Loading

Categoria: Não categorizado

24 de Novembro, 2005 Palmira Silva

IDiotia na Universidade do Kansas

Uma disciplina oferecida no próximo semestre pelo Departamente de Estudos Religiosos da Universidade do Kansas (KU) tem o título «Tópicos especiais em Religião: Desenho Inteligente, Criacionismo e outras Mitologias Religiosas».

O presidente do departamento, Paul Mirecki, certamente incomodado com a conotação negativa que o estado do Kansas tem neste momento, já que as escolas secundárias são supostas introduzirem a IDiotia nos curricula de ciências, declarou: «O criacionismo é mitologia. O desenho inteligente é mitologia. Não é ciência. Eles tentam fazê-lo passar por ciência. Mas obviamente que não é.»

As reacções dos IDiotas não se fizeram esperar. John Calvert, o director da Intelligent Design Network em Johnson County, Kansas, teve um lapso de lucidez e afirmou : «Igualar o desenho inteligente a mitologia (…) é apenas outro exemplo da classificação como maluco religioso que se faz de alguém que propõe [a IDiotia] ».

Mirecki explicou que o curso, limitado a 120 estudantes, explorará a IDiotia como uma mitologia americana moderna. Vários membros do corpo docente da KU já se ofereceram para ministrarem algumas das aulas…

24 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Bento 16 e os homossexuais

O novo documento do Vaticano em relação aos homossexuais é, contrariamente à opinião geral, um progresso relativamente à Bíblia (Génesis), que manda matá-los, e rompe com a tradição da inquisição, que os queimava.

Claro que só desiludiu quem julgava que o velho inquisidor Ratzinger, tantos anos responsável pela sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício), pudesse transformar-se num liberal e pessoa de bem.

A ICAR e B16 ilustram a fábula da rã e do lacrau. Quando este injecta o veneno letal, a rã pergunta-lhe porque o fez sabendo que morreriam ambos. «É da minha natureza» – respondeu o lacrau.

24 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

Tau-tau

O nosso velho conhecido B16 «acabou com a autonomia do mosteiro franciscano de Assis (centro de Itália),medida interpretada como sendo uma forma de meter os monges na ordem». Este mosteiro é reputado por albergar inúmeras conferências internacionais com individuos (crentes ou não) progressistas.

Agora, os monges da Ordem de Assis terão de pedir autorização à Conferência Episcopal, se quiserem receber pessoas como Yasser Arafat, Tarek Aziz ou outras personalidades de todo o mundo ou da esquerda italiana.

Um deputado da União dos Democratas Cristãos da região, Maurizio Ronconi, bateu palmas à decisão do Papa, afirmando que se «tornou inevitável, já que os monges têm sido instrumentalizados pela esquerda». Sim, é verdade. Os planos foram revelados. Aquele mosteiro franciscano era uma das muitas células que os perigosos esquerdalhos vermelhos têm implantadas em muitas ordens religiosas, fazendo tudo parte de um plano grandioso para colocar um ser geneticamente criado a partir de células de Marx, Estaline, Lenine, Mao e do Freddy Mercury, no lugar de B16.

23 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Misoginia em acção

A Igreja Católica debitou um documento oficial de 10 páginas extremamente crítico da decisão da Igreja Anglicana não só em ordenar mulheres mas em elevá-las à posição de bispo, avisando que as projectadas reformas constituem um entrave às relações entre as duas confissões cristãs.

No documento é considerado que consagrar mulheres «é um risco tremendo e intolerável» que pode causar «danos irreparáveis» dentro e fora da Igreja Anglicana. Embora ressalvando que a Igreja Anglicana é livre para proceder como quiser, explicita que esta decisão está em contradição com os «textos e espírito» de propostas recentes de unidade entre as duas Igrejas. Ou seja, a Igreja Católica usa abertamente as suas habituais tácticas de chantagem política para impor a outra confissão cristã a misoginia que é a imagem de marca da ICAR.

