorância e opressão. Fá-lo ao arrepio de qualquer consenso socialmente estabelecido, em nome de uma auto-atribuída superioridade “progressista”». Se algumas das mudanças que se fizeram na história da humanidade fossem feitas apenas quando existe um consenso social, ainda estaríamos algures na Idade Média uma vez que o cidadão médio, infelizmente, só fica descontente com o que tem quando acaba «o pão e o circo».

A laicidade é «visceralmente anti-religiosa, empenha-se em expulsar a religião da praça pública, pretendendo que aquela se limite ao âmbito estritamente privado dos cidadãos, tratados como indivíduos e não como pessoas. Deste modo, acaba por negar na prática a liberdade religiosa que formalmente diz respeitar – pois a liberdade religiosa inclui o direito a manifestar e viver em público a fé. E como o respeito pela liberdade religiosa é a pedra de toque de toda a verdadeira liberdade, a ideologia laicista revela-se inimiga da liberdade e, portanto, da verdadeira democracia». Só que «a minha liberdade acaba quando começa a liberdade do outro». A minha liberdade concede-me o direito de, na praça pública, não ser obrigada a aturar evangelizações.

O segundo ponto intitula-se «Laicismo anticristão». A perseguição dos cristão não se consubstancia apenas na «rejeição do candidato a Comissário Europeu Rocco Buttiglione, no Parlamento Europeu» e em «certas leis que, no campo da educação, põem em causa o “estilo de vida” dos cristãos». Não senhor. Existe uma «difusão consciente e continuada de preconceitos e imagens distorcidas dos cristãos – ao ponto de a Santa Sé denunciar, numa conferência da Organização para a Cooperação e a Segurança na Europa, o anticristianismo cada vez mais activo em muitos países; e ter solicitado, na mesma conferência, que este anticristianismo seja colocado ao mesmo nível do anti-semitismo ou do anti-islamismo». Mais uma vez, temos a ICAR a vitimizar-se de forma ridícula.

No último ponto, apela-se à defesa da liberdade religiosa. «Reconhecer o direito à liberdade religiosa não é apenas uma questão de exarar na lei esse direito – isso até as ditaduras fazem. Implica também uma atitude de vigilância, por parte das sociedades, para que os crentes não sejam vítimas de preconceitos, sobretudo se promovidos pelo Estado, através de políticas enfermas de laicismo ignorante e intolerante». A ICAR tem uma estranha visão da liberdade religiosa que se esquece que esta tem duas dimensões: uma positiva e uma negativa. A positiva garante que qualquer cidadão possa, de acordo com a sua consciência e convicções, seguir a religião que bem entender; a negativa permite que o mesmo cidadão, se lhe aprouver, não seguir nenhuma confissão e não ser obrigado a suportar no espaço público – que também é dele – proselitismos.

6 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Uma sondagem curiosa

No passado dia 30 de Agosto, o jornal Le Monde publicou uma sondagem feita à população francesa de origem turca ou africana (em França, esta última é sobretudo magrebina). Alguns dos resultados da sondagem (ver em pdf) são muito curiosos.
  1. Cerca de 20% dos respondentes declaram-se «sem religião», uma percentagem que não anda longe dos 28% na população francesa em geral. Atribuindo a diferença às famílias francesas que já são ateias ou agnósticas por tradição, a percentagem de pessoas que abandonam o Islão será portanto muito semelhante à percentagem de pessoas que abandonam o catolicismo. É, sem dúvida, uma boa notícia.
  2. Entre aqueles que se declaram muçulmanos, 21% praticam regularmente (um mínimo de uma ou duas idas por mês à mesquita), uma percentagem que não andará muito longe da percentagem de franceses católicos praticantes.
  3. Ao nível dos preceitos individuais, 23% dos muçulmanos declarados assumem que bebem vinho (nem que seja «de vez em quando»…), 27% confessam que nunca rezam, e, embora 81% declarem querer fazer a peregrinação a Meca, apenas 2% a fizeram.
  4. Quanto ao casamento, mais de metade dos pais muçulmanos (57%) acha que os seus rapazes devem decidir com quem se casam, e 47% tem a mesma opinião para as filhas. A mistura pode avançar.
  5. Finalmente, a laicidade é um conceito «positivo» ou «muito positivo» para 82% dos muçulmanos franceses, 65% não estão de acordo com a frase «a laicidade é um obstáculo à liberdade religiosa», 82% estão de acordo com a frase «em França, é a laicidade que permite a pessoas de convicções diferentes viverem juntas» e 59% defendem que os símbolos religiosos não têm lugar na escola pública.

