Há na última vaga de peregrinos em romagem ao Diário Ateísta uma sanha reforçada, um proselitismo agudo e uma demência mística que não era usual.
Acredito que os confessores os isentaram das orações e que a penitência, após confissão bem feita, se converteu, para expiação dos pecados, em peregrinação ao blog dos ateus.
É uma forma de porem a fé à prova, sem necessidade de genuflexões.
Substituem os pai-nossos e ave-marias com que embrutecem o espírito e desencardem a alma por insultos aos infiéis, ameaças aos blasfemos e profecias sobre o destino dos sacrílegos. São caminhos tão sinuosos como os da fé.
Uma santa alimária já profetizou a morte deste modesto escriba a apelar ao deus dele, enquanto uma rata de sacristia ameaçou golpear-me com os pés todos.
Os directores espirituais, uma espécie de polícias da consciência, conhecem os riscos que correm as ovelhas, capazes de se tresmalharem do redil, mas é um risco que vale a pena. As que resistirem ao Diário Ateísta ficam aptas para a insanidade, o martírio e a violência com que julgam ganhar o Paraíso.
Às vezes parecem sair disparadas da missa com a hóstia mal deglutida, ainda húmidas da aspersão do hissope, cheias de Espírito Santo, em loucas arremetidas contra os ateus.
Que sejam bem-vindas tais ovelhas. Nada temos contra os crentes, apenas combatemos as crenças e os trampolineiros da fé.
Como referi logo no primeiro post devotado ao tema, considero que o início da longa «noite de mil anos» cristã se situa no Natal de 800, data da coroação de Carlos Magno por Leão III, que investiu o rei franco da suprema autoridade temporal sobre os povos cristãos do Ocidente. Simultaneamente Leão III conseguiu desta forma cimentar o poder da Igreja na Europa medieval, que já detinha um poder económico considerável uma vez que a Igreja de Roma, a única instituição que sobreviveu à queda do Império Romano, possuía cerca de um terço das áreas cultiváveis, a base da riqueza medieval, da Europa ocidental.
Carlos Magno (768-814) reinava assim sobre um continente europeu fragmentado e desorganizado. Para restaurar o império, precisava do apoio da Igreja, a única estrutura organizada sobrevivente. A consequência cultural e civilizacional da união entre a Igreja e o Estado foi o que alguns apelidam de renascimento carolíngio que na realidade se traduziu no início de um obscurantismo de que o Ocidente só começou a sair na Renascença. Um longo período da História em que a civilização europeia cristã foi acorrentada aos dogmas das Escrituras e sujeita a vigilância constante e repressiva pela Igreja.
De facto, a supremacia total da Igreja sobre o pensamento da época, que se traduziu não só na asfixia na difusão do conhecimento como na perseguição de quem diferisse uma vírgula das emanações da Igreja, deve-se a Carlos Magno que criou uma quase obrigatoriedade de fornecer instrução aos cidadãos europeus por parte da Igreja. Pretendendo imitar o Império Romano e assegurar a unidade do seu vasto império, como a única estrutura sobrevivente passível de tal tarefa era a Igreja, encarregou-a de educar religiosamente os povos bárbaros que o constituíam. Para além disso Carlos Magno precisava urgentemente de preparar uma classe dirigente e, em especial, de dispor de funcionários letrados, capazes de cumprir tarefas que assegurassem a funcionalidade do império.
Assim, criou um grande número de escolas em mosteiros, conventos e abadias, para além de fundar, junto da sua corte e no seu próprio palácio, a chamada Escola Palatina, precursora das Universidades (sob domínio católico, claro) que começaram a surgir na Europa a partir do século XII. Estas escolas deveriam ser presididas por um eclesiástico, scholasticus, dependente directamente do bispo, daí o nome de escolástica dado à doutrina católica a partir do século IX.
Os traços característicos da escolástica são, tal como na patrística, a subordinação à teologia do pensamento antigo, especialmente dos filósofos gregos, Platão, mais concretamente o neoplatonismo, na escolástica pré-tomista, Aristóteles na escolástica tomista e de novo o neoplatonismo na versão agostiniana do pós Tomás de Aquino. Em todas as vertentes da escolástica afirma-se a supremacia da Igreja em relação às instituições seculares, nomeadamente defende-se (e implementa-se) que o direito deve ser elaborado a partir da teologia, pois Deus é o seu fundamento.
Um dos pomos de discórdia entre os vários períodos da escolástica tem a ver com o livre arbítrio, uma vez que para os neoplatónicos do período inicial da Escolástica, tanto a vontade, como a razão de Deus, determinavam o justo, pois só «Deus é criador do Justo». Daí serem chamados de voluntaristas. Já a linha tomista é não-voluntarista, pois o que determina a justiça é a natureza das coisas e a natureza racional do homem. Nesse sentido, Deus é apenas conselheiro e guia do Justo.