É interessante notar que a decisão da Igreja Anglicana em ordenar padres assumidamente homossexuais, embora tenha criado algumas tensões entre as duas Igrejas, não mereceu um documento deste teor. E não obstante os católicos se considerem os únicos cristãos que mantêm a «pureza» dos ensinamentos dos misóginos pais da Igreja, isto é, não permitam qualquer tipo de método contraceptivo (nem sequer preservativos quando um dos membros do casal está infectado com o vírus HIV) ou permitam qualquer tipo de aborto (o caso de uma gravidez ectópica terminada com a ablação desnecessária da trompa não é considerado um aborto por um convoluto sofisma), as posições mais consonantes com o século XXI da Igreja anglicana nunca mereceram semelhante ataque da hierarquia católica.

Numa nota nos antípodas desta (mais uma) manifestação da misoginia da Igreja Católica, que considera ser a mulher um ser inferior (devido à dentadinha na maçã da impossível Eva), a Libéria elegeu a primeira mulher que alguma vez governará um país africano, Ellen Johnson-Sirleaf.

22 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Duplicidade de critérios

O vigário geral da Diocese de Phoenix , Arizona, Monsenhor Dale Fushek, foi preso ontem sob acusação de abuso sexual de menores.

Já em 2003 a diocese de Phoenix tinha pago 45 000 dólares para evitar que uma acusação de abuso sexual contra Fushek chegasse a tribunal, alegadamente para evitar os custos do processo. Pouco depois deste pagamento Fushek, que foi o fundador do maior movimento católico de adolescentes nos Estados Unidos, Adolescentes para a Vida (Life Teens) foi promovido à sua actual posição de segundo na hierarquia, posição imediatamente abaixo da de bispo. Ou seja, não só a diocese sabia das acusações que pendiam sobre o prelado como este foi recompensado pouco depois de estas virem a público!

Segundo os termos da acusação Fushek «usou uma relação de confiança para praticar actos criminosos, incluindo mas não limitados a actividades sexuais, discussões sexuais e contacto físico impróprios sobre menores vulneráveis e vítimas adultas».

A diocese de Phoenix tem sido inesperadamente colaborante com a acusação neste caso, prática inédita quiçá devida à substituição do Bispo Thomas O’Brien, que resignou após ter sido preso num caso de atropelamento mortal de um peão seguido de fuga do local do atropelamento.

Np entanto nem todos os responsáveis católicos de Phoenix acreditam na culpabilidade de Fushek «Nós acreditamos que as alegações contra o Monsenhor Fushek são completamente inconsistentes com o seu carácter e serviços honoráveis para a Igreja e os adolescentes nestes últimos 26 anos» afirmou o presidente dos Adolescentes para a Vida, Vince Roig, que acrescentou ser Fushek o visionário da organização.

Aparentemente o discurso do presidente da conferência dos bispos católicos americanos, o Bispo William Skylstad, falhou no tempo do verbo: o escândalo da pedofilia no clero americano e as pesadas indemnizações decorrentes são não algo do passado mas uma realidade bem presente. Por muito que o Papa tente fazer passar que tudo não passa de manobras para desacreditar a Igreja de Roma e as dioceses tentem esconder e abafar os casos…

Estes exemplos de relativismo da Igreja em relação a crimes bem reais em que as vítimas, crianças e adolescentes vulneráveis, são invariavelmente ignoradas pela Igreja Católica que apenas se preocupa com a respectiva imagem, são profunda e completamente inconsistentes com a actuação da Igreja em várias instâncias, por exemplo no caso do aborto, em que exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco.

Nunca conseguirei entender os «valores morais» absolutos e intemporais de uma instituição que protege ou mesmo recompensa quem comete um crime que considero dos mais abjectos e se acha no direito de exigir a criminalização de algo apenas porque contraria um dos seus anacrónicos dogmas!

21 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

«Submissão», parte 2

A ateia militante e deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali já completou o guião de um filme que estará pronto em meados de 2006 e que abordará a visão islâmica da homossexualidade.

