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29 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Totalitarismos e vitimização

Numa atitude clara de desafio à hierarquia católica, que quer a posse da igreja e excomungou não só padre mas também toda a direcção, pelo menos 2 000 fiéis da comunidade polaca de St Louis encheram a proscrita igreja de St. Stanislaus Kostka na noite de 24 de Dezembro para ouvir a primeira celebração eucarística do excomungado padre Marek Bozek.

Este episódio permite-nos reflectir sobre não só uma característica indissociável do cristianismo, a mania da vitimização e perseguição, como também a génese dos fundamentalismos. Claro que neste caso os crentes católicos têm motivo reais para se sentirem perseguidos pela hierarquia local mas o facto de terem comparecido em massa à primeira missa «proibida» reflecte dois dos factores de que se alimenta(ra)m os vários «flavours» do cristianismo. Um deles é a já referida mania da perseguição/vitimização, o outro é uma idiossincrasia humana que nos faz almejar o que é proíbido, tão bem identificada na máxima popular «o fruto proibido é o mais apetecido». Um dos meus amigos alemães, agora na Universidade de Bayreuth mas originalmente da Alemanha de Leste, ateu convicto, contava-me que antes da queda do muro ia com frequência a missas clandestinas não por qualquer convicção religiosa mas porque o facto de estar a fazer algo proibido satisfazia a sua rebeldia juvenil.

Ambos os factores foram abordados por Ed Brayton num post de um blog que leio habitualmente, os Despachos das guerras culturais, a propósito da não existente Guerra ao Natal, já referida pela Mariana. Para Brayton demagogia pura e interesse económico são as razões subjacentes ao alarido estridente criado em torno destes não assuntos pelos Jerry Falwells, Matthew Stavers e Bill O’Reillys que abundam nos Estados Unidos, ou seja a invenção de um inimigo conveniente que mexa com os sentimentos dos crentes é indispensável para manter um fluxo confortável de doações monetárias.

Sobre as razões porque embarcam tão facilmente os cristãos nestas encenações de perseguições inexistentes basta pensar como os cristãos enaltecem e valorizam os «mártires» e as perseguições em nome da fé. De facto, a(s) Igreja(s) cristãs alimenta(m)-se de «mártires» e sem estes e sem perseguição fenece(m). Assim, é preciso inventar perseguições e glorificar os que se «sacrificam» em nome de uma qualquer «causa» cristã, seja ela o aborto ou a Inquisição «anti-católica» que rejeitou Rocco Buttiglione.

A tentativa de angariar clientes com supostas perseguições justifica as declarações do finado Papa há pouco mais de um ano de que «no final do segundo milénio, a Igreja é de novo Igreja de mártires, as perseguições contra os crentes, sacerdotes, religiosos e leigos produziram uma grande seiva de mártires em diversas partes do mundo» pois como afirmou Edward Novak, secretário da Congregação para as Causas dos Santos, «De um mártir» nascem «centenas, milhares» de novos fiéis.

George Bernard Shaw descreveu o Sermão da Montanha, onde começam os inúmeros avisos bíblicos das «perseguições» de que seriam alvos os seguidores do mítico Cristo, como «uma explosão impraticável de anarquismo e de sentimentalismo». Friedrich Nietzsche acertou em cheio quando escreveu que «a moralidade cristã é a mais maligna forma de toda a falsidade» (Ecce Homo) ou, na Geneologia da Moral, «o cristianismo (ou a moralidade dos escravos) necessita um ambiente hostil para funcionar, a sua acção é fundamentalmente reacção».

Aliás, as nossas caixas de comentários são ilustrações perfeitas desta necessidade de invenção de perseguições pelos crentes, que assim satisfazem a ilusão de serem automaticamente abençoados e merecedores do reino dos céus como preconizado no Sermão da Montanha, mais concretamente em Mateus 5:10-12. Qualquer texto nosso é encarado como um insulto que encobre motivações sinistras (e inexistentes), perseguições confortantes para a fé que preenchem o léxico do imaginário dos crentes. São também ilustrações perfeitas dos ingredientes necessários à eclosão de fundamentalismos sortidos que, assim como todos os totalitarismos, assentam em três pilares:

1) A detenção de uma verdade «absoluta», à qual todos devem se submeter, mesmo os descrentes nesta suposta verdade;
2) A certeza num destino glorioso para os justos/eleitos;
3) Um grande inimigo que é necessário diabolizar, sendo a suposta perseguição por este inimigo o nexus da angariação e fidelização de seguidores.