O teólogo mais proeminente do período inicial da escolástica é Scoto Eriúgena, um teólogo originário da Irlanda, dita Scotia maior, Eriu em língua céltica, daí o nome de Scoto Eriúgena. Em 874 é chamado à corte de Carlos o Calvo, para presidir e leccionar na escola palatina. A sua obra principal, De Divisione Naturae, (847)uma obra marcadamente neoplatónica, com uma interpretação realista dos universais (um conceito mental, a natureza intrínseca das realidades expressas por palavras universais como homem, árvore, animal, etc.), foi posteriormente condenada pela Igreja em 1225…
O facto do saber neste período medieval partir exclusivamente dos clássicos e ser reproduzido com muita interpolação em enciclopédias sortidas, de acordo com o autor «copista» mas seguindo as piedosa censura proposta por Agostinho, impediu a inovação do conhecimento. Por outro lado como se procedia à «purga» dos clássicos de forma a «comprovar» as opiniões da Igreja muito do conhecimento perdeu-se, irremediavelmente não fora ter sido conservado pela civilização árabe. Foi um período em que a aversão pelo empirismo propiciou o desenvolvimento de lendas sortidas, em que se acreditava nas coisas mais mirabolantes como são exemplo os bestiários medievais. Estas obras compiladas por monges pretendiam, como não podia deixar de ser, ensinar ao homem o caminho da redenção, e atribuiam a cada animal um significado místico, tendo como base as Sagradas Escrituras. Nas páginas dos bestiários abundam animais míticos como a fénix, o unicórnio, a sereia, cavalos alados e afins. Lendas como a do reino de Prestes João, um mítico reino cristão situado «para lá da Pérsia e da Arménia», governado por um rei-sacerdote denominado Iohannes Presbyter, descendente de um dos Reis Magos, propagada por Hugo de Gebel, bispo de uma colónia cristã no Líbano, preenchiam o imaginário dos europeus oprimidos e crédulos.
Foi um período de obscurantismo supersticioso em que reinou o maravilhoso, uma fuga ao insuportável quotidiano determinado estritamente pela Igreja, o mirabilis (o maravilhoso de origens pré-cristãs), o magicus (o sobrenatural maléfico) e o miraculosus (o maravilhoso cristão, o milagre que ainda hoje perdura).
De facto, a característica principal deste período escolástico pré-tomista, que se estendeu até ao século XIII, é a luta dos teólogos mais influentes, ou seja, os místicos, contra a ciência e a filosofia por eles considerada um resíduo pagão, uma distracção mundana, uma demonstração de vaidade e orgulho intoleráveis num cristão. Mistícos bem representados por São Pedro Damião no século XI e São Bernardo de Claraval (ou Clairvaux) no século XII.
Este último, que pregava a ignorância piedosa afirmando que «Deus não obedece à lei ordinária», combateu especialmente a linha filosófica dos chamados dialécticos, escola de pensamento cristão iniciada por Anselmo de Aosta (1033-1109), que cometiam a heresia de advogarem o uso da razão.
Segundo Bernardo, estes «hereges» «desvirtuavam a fé exigida pelos mistérios de Deus» e perseguiu Pedro Abelardo, o sucessor de Anselmo no uso blasfemo da razão, que, acusado de heresia, foi condenado em dois concílios, Soissons e Sens.
Na passada terça feira a Igreja Universal do Reino de Deus foi banida na Zâmbia depois de ser acusada de praticar satanismo e sacrifícios humanos. Já em 1997 o governo da Zâmbia tinha banido a IURD, por «práticas anti-cristãs», mas esta apelou da sentença obtendo a revogação da decisão no Supremo Tribunal.
O Ministro do Interior da Zâmbia, Peter Mumba, informou os repórteres que «O governo decidiu suspender as operações da Igreja na Zâmbia com efeitos imediatos, (…) de forma a permitir investigações das alegações, que consideramos muito sérias».
A decisão governamental foi tomada escassos dias depois de milhares de pessoas se terem manifestado violentamente em frente a um dos templos da IURD na capital, Lusaka, devido à existência de rumores de que existiriam pessoas raptadas, prestes a serem sacrificadas, no seu interior. Depois de a polícia ter sossegado os ânimos dos manifestantes, os dois homens que a multidão afirmava terem sido raptados para rituais satânicos, sairam, pintados dos pés à cabeça, de dentro do edifício. Ambos não se recordavam do que lhes tinha acontecido nem como tinham ido parar ao interior da Igreja.
