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29 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Histórias do cristianismo

O deus de Abraão, Isaac e Jacob era celibatário. O ócio e a solidão levaram-no a abrir uma oficina de oleiro onde iniciou, à mão, o processo de reprodução. Fez o homem à sua imagem e semelhança e, porque lhe sobrasse barro, tempo ou ambos, criou a mulher e expulsou os dois.

Do Paraíso, onde tinha domicílio e dormia a sesta, Deus espiava a Terra e assistiu à forma como Sodoma e Gomorra se divertiam à tripa forra. Acicatado pelos padres foi ruminando ódios e maquinando vinganças. Sabe-se a crueldade que usou para todos os habitantes, incluindo as crianças, que não sabiam pecar, e os velhos, que já não podiam.

Quiçá o tornou intolerante a velhice ou o Alzheimer. Deus andava tão enxofrado com o divertido método que os humanos tinham engendrado para se reproduzirem, que encomendou um filho a uma pomba. Esta recorreu a uma barriga de aluguer e sujeitou a mulher a uma cesariana para a manter virgem, indiferente aos murmúrios e chistes que sofreu um pobre carpinteiro de Nazaré.

O alegado filho de Deus dedicou-se à pregação e ao lucrativo ramo dos milagres mas menosprezou a concorrência e deixou que lhe dessem cabo do canastro.

Apareceu então uma seita a dizer que o defunto era Deus e a acusar os judeus de não o levarem a sério e a culpá-los pela morte. Começaram a contar histórias fantasiosas a seu respeito e a maldizer os judeus. Puseram a correr que o pregador milagreiro, após três dias de defunção, ressuscitara e emigrara para o Paraíso, onde tinha uma cadeira à direita do pai, que passava o tempo a tossir e tirar macacos do nariz.

Foi tal o sucesso dos boatos que se escreveram numerosos livros, hoje reduzidos a quatro por questões de eficácia e um mínimo de coerência. Os créus logo nomearam um quadro – Pedro – para organizar os negócios da nova religião.

Graças à cumplicidade de alguns imperadores, à dedicação de propagandistas e ao vigor com que eliminavam os adversários, fabricaram uma das mais prósperas e ricas religiões do Planeta, dando emprego a dezenas de milhares de clérigos e ilusões a milhões de crentes.

29 de Novembro, 2005 Palmira Silva

E mais ventos de mudança

Uma iniciativa do governo do Liechtenstein que pretendia alterar a restritiva legislação sobre o aborto do pequeno principado alpino mereceu a forte oposição da Igreja Católica, que congregou esforços com grupos conservadores e apresentou um projecto de emenda constitucional que, conjuntamente com a proposta governamental, foi ontem a votos.

O projecto, intitulado «Pela Vida», que pretendia proteger a vida humana, incluindo «a vida ameaçada por manipulação» considerada particularmente em perigo (?), desde «a concepção até à morte natural», contou com o apoio e campanha entusiastas do arcebispo local. Projecto de emenda que na prática pretendia criminalizar quaisquer desvios aos ditames do Vaticano no que respeita a contracepção, aborto, eutanásia, terapia genética e investigação em células estaminais.

Como expectável, a campanha decorreu no habitual ambiente de terrorismo psicológico por parte da Igreja Católica, nomeadamente a contraproposta governamental, que enquadra quer a contracepção quer o aborto no século XXI, foi apelidada de «melodia de morte» pelo arcebispo Wolfgang Haas.

A aberrante proposta dos fundamentalistas católicos foi liminarmente rejeitada merecendo menos de 20% dos votos na eleição de ontem. Em contrapartida a proposta governamental foi ratificada por quase 80% dos votantes.

Esperemos que cá no burgo em relação ao referendo sobre o aborto que se aproxima a prevísivel campanha terrorista da Igreja católica para impor os seus anacrónicos e misóginos dogmas a todos, crentes e não crentes, seja igualmente contraproducente! Quer a contracepção quer o aborto são questões pessoais, de consciência como todos os nossos políticos reiteram, e ninguém deve ser dono da consciência de alguém!

28 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Ventos de mudança

Enquanto por cá a Igreja reage com indignação e tenta protelar a decisão, que só peca por tardia, de retirar das escolas públicas, supostamente laicas e não confessionais, os símbolos da religião cristã, em Inglaterra, um país que mantém uma religião de estado, alguns fazedores de opinião questionam se se deve manter um sistema educativo confessional.

