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2 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Policarpo reincide em meter-se em política

Na sua homilia de 1 de Janeiro, José Policarpo, designado «Cardeal Patriarca de Lisboa» pela Igreja Católica de Roma, tentou marcar a agenda política portuguesa pronunciando-se, de um só fôlego, contra o aborto, contra as mães solteiras, contra a investigação científica sem autorização clerical, contra a adopção por casais de pessoas do mesmo sexo, e contra a legislação sobre procriação medicamente assistida que está em discussão na Assembleia da República:
  • «Isso exige que os valores éticos, defensores da dignidade do homem, estejam presentes no próprio processo científico e, sobretudo, na sua aplicação prática à vida dos homens e das sociedades. (…) O momento presente da nossa sociedade portuguesa oferece-nos um exemplo preocupante: a preparação de legislação, aliás necessária, que regule as potencialidades que a ciência oferece à fecundação assistida. A dignidade da procriação humana, ligada à família e ao amor, os direitos inalienáveis do nascituro, entre os quais sobressai o direito de ter uma família, com um Pai e uma Mãe, sobrepõe-se, do ponto de vista moral, ao entusiasmo de aplicar, ao sabor dos critérios individuais, todas as possibilidades que a ciência abriu. Do mesmo modo que a dignidade do embrião humano, cujos excedentes devem e podem ser evitados pelo próprio processo técnico-científico, não permite que seja alvo, enquanto vivo, de qualquer investigação, por mais promissora que seja.»

Não discuto o direito do cidadão José Policarpo a expressar opiniões, por mais mal fundamentadas ou totalitárias que sejam, sobre os assuntos referidos mais acima. No entanto, quando o «Cardeal Patriarca» se aproveita de uma cerimónia que supostamente seria estritamente religiosa para fazer política, e baseia juízos políticos em dogmas religiosos, sujeita-se a que a igreja em nome da qual fala seja criticada politicamente, pois colocou a religião (um assunto privado) no centro do debate político (e portanto público). É claro que nada há de surpreendente nisto: a ICAR jamais compreendeu a distinção entre religião e política, e as pessoas formadas nessa cultura clericalista farão gala em repetir em 2006 este erro já velho de dezasseis séculos. Mas, sendo assim, não se devem armar em vítimas ou queixarem-se das críticas que ouvem dos anticlericais, porque as merecem plenamente.

Faltando nitidamente a José Policarpo, por herança cultural, as noções éticas e cívicas que lhe permitiriam distinguir o que são preocupações espirituais e o que são temas de debate político, seria porém de esperar que a comunicação social, por obrigação profissional, soubesse fazer a destrinça. Infelizmente, tanto os canais de televisão como a imprensa escrita incluiram as declarações de Policarpo nos espaços de «Sociedade», e não nas secções de «Política» onde indubitavelmente pertencem – o que é lamentável e mostra que também os jornalistas não separam os momentos em que Policarpo fala para os anjos daqueles em que fala para os homens.

1 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Critérios contraditórios?

Enquanto em St Louis o arcebispo, Raymond Burke, excomungava os seis membros do conselho de direcção da igreja de St. Stanislaus Kostka e o seu padre polaco, Marek Bozek, por o conselho de direcção recusar ceder a propriedade da Igreja e o controle financeiro da paróquia para a arquidiocese, em Portland, Oregão, a arquidiocese local pretendia exactamente o contrário, ou seja, que eram as dioceses e não a arquidiocese as proprietárias dos bens da Igreja católica local.

A pretensão da arquidiocese local, que chocou os católicos americanos num caso vindo a lume recentemente, envolvendo a recusa da arquidiocese em pagar uma pensão de alimentos ao filho de um seminarista, surgiu na sequência da sua declaração de falência face aos muitos casos de abuso sexual de menores envolvendo padres da arquidiocese.

Aparentemente a pretensão do piedoso arcebispo de Portland de que apenas guardava a posse dos bens de outrem (as paróquias) não foi reconhecida pela Justiça americana, nomeadamente pela juíza Elizabeth Perris que determinou sexta-feira que todos estes bens são de facto posse da arquidiocese. Perris também rejeitou a outra pretensão da arquidiocese, de que deveria ser sujeita apenas à «lei da Igreja» e não à lei federal americana.

A decisão judicial, no entanto, não implica automaticamente que a referida arquidiocese seja forçada a vender propriedade da Igreja para pagar quer os acordos quer as indemnizações devidas aos abusados sexualmente.

1 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Fim de ano na Indonésia

O último dia de 2005 na Indonésia foi marcado por violência religiosa, na forma de mais um ataque bombista num mercado na província de Sulawesi. A mesma província que viu há pouco mais de dois meses três adolescentes serem decapitadas quando se dirigiam para a sua escola católica.

