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29 de Março, 2006 Carlos Esperança

A libertação de Abdul Rahman

Regresso ao caso de Abdul Rahman , convertido ao cristianismo. O Supremo Tribunal afegão decidiu suspender o processo que inevitavelmente o condenaria à morte por alegada «incapacidade mental».

A decisão é jubilosa, os pressupostos execráveis.

As pressões internacionais desempenharam um papel de relevo mas os depoimentos dos familiares, «ele não tem todas as capacidades mentais», «é louco» e «diz ouvir vozes estranhas na cabeça», foram o alibi para libertar um cidadão que optou por uma religião diferente daquela em que foi criado.

Provavelmente se tivesse optado pela indiferença religiosa ou pelo ateísmo, decisões igualmente legítimas, não teria sido considerado louco, condição sine qua non para manter ligada a cabeça ao tronco, porque a solidariedade internacional seria mais frouxa e as pressões menos intensas.

Não podemos esquecer o silêncio e cobardia de vários Governos de países democráticos em relação à fatwa contra Salman Rushdie e a displicência com que parecem ser vistas as ameaças de morte a Taslima Nazreen.

É perante factos de que o caso de Abdul Rahman constitui um paradigma que devemos interrogar-nos até onde pode ir a defesa do multiculturalismo e a compreensão com o comunitarismo.

Se aceitarmos que a vontade de Deus, interpretada pelos clérigos, se pensarmos que o direito canónico pode, em qualquer circunstância, ser o fundamento do Direito Penal, é a barbárie que prevalece sobre os avanços da civilização.

Se pensarmos que Camilo foi preso por adultério, que o divórcio era praticamente proibido há 30 anos, que o ensino religioso era obrigatório nas escolas públicas, até há pouco, que a escravatura existiu até meados do séc. XIX e a inquisição até 1821, não temos razões para considerar a civilização europeia superior à árabe.

Efectivamente superior é a democracia comparada com a teocracia, a civilização face à barbárie e a supremacia do Estado de direito sobre a tradição.

Nota: Este caso já mereceu 3 artigos da Palmira: «Sentença de morte no Afeganistão», Insanidades mentais e «Abdul Rahman libertado».

28 de Março, 2006 Palmira Silva

B&B cristãs protestam lei anti-discriminação

A lei britânica anti-discriminação com base na religião ou nas escolhas sexuais recebeu, como seria de esperar, violenta oposição por parte dos cristãos neste país.

Mas ninguém podia prever que centenas de devotos cristãos que dirigem pensões protestem este «abuso» e violação do seu direito de mui cristãmente banirem dos seus tectos homossexuais, casais que não sejam casados ou membros de outras religiões. De facto, centenas de cartas têm sido escritas sobre as novas regras que forçam estes devotos a «trair Deus» e as suas consciências obrigando-os a permitir que «indesejáveis» apreciem a sua hospitabilidade.

Don Horrocks da Aliança Evangélica resume os sentimentos da «hospitaleira» comunidade cristã: «Os homossexuais têm direitos humanos, mas as pessoas religiosas também os têm e potencialmente são incompatíveis». Ou seja, impedir o direito cristão de discriminação com base na religião e na escolha sexual é em si uma discriminação com base na religião já que aparentemente o cristianismo para ser vivido em pleno implica que se possa discriminar pessoas de outras religiões, os abominados homossexuais e pessoas que têm sexo sem serem casadas.

Na mesma linha do pensamento do nosso cavaleiro da pérola redonda que num dos momentos zen de segunda se lamuriou em relação à «Resolução sobre a Homofobia na Europa», que considera uma violação da liberdade (?) esta resolução «abstrusa», já que uma «pessoa, em liberdade, tem o direito de pensar que a homossexualidade é uma depravação». Ecoando a reacção do Vaticano sobre o assunto, que considera esta lei como uma afronta à liberdade, isto é intolerância, religiosa.

27 de Março, 2006 Palmira Silva

Scalia rejeita direitos dos detidos de Guantanamo

Antonin Scalia, um dos juizes Opus Dei que integra a maioria católica no Supremo Tribunal americano declarou num discurso que proferiu para estudantes de Direito em Freiburg que os detidos em Guantanamo não têm o direito a serem julgados em tribunais civis.