De facto, um inimigo sob o qual estão sob ataque constante os «justos» ou eleitos é indispensável a qualquer totalitarismo, seja ele religioso ou ideológico/político, um inimigo que pode ser responsabilizado por todos os males da sociedade e cujo combate exige a mobilização permanente dos eleitos. Para completar o quadro, é necessário convencer o rebanho de conformistas que este inimigo está sempre a postos para os perseguir, pois domina a cena financeira/política e controla os meios de comunicação. Este último ponto é indispensável na era da comunicação para imunizar os crentes em relação a qualquer crítica, atribuindo tudo o que é dito de negativo sobre as respectivas doutrinas a manobras persecutórias e manipuladoras do inimigo omnipresente.

Assim, todos os totalitarismos, religiosos ou políticos, dividem a humanidade entre eleitos e excluídos consoante a sua obediência ou não a estas verdades «absolutas», invocam infernos sortidos (concretizados em gulags e campos de concentração na versão política) como destino dos excluídos e consideram ser esta a forma suprema de justiça. Para todos os totalitarismos o destino do homem livre, o seu grande inimigo, é a perdição. Ou seja, pervertem o conceito de liberdade como pervertem o conceito de justiça ao pregarem que só a obediência cega, a Deus ou a líderes totalitários, conduz à verdadeira liberdade. E apelidam de ditadura, do relativismo ou afins, a verdadeira liberdade!

29 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Carta aberta a uma prosélita

Laura Schlessinger é uma personalidade da rádio americana que dá conselhos às pessoas que ligam para o seu show.

Em tempos ela disse que a homossexualidade é uma abominação de acordo com Levíticos 18:22 e não pode ser perdoado em qualquer circunstância.

O texto abaixo é uma carta aberta para a Dra. Laura Schlessinger, escrita por um cidadão americano, divulgada na Internet, e que pode ser lida em
http://www.humanistsofutah.org/2002/WhyCantIOwnACanadian_10-02.html

«Cara Dra. Laura:

Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com o seu show, e tento compartilhar esse conhecimento com tantas pessoas quantas posso.

Quando alguém tenta defender a homossexualidade, por exemplo, eu lembro simplesmente que Levíticos 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.

Mas eu preciso , entretanto, da sua ajuda no que diz respeito a algumas outras leis específicas e como seguí-las:

a) Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levíticos 1:9). O problema são os meus vizinhos.
Eles reclamam afirmando que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?

b) Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época actual, qual acha que seria um preço justo?

c) Eu sei que não é permitido ter contacto com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levíticos 15:19-24).O problema é: como é que eu digo isso a ela? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.

d) Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados em nações vizinhas.
Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadianos. Você pode esclarecer isso? Por que será que eu não posso possuir canadianos?

e) Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 afirma claramente que ele deve ser morto. Sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo?

f) Um amigo meu acha que, mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levíticos 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade. Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?

g) Levíticos 21:20 afirma que eu não posso aproximar-me do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler.
A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?

h) A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusivamente o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como devem eles morrer?

i) Eu sei que tocar em pele de porco morto me faz impuro (Levíticos 11:6-8), mas eu posso, por exemplo, jogar futebol americano se usar luvas? É que as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco.

j) O meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levíticos 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. A sua esposa também viola Levíticos 19:19, porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliester). Ele também tem tendência para praguejar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levíticos 24:10-16)? Nós não poderíamos simplesmente queimá-los numa cerimónia privada, tal como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com os seus sogros (Levíticos 20:14)?

Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, por isso confio que possa ajudar.

Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.