Num artigo que recomendo, a colunista do Guardian Polly Toynbee considera que num país cada vez mais descrente o dinheiro dos impostos de todos não deveria ser usado para promover a religião de cada vez menos britânicos. E critica os políticos de todo o espectro partidário que populistica e irrealisticamente louvam o trabalho das «comunidades de fé». Crítica acutilante e certeira especialmente no que diz respeito às escolas públicas confessionais. De facto, num país em que uma sondagem recente da BBC revelou que 43% dos jovens na faixa etária 18-24 anos são ateístas qual a razão para o estado gastar desnecessariamente fundos públicos em proselitismo?

Certamente não será a «magia especial das escolas confessionais» tão elogiadas pelos seus resultados por David Blunkett (que foi forçado a demitir-se recentemente do governo britânico), muito bem desmontada no artigo de Toynbee. Porque esta magia é apenas selecção (não natural, já que certamente as escolas evangélicas considerarão Darwin uma incarnação do mafarrico), ou seja, as escolas confessionais filtram as crianças problemáticas já que é necessário a confirmação por parte de um responsável religioso de que a família da criança em causa frequenta regularmente a igreja ou mesquita, o que exclui à partida as famílias mais disfuncionais. Boa parte do insucesso escolar advem de crianças pertencentes a famílias com problemas de droga, álcool, problemas mentais e afins, que à partida são excluídas da esmagadora maioria destas escolas confessionais. E que se acumulam nas escolas laicas. O que gera um círculo vicioso já que as famílias funcionais não querem os seus filhos em escolas com uma população elevada de crianças problemáticas. E correm para os templos de forma a obterem as autorizações que garantem que os seus filhos frequentarão escolas com bom «ambiente» já que os que o poderiam conspurcar são rejeitados!

Não há assim nada de especial nas escolas confessionais a não ser elitismo no mau sentido. O dinheiro público em país algum deve financiar o proselitismo de qualquer religião mas deve ser totalmente canalizado para escolas (e serviços sociais) laicas. Cada um é livre de acreditar e praticar o que quiser mas as suas crenças devem manter-se afastadas das escolas públicas. Assim como os seus símbolos!

27 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

O sexo e a ICAR

O Papa Rätzinger, ressentido de longa repressão sexual, nutre pela sexualidade a animosidade e o constrangimento que caracteriza a ICAR.

Proibir o acesso ao sacerdócio de homens que tenham «tendências homossexuais profundamente enraizadas» é surpreendente para quem exige a castidade absoluta. Que interessa a orientação sexual se é vedada a actividade?

O paradigma católico de sacerdote é um homem com tendências heterossexuais profundamente enraizadas e nunca experimentadas. Não admira. A ICAR nega à mãe do seu Deus o êxtase de um orgasmo e ao marido a consumação do matrimónio. Já o Deus mais velho quis reduzir a reprodução a um trabalho de olaria.

B16 não conhece o desejo? Nunca percorreu um corpo, saboreou uma boca ávida ou sentiu o afago de mãos macias? Não descobriu no seminário um púbere adolescente ou um diácono curioso; não viu na paróquia o cio de uma catequista; não sentiu, na diocese, o assédio de um diácono ou a languidez da freira que engomava os paramentos.

A raiva às mulheres e o desvario perante opções sexuais minoritárias remete para uma adolescência em que o pecado solitário foi a única fonte de prazer e vergonha, o coito uma obsessão reprimida e a ejaculação nocturna se tornou remorso com sabor a genocídio.

Se, em vez de orações e jejuns, fizesse amor, este vetusto inquisidor saberia amar.

27 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

Cruzes, Cavaco

O candidato à Presidência da República, Cavaco Silva, ficou surpreendido com a decisão do Governo de ordenar a retirada dos crucifixos das salas de aula das escolas públicas.

O antigo Primeiro-Ministro entende que, «face aos desafios que o País enfrenta, não é certamente este [os crucifixos] o problema que preocupa os portugueses». De facto, estando mergulhados numa crise económica jeitosa, temos mais em que pensar. No entanto, apesar de tudo, a presença de símbolos religiosos nas escolas públicas não deixa de ser uma clara violação da lei e da Constituição.

Cavaco Silva entende que «nos termos constitucionais há uma separação entre o Estado e a Igreja, mas não se pode ignorar que na sociedade portuguesa predominam os valores do catolicismo» e que «Portugal tem sido um País onde existe uma boa relação entre o Estado e a Igreja, ao mesmo tempo que se verifica uma grande tolerância em relação às diferentes religiões e mesmo um diálogo e respeito entre elas». Assim é… e então? Será que a existência de boas relações entre as religiões e o Estado justificam a presença dos seus símbolos religiosos no espaço público? Será que pelo facto de uma religião ser maioritária face às outras justifica que ela coloque as suas cruzes nas escolas de todos nós? Será que tudo isto justifica a violação do princípio da laicidade e do princípio da igualdade? A resposta só pode ser um rotundo não.