Inquirido sobre se os detidos em Guantanamo têm alguns direitos ao abrigo de convenções internacionais, o mui católico juiz, grande paladino do direito à vida de óvulos e espermatozóides e defensor acérrimo da família «tradicional», respondeu:

«Se ele foi capturado no campo de batalha pelo meu exército é aí que ele pertence. Eu tinha um filho nesse campo de batalha e eles estavam a atirar contra o meu filho e eu não vou dar a este homem capturado na guerra um julgamento completo com júri. Seria loucura se o fizesse.»

O devoto Scalia declarou-se ainda atónito com a reacção, que considerou hipócrita, da Europa em relação a Guantanamo.

27 de Março, 2006 Ricardo Alves

Momento Zen de segunda-feira, 27 de Março

Ao ler o início da sua homilia de hoje, onde o inefável João César das Neves (JCN) afirma que «o nosso tempo tem um trauma com a religião», pensei por instantes que o talibã do Diário de Notícias teria finalmente a hombridade de reconhecer que a religião é a maior fonte de violência deste início de século. Efectivamente, do 11 de Setembro aos atentados suicidas no Médio Oriente, passando por Casablanca, Madrid, Bali, Londres e muitos outros lugares, o nosso mundo é aterrorizado por organizações que recrutam crentes e os convencem de que o paraíso fica ao seu alcance se se fizerem explodir levando o máximo de «infiéis» consigo. Todavia, o tema da crónica é uma alegada dificuldade contemporânea em aceitar que tudo é religião (e tudo mesmo, até o ateísmo, por paradoxal que pareça a quem não partilhe da mundividência surreal de César das Neves).

Assim, no segundo parágrafo JCN diz-nos que os movimentos espirituais ditos «da Nova Era» são religião, presume-se que da má porque aparecem, diz-nos ele, para colmatar a «decadência espiritual da Europa» (sic!). No terceiro parágrafo, insulta e blasfema a moderna música urbana, ao comparar «o rock e o metal» à religião organizada. No quarto são as canções de música ligeira que são vilipendiadas ao serem comparadas a «orações», embora ninguém cantarole a última canção da Ágata antes de se fazer explodir num restaurante.

O melhor do «amor cristão» de JCN está porém reservado, como sempre, para os ateus. Produz alguns daqueles oxímoros que tanto o embevecem: fala-nos do «dogma inabalável do cientifismo panteísta» (o dogma que consiste em não aceitar dogmas?) e assegura-nos que «o cepticismo militante mostrou ser a fé do avesso» (ter dúvidas é uma forma de fé?). Estes jogos de linguagem evidenciam como até na madraça de Palma de Cima o pós-modernismo e o obscurantismo religioso se deram as mãos.

Quase no fim, JCN conduz-nos a uma falsa alternativa que ele diz constituir o «o núcleo central do fenómeno religioso»: «a natureza e o homem não são deus, não se criam a si mesmos nem controlam o mundo à sua volta. Ou Alguém faz isso, ou então a vida e a realidade não têm finalidade e sentido». Na realidade, o mundo não foi criado para nós (aliás, nem foi criado). Quanto à vida, tem o sentido que lhe quisermos dar, e é aí que começa a nossa liberdade.
27 de Março, 2006 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

Após a confissão, a homilia beata e a eucaristia, os últimos padre-nossos produzem tal euforia mística que os devotos, desnorteados, querem ser internados …num convento.

João César das Neves (JCN) entre o convento para que lhe puxa a devoção e o Diário de Notícias para que o empurra a obrigação, opta pela segunda hipótese para gáudio dos leitores e remissão dos pecados.

Na homilia de hoje nota-se o catecúmeno muito excitado. No Afeganistão os talibãs refugiam-se nas montanhas, aqui acoitam-se nos jornais. No Irão os mullahs pregam nas mesquitas, em Portugal JCN usa a pág. 6 do DN.

Vejamos algumas pérolas da homilia de hoje:

JCN – «a esmagadora maioria da humanidade afirma pertencer a uma das grandes doutrinas…»
DA: Claro, o perigo é bom conselheiro. No islão, o apóstata arrisca a decapitação. No cristianismo já arriscou a fogueira. JCN esquece a Espanha de Franco, o Portugal de Salazar e os EUA de Bush, para dar exemplos recentes de perseguições e intolerância a não crentes?

