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12 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Multiculturalismo(s): identidade cultural é opressão individual

Na ressaca dos atentados de Julho no Reino Unido (ver este artigo da Palmira) e num momento em que o Canadá poderá estar prestes a reconhecer tribunais que apliquem a chária (ver este artigo da Mariana), verifica-se um questionamento crescente e inevitável do multiculturalismo, um conceito cujo sentido varia bastante.

Na verdade, alguns dos que mais veementemente afirmam «rejeitar o multiculturalismo» são fascistas mais ou menos envergonhados que pretendem aproveitar-se do fanatismo de uma minoria entre os muçulmanos e dos actos terroristas de meia dúzia para promoverem um programa político de uniformização «racial» (no caso dos racistas) ou religiosa (no caso dos clericalistas), que avançaria pela exclusão política e social dos imigrantes. A crítica que fazem do fascismo islâmico é portanto meramente oportunista e releva de intenções tão fascistas (ou clericalistas) como as dos jihadistas. Estas pessoas, quando rejeitam o «multiculturalismo», referem-se a um facto social (a presença de imigrantes e a consequente diversidade cultural) que enriquece as sociedades e as regenera demograficamente.

Numa segunda acepção, fala-se em «multiculturalismo» para descrever um discurso baseado na ideia de que os valores éticos ou mesmo os direitos políticos só podem ser criticados a partir «de dentro» de cada cultura, e portanto por «pessoas dessa cultura». Esta corrente de pensamento defende o máximo de tolerância (no limite, a indiferença) por qualquer prática apresentada com uma caução cultural ou religiosa, designadamente os casamentos forçados ou, em Portugal, a excisão do clitóris. Esta corrente aprisiona os indivíduos à sua identidade cultural ou religiosa de origem, e negligencia todos aqueles que desejam abandonar a religião ou cultura em que foram educados. Pior ainda, entrega a definição dessa religião ou cultura aos seus puristas, ou seja, aos mais integristas (Salman Rushdie acusa disto mesmo o governo britânico). Os produtores desta linha de pensamento são sobretudo académicos e educadores, tão intoxicados de pós-modernismo que são incapazes de olhar para uma pessoa sem verem a «identidade cultural» ou «identidade religiosa» a que essa pessoa pertence acidentalmente. E no entanto, por detrás desses efeitos da educação todos temos os mesmos instintos e necessidades.

Finalmente, a palavra «multiculturalismo» é ainda usada em política para designar os modelos comunitaristas, em que os cidadãos não são tratados como indivíduos iguais em direitos e deveres e destinados a conviver uns com os outros, mas sim como membros de «comunidades culturais» com direitos distintos, condenadas a coexistirem separadamente. Evidentemente, estas políticas legitimam-se com o discurso criticado no parágrafo anterior. A Holanda ou o Reino Unido são exemplos (imperfeitos) de multiculturalismo de Estado, que em ambos os casos foi o sucessor histórico do multiconfessionalismo. Refira-se, concretamente, os tribunais arbitrais islâmicos que neste momento estão em discussão no Canadá, o financiamento público de escolas privadas confessionais (protestantes, católicas, judaicas, muçulmanas) ou a indiferença perante o elogio da violência feito por alguns imãs. Existe um sector importante da esquerda que é politicamente comunitarista, mas alguma direita (mais religiosa ou mais identitária-racista, conforme os casos) está também interessada no separatismo étnico-religioso que lhe conforta os preconceitos e lhe afasta da frente os indesejáveis.

Felizmente, o debate sobre o multiculturalismo está a conduzir muitos à conclusão de que, nestes tempos conturbados, só a laicidade à francesa, com a sua separação clara entre uma esfera pública neutral e uma esfera privada onde se pratica facultativamente a religião, e também com a sua igualdade de direitos entre cidadãos independentemente da religião, poderá responder ao desafio que a integração dos muçulmanos representa. É esse o argumento de Giles Kepel, e Salman Rushdie já concluiu o mesmo. Convém esclarecer que ser racista não é criticar as culturas ou religiões minoritárias, mas sim conferir direitos diferentes (que inexoravelmente separam e discriminam as minorias) a pessoas dessas culturas ou religiões, conforme afirma Maryam Namazie.

Nós, ateus, estamos numa posição excelente para recordar ao mundo que o muçulmano que abandona a sua religião não é nem uma anomalia estatística nem um traidor à sua comunidade. É um indivíduo que exerce a sua liberdade de pensamento. E apenas uma República laica lhe permitirá seguir o seu caminho, livre da opressão identitária e dos mulás que o tentam instrumentalizar.