A bomba artesanal explodiu perto de uma banca que vendia carne de porco, numa zona da cidade maioritariamente católica, e vitimou oito pessoas, deixando muitos feridos.

Embora a Constituição da Indonésia afirme «que a nação é baseada na crença de um Deus Supremo» concede a «todas as pessoas o direito de adorar [este Deus Supremo] de acordo com o seu ou sua religião ou crença». Os ultimos anos neste país em que o islamismo é a religião maioritária têm sido palco de violência religiosa, especialmente contra católicos mas também dirigida a movimentos islâmicos liberais, como o Jaringan Islam Liberal (JIL). Grupos radicais islâmicos como o Jemaah Islamiah, que pretende transformar a Indonésia num país islâmico, estritamente sujeito à Sharia, têm sido acusados de uma série de ataques bombistas que incluem o ataque a igrejas cristãs na véspera de Natal de há cinco anos.

Nunca perceberei porque os fundamentalistas de todas as religiões, que não aceitam nem formas de agir nem de pensar diferentes das preconizadas pelas respectivas religiões, se acham no direito de impor a todos a sua religião e os seus dogmas anacrónicos, sejam alimentares, de escolha sexual ou referentes aos direitos reprodutivos das mulheres. E estes fundamentalismos não se restringem aos islâmicos, como os recentes acontecimentos em Timor indicam.

1 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Canonização dos pastorinhos

A indústria dos milagres não pára de lançar novos modelos. O dinamismo que JP2, papa supersticioso que acreditava em Deus, imprimiu à Congregação para as Causas dos Santos, mantém-se com B16.

Ninguém esperava que o frio inquisidor viesse negar o charlatanismo e as mentiras mais boçais mas, pensaram alguns, que preservasse do ridículo a ICAR e do constrangimento os crentes mais sensatos.

Nem todos os que se empanturram em hóstias são tão crédulos como João César das Neves ou têm a desfaçatez de exibir um ar bovino com as maravilhas que Deus obra para alguns pobres diabos a quem antes tramou com a moléstia.

Os dois pastorinhos que puseram a andar a D. Emília, a entrevada de Leiria que morreu a seguir, completamente curada, preparam-se para ver aprovado um novo milagre.

O anterior foi confirmado por «três médicos diferentes», segundo informou a ICAR – o Dr. Felizardo Prezado dos Santos, a Dr.ª Fernanda Brum (esposa) e uma psiquiatra, filha de ambos, todos militantes em organismos católicos.

O vice-postulador para a causa da canonização dos Pastorinhos, padre Luís Kondor, já entregou em 30 de Dezembro, no Vaticano, um milagre na área da endocrinologia.

Alguns factos importantes que devem envaidecer os portugueses:

– É inédito que os milagres aconteçam por intercessão de crianças (Francisco e Jacinta) que, naturalmente, continuam mortos, como todos os santos, excepto o Santo Padre;

– Trata-se de uma joint venture (um milagre feito a meias, tal como o primeiro em que as crianças se iniciaram no ramo da ortopedia);

– O milagre foi realizado pela televisão (a mãe do bebé Filipe Moura Marques assistia na Suíça à beatificação dos taumaturgos e ajoelhou-se, com o pequeno ao colo, a rezar). No controlo seguinte, a criança estava curada e não precisou mais de insulina.

– Na versão anterior a mãe teria feito um périplo de joelhos à volta do aparelho, com a criança ao colo. Na versão definitiva a graça foi concedida em posição mais confortável da mendicante.

O Diário Ateísta felicita Deus pela bondade para com o menino Filipe mas preferia que não lhe tivesse mandado a doença. Quando ao Francisco e à Jacinta, deseja-lhes uma tão longa carreira de milagres quão curta foi a sua vida de miséria, ignorância e fé.

1 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Um excelente e laico 2006


E celebremos menos um ano que falta para concretizar a visão de Condorcet*:

«Chegará, pois, esse momento em que o Sol só iluminará, sobre a Terra, homens livres, que não reconhecem outro senhor para além da sua razão.»
Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794)

* Obrigado ao Luís Mateus pela mais iluminada mensagem de Ano Novo que recebi!

31 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Um novo ano

Men whose historical superiority
Is always greatest at a miracle.
But Saint Augustine has the great priority,
Who bids all men believe the impossible,
Because ‘t is so. Who nibble, scribble, quibble, he
Quiets at once with «quia impossibile.»