Hirsi Ali, que teve uma educação muçulmana fundamentalista (wahabita), complementada com a excisão genital aos cinco anos e a obrigação de usar o véu na adolescência, esteve envolvida na escrita do guião de «Submissão», um filme realizado pelo seu amigo Theo van Gogh que focava o papel das mulheres nas culturas islâmicas. Na sequência da polémica causada por esse filme, Theo foi assassinado por um muçulmano fanático, que lhe prendeu ao corpo, com uma navalha, uma ameaça de morte para Hirsi Ali.

Esta mulher de origem somali, que chegou à Holanda aos 22 anos fugindo de um casamento forçado, vive sob protecção policial permanente desde o assassinato de Van Gogh. O realizador e os actores envolvidos no filme agora em rodagem mantêm o anonimato por medo de represálias. Hirsi Ali, a insubmissa, promete realizar outros filmes sobre o Islão nos tempos vindouros.
21 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

A santa da Guarda

Há uns tempos, Pedro Delgado Alves, do Boina Frígia, mandou-me um e-mail a alertar para a existência de um artigo na Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana que atribui a esta força policial uma padroeira e um respectivo dia de comemoração.

De facto, art. 14º do Decreto-Lei n.º 231/93, sob a epígrafe «Datas comemorativas», estabelece o seguinte:

  1. O Dia da Guarda Nacional Republicana é o dia 3 de Maio, em evocação da lei que criou a actual instituição nacional, em 1911.
  2. É também, consagrado o dia 16 de Julho à padroeira da Guarda Nacional Republicana, Nossa Senhora do Carmo.
  3. As unidades da Guarda têm direito a um dia festivo para a consagração da respectiva memória histórica.

O número dois deste artigo encontra-se em aberta contradição com o art. 13 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da igualdade, afirmando o número dois que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social». Este decreto-lei, ao consagrar o dia 16 de Julho a uma padroeira católica está a violar não só o princípio da igualdade – por conceder este privilégio apenas aos militares da GNR que professem esta religião -, mas também o princípio da separação da Igreja e do Estado.

Esta situação só poderá ser admissível no caso de se estabelecer uma data comemorativa para todas as religiões e também para aqueles que não professam nenhuma. Ora, como tal é impraticável, para que se respeite a Lei Fundamental, o artigo em causa deve ser retirado por estar ferido de manifesta inconstitucionalidade.

Como o Pedro Delgado Alves escreve no Boina Frígia, o art. 14º, nº 2 é «irónico se tivermos em conta que se trata precisamente de uma instituição criada pela I República».

21 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Incumbências divinas

Augusto Pinochet, o ditador chileno, crente devoto considerado um católico exemplar por João Paulo II, considera que Deus o irá perdoar por todos os atropelos dos direitos humanos, incluindo o direito à vida, que cometeu durante os 17 anos da sua abençoada ditadura. A convicção do ditador advem do facto de que a sua actuação impediu que o comunismo tomasse conta do país e assim afirma que «Tudo o que fiz, tudo o que levei a cabo, todos os problemas que tive, dedico-os a Deus».

Parece que as incumbências «divinas» a devotos governantes pecam por omissão nos termos em que devem ser cumpridas. De facto, também G. W. Bush que afirmou estar a cumprir uma missão «divina» quando decidiu invadir o Afeganistão e o Iraque terá considerado que para triunfar em tão importante missão os meios são irrelevantes.

E são certamente ateus os que se insurgem contra a utilização de armas químicas no Iraque. A administração Bush admitiu ter usado fósforo branco no Iraque, uma substância pirofórica (entra em combustão em contacto com o ar) que arde também em água (se na presença de água com pouco oxigénio dissolvido produzindo o bloqueador respiratório PH3 ou fosfina) mas nega ter usado esta (e outras) arma química banida pela convenção de Haia contra a população civil. Aparentemente a RAI não sabe desta alegação americana e a semana passada passou um vídeo dos ataques químicos efectuados em Fallujah.