12 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Não à Sharia

Na passada quinta-feira, cerca de quatrocentas pessoas manifestaram-se em Toronto para exigirem que o governo canadiano não permita que questões familiares sejam julgadas por tribunais arbitrais que decidam de acordo com leis religiosas.

Vinte minutos após o início da manifestação, o Procurador Geral canadiano, Michael Bryant, fez o seguinte comunicado: «ouvimos claramente os que procuram maior protecção para as mulheres. Constantemente, temos de seguir em frente para erradicar a discriminação, proteger os vulneráveis e promover a equidade… Somos guiados pelos valores e direitos constantes na nossa Carta de Direitos e Liberdades. Asseguraremos que a lei da nação não seja comprometida no Ontário, que a arbitração que use um conjunto de regras ou leis discriminadoras das mulheres, em questões de família, não será vinculativa».

Esperemos que, em nome da Democracia, este seja um sinal que o governo canadiano recue na intenção de permitir que os muçulmanos recorram à Sharia para regular questões como o divórcio e a regulação do poder paternal.

O segundo protesto internacional contra a instituição de tribunais da Sharia no Canadá também se realizou em Ottawa, Victoria, na Alemanha, nos Países Baixos e na Suécia.

11 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

JP2 vs. B16

João Paulo II era um provinciano vaidoso, exibicionista e supersticioso. É provável que a alienação religiosa o levasse a acreditar nos milagres que adjudicava para os bem-aventurados que elevava aos altares. Em última análise, era bem capaz de acreditar em Deus.

JP2 era o rural desejoso de consideração social, ora prostrado a debitar ave-marias, ora exibindo os vestidinhos rendados e coloridos do seu múnus, em públicas manifestações de folclore e proselitismo.

Bento XVI é diferente. É um indivíduo inteligente, sofisticado e urbano. É calculista e frio. Não perde tempo a rezar o breviário, não gasta horas em pias ladainhas. É um general que prepara as batalhas no sossego do seu gabinete, um comandante-chefe dos beatos que planeia os combates da fé.

JP2 era um joguete nas mãos do Opus Dei, B16 é o chefe da santa Mafia. O primeiro fazia o que lhe ordenavam julgando obedecer à vontade divina, o segundo exige, consciente de que Deus deve obediência ao Papa.

A ICAR é hoje uma perigosa multinacional que procura ampliar o poder e conquistar espaço no difícil mercado da fé.

Enquanto mantém a América Latina sob rígido controlo de um clero troglodita, procura penetrar nos aparelhos de Estado da velha Europa e prepara as hostes para disputar terreno à igreja ortodoxa, fazer uma oferta pública de aquisição à Igreja anglicana e organiza o embate final com o Islão político.

Quanto ao judaísmo, basta condenar em público o anti-semitismo e deixar em lume brando o ódio secular.

Quem julga que a ICAR se converteu ao pluralismo e à democracia desconhece a sua natureza.

11 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Tumultos na Irlanda do Norte

Os piores tumultos que a Irlanda do Norte conheceu nos últimos anos têm agitado Belfast e arredores nas últimas horas. Mais uma vez, subjacentes à violência encontram-se motivos religiosos, neste caso uma procissão da Orange order, uma organização protestante, que remonta ao século XVII e que é, de certa forma, um símbolo da violência entre católicos e protestantes nesta parte do globo.

Sir Hugh Orde, o responsável da polícia da Irlanda do Norte, afirmou que a Orange Order tem uma responsabilidade considerável nos tumultos e nos ataques às autoridades. Acusações que os responsáveis da ordem consideram «inflamatórias»…

11 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Genocídio no Ruanda

Um padre católico belga, Guy Theunis, foi preso no aeroporto de Kigali, capital do Ruanda, pelo seu alegado papel no genocídio de 1994 que vitimou cerca de 800 000 Tutsis e Hutus moderados.

O procurador ruandês Emmanuel Rukangira disse à BBC que o padre Theunis é acusado de incitamento ao genocídio por ter reproduzido na sua revista «católica, o «Diálogo», artigos da publicação extremista Kangura. O editor da Kangura foi condenado a prisão perpétua pelo tribunal organizado pelas Nações Unidas para julgar os responsáveis pelo genocídio. Entre os quais se encontram vários padres e freiras católicos, já que alguns membros da hierarquia da Igreja Católica ruandesa tinham relações próximas com políticos extremistas e auxiliaram as milícias Hutu nos massacres.