Seu discípulo e fã ardoroso

Jim

29 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Acontecimento científico do Ano

A revista Science escolheu a Evolução como a área em que se registaram os avanços científicos mais importantes do ano. Para celebrar o tema e, nesta altura em que os fanáticos religiosos travam um guerra IDiota com a evolução, igualmente para permitir que todos tenham acesso às descobertas mais marcantes que demonstram a evolução como a pedra basilar de todas as ciências biológicas incluindo a medicina, todos os artigos publicados nesta área têm acesso grátis até Março de 2006.

Embora ressalvando que o grande passo em frente se deu há um século e meio quando Charles Darwin publicou a Origem das Espécies, em que reconhece como a selecção natural moldou as diferentes espécies que hoje habitam o nosso planeta, a prestigiada revista científica elege 2005 como um ano emblemático para a evolução com a descoberta de detalhes sobre como de facto ocorreu a evolução, com a publicação dos genomas de espécies como o chimpanzé ou o cão, para além de uma série de descobertas que lançaram uma nova luz nos mecanismos com que populações evoluiram em novas espécies.

28 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Milagres e exorcismos

Os judeus eram exímios em milagres. Sem exclusivo, gozavam de larga experiência no ramo com peritos conceituados como os profetas Elias e Eliseu e o próprio Moisés.

Melhor em curas só Asclépio, também conhecido por Esculápio, com vários templos espalhados pela Grécia onde era deus e curandeiro, tão famoso que ainda hoje empresta o nome aos médicos. Perdeu-o – diz a lenda -, a mania de ressuscitar mortos, tendo-o Júpiter fulminado a pedido de Plutão que temia que os seus reinos, os Infernos, se despovoassem.

No tempo em que Jesus nasceu, além dos milagres estavam em voga os exorcismos, imprescindíveis para expulsar demónios que procuravam o corpo dos humanos como as bactérias o intestino.

Foi nessa cultura que Jesus nasceu, quando o demo ainda não se afligia com o sinal da cruz nem se deixava intimidar com água benta. Temia os profetas e estremecia com o aramaico como mais tarde havia de fugir dos padres, da cruz e do latim.

Jesus seguiu cedo a carreira de pregador e ofícios correlativos – milagres e exorcismos.

A cura de um possesso em Cafarnaum tornou-o conhecido e em breve outros vieram para que os curasse e ele assim fez. À Galileia chegaram possessos de Jerusalém, da Judeia, da Idomeia, de além-Jordão, de Tiro e de Sídon e a todos curou.

Jesus expulsou inúmeros demónios, incluindo sete alojados em Maria Madalena, sendo-lhe mais difícil contá-los do que espantá-los.

Isaías profetizou que os leprosos seriam curados, os profetas acertam sempre, e Jesus curou os que lhe apareceram na consulta. Tempo viria, mas Jesus não sabia, em que as sulfonamidas, os antibióticos e a higiene erradicariam a doença.

O Vaticano já não adjudica milagres em leprosos, por falta de doentes, na Europa e na América latina, regiões privilegiadas na agenda das canonizações. É mais eficaz um médico de segunda do que a intercessão através do cadáver de um padre do Opus Dei ou de um mártir que na guerra civil de Espanha tivesse tomado o partido de Franco.

Hoje, perdido o caldo de cultura onde medravam Deus e o Diabo, restam famintos que estrebucham e rolam pelo chão em locais recônditos de países rurais onde os padres com a cruz e o hissope enxotam demónios, em latim, sem sacrificar porcos como Jesus soía.

Jesus foi pioneiro a atravessar a pé o mar da Galileia a caminho de Gerasa, para quem acredita em Marcos e Lucas, ou de Gadara, para quem prefere Mateus. Talvez soubesse o caminho das pedras mas o feito ainda hoje é debitado nas homilias para gáudio dos crédulos e proveito dos oficiantes.

Depois de morrer, Jesus apareceu ressuscitado a Pedro, depois aos Doze, mais tarde a mais de quinhentos, depois a Tiago, a seguir a «todos os Apóstolos» e, em último, ao próprio Paulo.

Hoje, só a Virgem se desloca em viagens de propaganda e manifestações de piedade.