Cavaco Silva deveria ter prestado mais atenção quando leu – se é que alguma vez o fez – a Lei Fundamental. Em nenhuma linha do texto constitucional está presente algo que diga que existe uma separação entre o Estado e as confissões religiosas, mas que se abre uma excepção para a ICAR uma vez que esta é a religião com mais peso na sociedade, que é mais susceptível quando perde privilégios e que é só um crucifixozinho.

27 de Novembro, 2005 Palmira Silva

O exorcismo de Emily Rose

Já estreou em quase todo o mundo o filme que dá o titulo ao post, baseado num caso real passado há 29 anos na Baviera. Em 1976, Anneliese Michel, uma estudante de 23 anos que acreditava estar possuída por demónios, morreu após se ter submetido a 67 ritos de exorcismo durante nove meses. A jovem pesava pouco mais de 30 kg à altura da morte. Os pais e os dois padres que realizaram o exorcismo foram considerados culpados de homícidio negligente e condenados a seis meses de prisão efectiva e 3 anos de pena suspensa.

Para perceber as razões subjacentes à convicção da possessão demoníaca pela jovem é necessário saber que Annelise Michel cresceu num ambiente profundamente católico, três das suas tias eram freiras e o seu pai tinha considerado a ingressão num seminário. Mas a mãe de Annelise tinha cometido um «deslize» na juventude e dado à luz uma filha ilegítma, Martha, em 1948. Por essa razão casou-se com o devoto Josef Michel usando um véu negro e, praticamente desde que nasceu em 1952, Anneliese carregou a culpa da ilegitimidade da irmã, ilegitimidade que foi encorajada a expiar com constantes devoção e orações. A irmã morreu com oito anos e certamente que o ambiente familiar de fanatismo religioso propiciou um sentimento de culpa crescente na jovem Anneliese e uma necessidade de expiação dos pecados não só da mãe mas igualmente da «imoralidade» que via à sua volta, nos loucos anos sessenta.

Em 1968, com 17 anos, Anneliese teve os primeiros episódios de convulsões e foi diagnosticada com epilepsia. Mas o seu sentimento de culpa pelos «pecados» alheios aliado ao ambiente familiar (doentiamente) católico propiciaram que Anneliese experienciasse alucinações demoníacas quando rezava. Em 1973, data em que foi estreado o filme «O exorcista», sofria de depressão severa e considerava suicídio, uma vez que «vozes» na sua cabeça lhe anunciaram que estava amaldiçoada.

Certamente que a estreia do filme a sugestionou e pouco depois começou a apresentar comportamentos bizarros, muito semelhantes aos de Linda Blair, a Regan no «Exorcista». Em 1975 Anneliese estava tão convencida da sua possessão por demónios sortidos, possessão confirmada por dois prelados católicos, Arnold Renz e Ernst Alt, que identificaram, entre outros, Lúcifer, Judas, Nero, Caim e… Adolf Hitler, que recusou qualquer prescrição médica ou tratamento da Clínica Psiquiátrica de Wurzburg. Os seus sintomas, para além da já diagnosticada epilepsia, sugerem que sofria de esquizofrenia, ambas doenças perfeitamente tratáveis à época.

Mas a sua obsessão religiosa, certamente exponenciada pelo facto de que a Igreja Católica encoraja estas superstições anacrónicas, considerando não só reais a existência de mafarricos e afins como a possessão por demos, levaram-na a preferir a tratamento médico do século XX os exorcismos realizados de acordo com o manual de exorcismo então em vigor, o Rituale Romanum de 1614.

No filme, certamente ao agrado da Igreja Católica, o exorcista é representado como um herói e não como o criminoso que na realidade é. De facto, é absolutamente reprovável e incompreensível que a Igreja de Roma, no século XXI, esteja a recuperar e a exponenciar uma superstição absurda como é a possessão demoníaca.

Por todo o mundo, mesmo o primeiro mundo, assistimos a uma regressão medieval preocupante a crendices inesperadas numa altura em que os avanços científicos desmistificaram e esclareceram as razões biológicas e psíquicas dos comportamentos identificados como possessões demoníacas na época em que a Inquisição mandava para a fogueira bruxas e hereges.