E apesar de oficialmente negado há demasiados relatórios que confirmam o uso no Iraque de napalm por outro nome, bombas incendiárias Mark77, que substituem as bombas incendiárias Mark47 usadas na guerra do Vietname. Aliás, a única diferença entre ambas é o combustível: querosene nas Mark47 e gasolina de jactos nas Mark77. Mas, como apontou o coronel Michael Daily, o combustível actual é mais «amigo do ambiente»…

20 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Do esgotamento dos oráculos: Relativismos

O carácter mutável da justiça epicurista, relativista se quisermos, uma vez que para Epicurus a justiça deve reflectir as convenções (ou modelos) sociais vigentes, ou seja as verdades de cada época, nunca permeou o cristianismo uma vez que este assenta em verdades «reveladas», os tais supostos «valores morais universais e absolutos». Aliás para a Igreja católica, pela voz do Papa actual, que afirma ser o catolicismo apenas as doutrinas emanadas do Vaticano e rejeita o catolicismo «faça você mesmo», o «relativismo», ou a «ditadura» do relativismo e concumitante ateísmo, são o grande inimigo da humanidade.

Na realidade, o relativismo como entendido por Epicurus é o motor da construção de uma sociedade melhor e mais justa. Mesmo na Utopia há escravos, pena de morte, castigos corporais e completa submissão das mulheres aos homens… Porque os nossos modelos sociais, as verdades porque se regem as sociedades, reflectem simplesmente valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, por exemplo «É legitímo matar um apóstata?», num determinado contexto social. Na Idade Média não existiam dúvidas sobre a verdade desta proposição, hoje em dia, nas sociedades ocidentais, ela é reconhecida como uma barbaridade. Ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição e esse conceito é determinado pela conjuntura do momento.

O relativismo que, na minha opinião, é pernicioso não é assim o relativismo inerente à nossa evolução ética mas sim o relativismo que, no léxico do quotidiano, designamos por «dois pesos, duas medidas» ou duplicidade de critérios. Relativismo que caracteriza muitas das posições actuais da Igreja Católica, em que a verdade de uma proposição é estabelecida de forma falaciosa ou sofismática, como exemplificado pela posição da Igreja em relação à mulher, ao aborto, à homossexualidade, ao uso profiláctico de preservativos, ao direito à vida e à liberdade de expressão, etc..

Outra instância em que a duplicidade de critérios da Igreja católica é notória tem a ver com a posição em relação aos pedófilos que grassam no seu seio. A semana passada decorreu em Washington uma conferência dos bispos católicos americanos em que o actual presidente, o Bispo William Skylstad, referindo-se ao escândalo da pedofilia no clero americano e pesadas indemnizações decorrentes, afirmou para os seus pares «não há dúvida, irmãos, que estes últimos anos exerceram um pesado tributo sobre nós» não só relegando para o passado os abusos sexuais de menores perpretados por padres mas sugerindo falaciosamente que a Igreja é uma vítima inocente dos seus próprios crimes. Ignorando as vítimas reais dos abusos realizados, as crianças brutalizadas e, em alguns casos, assassinadas para esconder o abuso, como Daniel O’Connell e James Ellison assassinados pelo padre Ryan Erickson, cujos antecedentes de pedofilia tinham merecido da hierarquia católica … aconselhamento psicológico!

Mas as dioceses continuam a lutar para esconder a real dimensão da pedofilia no seu seio, mantendo secretos arquivos que são necessariamente não religiosos, quiçá tentando passar a opinião do actual Papa que afirmou «Estou convencido que as notícias frequentes sobre padres católicos pecadores [pedófilos] fazem parte de uma campanha planeada para prejudicar a Igreja Católica», mas certamente obedecendo ainda às determinações do actual Papa, debitadas em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, ou seja, ameaçou de excomunhão todos os eclesiásticos que revelassem às autoridades civis quaisquer detalhes sobre casos de pedofilia. Talvez por isso o Cardeal Basil Hume, que foi o responsável máximo da hierarquia católica em Inglaterra e país de Gales a partir de 1976 até à sua morte em 1999, encobriu os muitos abusos de crianças, algumas com menos de 10 anos, colocadas à sua guarda no mais prestigiado colégio católico britânico, Ampleforth, no qual viveu a maior parte da sua vida e do qual foi abade no período 1963-1976.