28 de Dezembro, 2005 jvasco

Manobras Maquiavelicas segundo o GLOBO

«Diferentemente do que a Igreja Católica costuma ensinar, o Espírito Santo não presidiu o último conclave. O caráter político da eleição do Papa Bento XVI foi muito mais forte do que se divulgou até hoje. O cardeal alemão Joseph Ratzinger deu sinal verde para sua candidatura, mandou dizer aos colegas que aceitaria ser Papa e fez uma forte campanha nos bastidores para tornar-se Bento XVI. Chegou a contar com a ajuda de um grupo influente de cardeais conservadores como cabos eleitorais. Esses cardeais pró-Ratzinger passaram a sondar os colegas em conversas reservadas logo após a morte do Papa João Paulo II. Com isso, Ratzinger entrou para o conclave, no dia 18 de abril, praticamente eleito.

O relato foi feito por um dos quatro cardeais brasileiros que participaram da votação ? a mais secreta e misteriosa do mundo contemporâneo. O cardeal revelou os bastidores do conclave ao GLOBO sob condição de anonimato. Os que quebram o sigilo da eleição de um Papa estão sujeitos à pena máxima da excomunhão.»

Ver todo o artigo aqui.

27 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

A sétima dimensão

A criação, basílica de São Marcos, Veneza, Itália.

«Pois eu vou ver os limites da Terra fecunda, e o Oceano, origem dos deuses, e Tétis, sua Mãe» Homero, Ilíada.

Segundo Teilhard de Chardin nada é inteligível fora do seu lugar histórico, assim a compreensão das sociedades actuais é inseparável da história da religião, da filosofia e da ciência e podemos acompanhar a evolução das religiões prevalecentes analisando a conjuntura cultural em que surgiram e como se desenvolveram. De facto, desde que os acasos da evolução permitiram ao Homem o desenvolvimento de um complexo sistema neuronal os seres humanos apresentam uma apetência inata por explicações. Esta é certamente uma das razões que explica porque a religião tem acompanhado o Homem ao longo da História, uma vez que as religiões se reclamam detentoras da verdade absoluta, global, completa, tanto no que respeita à natureza como ao homem.

Desde a Renascença que a Cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, está em declínio no Ocidente. O Humanismo, o traço dominante do Renascimento, venceu o teocentrismo medieval, com a sua redescoberta do homem, confiante no seu intelecto, poder e valor, em contraste com a Idade Média, que apenas considerara o homem como um ser pecaminoso e sem valor intrínseco. Libertação do homem renascentista bem representada no discurso «Da dignidade do homem» (Hominis Dignitate) de Picco della Mirandola.

A dignificação do homem traduz-se igualmente numa dignificação da vida: o homem medieval que morria para fazer viver Deus deu lugar ao homem da Renascença que ao viver plenamente a vida, não mais apenas uma passagem para outro mundo mas uma vida com valor intrinseco, deixa de olhar para o céu em mistícas contemplações divinas mas passa a escrutinar o seu mundo que descobre natural e sujeito apenas a leis naturais. O resultado último do naturalismo do renascimento é, pois, a ciência.

Ciência que contrapõe às «verdades absolutas» reveladas por um Deus criador um modelo da realidade, parcial, em permanente construção e no qual o homem não é mais do que um elemento da natureza, de que é o produto. Ou seja, para além da sua ambição comum de fornecerem uma leitura coerente do mundo sensível, a religião e a ciência ocupam o mesmo espaço: o do pensamento humano. Durante séculos, a religião manteve uma posição de preponderância, oferecendo aos homens uma verdade inquestionável e indispensável. Hoje verificamos exactamente o inverso e, apesar das tentativas IDiotas de recuperação desta hegemonia integrista, são poucos os que buscam na religião as respostas ao mundo sensível que estas durante milénios ofereceram ao Homem.

O argumento que a religião e a ciência operam em dimensões diversas e que estão preocupadas com questões diferentes, do mundo «espiritual» e do mundo material, não colhe, já que as religiões surgem e desenvolvem-se para preencher o papel hoje ocupado pela ciência. E por outro lado a ciência, mais concretamente as neurociências, negam a necessidade de invocar qualquer transcendência para explicar a «espiritualidade» humana.