JCN – Assiste-se à expansão aberta das devoções descafeinadas, sobretudo nas zonas de decadência cultural, como a Europa: (….)
DA – Sendo a Europa uma zona de decadência cultural presume o bem-aventurado que o Irão, a Arábia Saudita, o Uganda ou os EUA estão no apogeu da cultura, na apoteose do pensamento filosófico ou no dealbar de um novo iluminismo?

JCN – A juventude naturalmente não pode existir sem uma fé. Os que a assumem, vivem equilibrados; os outros são explorados por interesses sedutores.
DA – Para JCN a eucaristia é a pílula do equilíbrio e a oração o redutor de ansiedade.

JCN – Até a letra de muitas canções lembra o Livro dos Salmos. Nominalmente tratam do prazer, mas só ganham sentido como orações. Frases como «não posso viver sem ti» ou «amar-te-ei para sempre» são incompreensíveis se dirigidas à amada; mas referidas a Deus, tornam-se plausíveis e razoáveis.
DA – Isto é um caso de teofilia, uma parafilia mística, um erotismo contemplativo em que aos gemidos do crente responde o silêncio do deus. A menos que deus arfe.

JCN – Até o Papa pode rezar, quase sem mudar uma vírgula, com as nossas canções, da velhinha Always on my Mind (1972) de Elvis Presley até a I Do It For You (1993) de Bryan Adams.
DA – O Papa não perde tempo a rezar, tem a seita e os negócios para gerir.

JCN – O fervor beato dos ateísmos, jacobino ou marxista, o dogma inabalável do cientifismo panteísta ou a mística apocalíptica dos movimentos ecológicos e naturistas, contêm todos os elementos das igrejas tradicionais.
DA -JCN vê, finalmente, que as igrejas tradicionais (cristianismo e outras patologias) têm fervor beato, dogmas inabaláveis e mística apocalíptica. Faz autocrítica servindo-se dos inimigos de estimação, para os estigmatizar.

JCN – Nessa época, [guerras da Reforma] em que detalhes teológicos se tornavam pretextos nos campos de batalha, as pessoas pacíficas não podiam falar de fé, sob pena de combaterem os vizinhos.
DA – JCN chama detalhes ideológicos aos motivos que separaram Lutero e Calvino de Roma e, quiçá, escaramuças ao banho de sangue que dilacerou a Europa. As fogueiras da inquisição eram pias manifestações de fé.

JCN – O positivismo do século XIX fez do homem armado com a ciência o único deus, e Marx, Freud, Sartre, os seus profetas. Com o Holocausto, a bomba e o gulag, ele revelou-se o pior dos ídolos.
DA – JCN confunde Marx, Freud e Sartre com cardeais, bispos e Pio XII que, esses sim, foram cúmplices do Holocausto. Não consta que os citados tivessem apoiado Hitler.

27 de Março, 2006 Carlos Esperança

Deus é maluco

Deus é uma infeliz criação filha da depressão, angústia e sofrimento. A agressividade das tribos guerreiras fez o deus apocalíptico, cruel, , intolerante e avesso à modernidade. A superstição e a ignorância alimentam o medo e a ânsia do poder criou o clero para explorar a fragilidade humana, pôr o mito a render e perpetuá-lo.

Nos EUA o deus é um biltre que está contra o aborto e abomina homossexuais, que fez à sua imagem e semelhança. Os pastores evangélicos, que o representam, repetem que «é preciso resgatar a nossa república das mãos dos ateus» e informaram a comunicação social de que o furacão de Nova Orleães foi «castigo de Deus», sem que um só processo por perdas e danos tenha entrado nos tribunais contra tão pérfida criatura.

Foi esse deus, aliás, que outorgou o mandato de que Bush se reclamou na guerra contra os infiéis. O presidente americano afirmou obedecer a deus e garantiu aos compatriotas o seu apoio, promessa a cujo cumprimento o velho, surdo às orações, tenta esquivar-se.

Blair, outro crente, garantiu que obedeceu aos desígnios de deus, um parente próximo do de Bush e que, portanto, só responde perante ele. Os ingleses andam confusos, não porque julguem Blair mentiroso mas porque desconfiam de deus.