No dia seguinte uma multidão incendiou uma igreja da IURD em Kanyama, uma cidade ao sul de Lusaka, e marchou para uma recém-construída catedral de muitos milhões de dólares que a IURD era suposta inaugurar na semana que decorreu.
Como a própria Enciclopédia Católica Popular indica, a Idade Média foi um período de total domínio da Igreja Católica que imprimiu «à Europa a visão teocêntrica do mundo, o ideal do império sujeito ao Papado (Cris-tandade) e a organização da vida do povo em torno dos princípios doutrinais e morais do Cristianismo». Os ecos desta «longa noite de mil anos», uma época de trevas e de obscurantismo, um tempo em que o homem, marcado indelevelmente pelo pecado original, morre para fazer viver Deus, ainda hoje se imprimem na sociedade actual, especialmente no Sul da Europa que a Reforma protestante não libertou da asfixia intelectual imposta pela Igreja de Roma.
De facto, se as culturas gregas consagraram como valores fundamentais o saber e a razão, o cristianismo procurou contrapor aos mesmos a superioridade da Fé revelada. Assim, o abandono do saber e da razão e a subordinação (e asfixia) de todo o conhecimento à religião marcou o pensamento europeu durante a Idade Média. Os únicos pensamentos «originais» que surgem, especialmente na Alta Idade Média (até ao século X), têm a ver com temas cristãos, tais como a providência e revelação divinas, a criação a partir do nada (creatio ex nihilo) e afins.
Podemos dividir a cultura cristã medieval em dois períodos, um designado por Patrística (séculos II-VIII), porquanto representa o pensamento dos pais da Igreja, os construtores da teologia católica e que domina na Alta Idade Média, e a Escolástica que se segue e termina com a (Baixa)Idade Média. Os expoentes destas escolas de pensamento são, como não poderia deixar de ser, Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, respectivamente.
O De doctrina Christiana (397) do inescapável Agostinho de Hipona (354-430) será a obra que dominará toda a cultura cristã medieval, obra que tem como objectivo formar o vir Christianus dicendi peritus, o cristão que através do uso judicioso da cultura antiga aplicada às Escrituras adquire sabedoria e habilidades retóricas necessárias à sua eficiência no disseminar da doutrina cristã. Agostinho quer assim uma cultura total e directamente subordinada ao cristianismo, em que todas as manifestações da vida intelectual estão ao serviço da vida religiosa, não sendo mais que uma função desta. Para Agostinho a vida intelectual do cristão deve opor-se de forma radical à cultura tradicional dos sábios do seu tempo, à estética do letrado e à curiosidade do erudito. Todas as ciências irrelevantes para este objectivo devem ser abandonadas por pagãs ou contrárias à verdade revelada.
De facto, Agostinho viveu numa época de transição e conviveu com a cultura greco-romana que lhe serviu de inspiração, especialmente Platão, ou melhor, o neoplatonismo de Alexandria. Assim, cristianiza selectivamente a cultura greco-romana, com ênfase em Platão, extirpando o que considera erro comum de todos os filósofos antigos: a exaltação da razão, considerada a mais alta manifestação do homem. À razão Agostinho contrapunha a revelação e, traçando o caminho para o obscurantismo medieval cristão que se vai seguir, recomenda a colecção, numa só obra de preferência o que deu origem ao enciclopedismo medieval, de todos os conhecimentos do mundo clássico necessários à interpretação e ensino dos textos sagrados e ignorar (isto é, suprimir) os restantes.
Talvez a expressão Sapientia Dei, Scientia Mundi descreva os dois aspectos da cultura cristã agostiniana, o superior, a sapiência, a contemplação das «verdades eternas» divinas, e o inferior, a ciência, que consiste na interpretação dos dados sensíveis. Deveras interessante são as várias conotações que Agostinho dá à ciência, pejorativa quando corresponde a um considerado uso perverso e culpado da razão, que ocorre quando o objectivo é o conhecimento de per se, uma explicação do mundo sensível e não um meio para chegar a Deus.
A interpretação de ciência de Agostinho conjuntamente com a desvalorização da vida terrena, já que o mundo medieval não tinha qualquer valor intrínseco, era apenas uma passagem para um outro mundo, traduziu-se numa desconfiança pelos dados dos sentidos e, em particular, pelo conhecimento empírico que perduraram em toda a Alta Idade Média. O fundamento para a verdade seria unica e exclusivamente a Bíblia, a palavra revelada de Deus e quem a pusesse em dúvida um perigoso herege que urgia exterminar antes que contaminasse outrem com o seu pensamento impuro.