Aliás, muitas das vítimas do genocídio foram chacinadas em igrejas e conventos. Por exemplo, na igreja de Nyange o padre Athanase Seromba preparou e supervisionou, juntamente com responsáveis locais, a matança de mais de 2000 tutsis que nela se tinham refugiado. A igreja foi arrasada por escavadoras com os fiéis lá dentro. Duas freiras, Gertrude Mukangango e Maria Kisito, foram condenadas em 2001 por um tribunal belga, a 15 e 12 anos de prisão, pelo seu envolvimento no massacre de 7000 Tutsis que se tinham refugiado no convento Sovu em Butare, no sul da Ruanda. Os refugiados foram reunidos num dos estábulos do convento e incinerados vivos com combustível cristãmente fornecido pelas duas freiras.

10 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Brownies e outros doces

Michael Brown foi nomeado por G. W. Bush para presidir à Federal Emergency Management Agency (FEMA) em 2003, quando o anterior director, Joe Allbaugh, que partilhou um quarto com Brown nos tempos de faculdade, foi destacado a tempo inteiro para a campanha de reeleição de Bush. Na altura ninguém pensou investigar por que razão Allbaugh pretendia que «o Presidente não poderia ter escolhido um melhor homem para ajudar… preparar e proteger a nação».

Depois do fiasco que tem sido a actuação do FEMA durante a catástrofe que sucedeu ao furacão Katrina muitos questionaram a adequabilidade do activista do Partido Republicano à frente deste organismo. E dois jornalistas da Time Magazine resolverem investigar o curriculum que o habilitava a tão importante cargo. Os resultados da investigação são… esclarecedores das razões que permitiram a tragédia que se abateu especialmente sobre uma das minhas cidades favoritas nos Estados Unidos, New Orleans. Aparentemente o curriculum de Brown foi …cozinhado em lume muito brando!

Por exemplo, numa nota de imprensa da Casa Branca (e no site da FEMA) era indicado que entre 1975 e 1978 Brown trabalhou para a câmara de Edmond, Oklahoma, uma cidadezinha insípida perdida no meio dos US com, no máximo, uns 50 000 habitantes à data, «supervisionando a divisão de serviços de emergência». Aparentemente nenhum dos supervisionados se apercebeu de tal já que, de acordo com Claudia Deakins, a chefe de relações públicas da câmara de Edmond, Brown era o assistente do presidente da câmara, basicamente tirava fotocópias e trazia cafés ao chefe! Mas «andava sempre de fato e camisa branca engomada» afirmou Bill Dashner, o presidente de câmara em causa.

De igual forma foi com surpresa que a Central State University reagiu à notícia que Brown é suposto ter sido um «Excepcional Professor de Ciência Política» nesta Universidade. Aparentemente foi uma gralha que transformou um excepcional estudante finalista em Ciência Política no correspondente professor no curriculum vitae do distinto (e mui devoto) Brown, gralha que por uma razão obscura se conseguiu imiscuir em sites oficiais.

Mas ninguém duvida que Brown fez parte da administração da…Associação Internacional de Cavalos Árabes. Enfim, foi forçado a pedir demissão por ter envolvido a empresa em vários processos judiciais devidos a problemas de supervisão e descontrole financeiro, mas isso são apenas pormenores. Assim como são pormenores as declarações do chefe de Brown numa firma de advogados de Oklahoma que este «não era sério e era algo superficial».

O que é realmente importante é que Brown é um bom republicano e, imprescíndivel, um bom cristão, cuja acção imediata após o Katrina foi a elaboração de uma lista piedosa de instituições para as quais os americanos deveriam dirigir as suas doações monetárias. Lista exclusivamente de organizações religiosas com duas honrosas excepções, uma das quais a Cruz Vermelha.

10 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Devido perdão

Na sequência do discurso de Anselmo Borges, Teresa Martinho Toldy, professora universitária e teóloga, disse ontem, no congresso Deus no Século XXI e o Futuro do Cristianismo, que discurso actual do catolicismo sobre as mulheres é pautado «mais por omissões do que por afirmações danosas», tendo ficado a faltar a inclusão das mulheres nos pedidos de perdão feitos pelo Papa João Paulo II.

Referindo-se ao discurso da ICAR no passado, citou Geoffroy de Vendôme (século XI), que dizia mal desse «sexo no qual não existe nem temor, nem bondade, nem amizade e que deve ser mais temido quando é amado do que quando é odiado». Segundo a teóloga, actualmente esse discurso é feito mais de «declarações mitigadas do que explícitas» de condenação das mulheres e «frequentemente» transfere «as afirmações negativas sobre as mulheres para as reservas face aos movimentos feministas».