Pode portanto concluir-se que o processo de integração dos muçulmanos em França está a decorrer a bom ritmo. Existem sem dúvida fanáticos, mas são uma minoria.

5 de Setembro, 2005 jvasco

Turquia e Religião – II

Na Turquia, praticamente toda a população é islâmica.

As mesquitas estão por todo o lado (tal como as igrejas por cá), e cinco vezes por dia ouvem-se os sons do chamamento às orações, ouvindo-se também adicionalmente uma «despedida ao Sol» cada vez que este se esconde.

No entanto, analogamente ao que se passa por cá, a frequência das mesquitas às sextas-feiras é de cerca de 20%, e menos do que essa quantidade de pessoas reza nos 5 chamamentos diários. O álcool, que as interpretações mais literalistas do Alcorão consideram tão proibido como o porco, é consumido da mesma forma que cá. Nas zonas mais desenvolvidas e ricas da Turquia a religião, até há bem pouco tempo, não afectava mais a vida das pessoas do que cá.

No entanto, isso está em risco de mudar. Um dos principais partidos da Turquia foi recentemente dividido, e o sistema eleitoral turco, que é pouco favorável aos pequenos partidos, levou a que o «Partido da Justiça e Desenvolvimento», um partido religioso (moderado) chegasse ao poder. Esse partido autorizou algo que antes não se sucedia: grupos religiosos (cujo financiamento se suspeita provir da Arábia Saudita) oferecem bolsas de estudo às raparigas mais pobres, desde que estas usem o lenço à volta da cara conforme estes grupos consideram aceitável. O resultado está à vista: o lenço era apenas usado por senhoras mais idosas, principalmente do campo (aliás de forma similar aquilo que se passa em Portugal), mas é agora também usado por um número significativo de raparigas jovens. Algumas não o usam para receber as referidas bolsas, mas para mostrar apoio ao partido do governo. De uma forma ou de outra, trata-se de uma tendência recente que deixa muitos turcos desconfortáveis com a situação. Ainda assim, tanto quanto vi, a maioria das raparigas jovens não usa lenço.

Alguns turcos identificam esta situação como uma «invasão árabe». Consideram que existe um receio de que a Turquia seja tomada como um «exemplo de sucesso» em que a laicidade pode coexistir com o Islamismo, e que os grupos religiosos islâmicos mais fundamentalistas estão a fazer tudo para que tal não se verifique.

4 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Deometria ou matemática para crentes

Depois da teoria da Queda Inteligente a última sátira às IDiotias faz furor nos Estados Unidos: a deometria, o estudo de como o Criador criou pontos, linhas, ângulos, formas geométricas e determinou as relações entre estes. Num fabulosos artigo satírico somos informados que, de acordo com os aderentes a esta forma alternativa de introduzir a geometria nas salas de aulas, a deometria pretende apenas estabelecer o balanço numa área que removeu todos os vestígios da religião do «polígono público». Numa área essencial já que a etimologia de geometria, uma contracção de duas palavras gregas, geo (terra) e metron (medida), torna evidente que geometria deve ser de facto teometria uma vez que «O problema que se encontra é que não se pode medir a Terra sem atribuir a Deus a sua criação» explicou Mac Bresnahan, professor de matemática em Topeka High, Kansas, e treinador de golfe.

Bresnahan dá aulas de geometria na Topeka High há cerca de 30 anos e afirma que se sentia frustrado num campo que tem ignorado sistematicamente o papel do Criador: «Tenho ensinado os alunos como encontrar o centro de uma circunferência usando um compasso e se alguém levanta a mão e pergunta ‘bem, quem inventou a circunferência? Eu gostaria de dizer a verdade, que foi Deus, mas isso era contra a política de Topeka High».

Mas a política de Topeka High mudou, graças aos esforços dos membros cristãos da escola para que o Seu divino papel seja reconhecido em todos os curricula escolares, desde as aulas de ciências, que incluem desenho inteligente, passando pela deometria até à deoeconomia «o estudo da distribuição de recursos que assume que Deus é a ‘mão invísivel’ que energiza o motor da economia dos Estados Unidos».

Uma sátira a não perder! Assim como é imperdível a hilariante tentativa (não, apesar de o parecer, isto não é uma sátira) de enquadrar a mecânica quântica na «perspectiva cristã»! Aliás todo o sítio web da «Física Bíblica» é simplesmente surrealista!

3 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Santo Ofício

O que as santos inquisidores faziam para castigar um réprobo e defender a pureza da fé.