Para esta subordinação do conhecimento à religião contribuiu igualmente a desagregação do sistema de ensino da antiguidade clássica que acompanhou a queda do Império Romano no Ocidente. A Igreja monopolizou o conhecimento, os clérigos foram durante muito tempo os únicos letrados e as instituições de ensino romanas foram substituídas por mosteiros. O pouco ensino praticado assentava exclusivamente na interpretação da Bíblia.
De igual forma na Alta Idade Média, as bibliotecas foram transferidas para mosteiros e conventos. Aí, em húmidos scriptoria, os manuscritos eram conservados, copiados, cristãmente interpolados (o que passava por tradução à época) e ilustrados. Uma colecção de 200 volumes, criteriosamente escolhidos e censurados de acordo com a doutrina agostiniana, era considerada uma grande biblioteca. Alexandria no seu apogeu possuía 700 000 volumes…
João Paulo II, aquele papa supersticioso, que acreditava em milagres e na bondade do Opus Dei, está a caminho da beatificação com um feito ocorrido em França.
Segundo a Agência Ecclesia, uma Irmã religiosa, vítima de cancro, obteve a cura sem explicação científica.
Este milagre vem a calhar para a carreira de santidade de JP2 pela qual zelam os meios mais conservadores da ICAR. O milagre foi adjudicado ao cadáver do Papa polaco.
Curiosamente já o santo Escrivá começou a corrida para a santidade com um milagre na mesma especialidade numa freira cuja madre superiora lhe desconhecia a doença. Em vida tinha sido um biltre ao serviço da ditadura de Franco e dos negócios da fé.
JP2 fez numerosos milagres em vida: recusou extraditar o bispo Marcinkus para prestar contas à justiça italiana na falência do Banco Ambrosiano, abafou o escândalo do assassinato do chefe da Guarda pontifícia; ocultou os motivos da morte de João Paulo I que pretendia investigar as contas do IOR (Banco do Vaticano) e que, para castigo, Deus só o deixou ser Papa 33 dias.
Já em vida, convencido de que tinha procuração divina para administrar os negócios de Cristo & Herdeiros, JP2 fazia curas com as mãos. Esses milagres não contam porque só os defuntos podem conviver com Deus. É o tráfico de influências entre cadáveres.
O aniversário do Diário Ateísta serviu para vómitos de raiva beata bolsados nos mais execráveis antros da blogosfera.
Devotos que gostariam de fazer do crucifixo material de construção ou, no mínimo, substituir com ele o papel de parede, destilaram ódio, insultaram os autores do Diário Ateísta e ameaçaram com agressões físicas.
As santas alimárias não se deram conta de que ressuscitaram o espírito das cruzadas e expuseram o desvelo inquisitorial que lhes vai no íntimo.
Quero crer que tenha sido uma remessa de hóstias estragadas, com o prazo de validade excedido, que lhes avariou o fígado depois de perderem os neurónios com a embriaguez mística.
As autoridades de saúde deviam tomar precauções relativamente à «sagrada espécie», exigir análises bacteriológicas e obrigar à certificação com o código de barras.
Não podemos deixar que os poucos católicos fundamentalistas se envenenem com um placebo que designam como «alimento da alma». Fazem falta à diversidade zoológica.
A União Europeia emitiu um comunicado onde desautorizou completamente toda a política americana de prevenção à SIDA. Pela primeira vez a Europa afirma com todas as letras que os programas de abstinência promovidos pela administração de Bush não são eficazes e que devem ser rejeitados pelas nações que desejam proteger os seus cidadãos.
Neste momento a União Europeia considera como prioridades o uso do preservativo (absolutamente fulcral), educação sexual e cuidados de saúde reprodutiva. Considera-se ainda como extremamente preocupante a ressurgência de mensagens enganadoras e sem validade empírica no que toca à prevenção do VIH. Uma óbvia referência aos programas americanos. Convém referir que dois terços da ajuda americana neste campo são usados exclusivamente para a promoção da abstinência. Trata-se acima de tudo da promoção de um modelo religioso sobre a capa de ajuda humanitária.
Vale a pena citar as palavras da secretária europeia para o desenvolvimento internacional, Hillary Benn :
«… não acredito que as pessoas devam morrer porque têm sexo.»
E tudo vai bater nesse ponto, neste momento a política humanitária americana está a ser comandada por um dogma religioso (é a própria ONU a afirmá-lo) e está a causar estragos incríveis nas zonas mais afectadas pela doença ao cortar os fundos para os meios eficazes (leia-se – preservativo).
Felizmente que e União Europeia se dissociou claramente do programa de evangelização norte americano, que haja pelo menos uma voz forte e sensata na comunidade internacional.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.