And therefore, mortals, cavil not at all;
Believe: — if ‘t is improbable you must,
And if it is impossible, you shall:

Don Juan, Canto XVI, Lord Byron (1788-1824)

Na altura em que simbolicamente encerramos 2005 e enunciamos os nossos propósitos para 2006, o nosso, neste cantinho virtual dos ateístas nacionais, é contrariar o conselho supracitado: não acreditar no improvável nem no impossível porque sim, mas continuar a promover «um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza». Mas certamente seguiremos a asserção de Byron que «Fools are my theme, let satire be my song»!

E já que Lord Byron foi o inspirador do post, recomendo para o início de 2006 a leitura do manifesto do seu par numa das mais firmes amizades na história da literatura, Percy Bysshe Shelley (1792-1822), «The Necessity of Atheism».

31 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Documentário do ano

A BBC4 passou este ano um documentário em três episódios, que espero chegar a Portugal, escrito por Jonathan Miller, um médico que se tornou um dos mais aclamados directores britânicos de ópera e teatro, intitulado Jonathan Miller’s Brief History of Disbelief (Breve história da descrença).

Num ano marcado pelas IDiotias dos fundamentalistas cristãos americanos que têm na ciência a principal inimiga da fé são interessantes as declarações do produtor/director desta série, Richard Denton, que confessa que as suas ideias preconcebidas de que tinha sido a ciência a grande culpada da erosão da fé foram abaladas pela descoberta proporcionada pelo documentário de que fora a filosofia, ou antes a atitude filosófica que consiste em não aceitar certezas e crenças estabelecidas, o factor que mais contribuira para a descrença.

Em adição ao documentário foram emitidas seis entrevistas de meia hora, The atheism tapes, com alguns dos colaboradores do documentário. De realçar a primeira entrevista da série, um tributo ao recentemente falecido dramaturgo americano Arthur Miller, o autor, entre outras, da peça «Morte de um caixeiro-viajante».

30 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

William W. Howells

William W. Howells, um dos mais eminentes antropólogos evolucionistas, professor emérito de Harvard, recipiente do Charles Darwin Award for Lifetime Achievement em 1992 e do Distinguished Service Award da American Association of Physical Anthropologists em 1978, morreu dia 20 de Dezembro com 97 anos.

Para os interessados nesta área fascinante Howells tem um excelente livro de introdução à evolução dos hominídeos, Getting Here: The Story of Human Evolution, que aborda a evolução humana desde antepassados tão remotos como o australopitecus e Homo habilis passando pelo Homo erectus até ao Homo sapiens.

Convido-os a explorarem algumas páginas do livro, que explicam fabulosamente o que é uma teoria científica, e a «evolução» do evolucionismo.

30 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Maria Madalena

Naquele tempo, em Magdala, na antiga Palestina, uma multidão preparava-se para apedrejar Maria sobre quem recaía a acusação de pecadora. Fora um boato posto a correr, talvez por um corcunda da tribo de Manassé, ressentido por se ter visto recusado, que a sujeitara ao veredicto de que não cabia recurso.

O princípio do contraditório ainda não tinha sido criado, nem era hábito ouvir o acusado, jamais sendo mulher, nem a absolvição era previsível nos hábitos locais. A lapidação de Maria tinha transitado em julgado.

A lapidação era, aliás, um divertimento em voga, que deixava excitados os autóctones das margens do rio Jordão que atravessava o Lago Tiberíade a caminho do mar Morto. Diga-se, de passagem, que esse desporto ainda hoje é muito popular nos países islâmicos, para imenso gáudio das multidões, e satisfação de Maomé.

Aconteceu que andando o Senhor Jesus a predicar por aquelas bandas, depois de indagar o que se passava, aproveitou a multidão para se lhe dirigir, e disse:

– Aquele de vós que nunca errou que atire a primeira pedra.

Todos pareceram hesitar. Muitos deixaram cair as pedras com que chegaram municiados. Havia crispação nos que vieram de longe, com sacrifício, e um certo desapontamento de todos os que esperavam divertir-se. Só o Senhor Jesus continuava sereno, a medir o alcance das suas palavras. Mas, eis que da multidão se ergueu um braço e Maria de Magdala caiu derrubada por uma pedra certeira.

Enquanto algumas pessoas a reanimavam, na esperança de repor o espectáculo que tão breve se esgotara, o Senhor Jesus foi junto do atirador e disse-lhe:

– Então tu, meu filho, nunca erraste? *

– Senhor, a esta distância, nunca.

* Segundo um evangelho apócrifo o Mestre terá exclamado: Mãe!!! **

** De acordo com os exegetas esta possibilidade deve-se ao facto de a mãe de Jesus estar convencida de que era virgem mais de 18 séculos antes de Pio IX lhe ter atribuído essa qualidade com efeitos retroactivos.