Para uma ateísta como eu, para quem a mera concepção de um qualquer ser transcendente é absurda, a religião é completamente desnecessária e toda a minha «ligação» para além da física, isto é, a minha metafísica, se reduz à sua definição por William James, «apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza», isto é, sem arbitrariedade nem dogmatismo. Assim a minha hipótese metafísica, a natureza fundamental da realidade, assenta em quatro pontos que resumidamente são:

1) Ontologia,(a natureza da realidade ou do ser) O Universo é auto-suficiente na sua existência e rege-se por leis naturais que determinam a natureza do ser de todos os seus componentes. A introdução de uma qualquer entidade externa que o criou e de que é dependente é completamente absurda e desnecessária.

2) Epistemologia (a teoria do conhecimento) O conhecimento e interpretação do Universo estão contidos e derivam do próprio Universo. A interpretação do Universo assenta em princípios lógicos que derivam da razão humana, por sua vez explicável por leis naturais.

3) Ética e Moral O direito que rege as sociedades deve transcrever o progresso ético da humanidade e não «verdades absolutas» reveladas de uma qualquer mitologia. Verdadeiro e falso são valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição. Uma verdade de ontem pode não ser uma verdade hoje, porque o contexto em que essa verdade é avaliada mudou ou porque novos dados entretanto descobertos transformaram essa verdade em mentira.

A moral é simplesmente o conjunto de respostas automáticas do nosso sistema neuronal a estímulos exteriores e tem a ver não só com causas hereditárias e ambientais mas com os estímulos a que fomos sujeitos na infância, durante o período de desenvolvimento das conexões neuronais e crescimento dos «spindle neurons».

4) Teleologia Não há qualquer propósito no Universo. O Universo é simplesmente aquilo que vemos, é a única realidade existente e nós somos apenas um infíma consequência de processos naturais casuísticos. O significado da nossa vida é o que fazemos dela e não há qualquer causa última quer para nós quer para o Universo.

27 de Dezembro, 2005 jvasco

O Perigo do Intelecto

«O crente Cristão é uma pessoa simples: os Bispos deveriam proteger esta gente simples contra o poder dos Intelectuais»

Esta afirmação foi feita por Ratzinger em 31 de Dezembro de 1979, no contexto da defesa da acção contra Küng.

Originalmente li-a na Visão, mas o jornal Expresso também a referiu. O resto da imprensa nacional, como é hábito, faz de toda a informação que possa desagradar à Igreja um tabu, e mal referiu esta afirmação cheia de interesse para se entender como pensa o novo Papa. No que respeita ao circuito mediático português foram principalmente os blogues (como o Barnabé, por exemplo) que divulgaram essa informação.

Alguma imprensa internacional (mesmo católica) referiu essa pérola. Encontrei facilmente esta notícia e esta.

No livro Papa Bento XVI: uma Biografia de Joseph Ratzinger (de John L., Jr. Allen) pode ser lida essa afirmação na página 130 da versão em inglês. Nunca espreitei a versão portuguesa, mas deve estar lá perto.

27 de Dezembro, 2005 lrodrigues

Uma vida «chata»

Segundo o «Washington Post» o Papa Bento XVI declarou no seu discurso de Natal que os homens e as mulheres correm o risco de se tornarem vítimas das suas próprias… realizações intelectuais.

Mesmo ainda antes de ocorrer a sua transmutação em Papa, já o «Rottweiler de Deus» havia anunciado solenemente que «os fiéis são pessoas simples que é preciso proteger dos intelectuais».

É muito curioso como é o próprio Papa quem persiste em tratar o seu rebanho de fiéis e devotos católicos como autênticos atrasados mentais.

E como parece temer aqueles a que chama pejorativamente «intelectuais», e a que estranhamente contrapõe os fiéis da Igreja Católica, como se de figuras opostas e inconciliáveis se tratasse.

Como se ele próprio reconhecesse que um fiel, um crente, não pudesse ser um intelectual.
Como se receasse que os intelectuais, esses horríveis seres pensantes, «contaminem» os crentes e os obriguem a deixar de ser pessoas simples e naturalmente afastadas de realizações intelectuais.