O deus do Islão não é muito diferente, mas é um boçal à espera de aprender a comer com faca e garfo. Tem por hábito recomendar fatwas e pela-se por mártires. Dá-lhe estatuto, nas reuniões de deuses, exibir o número de trogloditas que se imolam.

Nutre pelas mulheres o mesmo desprezo que lhe merecem os direitos humanos e, como é chanfrado, põe os homens a rezar cinco vezes por dia com o rabo virado para o lado contrário a Meca. Rabugento, ora quer peregrinações, ora exige jejuns, ansioso por ver exterminar infiéis, que são os fiéis do deus dos EUA e do deus dos judeus de trancinhas.

O deus do Papa é independente de direita. Vacila entre Pinochet e Hitler, é mais velho e gosta de ver empregados com rendinhas, sedas e adereços hilariantes. Adora latim como o do islão se pela pelo árabe. Tem um exército de sotainas que viaja de joelhos ou de rastos para lhe mostrar a subserviência.

Este deus não pode com judeus, acha que é o único verdadeiro e que todo o mundo lhe devem obediência. Anda sempre arreliado com os parentes protestantes e, de vez em quando, fica possesso com os primos dos ortodoxos.

Sabe que é o único deus verdadeiro e que, sem ele, não há salvação. A chatice é que os outros deuses pensam o mesmo. Por isso, se os homens não os meterem nos eixos, acabam a digladiar-se enquanto no Paraíso, aqueles ranhosos se rebolam de gozo.

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Abdul Rahman libertado

De acordo com uma fonte oficial que pediu o anonimato, o caso de Abdul Rahman foi devolvido ao procurador geral devido a falhas processuais e Abdul Rahman será libertado muito provavelmente hoje, embora os detalhes da sua libertação sejam mantidos em segredo dadas as reiteradas ameaças da comunidade religiosa afegã em relação a esta possibilidade.

Enquanto o caso é reapreciado Rahman não necessita estar preso pelo que será libertado (e rapidamente reconduzido para um país ocidental, acrescentaria eu). À suposta insanidade mental de Rahman a tal fonte oficial acrescentou dúvidas (?) sobre a nacionalidade deste como as razões da libertação.

A solução fácil que não resolve algo foi a adoptada pelo governo afegão!

Entretanto os 300 «intelectuais» e clérigos muçulmanos que se reuniram no Bahrain decidiram um plano para nos educar, a nós infiéis, sobre o profeta. Um sheik influente exortou ainda a ONU a «produzir regras estritas que criminalizem a difamação da religião».

O autismo patente nesta reunião pode ser apreciado nas declarações de Saleh Sulaiman Al-Wohaibi, secretário geral da World Assembly of Muslim Youth (WAMY): «E nós queremos que a Europa respeite os direitos dos muçulmanos e perceba os valores da sua fé».

A ironia que esta afirmação tenha sido produzida enquanto Rahman jazia numa cadeia pela ofensa capital de se ter convertido ao cristianismo passou completamente ao lado do ilustre «intelectual». Diria que a Europa de facto respeita os direitos dos muçulmanos mas, infelizmente, o mundo islâmico não tem nem sombra de respeito pelos direitos dos não muçulmanos, mesmo em países «moderados» como a Malásia .

Quanto aos valores da fé eu diria que por muita boa vontade que os ocidentais tenham é complicado ver qualquer valor numa religião que prevê pena de morte para quem repudie essa religião.

Os clérigos muçumanos podem bramar o que lhes apetecer sobre quão ignorantes sobre o profeta e o Islão em geral são os ocidentais mas não só as suas acções nos últimos tempos não têm contribuído para o tipo de respeito que exigem (e este respeito não se exige, merece-se) como têm demonstrado numa base regular a sua total incompreensão dos valores ocidentais

Se assim não fosse a guerra dos cartoons nunca teria acontecido, já que o conceito de blasfémia está essencialmente ausente das sociedades ocidentais actuais, não obstante os esforços dos fundamentalistas cristãos em o reintroduzir. Tão ausente quanto o conceito dos direitos dos indíviduos está das sociedades islâmicas.