Sobre o acesso das mulheres ao sacerdócio, Teresa Martinho Toldy diz que se ele reproduzir o modelo actual do sacerdócio masculino, «não vale a pena». Para além disso, a Igreja tem que decidir o que é mais importante: se garantir a celebração da eucaristia ou perpetuar a masculinidade do sacerdócio. «Se Deus é masculino, então o homem é Deus; se entendermos que ontologicamente Deus é pai, então não há lugar para as mulheres na Igreja», afirmou ainda.

A professora terminou referindo a figura de Maria Madalena, «metáfora» do modo da Igreja olhar as mulheres: de «apóstola dos apóstolos», como era considerada nos primeiros séculos, Madalena passou a ser, em virtudes de leituras bíblicas deturpadas, uma prostituta que precisa de ser redimida.

É pena que teólogos como Teresa Martinho Toldy e Anselmo Borges, que até têm pontos de vista equilibrados e sensatos, sejam uma minoria na hierarquia da ICAR e que, mais cedo ou mais tarde, sejam considerados párias pelos seus pares conservadores.

10 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

A demência da fé

A Al-Qaeda congratulou-se com tragédia de Nova Orleães, provocada pelo furacão Katrina.

Só o fanatismo permite manifestações de ódio assim. Apenas a fé num Deus, à imagem e semelhança dos patifes que o adoram, consente o regozijo pelo sofrimento humano que atribuem ao algoz da sua devoção.

A ausência de sentimentos não é exclusiva dos que se ajoelham, mas é apanágio dos que passam a vida a rezar e, nos intervalos, a matar os infiéis, faltando-lhes tempo para pensar.

Repare-se nesta enormidade: «A cólera do Todo-Poderoso abateu-se sobre os tiranos. As suas perdas já se traduzem em milhares de vítimas humanas e milhões de dólares. Se os muçulmanos não podem seguir livremente a sua religião, então Deus pune os opressores».

O Deus que enviou o furacão sobre o delta do Mississipi é o mesmo que mata à fome os infelizes crentes das teocracias do Médio Oriente, que lhes destrói as cidades com tremores de terra, que envia os maremotos e sepulta centenas de milhares de vítimas que acreditam no poder de Alá e nos ensinamentos de um rude e analfabeto nómada que tomaram por profeta.

Não há ódios que consigam competir com os da fé.

10 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Religião e política

De todo o mundo nos chegam exemplos da mistura explosiva, por vezes sangrenta, que resulta da imiscuição da religião na política. No entanto, também em todo o mundo, assistimos a um eclodir de movimentos fundamentalistas de religiões sortidas que, como requisito de todos os fundamentalismos caracterizados pela sua oposição visceral à laicidade do estado, querem subordinar a esfera pública aos seus ditames anacrónicos. Fundamentalismo a que a Igreja Católica, como há muito denunciamos no Diário Ateísta, não está imune, muito pelo contrário, como indicam claramente os recentes desenvolvimentos da eleição de Ratzinger. Desenvolvimentos em que se incluem, por exemplo, o apontar da laicidade como «inimigo da liberdade», a reconciliação, que também previmos, com o integrismo católico de Marcel Lefebvre e a escalada de negação do concílio Vaticano II.

Um dos últimos exemplos das tentativas de controle da política por grupos religiosos (ultra)fundamentalistas chega-nos da Nova Zelândia onde um secto cristão, a Irmandade Exclusiva (Exclusive Brethen), que no ano passado gastou mais de meio milhão de dólares em anúncios de jornais apoiando a reeleição de G. W. Bush, se empenha em fazer chegar o Partido Nacional ao governo neo-zelandês através de outra campanha milionária dirigida contra o Partido Trabalhista e os Verdes, um provável parceiro de coligação com os primeiros. Campanha em defesa dos «valores morais» cristãos (que incluem denegrir quem não os defende, claro) e com as já habituais acusações de destruição da família «tradicional». Um dos luxuosos panfletos distribuídos pessoalmente pelos membros da seita afirma mesmo que a agenda política dos trabalhistas e verdes pretende a «abominação» de «ver homens em vestidos e travestis nas casas de banho de mulheres».

Esperemos que a campanha difamatória da seita cristã tenha um efeito contraproducente nas eleições de 17 de Setembro, que as últimas projecções indicam estarem empatadas entre o Partido Nacional e os trabalhistas (com cerca de 40% cada). Num país em que no Census de 2001 26% da população se declarou ateísta e 17,2% simplesmente não indicou religião, uma campanha com estes contornos não terá certamente o sucesso da sua congénere nos Estados Unidos!