20 de Novembro, 2005 Palmira Silva

De Defectu Oraculorum ou Do esgotamento dos oráculos

La verità é sola figliola del tempo (A verdade é filha do tempo) Leonardo da Vinci

Thomas More, (1478-1535) o escritor e estadista inglês canonizado em 1935 como mártir da Igreja Católica em defesa da liberdade de pensamento (católico, claro) e patrono dos políticos, foi lorde chanceler, o mais alto posto judicial em Inglaterra, de 1529 a 1532. More foi destituído do cargo de chanceler por ter discordado de Henrique VIII sobre a separação da Igreja inglesa da autoridade do Papa e foi preso e decapitado em 1535 por recusar-se a aceitar a intenção de Henrique VIII de divorciar-se da rainha.

A filosofia de More encontra-se exposta com maior clareza no seu livro Utopia (escrito em 1516), uma apresentação de uma sociedade ideal (segundo os padrões da época, claro), com tónica na existência de justiça e igualdade para (quase) todos os cidadãos. Igualmente inovador para a época é o facto de More, um católico convicto que não seguiu os seus princípios expostos na Utopia, ter preconizado utopicamente a tolerância religiosa. Assim, os habitantes da Utopia professam diferentes crenças, desde a adoração de forças da natureza até a crença num único Deus. Todas as religiões são respeitadas e não existe conflito entre elas porque, como não poderia deixar de ser, não há uma religião oficial do Estado, condição necessária (mas não suficiente) para o estabelecimento de tolerância religiosa.

O que a maioria dos nossos leitores não saberá é que a Utopia de More tem uma influência marcada do filósofo proscrito pelo cristianismo, Epicurus, redescoberto na Renascença. A redescoberta de Epicurus, possível graças ao texto De rerum Natura de Titus Lucretius Carus, propiciou o desenvolvimento da ética, do direito e da ciência tal como os conhecemos, esta última especialmente após a «cristianização» do atomismo epicurista por Pierre Gassendi (1592-1655) (enfim, no século XVIII os jesuítas nacionais que detinham o monopólio do ensino proibiram o ensino das teorias blasfemas de Gassendi, a par das de Descartes e Newton).

«O direito natural é uma convenção utilitária feita com o objectivo de não se prejudicar mutuamente» (Epicurus in Máximas Fundamentais), ou seja, esta máxima de Epicurus, transmitida por Diógenes Laercio, afirma o carácter relativo da justiça, dependente das convenções sociais e, por isso mesmo, essencialmente mutável. O carácter convencional que o epicurismo atribui à justiça e às leis positivas, muito mais que um cepticismo relativista, foi o percursor da teoria do contrato social. Este é o aspecto principal do carácter jurídico do epicurismo que o situa assim entre os primeiros contratualistas e, talvez, os positivistas fenomenólogos do direito.

Em Thomas More, especialmente na Utopia, encontramos assim o retorno do epicurismo (e também da filosofia estóica) no sentido ético e do direito que não no científico. More cristianizou Epicurus, ignorou o seu ateísmo temperando a ética e o direito epicuristas com contribuições platónicas – Platão era o seu filósofo favorito, há muito cristianizado por Agostinho de Hipona. De facto, a rejeição de qualquer divindade, ou pelo menos da sua intervenção no mundo sensível, é a pedra basilar do epicurismo que explica o mundo sem transcentalidades, a partir dos átomos que o integram, sujeitos a leis naturais.

A morte nada significa para os epicuristas «A morte não é nada para nós, pois o que se dissolve está privado de sensibilidade e o que está privado de sensibilidade não é nada para nós.» (Epicurus, Máximas Fundamentais). Também por isso Epicurus foi proscrito e vilipendiado pela Igreja Católica a tal ponto que ainda hoje epicurista é um termo pejorativo, um desregramento de costumes, como podemos encontrar em alguns dicionários. Na realidade, no contexto da moral epicurista a virtude não é um fim, mas o meio de o atingir, sendo que o fim é a felicidade humana e a justiça, uma virtude, é um instrumento indispensável na obtenção dessa felicidade. Assim, o direito deve prescrever as acções que propiciem a felicidade ao maior número de pessoas, e proibir aquelas que são prejudiciais ao bem estar colectivo.