Mas enquanto os islâmicos se insurgem contra a intolerável intromissão dos ocidentais nos assuntos internos do Afeganistão, nomeadamente nos seus «valores» religiosos, por outro lado acham que têm o direito de intervir nos assuntos internos e nos valores, nomeadamente no direito à blasfémia, não só da Dinamarca como do restante mundo ocidental. Ao extremo de se acharem no direito de nos impor uma idiota, anacrónica e alienígena resolução que criminalize a «difamação da religião». Resta saber se consideram igualmente um direito muçulmano inalienável exigir pena de morte a quem a tal se atreva!

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Nem só Deus é contra a cultura


Eugéne Delacroix (1798-1863), Atilla suivi de ses hordes, foule aux pieds l’Italie et les arts

Na noite de 10 para 11 de Março a Sorbonne foi ocupada por 12 horas. Para além de pelo menos 10 salas e escritórios da l’École des Chartres, localizada na Sorbonne e que forma pessoal científico responsável pela manutenção de património, terem sido saqueadas, dois anfiteatros e todas as cafetarias destruídos, um número indeterminado de livros raros e de elevado valor histórico e religioso foram mutilados, roubados ou destruídos.

Uma lista preliminar dos títulos em falta foi entregue pelo director da l’École des Chartes, Jérôme Belmon, ao reitor da Universidade. Confirmados como desaparecidos encontram-se os cartulários dos abades da Île-de-France, mais concretamente de Saint-Leu d’Esserent, de Saint-Christophe en Halatte, da abadia de Morienval, de Notre-Dame de Chartres, e dos priorados de Saint-Godon-sur-Loire e de Saint-Thomas d’Epernon. Os cartulários são livros nos quais eram inscritos todos os documentos oficiais ou de direito privado na Idade Média e são portanto indispensáveis para o estudo desta época. Alguns dos cartulários desaparecidos reproduzem documentos que se pensa serem do século X.

Quaiquer que sejam os motivos, a violência e a destruição de património histórico, indispensável para a análise da evolução cultural (que inclui como é óbvio a religião) do Homem são inadmíssiveis. O vandalismo perpetrado na Sorbonne é tão inadmíssivel quanto a destruição das estátuas milenares de Buda em Bamiyan, Afeganistão.

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Liberdades em perigo – Malásia

O ministro da Justiça de facto da Malásia, Nazri Abdul Aziz, ameaçou recentemente com prisão (até 3 anos) e multas elevadas os não islâmicos que se atrevam a fazer críticas ao Islão.

Nazri Aziz disse que todos os que criticarem o Islão serão julgados ao abrigo do «Sediction Act», um anacrónico legado colonial, que foi introduzido pelos britânicos antes da independência do país em 1957.

O ministro declarou-se ainda preocupado com artigos recentes sobre o Islão escritos por não-muçulmanos e avisou que existe um limite ao que pode ser escrito num país em que cerca de 60% dos habitantes são muçulmanos.

«Quero recordar aos não-muçulmanos que se abstenham de fazer comentários ao que não percebem [afirmação proferida com frequência pelos nossos leitores católicos] continuando «Nós não queremos retirar-lhes os vossos direitos [o que na realidade estão a fazer] mas a religião é um assunto importante, especialmente para os muçulmanos».

E quais são os assuntos cuja mera abordagem é vista como uma ofensa ao Islão proferida pelos ignorantes não islâmicos?

Bem, para além de assuntos tão «inócuos» como a determinação governamental de há uns dias que obriga todas as mulheres polícia a usar o lenço islâmico em cerimónias oficiais, os não muçulmanos têm sido muito críticos nos últimos tempos de uma adição à Constituição da Malásia, o artigo 121 (1A), e da legislação que regula disputas familiares, a Islamic Family Law Bill. Em suma, criticam a crescente islamização do país.

A Constituição bizarra da Malásia tem sido criticada internacionalmente nos últimos anos. De acordo com o artigo 3(1) , neste país de religião oficial muçulmana «outras religiões podem ser praticadas em paz e harmonia em qualquer parte da federação». O artigo 11 estabelece ainda que um cidadão pode seguir qualquer religião que escolha.