Não faz sentido que a Associação Italiana de Psiquiatras e Psicólogos informe que todos os anos meio milhão de italianos recorram aos (maus) ofícios de exorcistas. Assim como não faz sentido a escalada de possessões demoníacas no mui católico México… Muito menos faz sentido a escalada de mortes devidas a exorcismos. A Igreja de Roma está implicitamente a dar o seu acordo a estes atentados civilizacionais quando encoraja estas palermices supersticiosas e potencialmente perigosas, com declarações bem recentes pelo papa que reconheceu o «importante trabalho ao serviço da Igreja» dos exorcistas.

26 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

Fora da escola

O Ministério da Educação está a ordenar a retirada dos símbolos religiosos das paredes das escolas públicas, depois de uma exposição, que denunciava a presença de crucifixos nas salas de aulas, feita pela Associação República e Laicidade.

Por exemplo, a Direcção Regional de Educação do Norte enviou diversos ofícios a escolas onde se tinha verificado a presença de crucifixos. Tais ofícios «invocam a lei e a Constituição e constituem uma ordem», explica, Margarida Elisa Moreira, directora da Direcção Regional de Educação do Norte, «mas incluem alguma pedagogia, para que as pessoas percebam que não se trata de uma cruzada contra os católicos, mas de respeito pela diferença».

Para Luís Mateus, da Associação República e Laicidade, a retirada dos crucifixos é já motivo de grande satisfação. «É uma medida muito saudável e que torna este país mais de todos nós. Trata-se da reposição da legalidade, da vitória do bom senso. Ganhamos todos com isso».

Pelo contrário, para o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Jorge Ortiga, esta decisão é motivo de indignação. Para ele «esta é uma questão que tem de ser mais repensada, e merece uma reflexão conjunta para se poder chegar a uma decisão». Portanto, podemos esperar, num futuro próximo, um abespinhamento da ICAR por o Governo estar a fazer cumprir a lei.

De facto, a Lei Fundamental, no seu art. 41º, nº 4, estabele que «as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto». Já o nº 3 do art. 43º, concretiza esta disposição ao afirmar que «o ensino público não será confessional» e, no nº 2 do mesmo artigo, estatuir que o «Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas».

A Lei da Liberdade Religiosa, reitera, no art. 4º, a não confessionalidade do Estado e define um conteúdo negativo da liberdade religiosa no art. 9º, nomeadamente, estabelece que ninguém pode «ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa».

Jorge Ortiga não deve estar familiarizado com as leis do país ou, então, entende que a Igreja Católica deve ser tratada de forma priveligiada, violando-se o princípio da igualdade, presente no art. 13 da Constituição, e relegando para segundo plano todas as outras religiões e todos aqueles que não professam qualquer tipo de crença religiosa.

25 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Daniela Mercury vetada no Vaticano

O Vaticano cancelou a participação da cantora Daniela Mercury no concerto de Natal do Vaticano do próximo dia 3 de Dezembro.

De acordo com o Vaticano, a decisão de retirar o convite efectuado há cerca de 5 meses deve-se ao facto de a cantora, embaixadora da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da UNAIDS (programa da ONU para o HIV/SIDA), ter participado em campanhas de combate à SIDA, em que defende o uso de preservativos como medida profiláctica deste flagelo.

A cantora, que se declara católica e lamenta a decisão do Vaticano, afirma o seu direito «de discordar da posição da Igreja no que diz respeito à utilização da camisinha como forma de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, como a SIDA». Como já referimos, a Igreja Católica é contrária ao uso de preservativos (e qualquer método contraceptivo), mesmo no caso de casais em que um dos cônjuges está infectado com o HIV.

Para a cantora, o uso de preservativos «é um instrumento de protecção à vida» e afirmou que «Não vou deixar de defender a luta pelo uso da camisinha em hipótese alguma enquanto houver pessoas com riscos de vida pelas DST.»

Comentando a notícia, muito divulgada no Brasil, o padre José Pinto, da Igreja da Lapinha, no centro histórico de Salvador, afirmou que a posição contra o preservativo da Igreja é uma questão «de moral cristã» mais concretamente considera ser a posição da Igreja uma postura de «mãe, de mestra, de querer preservar as pessoas através da moral cristã».

Continuo baralhada com esta suposta «moral cristã», que para mim parece mais uma imoral cristã, que em vez de preservar alguém corresponde a uma condenação à morte de incontáveis pessoas especialmente em África, onde o poder da Igreja nas infraestruturas de saúde efectiva para todos esta «postura suicida e homicida», nas palavras do antropólogo brasileiro Luiz Mott.