Já aqui há uns dias, durante a cerimónia comemorativa do 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II o Papa Bento XVI tinha denunciado aquilo a que chamou a ideia completamente errada de que levar uma vida virtuosa é uma coisa «chata».

Tem razão o Papa!
Do alto da sua infalibilidade papal, estas elucubrações do chefe máximo da Igreja Católica são, de facto, brilhantes.

Tanto ele próprio como muitos milhares de outros ilustres religiosos que consagraram a sua vida a Deus e que levam uma vida piedosa e de oração, inteiramente virtuosa e completamente isenta de ?pecado?, têm decerto uma vida muito longe de ser considerada ?chata?.

Pode ser uma vida completamente inútil, isso sim.
Pode ser uma vida inteira desperdiçada, pateticamente dedicada a bajular e a louvaminhar alguém que não existe.
Pode mesmo ser uma vida «simples».
Pode até ser uma vida totalmente isenta de «realizações intelectuais».

Mas «chata», não!
Isso ela não é com certeza!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

26 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Humor Católico: desenvolvimentos

Alertada pelos comentários de alguns dos nossos leitores da vizinha Espanha, aos quais aproveito para agradecer, especialmente à Ester, resolvi investigar um pouco mais o que se passava com este episódio de humor católico com contornos «racistas e colonialistas», como o designou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, Armando Loayza.

E de facto, em minha opinião, este não foi o episódio infeliz retratado em alguma imprensa mas sim um desafio deliberado lançado pela COBE (certamente com o amen dos seus donos, a Conferência Episcopal Espanhola) ao governo de Zapatero que se atreveu a afrontar a até aqui toda poderosa e intocável Igreja Católica.

Desafio catalizado pela decisão recente do Conselho Audiovisual da Catalunha (CAC), a autoridade reguladora do sector nesta comunidade autónoma cujos membros são designados pelo Parlamento autónomo, que concluiu num extenso relatório de 71 páginas (pdf disponível) que a emissora COPE «incorreu numa infracção dos limites constitucionais ao exercício legítimo dos direitos fundamentais à liberdade de informação e expressão» o que constitui «um incumprimento grave do regime de concessão». Decisão aplaudida pelo colégio de jornalistas catalão. De momento a emissora não sofrerá sanções porque, de acordo com a lei vigente, aprovada este ano com 90% dos votos, tem de incorrer em nova infracção para que tal aconteça. O que tendo em conta o teor das (des)informações transcritas no relatório, mentiras descaradas, insultos ofensivos gratuitos a membros do governo nacional e catalão e afins parece provável antes do final de 2005!

Este episódio de «humor» católico serve para ilustrar qual o tipo de «liberdade de expressão» que os empregados da Conferência Episcopal querem defender daquilo a que chamam a Inquisição Audiovisual da Catalunha. Ou seja, informar com responsabilidade e veracidade é algo que não consta dos padrões da rádio da Igreja Católica espanhola, padrões a que terão de se conformar quando for aprovado o ante projecto de lei anunciado há três dias pela vice presidente María Teresa Fernández de la Vega, a criação do Conselho Audiovisual Estatal que irá colmatar a falta de uma autoridade nacional sobre os media espanhóis (a Espanha é o único país da União Europeia em que esta autoridade não existe).

Que todo o abominável episódio não foi de facto uma partida «leve» e inocente é fácil de perceber lendo a resposta de Federico Jiménez Losantos à reacção de indignação dos governos espanhol e boliviano, que segue a habitual táctica de vitimização e acusações de perseguição da santa madre Igreja. Assim o o piedoso jornalista classifica de «grotesca palhaçada orquestada por Zapatero para chantagear os bispos e liquidar os programas críticos para a sua mísera política antinacional» a reacção do governo de Zapatero e em relação a Evo Morales, o piedoso jornalista considera que «merece, no mínimo, o mesmo tratamento que os seus confrades ditatoriais [o golpista (sic) Chávez e Fidel]: a oposição política e, desde logo, a sátira onde haja liberdade de expressão».