No entanto este artigo que reconhece a liberdade religiosa na Malásia foi anulado pelo artigo 121 (1A), introduzido em 1988. Este artigo estabelece que os tribunais civis não têm jurisdição sobre os Syariah Courts (tribunais da Sharia ). Como são os tribunais da Sharia que julgam casos de apostasia, na prática nenhum muçulmanos pode deixar o Islão e se o tentar fazer pode ser preso por «insultos ao Islão».

A tirania dos tribunais islâmicos, que existem em 13 estados da Malásia, significa que nenhum muçulmano foi alguma vez permitido a deixar vivo o Islão. Aliás, a única pessoa a que tal foi permitido foi uma budista de 89 anos, Nyonya Tahir, a quem foi concedido este privilégio após a morte.

Muitos estados adoptaram a igualmente controversa Control and Restriction Bill, que estabelece pena de prisão e uma multa de 10,000 ringit (cerca de 2 500 euros) para alguém considerado culpado de «persuadir, influenciar um muçulmano a deixar o Islão por outra religião».

Este mês, Marina Mahathir, feminista e activista dos direitos humanos, e também a filha de um ex-primeiro ministro da Malásia, Mahathir Mohammad, escreveu um artigo no Malaysia Star criticando a forma como o Islão está a a oprimir as mulheres malaias. De igual forma, o funeral muçulmano em Dezembro último de um herói nacional, um hindu que escalou o Evereste, M. Moorthy, declarado como convertido (postumamente) ao Islão pelos tribunais da Sharia, foi um escândalo muito criticado pela impensa escrita. A esposa de Moorthy, Kaliammal, que não sabia da possibilidade de alguém se converter ao Islão depois de morto, fez uma petição ao Supremo tribunal pedindo que o seu corpo fosse libertado para ela proceder ao seu funeral segundo os ritos da religião de ambos, uma cremação hindu. O Supremo Tribunal não pode fazer algo uma vez que não tem jurisdição sobre os tribunais da Sharia!

A islamização crescente do país é sentida como uma ameaça pelos 40% da população que não são muçulmanos. Trinta grupos hindu formaram a Hindu Rights Action Force (HRAF) para tentar que os efeitos da Sharia não se lhes apliquem, especialmente depois do caso Moorthy. De igual forma a Malaysian Chinese Association (MCA), pediu uma revisão do referido artigo 121 (1A) , que lê «os tribunais civis não terão jurisdição em relação a qualquer assunto dentro da jurisdição dos tribunais da Sharia». O primeiro-ministro, Najib Razak, prometeu em 14 de Janeiro que os tribunais iriam trabalhar para garantir que pudesse existir recurso para as decisões dos tribunais da Sharia.

Com a recente declaração do ministro da Justiça parece que o primeiro-ministro resolveu da forma totalitária habitual das religiões as petições dos não muçulmanos. Com a anunciada ameaça de mandar para a prisão todos os críticos do Islão e das leis islâmicas estes são reduzidos ao silêncio e acabam-se as petições contra a islamização do país. A risco de os seus subscritores, ignorantes de assuntos do Islão e que não percebem que é «uma religião de paz», irem parar à cadeia por um período prolongado!

Como Aziz afirmou em relação ao que é permitido aos não-muçulmanos escrever: «Há assuntos que não devem ser tocados». Um deles é a islamização da Malásia!

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Liberdades em perigo – Yemen

Muhammad al-Asadi, o editor do Yemen Observer, foi preso depois de o jornal que dirigia ter publicado os cartoons da discórdia, traçados com uma cruz negra, na linha dos artigos que acompanhavam a publicação, em Fevereiro último.

Para além do caso público contra o jornalista vários advogados apresentaram casos civis contra o «crime» de al-Asadi, pelo qual pedem a pena de morte citando um precedente «histórico» que refere que o profeta louvou o assassino de uma mulher que o insultou.

A situação de al-Asadi não se alterou substancialmente depois da entrevista que concedeu à Newsweek em 17 de Fevereiro, uns dias depois de ser preso. O seu julgamento foi novamente adiado (pela terceira vez) agora para 19 de Abril.

A liberdade de imprensa assim como a liberdade de opinião e de expressão estão sob ataque pelos fundamentalistas, islâmicos neste caso mas não só. É imperioso que nós, todos os que prezam os direitos fundamentais do Homem, nos façamos ouvir em protesto pelo insulto que mais este julgamento por blasfémia constitui!