Acho estranho que para este funcionário da Igreja Católica espanhola, que tanto se congratulou com a reeleição de Bush, sejam ditadores estadistas eleitos livremente por uma maioria esmagadora da população. Enfim, pode estar simplesmente em total ressonância com Bento XVI, que afirma que à falta de crença religiosa se segue inevitavelmente o fascismo… Mas já acho mais complicado que considere legítimo apelar ao derrube do governo, eleito democraticamente, de Zapatero por todos os meios, de «unhas e dentes» incluindo «em última instância, o levantamento popular. E em ultissimo lugar, os militares». Claro que há precedentes em Espanha nomeadamente na Guerra Civil espanhola em que Franco teve uma inestimável ajuda de Pio XI, que em 1936 exortou os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com o Generalissimo na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

Certamente que esta última declaração, quasi um apelo a um golpe militar contra Zapatero não fora o próprio Losantos reconhecer que tal apelo não teria muito eco nos meios militares espanhóis, se enquadra na tal «liberdade de expressão» considerada ameaçada pela hierarquia católica espanhola. Mas já sabemos que para um cristão fundamentalista liberdade de expressão é sinónimo de liberdade de expressão apenas para as suas «verdades absolutas».

De qualquer forma a Conferência Episcopal espanhola segue à risca as recomendações do finado Papa: «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação». Afinal liberdade de expressão para todos corresponde para a santa madre Igreja, como advertiu João Paulo II no seu último livro «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», a dar voz à «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade e que surge quando os governos decidem usurpar a «lei de Deus» como acontece com o de Zapatero.

26 de Dezembro, 2005 pfontela

Sensibilidade estética e curiosidade

Pessoalmente considero a fé religiosa monoteísta tal como ela é estruturada pelas grandes religiões actuais como uma completa charlatanice, propagada e mantida por um grupo de interesse: o clero. Mais ainda: enojam-me profundamente os actos de humilhação individual perante o «divino» que todos os anos somos testemunhas, seja pelas procissões ou outros eventos mais ou menos regulares.

A religião do livro que é dominante no Ocidente, o Cristianismo, sofre do que eu considero ser a patologia da fraqueza. Da virtude por associação à dor, ao sofrimento e à negação. A concepção do Homem como inferior parece ser intrínseca a ela, a sua concepção de deus só me parece possível rebaixando o Homem ou a um escravo ou a um ser que é perfeitamente patético e indigno seja do que for.

Apesar de tudo isto não me é possível negar ao crente o direito de se tornar na criatura patética dos seus sonhos (pesadelos?). O facto de respeitar a sua liberdade individual não torna as suas concepções alienígenas mais próximas da minha estética, nem por um segundo. O que sim me força é a rejeitar o papel de educador, de pedagogo e acima de tudo o de salvador (com tons totalitários como é regra). Deixemos o messianismo para outros.

A conclusão lógica de tudo isto é, ou deve ser, a não interferência. Que muito possivelmente, nos casos de maior curiosidade intelectual, é complementada por uma tolerância derivada da partilha de opiniões e elementos «culturais» – digo isto sem ironia alguma, pois apesar de ser um ateu empedernido, materialista e empirista tenho grande interesse e curiosidade pelos mitos e ideias que circulam, ou circularam, pela «oposição».

O que torna este diálogo impossível (que é essencialmente de natureza intelectual e de escasso interesse para muitos) é o fanatismo. Qualquer posição que defende a existência de um imperativo moral que justifique a acção opressiva não pode aceitar qualquer diálogo, pois a própria existência de uma oposição fere a sua sensibilidade e o seu suposto primado sobre a verdade. A religião exerce por excelência (mas não exclusivamente) esse papel pelas suas organizações que se encontram mais ou menos institucionalizadas conforme o grau de secularização – que é um pré-requisito de uma genuína liberdade civil.

A convivência pacífica não é ameaçada pela diversidade, desde que esta diversidade seja subentendida num contexto da existência de um espaço completamente privado, onde existe liberdade para agir como bem entendemos, e um espaço público que por natureza tem que ser neutro. E o que digo vale tanto para ateus como para teístas.